Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00290/11.3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/12/2012
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Anabela Ferreira Alves Russo
Descritores:RECLAMAÇÃO JUDICIAL
GARANTIA BANCÁRIA
PRODUÇÃO DE PROVA
ARTS. 114.º, 115, N.º 1 E 119.º DO CPPT
ART. 52º, Nº 4 DA L.G.T.
ART 170º, Nº 3 E 199º, Nº 3 DO CPPT
Sumário:I - Compete ao juiz examinar se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes em face das normas que disciplinam a admissibilidade desse meio de prova, e, no caso afirmativo, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, só podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.
II - A demonstração do prejuízo irreparável, da insuficiência de bens ou da irresponsabilidade da Reclamante na referida insuficiência pode ser feita por todos os meios de prova admissíveis, designadamente através de prova testemunhal.
III – Tendo a Reclamante alegado não ter meios económicos suficientes à prestação da garantia e que aquela prestação lhe causará prejuízo irreparável por, tendo em conta a sua situação patrimonial, jamais poder obter garantia externa, nomeadamente bancária, para enfrenta a situação de suspensão, face à situação da banca e dos seguros, o que as testemunhas iriam confirmar; que a não apresentação da garantia e o prosseguimento da execução com as consequentes penhoras de crédito inviabilizarão o funcionamento da Reclamante que tem já a sua reputação abalada e mais afectada ficará, comprometendo-se irremediavelmente a sua liquidez e o seu bom nome e giro comercial e que não tem responsabilidade na insuficiência de bens pois tem conduzido sempre a sua actividade de molde a obter sempre resultados positivos ao longo da sua existência e que jamais existiu dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores conforme documentos que junta e protesta juntar - matéria que, em abstracto, é susceptível de relevar para a decisão da causa, na exacta medida em que se reporta directamente aos pressupostos de que depende o deferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia e, em concreto, não pode ser reconduzida a uma qualificação de meras generalidades, antes constituindo alegações suficientemente concretizadas de factos que, a provarem-se, são susceptíveis de integrar os pressupostos legais da dispensa da garantia - não pode ser-lhe recusada a possibilidade de demonstração dessa factualidade através da prova testemunhal oferecida.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:O..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
I – Relatório
O.., S.A., (Recorrente), com sede …, NIPC … … …, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu - que julgou improcedente a reclamação por si deduzida do despacho de 2-6-2011, da Chefe do Serviço de Finanças Nelas, de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia -, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:
1 – O objecto da inquirição de testemunhas é pertinente e fundamental na apreciação do acto reclamado.
2 - Ademais, entende a recorrente que o Artº 170º do CPPT não proíbe a realização de prova testemunhal sobre os factos alegados e não limita a prova à prova documental.
3 - A inquirição das testemunhas é o meio de prova na descoberta da verdade material.
4 - A prova testemunhal deve ser considerada aos autos, cfr. Artº 392º do CCivil.
5 - Foram assim violadas as normas constantes dos Artº 108º, nº3 e artº 118º, nº2, ambos do CPPT.
6 - O indeferimento da inquirição das testemunhas dificulta a recorrente de fazer prova sobre a existência de prejuízo irreparável que a prestação de garantia pode causar.
7 - A recorrente, face à douta decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, fica coarctada na sua posição processual em clara violação do principio da igualdade das partes na sua acepção substancial, violando-se desta forma também o Artº 3º-A do CPC.
Nestes termos, deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que admita a realização da prova testemunhal oportunamente requerida pela recorrente, para proferir decisão sobre dispensa, ou não, de prestação de garantia, assim se fazendo Justiça.».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Neste Tribunal Central Administrativo, a Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Com dispensa dos vistos legais - artigos 36º, nº 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e 707º, nº 4, do Código de Processo Civil (CPC) - cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.
O OBJECTO DO RECURSO
Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo o já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
No caso concreto estas considerações mostram-se relevantes já que, é necessário deixar desde já claro que, ainda que de forma deficientemente alegada e delimitada, não cremos subsistir dúvidas de que constitui objecto do presente recurso o julgamento de facto e de direito realizado na sentença deste autos e não o juízo realizado no âmbito do despacho proferido a 2 de Setembro de 2011 na sequência do qual se conclui pela dispensa de produção de prova testemunhal.
Na verdade, pese embora a acentuada tónica dada pela Recorrente nas suas alegações de recurso à omissão de inquirição das testemunhas e o realce imposto ao facto de tal inquirição ter sido desde logo requerida no requerimento apresentado junto dos Serviços de Finanças em que a Reclamante havia peticionado a dispensa de prestação de garantia e, posteriormente, na reclamação judicial apresentada, é, salvo o devido respeito, suficientemente perceptível, quer do requerimento de interposição de recurso jurisdicional interposto [em que a Recorrente expressamente consigna que por ter sido notificada da sentença proferida e com a mesma se não conformando «vem dela interpor o presente recurso»], quer do conjunto de alegações apresentadas, em especial dos artigos 3º, 4º e 13º daquelas alegações, que todo o mais alegado no que concerne à produção de prova testemunhal o foi no sentido de demonstrar o que a Recorrente entende constituir erro de julgamento, por o Tribunal ter decidido a improcedência da reclamação por inexistência de prova dos pressupostos de que tal dispensa estava dependente, tendo sedimentado a factualidade relevante à decisão jurídica sem ouvir as testemunhas indicadas, isto é, sem produzir toda a prova requerida susceptível de alterar tal juízo final.
Note-se, aliás, como é chamado expressamente à colação pela Recorrente nas suas alegações, que é o próprio Tribunal a quo, e em sede de «Fundamentação» jurídica da decisão, que, no ponto «III I Os factos e o direito» retoma novamente a questão da dispensa das testemunhas [ainda que o faça por remissão para despacho autonomamente proferido e oportunamente notificado à Recorrente que o não impugnou] pelo que, tal matéria, fazendo parte da sentença sob recurso, não pode deixar de admitir-se como sendo passível, ainda que na óptica tão só, de erro de julgamento da matéria de facto, de ser objecto deste recurso.
Temos, assim, por seguro, atento o exposto e as conclusões da alegação de recurso apresentada que o objecto do presente recurso está circunscrito a uma única questão: saber se na sentença recorrida o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto, condicionador da decisão proferida em matéria de direito.
II – Os Factos
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida na 1ª instância e que passamos a transcrever ipsis verbis
«Em face dos elementos juntos aos autos, e com interesse para a decisão a proferir, considero relevantes os seguintes factos:
A) O Serviço de Finanças de Nelas, com base em certidões de dívida respeitantes a IRC do ano de 2005, no montante global de 188 734,70€, instaurou, em 07-04-2011, contra a ora Reclamante, o processo de execução fiscal n.° 2585201101002112, cfr. cabeçalho da reclamação constante de fls. 3 e segs. e fls. 26 e segs., todas destes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido o mesmo se dizendo dos demais documentos infra referidos;
B) porque foi citada em 11-04-2011 para a execução vinda de referir, nomeadamente para em 30 dias proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido, apresentou, em 21-04-2011, via postal, requerimento a solicitar a dispensa da prestação de garantia referindo que prepara impugnação judicial das liquidações originadoras da dívida exequenda e lhe ser impossível prestar garantiaporque não tem património disponível para o efeito pois o seu património é essencialmente constituído por terceiros e existências; os meios líquidos são escassos e, a serem penhorados, ou dados em garantia, paralisam o giro comercial…; quanto aos activos fixos eles foram dados em garantia noutras dívidas fiscais e oferece-os também para esta execução mas, de certo, que a garantia oferecida vai ser insuficiente…; nada fez para diminuir o seu património, para diminuir a garantia do credor”, Fazenda Nacional”, vide fls. 28 e 44 a 87;
C) O Órgão de Execução Fiscal analisando o requerido, fazendo o seu enquadramento jurídico-factual proferiu, em 09-05-2011, projecto de indeferimento do pedido de isenção com os fundamentos: “…Na sequência de inspecção foram emitidas liquidações de IRC dos anos de 2005 a 2009 que originaram instauração de execuções em Abril de 2011 sendo que o montante global das garantias a prestar no conjunto daquelas ascende a € 1 280 349,80; “o pedido vem de forma insuficiente instruído pois a sua apresentação não fundamenta, não evidencia e não documenta, de modo inequívoco, convenientemente e fundado da verificação dos requisitos de que depende a dispensa e que incumbe à Requerente o ónus da sua demonstração…: que os elementos apresentados respeitam ao s anos de 2008 e 2009, pouco ajustados à realidade actual, um balancete analítico actualizado… seria mais oportuno …“, vide fls. 109 a 111;
D) Comunicado à Requerente através de carta expedida em 10-05-20011 foi-lhe solicitado que, em 15 dias, exercesse o direito de audiência prévia, o que Ela fez, em 25 de Maio de 2011 referindo “… entende que demonstrou suficientemente que não tem meios económicos para a garantia.”
Que não é viável obter garantia externa, nomeadamente bancária, ou de seguro… face à situação da banca ou dos seguros.

Se não apresentar garantias, a Administração Tributária pode avançar nomeadamente com penhoras de créditos, que inviabilizarão o funcionamento da reclamante.” cfr. fls. 112 e 233 a 236;
E) Apreciando os argumentos da Requerente o Órgão de Execução Fiscal, em 02-06-2011, indeferiu o pedido de isenção de garantia considerando:
o balancete analítico e actualizado que refere é, na realidade um balancete sintético e desactualizado… apenas apresenta as contas principais, ao invés de um balancete analítico que apresenta as contas desagregadas até ao seu ultimo grau, a partir do qual é possível aferir com alguma minúcia a composição integral das contas principais…que permitiria um conhecimento concreto onde se encontram os activos e quais os concretos passivos; a executada tem a obrigação de possuir os seus registos actualizados até 31 de Março de 2011, logo um balancete de 31-12-2010, não pode ser designado de actualizado;
Com a colaboração dos serviços de inspecção da Direcção de Finanças de Aveiro obteve-se balancete analítico reportado a 31-12-2010. Da análise do mesmo é possível extrair que a requerente procede ao financiamento directo de outras empresas em vários milhares de euros;
A matéria em causa é susceptível de ser provado por documento pois os elementos contabilísticos são o seu suporte documental privilegiado – a sua falta não pode ser substituída por outro meio de prova, nomeadamente testemunhal;
O direito de audição exercido não acrescenta nada de relevante … antes reitera a nossa convicção de que não está interessada em apresentar provas concretas e evidentes (prova documental), pois tem consciência que a mesma lhe é desfavorável (subcapitalização por evidente financiamento de terceiros), vide fls. 239 e 240;
F) Despacho comunicado à Reclamante em 03-06-2011, tendo reagindo a ele, através da reclamação que deu origem aos presentes autos, apresentada, via postal, no dia 13-06-2011, cfr. fls. 241 e 3 a 20;
G) A Entidade reclamada pronunciando-se sobre a reclamação manteve o despacho reclamado e remeteu os autos a Tribunal, vide fls. 160 a 166.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.».
III – O Direito
Conforme resulta do ponto I e II supra, a Reclamante veio interpor recurso da sentença proferida nos autos, na qual se decidiu pela improcedência da reclamação apresentada por, em síntese, a Reclamante não ter logrado fazer prova dos pressupostos legais de cujo preenchimento estava dependente a dispensa de prestação de garanta bancária que almejava.
A questão ou objecto deste recurso, nos termos supra delimitados, que ora importa apreciar e decidir é, pois, a de saber se o Tribunal a quo efectuou um correcto julgamento da matéria de facto e de direito ao decidir pela forma como o fez ou, pelo contrário, como defendido pela Reclamante, errou no julgamento de facto realizado, o que condicionou a decisão jurídica proferida, a qual, não fosse o erro de facto apontado, poderia ser outra, eventualmente favorável à Reclamante.
Adiantamos desde já que, em nosso entender, é a esta última que assiste razão.
É que, como resulta das alegações e conclusões do recurso apresentado, a Recorrente sustenta, em síntese, que a inquirição das testemunhas por si arroladas em sede de petição é pertinente e fundamental à apreciação do acto reclamado e que a dispensa da sua inquirição lhe dificultou a realização da prova sobre a existência de prejuízo irreparável que a prestação da garantia lhe pode causar o que determinou que na sentença proferida se viesse a concluir pela inexistência de prova dos pressupostos em causa e julgada improcedente a reclamação judicial.
Ora, sobre esta situação concreta de dispensa da prova testemunhal e da sua relevância em sede de mérito da sentença proferida, este Tribunal Central Administrativo tem vindo a pronunciar-se repetidamente, decidindo que:
“ Em matéria de pressupostos ou requisitos da dispensa de prestação de garantia, e ónus da respectiva prova, estabelecem os artº 52º, no seu nº 4, e 74º, nº 1, ainda da LGT, que:
Artº 52.º
(Garantia da cobrança da prestação tributária)
(…)
4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
(…).
Artº 74.º
(Ónus da prova)
1 O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
(…)
Por seu lado, dispõe o artº 170º do CPPT que:
“Artº 170.º
(Dispensa da prestação de garantia)
1 - Quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal no prazo referido no n.º 2 do artigo anterior. 2 – (…)
3 - O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária.
4 –(…)”
Finalmente, estatuem os artºs 342º e 343º-1 do CC, o seguinte:
“Artº 342º
(Ónus da prova)
1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.
Artº 343º
(Ónus da prova em casos especiais)
1. Nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.
2. Nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei.
3. Se o direito invocado pelo autor estiver sujeito a condição suspensiva ou a termo inicial, cabe-lhe a prova de que a condição se verificou ou o termo se venceu; se o direito estiver sujeito a condição resolutiva ou a termo final, cabe ao réu provar a verificação da condição ou o vencimento do prazo.”.
De acordo com tais comandos jurídicos, a isenção da prestação de garantia pressupõe a causa de um prejuízo irreparável ou a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado, competindo ao executado a alegação e a comprovação de tais pressupostos.
O executado pode ser isentado da prestação de garantia nas seguintes situações:
a) Quando essa prestação causar prejuízo irreparável; e
b) Quando for manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Em ambos os casos, mostra-se, ainda, necessário que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
A Recorrente, no âmbito da execução fiscal, em referência nos autos, requereu a prestação de dispensa de garantia, em ordem à suspensão daquela execução fiscal, tendo alegado como fundamento que a prestação de garantia, atenta a sua situação financeira, era susceptível de lhe causar prejuízo irreparável.
Tal pedido foi indeferido com fundamento na falta de comprovação da factualidade alegada.
Inconformada com a decisão de indeferimento da sua pretensão, a Recorrente deduziu reclamação contra a mesma nos termos previstos no artigo 276º do CPPT, a qual veio a ser julgada improcedente pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu através da sentença na qual se decidiu que a ora Recorrente “não fez prova da existência dos pressupostos vertidos no artigo 52º, nº 4 da Lei Geral Tributária e nos artigos 170º, nº 3 e 199º, nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, designadamente do prejuízo irreparável”.
Ora, compulsados os autos, uma vez analisada a petição inicial, verifica-se que, no essencial, a Recorrente alegou que a prestação de garantia bancária para suspender a execução é susceptível de lhe causar prejuízo irreparável na medida em que a mesma, dada a sua situação patrimonial, irá implicar uma diminuição do tecto do seu crédito bem como um agravamento da remuneração do mesmo o que provocará transtornos no desenvolvimento da sua actividade comercial e a susceptibilidade de ter que se apresentar à insolvência.
Para além disso, não pode dispor dos seus activos, nomeadamente os vinhos que possuiu em armazém, para constituir garantias, sob pena de frustrar a sua actividade económica, o mesmo sucedendo com os créditos sobre os seus clientes, sendo certo que a não suspensão da execução com as inerentes penhoras sobre os saldos bancários bem como sobre os créditos dos seus clientes surtirá como efeito a sua paralisação com a consequente insolvência.
Finalmente, alegou a Recorrente não ter praticado actos tendentes à diminuição da sua capacidade patrimonial, pelo que não tem responsabilidade na “insuficiência ou inexistência de bens” para prestar garantia.
Toda esta factualidade configura-se como susceptível de relevar para a decisão da causa, na exacta medida em que se reporta directamente aos pressupostos de que depende o deferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia.
Assim sendo, não se afigura correcta a alegação contida no despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, no que é sufragado pela sentença recorrida no sentido de que a ora Recorrente apenas alega generalidades relacionadas com uma situação patrimonial debilitada, dificuldades em acesso ao crédito e perspectivas de insolvência, porquanto da leitura quer do requerimento da dedução do pedido quer da petição inicial da reclamação resulta uma alegação suficientemente concretizada de factos que serão susceptíveis, a provarem-se de integrar os pressupostos legais da dispensa da garantia.
Por outro lado, a entender o tribunal a quo que a alegação constante da petição inicial não se encontrava suficientemente concretizada, impunha-se-lhe que tivesse formulado o convite à Recorrente/Reclamante para proceder à concretização dessa alegação nos termos previstos no artº 508º-3 do CPC, aplicável ex vi do artº 2º-e) do CPPT.
Assim sendo, afigura-se evidente que, tendo sido arroladas testemunhas na petição inicial, se impunha a produção de prova testemunhal sobre os factos alegados pela ora Recorrente.
E tendo decidido sobre a matéria de facto sem a produção de prova testemunhal requerida pela Recorrente e tendo considerado como não provada toda a factualidade por esta alegada no sentido de demonstrar o preenchimento dos pressupostos da dispensa de prestação de garantia, incorreu a sentença recorrida em erro que implicará a respectiva revogação com a remessa dos autos à 1ª instância para aí ser produzida prova testemunhal sobre a factualidade alegada na petição inicial e relevante para a decisão da causa e, após, nada obstando, ser proferida nova decisão. (No mesmo sentido se decidiu no Ac. deste TCAN, de 04.MAR.11, in Rec. nº 407/10.5BEVIS,).
Deste modo, porque os autos não contêm os elementos probatórios que permitam a este Tribunal reapreciar a matéria de facto, impõe-se, ao abrigo do disposto no artº 712º-4, do CPC, aplicável ex vi do estatuído no artº 2º-e) do CPPT, anular a sentença recorrida com a consequente remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância, para aí se efectuarem as diligências instrutórias que se mostrem necessárias com vista à fixação da factualidade relevante, em ordem à decisão da causa.”. (cfr. Ac. do TCA Norte proferido no processo n.º 321/20.4BEVIS).
Ora, tal como no acórdão que parcialmente acabamos de transcrever, também a Recorrente destes autos, em sede de petição inicial, não só alegou não ter meios económicos suficientes à prestação da garantia [cfr. a título de exemplo os artigos 13º e 14º e 15º da petição inicial], como alegou que aquela prestação lhe causará prejuízo irreparável por, tendo em conta a sua situação patrimonial, jamais poder obter garantia externa, nomeadamente bancária, para enfrenta a situação de suspensão, face à situação da banca e dos seguros, o que as testemunhas iriam confirmar [artigos 15º a 19º da mesma peça processual referida]; que a não apresentação da garantia e o prosseguimento da execução com as consequentes penhoras de crédito inviabilizarão o funcionamento da Reclamante que tem já a sua reputação abalada e mais afectada ficará, comprometendo-se irremediavelmente a sua liquidez e o seu bom nome e giro comercial [cfr. arts. 20º a 23º da petição inicial] e que não tem responsabilidade na insuficiência de bens pois tem conduzido sempre a sua actividade de molde a obter sempre resultados positivos ao longo da sua existência e que jamais existiu dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores conforme documentos que junta e protesta juntar [cfr. artigos 24º a 28º da petição de reclamação].
É, pois, para nós, por demais evidente que, também nestes autos, e perante factualidade distinta, a apreciação jurídica no acórdão citado aqui tem inteira aplicabilidade, isto é, que a factualidade alegada é susceptível de relevar para a decisão na medida em que se conexiona directamente com os pressupostos de que está dependente a dispensa de prestação da garantia formulada pela Reclamante e, consequentemente, que não é correcto o julgamento realizado no despacho de dispensa de testemunhas, acolhido e sufragado expressamente na sentença sob recurso.
Sendo assim, e tendo sido arroladas testemunhas, impunha-se ao Tribunal a produção de prova testemunhal sobre os factos alegados pela Requerente, o que, não fez, declarando como não provada toda a factualidade por aquela invocada tendente a demonstrar o preenchimento dos pressupostos da dispensa de prestação de garantia, incorrendo, por isso, a sentença recorrida em erro determinante da sua revogação com a consequente remessa dos autos à 1ª instância para aí ser produzida prova testemunhal sobre a factualidade alegada na petição inicial e relevante para a decisão da causa e, após, nada obstando, ser proferida nova decisão.
Impõe-se, pois, que este Tribunal, e uma vez que os autos não contêm os elementos probatórios que permitam reapreciar a matéria de facto ao abrigo do disposto no artº 712º-4, do CPC, aplicável ex vi do estatuído no artº 2º-e) do CPPT, revogar a sentença recorrida.
IV- Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
- Revogar a sentença recorrida;
-Ordenar a remessa dos autos ao Tribunal a quo, em ordem à realização de diligências instrutórias com vista à fixação da factualidade relevante à decisão da causa.
Sem custas.
Porto, 12-1-2012
Ass. Anabela Russo
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos