Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01988/11.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/15/2013
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Pedro Marchão Marques
Descritores:QUESTÃO NOVA; REVERSÃO; ART. 24º N.º 1 AL. B) DA LGT
Sumário:i) A invocação da situação de facto de que a devedora originária cessou a sua actividade no ano de 1992, só suscitada nas alegações de recurso, não tendo o oponente motivado o pedido de extinção da execução nessa circunstância na petição inicial, nem aí alegado quaisquer factos pertinentes, daí pretendendo também extrair consequências ao nível da aplicabilidade do art. 38.º, n.º 2, da LGT, configura uma questão nova, não de conhecimento oficioso e, como tal, não cognoscível pelo tribunal de recurso.
ii) O gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto, tem que demonstrar, em sede de oposição à execução fiscal, que a falta desse pagamento não lhe é imputável (art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT).
iii) Quando a lei fala em contribuinte para efeitos de caducidade do direito de liquidar o imposto, está a reportar-se aos devedores originários e não aos responsáveis subsidiários que apenas são a ela chamados quando aquele não cumpre.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:D...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

D...(Recorrente), com os demais sinais nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a oposição por si deduzida, na qualidade de responsável tributário subsidiário, contra a execução fiscal n.º 0469200501035282 e aps., instaurada pelo Serviço de Finanças de Vila Verde originariamente a A..., Lda, NIF 5…, por dívidas de IVA dos anos de 2002 a 2008, no valor global de EUR 16.959,20, dela veio interpor o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:

1. O objecto do presente recurso é a sentença do Tribunal Administrativo de fiscal de fls.., que julgou improcedente a oposição à execução apresentada pelo aqui Recorrente, versando o mesmo sobre a matéria de facto e de direito.

2. O meritíssimo juiz a quo proferiu sentença com base na ausência de prova convincente por parte do executado para ilisão da presunção de culpa estabelecida na al. b) do nº 1 do artigo 24º da LGT.

3. Tal entendimento do Mmo. juiz a quo baseia-se e fundamenta-se na resposta positiva ao facto 3, alegado pela Fazenda Pública no despacho de reversão, que refere o seguinte “o oponente vem gerindo a executada originária desde a sua constituição até à actualidade, uma vez que a empresa mantém-se em actividade”.

4. Ora a recorrente impugna a resposta dada pelo Tribunal “a quo” à matéria de facto constante do ponto 3.

5. Efectivamente, nos artigos 45 e 46 da sua aliás douta contestação, a oponida, Fazenda Pública alega o seguinte: “Da informação prestada pelo serviço, a coberto da Ordem de Serviço ordenada em 31.03.2011, para a qual se remete e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeito legais (…) foi referido que a sociedade devedora já não laborava há mais de 19 anos”.

6. Ora, se a Fazenda Pública admite que a devedora originária não labora há mais de 19 anos, não pode, ao mesmo tempo, dar-se como provado, como sucede, que a mesma, actualmente, mantém a sua actividade, ou pelo menos, que manteve a actividade entre 2002 e 2008.

7. Assim, o facto alegado pela exequente na contestação, nomeadamente, no artigo 46º, devia, como deve, ser dado como provado, por se tratar de facto confessado pela exequente, ora recorrida, nos termos do disposto nos artigos 484º, nº 1 e 784º do Cód. Proc. Civil ex vi artigo 2º al. e) do CPTT.

8. É certo que o reconhecimento de tal facto é um direito disponível das partes, não se enquadrando tal situação na alínea c) do artigo 485º do Cód. Proc. Civil ex vi artigo 2º al. e) do CPTT.

9. Para além disso, também a certidão de registo comercial junta aos autos, contraria claramente o entendimento sufragado pelo Mmo. juiz a quo e a resposta positiva ao facto 3, pois da mesma resulta que a devedora originária não deposita contas desde 1992, reforçando a ideia que esta não labora desde então.

10. Ao que acresce o facto de desde 1992 a sociedade A..., Lda não entregar qualquer declaração de rendimentos, como a Administração Fiscal também sabe e não pode desconhecer, pois é ela própria que procede à sua liquidação oficiosa.

11. Pelo que, o oponente, ora recorrente, entende que se a devedora originária não labora desde 1992, como a Recorrida admite, tal contradiz notoriamente a resposta dada ao facto constante do ponto 3, que deve, em consequência, ser dado como não provado.

12. Por sua vez, deve ser dado como provado que o oponente vem gerindo a executada originária desde a sua constituição até 1992, data em que esta cessou a actividade, uma vez que é esta a realidade que resulta da prova realizada nos autos.

13. Face à alteração da matéria de facto, que se espera, deve a oposição ser julgada provada e procedente, isto porque, provando-se que a devedora originária tem a sua actividade encerrada desde 1992, tal significa que não existem transacções ou prestações de serviços que impliquem a liquidação de IVA.

14. Aliás, as próprias liquidações de IVA foram efectuadas oficiosamente pela Administração Fiscal baseadas em métodos indirectos, pois não existiam, como não existem, transacções ou prestações de serviços da devedora originária que as suportem.

15. De facto, é certo que a devedora originária, A..., Lda, não entregou qualquer declaração fiscal, no período entre 1992 e 2002, ou seja, durante 10 anos.

16. Ora, a Administração Fiscal ao saber que a devedora originária não exercia actividade há mais de dez anos – desde 1992 até 2002 – poderia e deveria ter procedido à sua cessação oficiosa, de harmonia com o artigo 83º do Código de Processo e Procedimento Tributário

17. Ou seja, a Administração Fiscal poderia e deveria ter cessado oficiosamente a actividade da sociedade A..., Lda. dois anos após as declarações de rendimentos evidenciarem que esta sociedade não desenvolvia qualquer actividade efectiva, mas optou por continuar a liquidar oficiosamente o IVA.

18. Ora, de acordo com a declaração efectuada pela Administração Fiscal e a certidão da Conservatória de Registo Comercial, essa obrigação teria ocorrido em 1994, isto é, dois anos após a data da apresentação da última declaração de rendimentos (1992), quando é certo que as liquidações oficiosas ocorreram de 2002 a 2008.

19. Neste contexto, a Administração Fiscal dispunha do conhecimento necessário para lançar mão da cessação oficiosa da actividade da sociedade A..., Lda., mas, mesmo assim, optou por proceder à liquidação oficiosa de IVA, que ora reverte para o seu gerente, o oponente D....

20. Deste modo, a Administração Fiscal ao tentar liquidar e receber impostos, que sabem não ser devidos, por ter conhecimento que a devedora originária não exercia qualquer actividade, actua num claro e manifesto abuso de direito, contemplado no artigo 38 nº 2 da LGT.

21. Por outro lado, se a sociedade A..., Lda não labora desde 1992, como a própria Administração Fiscal reconhece, não pode o ora oponente, D..., ter exercido funções sobre uma empresa sem actividade e ser responsabilizado subsidiariamente pela dívida em juízo, de harmonia com o artigo 24 da LGT a contrario.

22. Adicionalmente, ainda face à alteração da matéria de facto, que se espera, deve a oposição ser julgada provada e procedente e, em consequência, a execução extinguir-se, por errada interpretação do direito vigente, em concreto, do art. 24.º da LGT.

23. Efectivamente, se a devedora originária não labora desde 1992 e a sua actividade se encontra encerrada o que Administração Fiscal sabe, o oponente não pode, pois não é possível, gerir de facto uma empresa que se encontra encerrada, recaindo assim sobre a Fazenda Pública o ónus da prova de que o oponente exerce a gerência de facto da responsável originária, o que esta não faz.

24. Sendo certo que este entendimento é seguido de forma unânime pela jurisprudência, em especial, desde a prolação do acórdão do Pleno da Secção de CT do STA de 28-2-2007, no recurso n.º 1132/06.

25. Pelo que, ao fazer recair o ónus da prova da gerência de facto sobre o oponente, a Mma. Sentença a quo interpreta erradamente o direito vigente fazendo uma interpretação do artigo 24º da LGT que é, actualmente, rejeitada, devendo também por este motivo ser revogada.

26. Sem prescindir e caso assim se não entenda, deve a oposição ser julgada provada e procedente e, em consequência, a execução extinguir-se, por errada interpretação do direito vigente, em concreto, do art. 45º nº1 da LGT na sentença a quo.

27. Com efeito, tendo em consideração que o oponente apenas foi notificado para audição prévia em 09 de Setembro de 2011, as dívidas tributárias que respeitam a 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, no valor de 249,40€, 1.745,80€, 2.992,80€, 2.992, 80€ e 2.992,80€, respectivamente, já caducaram, porquanto, decorreram já mais de quatro anos entre a prática do acto tributário e a notificação.

28. Deste modo, as dívidas sub judice, não foram reclamadas dentro do prazo da sua caducidade de liquidação, não podendo assim, ser exigido o seu pagamento.

29. Em consequência, o oponente não poderá ser responsabilizado pela dívida fiscal em causa, de harmonia com o disposto no artigo 45º nº 1 da Lei Geral Tributária, face à caducidade da data de liquidação que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.

30. Por todo o exposto a douta decisão recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, o preceituado nos artigos 24º, 38º nº 2 e 45 nº 1 da LGT e 83º do CPPT devendo, em consequência, ser revogada.

NESTES TERMOS e mais de direito que V. Exas. melhor e doutamente suprirão: deve ser concedido provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, decidindo-se extinta a execução sub júdice com as legais consequências.

A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.



Neste Tribunal, o Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso.


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (art.s 660.º, n.º 2, 664.º e 684.º, n.º s 3 e 4 todos do CPC ex vi art. 2.º, al. e), e art. 281.º do CPPT), traduzem-se em apreciar:

- Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto ao não dar como provado que a devedora originária não laborava há mais de 19 anos;

- Se a sentença recorrida errou ao ter considerado que o executado ora Recorrente não logrou afastar a presunção legal de que a falta de pagamento das dívidas tributárias exequendas lhe é imputável; e

- Se o Tribunal a quo errou ao não ter concluído pela falta de notificação, ao Recorrente, das liquidações em causa no prazo de caducidade.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

1. Foi instaurada execução fiscal n.º 0462-2005/01035282, do Serviço de Finanças de Vila Verde contra a sociedade “A…, Ld.ª”, para cobrança de dívidas de IVA dos anos de 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008, no montante global de 16 959,20 €.

2. Realizadas as diligências necessárias, constatou-se que a executada originária não dispunha de bens susceptíveis de penhora – cfr. fls. 37 a 41 do apenso junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

3. O oponente vem gerindo a executada originária desde a sua constituição até à actualidade, uma vez que a empresa mantém-se em actividade.

4. No dia 09.09.2011 o oponente foi notificado para exercer o direito de audição prévia, o que fez em 15.09.2011.

1. [5] Entretanto, foi proferido o respectivo despacho de reversão, do qual o oponente foi citado a 17.10.2011;

2. [6] A petição inicial foi apresentada a 10.11.2011.

Não foram dados como provados outros factos com interesse para a decisão a proferir.

Foi a seguinte a fundamentação da decisão da matéria de facto:

A formação da convicção do Tribunal acerca de cada facto baseou-se essencialmente numa apreciação livre (art.ºs 396º do Código Civil e 655º, n.º 1 do Código de Processo Civil) da prova documental constante dos autos, mais recorrendo, ainda, algumas vezes, o Tribunal, às regras da experiência comum.



II.2. De direito

Importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional, sendo que a questão que importa começar por decidir consiste em apreciar se o Tribunal a quo errou quando consignou no ponto 3. do probatório que a empresa – devedora originária – se mantinha em actividade.

Neste ponto alega o Recorrente que nos artigos 45 e 46 da contestação da Fazenda, é referido que “(…) a sociedade devedora já não laborava há mais de 19 anos”, pelo que se a Fazenda Pública admite que a devedora originária não labora há mais de 19 anos, não pode, ao mesmo tempo, dar-se como provado, como sucede, que a mesma, actualmente, mantém a sua actividade, ou pelo menos, que manteve a actividade entre 2002 e 2008 (cfr. conclusões 5. e 6. do recurso). Mais concluindo que a sociedade A..., Lda não labora desde 1992, o que deve ser aditado ao probatório (cfr. conclusão 23 do recurso).

Sucede que, contrariamente ao afirmado pelo Recorrente, a Fazenda não confessou na contestação que a sociedade A..., Lda. não laborava há mais de 19 anos. O que alegou a esse propósito, mais concretamente no art. 46.º da contestação, foi algo substancialmente diferente: “Inclusivamente foi referido que a sociedade devedora já não laborava no local há mais de 19 anos” (sic).

Ou seja, não vem reconhecido pela Fazenda que a sociedade em causa já não desenvolvia qualquer actividade, o que é afirmado é que havia sido referido que esta não laborava naquele local há mais de 19 anos. E como referido pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, tal apenas significa que a ora Recorrida tinha conhecimento de que a devedora originária não laborava na área da sua sede social, mas daí não poderá extrair-se a conclusão de que a mesma não exercia qualquer actividade, maxime, fora da referida área.

Por outro lado, quando à afirmação surgida nesta sede recursiva de que sociedade A..., Lda, a devedora originária, não labora desde 1992, trata-se de matéria não antes alegada e que, como tal, está subtraída ao conhecimento deste Tribunal. Com efeito, na petição de oposição de nenhum passo vem alegado que a sociedade A..., Lda não laborava desde 1992, assentando a causa de pedir da oposição exclusivamente na sua ilegitimidade por ausência de culpa no desaparecimento dos bens da devedora originária e a falta de notificação ao oponente, ora Recorrente, das liquidações no prazo de caducidade.

Pelo que foi deles que a sentença se ocupou, bem identificando e delimitando o objecto da impugnação em conformidade. E foi apenas sobre estas questões que se pronunciou a decisão recorrida.

Ora, a invocação desta situação de facto – que no caso se consubstancia na alegação da inexistência de laboração da devedora originária desde o ano de 1992 –, só suscitada nas alegações de recurso, não tendo o autor motivado o pedido de extinção da execução nessa circunstância na petição inicial, nem aí alegado quaisquer factos pertinentes, é questão nova, e, como tal, não cognoscível pelo tribunal de recurso (sobre esta temática, vide Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª ed. revista, 2010, p. 103 e s. e jurisprudência aí citada). Como se afirmou no Acórdão do STJ de 27.05.2010, proc. n.º 5662/07.5YYPRT-A.S1:“Não tendo sido alegado pela recorrente determinados factos, essa questão, apenas colocada em sede de recurso, constitui questão nova que o acórdão não tinha que apreciar”.

Também como a jurisprudência uniformemente tem afirmado, os recursos são meios de obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Dito de outro modo, os recursos visam a modificação das decisões recorridas e não a criação de decisões sobre matérias novas (art. 676.º do CPC), isto é, pela invocação de fundamentos que não tenham sido abordados na decisão recorrida (cfr., i.a., os Acórdão do STA de 28.11.2012, recurso n.º 598/12, de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec. 112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC, todos in www.dgsi.pt.). Assim, por regra, não podem neles ser tratadas questões novas, salvo aquelas de conhecimento oficioso, que não tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido e que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada.

Por outro lado, a questão (só) agora suscitada – aliás sem sujeição a suporte probatório –, não constitui matéria de conhecimento oficioso, pois que como refere Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária Comentada e anotada, 3.ª ed., 2003, p. 512, em anotação ao art. 99.º da LGT: “a oficiosidade da investigação probatória só poderá respeitar aos factos que as partes alegaram no uso do seu direito de autonomia da vontade e do ónus de alegação dele decorrente ou aos factos cujo conhecimento esteja também oficiosamente permitido (caducidade do direito de impugnar, prescrição da dívida tributária, factos notórios, factos conhecidos por virtude do exercício das suas funções)”.

No caso em apreço, como vimos, a questão suscitada no recurso relativa à eventual ausência de actividade da sociedade desde 1992 e à (só agora reivindicada) aplicabilidade ao caso do art. 38.º, n.º 2, da LGT, não foi apreciada pela decisão recorrida, nem sequer arguida na oposição deduzida. O que determina a improcedência das conclusões da alegação que contemplam esta matéria, uma vez que a mesma não foi abordada nem decidida na sentença recorrida.

Daí que o presente recurso não possa, nesta parte, obter provimento.

Imputa, também, o Recorrente erro de julgamento à sentença recorrida quando nesta se conclui ser o oponente parte legítima na execução e responsável pelo pagamento das dívidas exequendas.

Alegou o Recorrente que é parte ilegítima por não ter tido culpa na insuficiência do património social para solver os créditos fiscais e na falta de pagamento das dívidas exequendas.

Na sentença recorrida, neste capítulo, exarou-se o seguinte discurso fundamentador:

Reclama ainda o oponente não ter tido culpa na diminuição do património.

Vejamos, pois:

A este propósito cumpre recordar que a sociedade executada e a correlativa responsabilidade do autor, se mantém no presente (nem aquela foi extinta nem ele veio questionar, nesta demanda, as suas funções de efectivo gerente).

Mais se note que a responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores pelas dívidas das sociedades de responsabilidade limitada tem que ser apreciada à luz da lei vigente no momento em que se verificaram os pressupostos de tal responsabilidade, isto é, tendo em conta o período da constituição das dívidas exequendas e o período do seu pagamento voluntário.

No caso dos autos atentas as dívidas tributárias em questão (data e etiologia) aplica-se o regime de responsabilidade estabelecido no art.° 24.°, da LGT, que nos diz o seguinte:

“1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) - Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; [Redacção dada pela Lei n.° 30-G12000, de 29 de Dezembro]

b) - Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”

Resulta da referida disposição legal que, a responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores pelas dívidas das sociedades de responsabilidade limitada tem como pressuposto o exercício da gerência não apenas de direito, mas também de facto. Ou seja, para que os gerentes sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, não basta que como tal tenham sido nomeados no pacto social. É também necessário que no desenrolar da actividade da sociedade desempenhem efectivas funções de gerência.

No caso dos autos, verifica-se pelos fundamentos da reversão que é imputado ao oponente o exercício efectivo de funções de gerência da executada originária, facto que o oponente não contesta, alegando apenas que não teve culpa na insuficiência do património social e na falta de pagamento das dívidas exequendas [sublinhado nosso].

No entanto, face à prova documental junta aos autos, não restam dúvidas que o oponente exerceu funções de gestão da executada originária no período a que respeitam as dívidas contra si revertidas.

Analisada a prova constante dos autos e recorrendo às regras da experiência comum, cumpre concluir que o oponente desempenhou efectivas funções de gerente, quer no período da constituição das dívidas exequendas, quer no período em que as mesmas se venceram. Do que foi provado (e, em especial, não provado) mais se concluiu que este não tomou as medidas adequadas para manter o património social e solver as dívidas exequendas (mormente apresentando a empresa à falência/insolvência), agindo assim e nessa medida, com culpa.

Assim, como, de resto, concluem quer o D.º Magistrado do Ministério Público, no seu douto parecer, quer a Fazenda Pública, na sua douta contestação, o oponente não fez prova convincente para elidir a presunção de culpa estabelecida na al. b) do n.° 1 do artigo 24.°, da LGT, pelo que deverá ser responsabilizado subsidiariamente pelas dívidas tributárias contra si revertidas.

Neste particular, conclui ainda o Recorrente que ao fazer recair o ónus da prova da gerência de facto sobre o oponente, o Mmo. Juiz do TAF de Braga interpretou erradamente o direito vigente fazendo uma interpretação do artigo 24º da LGT que é, segundo o seu entendimento, actualmente rejeitada. Mas não lhe assiste razão.

A reversão contra o oponente e ora Recorrente, como assinalado na sentença recorrida, ocorreu nos termos do art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, uma vez que, de acordo com o probatório fixado, as dívidas tributárias se constituíram no período de exercício do cargo de gerente, foram postas à cobrança nesse mesmo período e o seu prazo de pagamento ou entrega terminou durante esse período. Sendo que, como resulta expresso do acto de reversão, o ora Recorrente era, desde o acto da constituição da sociedade, o único responsável pela sua gestão (cfr. fls. 44 do p.a. apenso).

E, com efeito, nos termos do referido artigo 24.º, n.º 1, al. b) da LGT, na redacção aplicável (a dívida exequenda, ao que aqui importa, reporta-se a IVA dos anos de 2002 a 2008), o que releva para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração é a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores da sociedade a falta de pagamento ou de entrega do imposto. Como se disse no acórdão de 29.03.2012 deste TCAN (proc. n.º 989/09.4BEVIS), “o gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto tem que demonstrar, em sede de oposição à execução fiscal, que a falta desse pagamento não lhe é imputável”.

Portanto, como decidido no citado Acórdão de 29.03.2012 deste TCAN, posição que aqui igualmente se sufraga, para ilidir esta culpa “o oponente terá que fazer prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento do tributo. Terá de alegar e provar factos dos quais resultem que a impossibilidade do pagamento – porque não está em causa o acto do não pagamento mas a impossibilidade de efectuar tal pagamento, impossibilidade que fica patente pela falta ou insuficiência de bens da originária devedora para pagamento da quantia exequenda e que determina a reversão da execução - resultou de causa(s) alheia(s)” (idem, os acórdãos deste TCAN de 20.12.2011, proc. n.º 866/06.0BEVIS, e de 25.01.2013, proc. n.º 2275/11.0BEPRT).

O que se verifica, perante a matéria de facto que resultou provada, é que nenhum facto permite sequer, ainda que indiciariamente, saber porque é que se tornou impossível à originária devedora efectuar o pagamento do imposto exequendo. E não estando demonstrado porque é que tal aconteceu – pois que nada veio alegado a esse propósito –, manifesto é concluir que o oponente não provou que o não pagamento não lhe é imputável, pois só sabendo quais foram as causas que originaram a incapacidade da sociedade para efectuar os pagamentos se poderia avaliar a adequação da actuação do ora Recorrente enquanto gerente para as atacar, de modo a afastar a referida presunção legal. E certo é que o oponente não demonstrou – aliás, nem sequer ensaiou fazê-lo (nem em sede de direito de audição, pois que aí apenas suscitou a caducidade do direito à liquidação) – quais os motivos concretos que levaram à falta de pagamento do tributo devido e de que essa falta lhe não é imputável.

Assim sendo, apresenta-se como acertada a conclusão do Tribunal a quo de que o oponente não logrou provar que não foi por culpa sua que o pagamento devido para a satisfação dos dívidas exequendas à Fazenda não se efectuou, não ilidindo, portanto, a presunção de culpa que resulta do art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT (“quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”).

Improcede, também nesta parte, o recurso.

Por fim, insiste o Recorrente que não foi notificado das liquidações em causa no prazo de caducidade.

Neste ponto alega que tendo em consideração que ele, o oponente, apenas foi notificado para audição prévia em 9.09.2011, as dívidas tributárias que respeitam a 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, no valor de EUR 249,40, EUR 1.745,80, EUR 2.992,80, EUR 2.992, 80 e EUR 2.992,80, respectivamente, já caducaram, porquanto, decorreram já mais de quatro anos entre a prática do acto tributário e a notificação (cfr. conclusão 27. do recurso). Pelo que, deste modo, as dívidas não foram reclamadas dentro do prazo da sua caducidade de liquidação, não podendo assim, ser exigido o seu pagamento ao Recorrente (cfr. conclusão 28. do recurso). Cumpre referir que não é a caducidade do direito à liquidação que pode constituir fundamento da oposição à execução fiscal: é a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade do respectivo direito que poderá determinar a procedência da oposição, com fundamento na ineficácia da liquidação da dívida exequenda. Na verdade, a caducidade do direito de liquidar constitui vício da própria liquidação, que deve ser suscitado em sede de impugnação judicial contra aquele acto e que, porque contende com a legalidade em concreto da liquidação da dívida exequenda, não pode constituir fundamento de oposição à execução fiscal (cfr. art. 204.º, n.º 1, alínea h), do CPPT); já a falta de notificação da liquidação da dívida exequenda pode reconduzir-se a um fundamento válido de oposição: a inexigibilidade da dívida exequenda, subsumível à previsão da alínea e) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT.

Na sentença recorrida afirmou-se o seguinte quanto a esta questão:

A caducidade do direito à liquidação apura-se pela data da notificação do acto tributário à originária devedora, não ao responsável subsidiário (gerente da sociedade).

Portanto, tal como defende a Fazenda Pública na sua douta contestação, no que concerne às notificações (ou citações) dos responsáveis solidários ou subsidiários, não lhes reconhecendo a lei qualquer relevo para efeitos de caducidade, é indiferente que ocorram após o termo desse prazo.

Sobre este ponto, veja-se, por todos, a anotação ao artigo 204° do CPPT, da autoria do Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 2007, Ed. Vol. II, Págs.362/363, defende que “ a notificação relevante para efeitos de obstar à caducidade do direito de liquidação é a relativa ao contribuinte, o sujeito passivo originário do tributo, e não a dos outros responsáveis subsidiários ou solidários".

Veja-se, igualmente, o disposto no art° 45°, nº 4 da LGT, que nos diz que “o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário” (redacção da Lei nº 55-8/2004, de 30/12).

Pelo exposto:

O termo do prazo de caducidade do IVA dos anos de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006 ocorreu, respectivamente, em 31.12.2006; 31.12.2007; 31.12.2008; 31.12.2009 e 31.12.2010.

E, pode já afirmar-se, que é de corroborar este discurso fundamentador da sentença recorrida.

Na verdade, quando a lei fala em contribuinte para efeitos de caducidade do direito de liquidar o imposto está a reportar-se aos devedores originários e não aos responsáveis subsidiários que apenas são a ela chamados quando aquele não cumpre.

Como se vem entendendo na jurisprudência deste Tribunal, no que concerne às notificações (ou citações) dos responsáveis solidários ou subsidiários, a lei não lhes reconhece qualquer relevo para efeitos de caducidade, é indiferente que ocorram após o termo desse prazo. Veja-se o que se afirmou no Acórdão de 30.11.2011, proferido no proc n.º 941/06.1BEBRG, que por afinidade da situação se passa a transcrever:

Quando a lei fala em contribuinte está a reportar-se aos devedores originários – pessoa ou entidade que, desde o início da relação jurídica tributária, deve satisfazer perante o credor fiscal a obrigação do imposto - e não aos responsáveis subsidiários que apenas são a ela chamados quando o devedor originário não cumpre.

Na verdade, a lei não faz qualquer referência aos devedores subsidiários, não atribuindo à sua citação ou notificação qualquer relevância para efeitos de caducidade do direito de liquidar.

Por outro lado, tal interpretação é a que melhor se adequa à figura da caducidade, cujo prazo não corre enquanto o direito não poder ser exercido (artigo 329.º do Código Civil). Como refere Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado, 4ª edição, Vislis, p. 904, «A confirmação que é este o entendimento correcto encontra-se na previsão dos termos iniciais do prazo de caducidade, que são o momento em que ocorreu o facto tributário ou o termo do ano a que se refere o imposto (n.º 4 do art. 45.º da L.G.T.). Com efeito, não se justifica que comece a correr um prazo de caducidade enquanto o credor não puder exercer o direito, pois tal implicaria o encurtamento do prazo real concedido ao credor para tal exercício. Este entendimento tem, aliás, expresso reconhecimento no art. 329.º do Código Civil, em que se estabelece que o «o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido». // Ora, em relação aos responsáveis subsidiários, a possibilidade de notificação do acto de liquidação não ocorre nos momentos assinalados, pois o n.º 3 do art. 9.º deste Código prevê que apenas têm legitimidade para intervenção no procedimento tributário quando for ordenada a reversão da execução fiscal contra eles ou for requerida alguma providência cautelar de garantia dos créditos tributários”.

Assim sendo, forçoso se impõe concluir que improcede, de igual forma, este fundamento do recurso e assim na sua totalidade.


III. Conclusões

Sumariando:

i) A invocação da situação de facto de que a devedora originária cessou a sua actividade no ano de 1992, só suscitada nas alegações de recurso, não tendo o oponente motivado o pedido de extinção da execução nessa circunstância na petição inicial, nem aí alegado quaisquer factos pertinentes, daí pretendendo também extrair consequências ao nível da aplicabilidade do art. 38.º, n.º 2, da LGT, configura uma questão nova, não de conhecimento oficioso e, como tal, não cognoscível pelo tribunal de recurso.

ii) O gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto, tem que demonstrar, em sede de oposição à execução fiscal, que a falta desse pagamento não lhe é imputável (art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT).

iii) Quando a lei fala em contribuinte para efeitos de caducidade do direito de liquidar o imposto, está a reportar-se aos devedores originários e não aos responsáveis subsidiários que apenas são a ela chamados quando aquele não cumpre.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido (cfr. fls. 49).

Porto, 15 de Novembro de 2013

Ass. Pedro Marques

Ass. Paula Ribeiro

Ass. Fernanda Esteves