Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00752/14.0BEPRT-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/01/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:REMESSA DO PROCESSO INSTRUTOR;
N.ºS 1 E 4 DO ARTIGO 84º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS; MULTA; SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA; EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO; ARTIGO 3º, Nº 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (DE 2013); NULIDADE DA DECISÃO JUDICIAL.
Sumário:1. Se a entidade demandada teve oportunidade de se pronunciar sobre a ordem de junção do processo administrativo e a aplicação de multa surge como mera consequência da não junção, não se verifica preterição do contraditório exigido pelo artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil (de 2013).

2. Só a absoluta falta de fundamentação determina a nulidade de uma decisão judicial; não é nulo o despacho em que se refere não ter a entidade administrativa remetido o processo administrativo apesar de tal lhe ter sido ordenado e a condena em multa, por tal traduzir um mínimo de suporte factual e jurídico para a decisão.

3. A audiência prévia e a sua realização – ou não – é matéria completamente estranha ao despacho de condenação em multa pelo não acatamento de uma ordem do Tribunal, pelo que este não padece de nulidade por não se ter pronunciado sobre aquele requerimento.

4. Em termos genéricos é de subscrever o entendimento de que o dever de remeter o processo administrativo, prevista no n.º1 do artigo 84º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, não existe, em obediência ao princípio da igualdade das partes e do ónus da prova, quando a Administração se encontra numa situação de paridade com o particular.

5. No caso concreto, porém, de uma acção administrativa comum em que o litígio deriva a imposição unilateral, por parte da entidade demandada, de uma determinada solução de execução do contrato, o que, na invocação da autora, lhe trouxe custos acrescidos, não estamos num caso de paridade que justifique tal solução teórica, de não impor a remessa do processo administrativo.

6. Para a falta de remessa do processo instrutor não está prevista a sanção de multa, mas antes está prevista a sanção pecuniária compulsória, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 84º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, pelo que a aplicação de multa neste caso se mostra ilegal.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Universidade do Porto.
Recorrido 1:C... – Sociedade de Construção Civil, Ldª.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parece no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Universidade do Porto veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho interlocutório que a condenou na multa, nos termos do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Civil, e artigo 27º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais, fixada em 2 (duas) UC e lhe ordenou a junção do processo administrativo, no prazo de 2 (dois) dias, na acção administrativa comum que lhe foi movida pela C... – Sociedade de Construção Civil, Ldª.

Invocou para tanto que o despacho recorrido é nulo porque foi proferido sem ter sido ouvida a ré, em violação do disposto no artigo 3º, nº 1, do Código de Processo Civil; porque dele não consta a fundamentação de facto quanto à qualificação da conduta da ré como grave, em violação do disposto no artigo 615º, nº 1, alª b), do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; por se verificar omissão de pronúncia, uma vez que a ré requereu a realização de audiência prévia e o Tribunal não se pronunciou sobre o requerido, em violação do disposto no artigo 615º, nº 1, alª d), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; ordenou-se a junção do processo administrativo e condenou-se a recorrente em multa, quando ainda não estava aberta a instrução, pelo que se violou o disposto no artigo 6º, nº 1, do Código de Processo Civil; a recorrida encontrou uma forma de inverter o ónus da prova, com a anuência do Tribunal a quo, considerando o teor do artigo 417.º n.º 2, do Código de Processo Civil, já que a cooperação processual deve cessar, quando devam atuar as regras do ónus da prova.


A recorrida contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

a) O despacho recorrido contende com a igualdade entre sujeitos processuais, na medida em que exige à recorrente a junção do processo administrativo, quando a isso não está obrigada por força do tipo de pretensão deduzida em juízo, facultando à recorrida os documentos que podia e devia ter juntado aquando da propositura da ação, nada tendo esta alegado a propósito da impossibilidade ou onerosidade na sua obtenção. É este o fundamento específico do recurso para efeitos do artigo 637.º n.º 2, 1.ª parte, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

b) É, pois, o direito de defesa da recorrente que está aqui em causa, razão pela qual o recurso deverá ser admitido, ser processado como de apelação autónoma, por ser um dos casos previsto na lei que admite essa forma, devendo subir em separado e com efeito suspensivo.

c) Tudo, em conformidade com o artigo 142.º n.º 5, in fine, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigos 630.º, n.º 2, in fine e 644.º n.º 2 alínea i), ambos do Código de Processo Civil), o artigo 642.º n.º 2 do Código de Processo Civil) e o artigo 143.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

d) O despacho recorrido condenou a recorrente em multa, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, mas em momento alguma a ouviu, não observando o previsto no artigo 3.º, n.º 1, do Código de Processo Civil aplicável por força do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: o despacho recorrido é nulo.

e) A recorrente não remeteu o processo administrativo, é um facto, mas justificou a sua conduta. Se no despacho é possível encontrar a fundamentação de direito, embora de forma errada, a fundamentação de facto não existe quanto à qualificação da conduta como grave. E devia, pois a recorrente justificou a sua conduta com os princípios do processo equitativo. O despacho é nulo nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil ex vi do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

f) A recorrente requereu a realização da audiência prévia, mas o despacho não se pronunciou sobre a sua realização ou não, limitou-se a reafirmar o teor do Despacho de fls. 475, embora com um prazo menor. Por isso o despacho é nulo nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil ex vi do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

g) O despacho ordena a remessa do processo administrativo, «tendo subjacente o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do CPTA, e artigos 6.º, n.º 1, 411.º e 417.º, todos do CPC […]». À luz do quid disputatum não se discutem poderes de autoridade ou o seu exercício, nem a recorrida está privada do processo administrativo, ao qual tem acesso integral, factos e circunstâncias que justificariam, se verificados, a aplicação do artigo 8.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. O despacho erra, portanto, no julgamento, ao fundamentar a remessa no artigo 8.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por si, mas quando o conjuga com os artigos 411.º e 417.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, dado que a instrução ainda não foi aberta nos termos do artigo 410.º do mesmo Código, revelando-se inútil para este efeito a remessa em questão, violando, por isso também, o artigo 6.º n.º 1 do Código de Processo Civil.

h) A recorrida encontrou uma forma de inverter o ónus da prova, com a anuência do Tribunal a quo, considerando o teor do artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. A cooperação processual deve cessar, portanto, quando devam actuar as regras do ónus da prova.

*

II – Matéria de facto.

São os seguintes os factos provados necessários para a decisão do recurso:

1. A autora, ora recorrida, instaurou contra a recorrente, em 22 de Abril de 2014, acção administrativa comum para condenação desta no pagamento em quantia certa de 55.450,00€, acrescida de IVA e juros de mora, com fundamento no artigo 354.º n.º 1 do Código dos Contratos Públicos.

2. Mais requereu que a ré, ora recorrente, fosse notificada para apresentar, no prazo que lhe fosse fixado, o processo administrativo que contemplasse a documentação da formação do contrato e da execução do mesmo.

3. Em 26 de Maio de 2014, a recorrente apresentou a sua contestação.

4. Por despacho de fls. 475 dos autos, foi a recorrente notificada para, com fundamento no artigo 78.º, n.º 2 al. m), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, identificar os documentos que juntara com a contestação.

5. Nesse mesmo despacho foi ordenada a notificação da recorrente para, como requerido pela autora a final da petição inicial, juntar, no prazo de 10 dias, o processo administrativo devidamente numerado e ordenado sequencialmente, e com certificação de quantas folhas é o mesmo composto], que é atinente ao procedimento concursal [empreitada] a que se reportam os autos.

6. Opondo-se a este despacho apresentou a recorrente articulado-resposta, em 08 de Outubro de 2015, alegando:

a) “A acção foi distribuída como acção administrativa comum.

b) Não alegou a Ré qualquer erro na forma de processo, nem ele existe face ao quid disputatum delimitado pela Autora.

c) Não é aplicável à acção o art. 73º do CPTA, referente à acção administrativa especial (art. 35º nº 1 do CPTA).

d) É aplicável à Autora o artigo 552º e à Ré o artigo 572º, ambos do CPC, por remissão do artigo 1º do CPC.

e) Nada nestas normas, nem no texto de outras, a partir das quais se formam novas normas, já que o texto da norma e norma jurídica não coincidem, é exigível no sentido apontado: a identificação dos documentos que acompanham a petição.

f) Esta identificação a que se refere o artigo 78º nº 2 alínea m) do CPTA é instrumental do artigo 79º do mesmo Código.

g) Como a petição de uma acção administrativa especial é instruída em função do tipo de pretensão, exige-se naquela a identificação documental e por causa desta.

h) O que existe na presente acção é um ónus: os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem factos correspondentes (art. 423º nº 1 do CPC).

i) A Ré cumpriu esse ónus, juntou os documentos que fazem prova dos factos essenciais nucleares, dos factos essenciais complementares e dos factos instrumentais que servirão de base às presunções judiciais.

j) Relaciona aqueles documentos com as proposições articuladas, através de numeração sequencial.

k) A Ré cumpriu, pois, o que lhe é exigido, fazer prova dos fundamentos da defesa no tempo processualmente exigido.

l) Nem tem a Ré o dever de juntar o processo administrativo.

m) Isto porque, a acção não é especial.

n) A junção do processo na acção administrativa especial é um ónus da Ré e há uma razão para isso: neste tipo de ações cabe à Ré a prova dos factos constitutivos do acto praticado, cabendo ao Autor a prova dos seus factos impeditivos, modificativos ou extintivos.

o) Não tem a Ré, na acção administrativa comum, de fazer prova dos factos constitutivos do seu acto, mas antes dos factos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do Autor, em conformidade com as regras gerais.

p) A junção, pela Ré, do processo administrativo nesta acção, viola pois as regras de distribuição do ónus da prova e excede até, o princípio da colaboração processual.

q) Esta junção beneficia a Autora em relação ao cumprimento de um ónus que não cumpriu e devia ter cumprido, o seu dever de juntar os documentos para prova dos fundamentos da acção.

r) Nem pode o Tribunal substituir-se à Autora.

s) Este só pode conhecer de determinados factos, nos termos do artigo 5º nº 2 do CPC, mas o despacho não os refere.

t) E não os refere, porque a instrução ainda não começou.

u) Pois esta tem por objecto a enunciação dos temas de prova e esta só ocorre após o despacho saneador (artigos 410 e 596º nº 1 do CPC).

v) Deferir o pedido da Autora e obrigar a Ré a juntar o processo administrativo, redunda, assim, numa nulidade in itinere (art. 195º nº 1 do CPC).

w) A lei não admite um acto desta natureza, nesta fase, por iniciativa do Tribunal.

x) E muito menos admite o deferimento do pedido da Autora, por força da distribuição das regras do ónus da prova.

y) Se a Autora tinha necessidade de juntar o processo administrativo e todos os documentos que o compõem, poderia fazê-lo livremente, porquanto as comunicações, trocas e arquivo de dados e informações previstos no Código dos Contratos públicos processam-se através de plataformas electrónicas que obedecem aos princípios e regras definidos no DL nº 143-A/2008, de 25/07 (art. 2º nº 1 da lex Temporis).

z) Não tem a Ré, por isso, qualquer monopólio na detenção do processo.

aa) A Ré compreende o pedido da Autora, porquanto a fase de execução contratual relaciona-se, em determinados fundamentos, com o procedimento pré-contratual, mas o que a Ré podia fazer, juntando o processo, a Autora deveria fazê-lo, porque assim o exigem as regras da distribuição do ónus da prova.

bb) O Despacho não se pode manter, devendo ser realizada a audiência prévia.”

7- Na sua resposta, o Tribunal proferiu o despacho recorrido, de fls. 490, do seguinte teor:

“1 - A Ré sustentou que não deve juntar aos autos o Processo administrativo, conforme foi por nós determinado pelo ponto 2 do nosso despacho datado de 18 de Setembro de 2015.

Dispõe o artigo 417.º n.º 1 do CPC que “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade […] facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.”

Dispõe também o artigo 8.º, n.º 3 do CPTA, sobre qual o concreto dever das entidades administrativas, em torno da junção aos autos do Processo administrativo [Cfr. artigo 1.º, n.º 1 – parte final - do CPTA].

De modo que, por julgar que com a sua conduta, a Ré praticou omissão grave no dever de cooperação na administração da justiça, condeno-a [a Ré], em multa, nos termos do artigo 417.º, n.º 2 do CPC, e artigo 27.º, n.º 1 do RCP, que fixo em 2 [duas] UC.


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2 – Tendo subjacente o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do CPTA, e artigos 6.º, n.º1, 411.º e 417.º, todos do CPC, aqui renovo o teor do ponto 2 do meu despacho datado de 18 de Setembro de 2015, devendo a Ré dar satisfação ao que lhe foi ordenado, no prazo de 2 [dois] dias.”

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III – Enquadramento jurídico:

1. Da nulidade do despacho recorrido por falta de audiência da ré.

Por despacho de 18 de Setembro de 2015 foi proferido despacho que ordenou a notificação da ré para, como requerido pela autora a final da petição inicial, no prazo de dez dias, juntar aos autos o processo administrativo devidamente numerado e ordenado sequencialmente, e com certificação da quantas folhas é o mesmo composto, que é atinente ao procedimento concursal (empreitada) a que se reportam os autos.

A ré respondeu ao ordenado e só depois da apresentação da resposta é que o Tribunal a quo proferiu despacho de condenação em multa por falta de junção do processo administrativo ordenou a junção do processo administrativo no prazo de dois dias.

Foi, como tal, cumprido o contraditório exigível pelo disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil (de 2013), pelo que, com este fundamento, não existe nulidade do despacho recorrido.

A condenação em multa é, nos termos do decidido, mera consequência de a entidade demandada não ter sido cumprido o ordenado, mostrando-se manifestamente desnecessário exercer o contraditório apenas quanto à condenação em multa – artigo 3º do Código de Processo Civil.

Termos em que, nesta parte, não há que censurar o decidido.

2. Da nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação de facto quanto à qualificação da conduta da ré como grave.

Do despacho recorrido consta que a ré não juntou o processo administrativo conforme tinha sido determinado pelo ponto 2 do despacho datado de 18 de Setembro de 2015 e não atendeu às justificações apresentadas, de não existir esse dever na acção administrativa comum, face às regras da distribuição do ónus da prova e por a instrução da causa não se ter ainda iniciado.

Estes são fundamentos – quer de facto quer de direito – que permitem concluir pela inexistência de nulidade por falta de fundamentação.


Pode concordar-se ou não com a fundamentação; o que não se pode afirmar é que não existe e só a falta absoluta de fundamentação conduz à nulidade da decisão judicial; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. B), do Código de Processo Civil de 2013; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07).

Quanto à qualificação da conduta da ré como grave é matéria conclusiva que resulta dos factos aduzidos no despacho recorrido

Preferível teria sido explicitar que a conduta da entidade demandada foi grave, pois, sendo uma entidade pública, maior devia ser o seu dever de colaboração com o Tribunal para a descoberta da verdade material.

Mas essa falta de explicitação apenas pode tornar deficiente a decisão; não a fere de nulidade.

Termos em que improcede esta invocação de nulidade.

3. Da nulidade por omissão de pronúncia quanto ao requerimento de audiência prévia, uma vez que a ré requereu a realização de audiência prévia e o Tribunal não se pronunciou sobre o requerido.

Não se verifica a omissão de pronúncia porque não resulta da lei que em despacho da natureza do recorrido, despacho que fixa as consequências da violação de um comando jurídico, se tenha que designar logo audiência prévia, podendo esta ser designada em seguida.

A audiência prévia e a sua realização – ou não – é matéria completamente estranha ao despacho em causa, de condenação em multa pelo não acatamento de uma ordem do Tribunal.

Por outro lado, a tramitação “normal” de um processo, não obsta a que o Tribunal assegure o cumprimento das suas determinações em qualquer momento, designadamente para uma gestão célere e eficaz do processo – artigo 6º do Código de Processo Civil.

Sendo matéria completamente estranha ao despacho em apreço, não se pode imputar a esta decisão nulidade por não se ter pronunciado sobre a audiência prévia requerida.

Pelo que também com este fundamento também não verifica a nulidade imputada ao despacho recorrido.

4. Da legalidade da condenação em multa e da reiteração da ordem de junção do processo administrativo, no prazo de dois dias.

Determina o artigo 8º, nº 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002, aplicável aos presentes autos, por força do disposto no artigo 15º nº 2 do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02.10, que as entidades administrativas têm o dever de remeter ao tribunal, em tempo oportuno, o processo administrativo.

E esta norma não se aplica apenas às acções administrativas especiais.

Desde logo pela sua inserção sistemática, na parte geral do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Presumindo que o legislador se soube exprimir em termos adequados – n.º3 do artigo 9º do Código Civil -, não faria sentido colocar esta norma na parte geral se a ideia fosse apenas aplicá-las a determinadas acções.

Depois porque também na acção administrativa comum pode estar em causa o exercício (de facto ou de direito) de poderes de autoridade.

Aceita-se, em termos genéricos, que o dever de remeter o processo administrativo não exista, em obediência ao princípio da igualdade das partes e do ónus da prova, quando a Administração se encontra numa situação de paridade com o particular.

Como referem Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, edição de 2004, Almedina, página 152:

“Deve a Administração, pois, nesses processos, em relação a dados e documentos que a sua contraparte também não estaria obrigada a facultar – ou só estaria se fosse provocada para o efeito -, poder guardar a mesma reserva documental, em nome do princípio da igualdade processual, afirmado pouco antes, no art. 7º deste Código.”

Simplesmente no caso concreto está em causa, conforme decorre do articulado inicial, a imposição unilateral por parte da entidade demandada de uma determinada solução de execução do contrato, o que, na invocação da autora, lhe trouxe custos acrescidos.

Não está em causa, portanto, uma relação jurídica de paridade.

Acresce que a plataforma electrónica apenas existe e está acessível para a fase pré-contratual e não para a fase que esta aqui em causa, a da execução do contrato, pelo que a recorrida não poderia aceder livremente ao conteúdo documental pretendido.

Também não pode concluir-se, como o faz a recorrente, que está encontrada a forma de inverter o ónus da prova, com a anuência do Tribunal, já que o artigo 411º do Código de Processo Civil (de 2013) é expresso em consagrar o princípio do inquisitório, determinando que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer” e o artigo 413º do mesmo Código preceitua que “o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.”

Os princípios da descoberta da verdade material, da transparência na actividade da Administração e da colaboração das partes devem, por isso, aqui prevalecer sobre os princípios invocados pela recorrente.

Assim, o tribunal tem o dever de ordenar a produção de prova por forma a apurar a verdade material e esta busca da verdade material justifica a ordem de junção do processo administrativo, por isso, não tem razão a recorrente quando alega que a cooperação processual deve cessar, quando devam actuar as regras do ónus da prova.

Em suma, a entidade demandada, violou, com a sua recusa de junção do processo administrativo, os dois comandos previstos no artigo 8º, nº 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2002).

Mostrando-se legal a decisão de impor à entidade demandada a remessa do processo administrativo.


Quanto ao argumento de ainda não se ter iniciado a instrução da causa também não procede.

Para a remessa do processo administrativo, existe uma norma específica, a determinar o momento em que se deve efectuar, distinto da fase instrutória.

Dispõe o artigo 84.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“1 - Com a contestação, ou dentro do respectivo prazo, a entidade demandada é obrigada a remeter ao tribunal o original do processo administrativo, quando exista, e todos os demais documentos respeitantes à matéria do processo de que seja detentora, que ficarão apensados aos autos.

Também nesta parte não se vislumbra violação, antes respeito, pela lei, na decisão recorrida.

Defende a recorrente, finalmente, que a falta de remessa do processo administrativo não é susceptível de aplicação de uma multa, mas sim da aplicação de uma sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 84.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sem prejuízo dos efeitos probatórios decorrentes da omissão da conduta devida.

Neste ponto em específico tem razão.

No artigo 417º, nº 1, do Código de Processo Civil de 2013, formula-se o princípio de que todas as pessoas - partes ou terceiros – têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade e a boa administração da justiça.

O dever de cooperar na administração da justiça ou o dever de prestar o serviço judiciário não tem carácter meramente moral; é um comando jurídico, garantido por uma sanção.” – Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, vol. III, 3º edição, pág. 323.

Aqui há que distinguir entre as partes e as pessoas estranhas à causa (terceiros).

Quanto às partes, em processo civil, a sanção é esta: o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil.

Apenas quanto a terceiros, a sanção consiste na condenação em multa.

No contencioso administrativo e quanto à falta de remessa do processo instrutor existem normas especiais que, como tal, afastam as regras gerais e subsidiárias do Processo Civil.

São as que constam dos n.ºs 4 e 5 do artigo 84º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

“Na falta de cumprimento do previsto no n.º 1, sem justificação aceitável, pode o juiz ou relator determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do artigo 169.º, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar – n.º 4.

“A falta do envio do processo administrativo não obsta ao prosseguimento da causa e determina que os factos alegados pelo autor se considerem provados, se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade” – n.º5.

Assim, não poderia o Tribunal a quo ter condenado em multa a recorrente, por falhar o requisito “terceiros”, previsto no Código de Processo Civil (de 2013), para quem e só para quem está prevista a condenação em multa, e porque não faz parte do elenco de sanções processuais previstas para a falta de remessa do processo instrutor.

Procede, pois, nesta parte o recurso.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO pelo que:

1. Mantêm o despacho recorrido na parte em que ordenou à entidade demandada a remessa do processo administrativo.

2. Revogam o despacho recorrido na parte em que condenou a entidade demandada em multa.

Custas em partes iguais por recorrente e recorrida.


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Porto, 1 de Julho de 2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro, (em substituição)