Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00002/21.3PNF-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:ESTADO PORTUGUÊS – CITAÇÃO – NULIDADE – INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Sumário:I- A opção do legislador infra-constitucional de fazer operar a citação da pessoa coletiva Estado, quando este seja demandado no âmbito dos processos nos Tribunais Administrativos, através do Centro de Competências Jurídicas do Estado, não fere o artigo 219º nº 1 da CRP, não se descortinando, assim, qualquer nulidade processual emergente da falta da citação do Ministério Público, por omissão completa do ato.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:O MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A., E OUTROS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:N/A
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO, em nome próprio e como representante judiciário do Réu ESTADO PORTUGUÊS - MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, vem interpor RECURSO JURISDICIONAL do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datado de 19 de janeiro de 202, que indeferiu o pedido formulado pelo aqui Recorrente de recusa de aplicação nos presentes autos das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do CPTA, na redação da Lei nº118/2019, de 17.09, por inconstitucionalidade material e mais indeferiu a requerida declaração de nulidade da falta de citação do réu Estado Português [artigos 188, nº 1, al. a) e 187, al. a) do CPC, subsidiariamente aplicáveis], com a consequente anulação de todo o processado posterior à petição inicial e a determinação da citação do Estado no Ministério Público.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“(…)
1- A presente ação foi intentada contra o Estado Português e o Ministério da Administração Interna tendo, nos termos do disposto no artigo 25°, n° 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a citação do Réu Estado Português sido dirigida unicamente para o Centro de Competências Jurídicas do Estado, e o Ministério Público não foi citado, tendo apenas sido notificado da pendência da mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 85°, n° 1 do CPTA;
2 - A Lei n° 118/2019, de 17 de setembro, que entrou em vigor no passado dia 16.11.2019, introduziu no CPTA nova norma acima referida, que estabelece que quando seja demandado o Estado já não é citado o Ministério Público, em representação deste, como até agora sempre esteve consagrado, mas sim o Centro de Competências Jurídicas do Estado, designado por JurisAPP, que é um serviço central da administração direta do Estado, integrado na Presidência do Conselho de Ministros;
3 - Sob a sua aparência puramente procedimental e regulamentar - o que bastaria para a considerar deslocada num diploma sobre processo administrativo -, trata-se de uma norma revolucionária, sobretudo quando conjugada com o disposto na parte final do n° 1 do artigo 11° do CPTA, na redação igualmente conferida pela mesma Lei n° 118/2019;
4 - Com efeito, onde na anterior redação desta norma se previa (...) sem prejuízo da representação do Estado Pelo Ministério Público passou, com a referida alteração, a prever-se (...) sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público, o que transformou numa exceção o que era uma regra, pois o possível tanto é o que pode ser como o que pode não ser vez alguma, sendo que não se vislumbra qualquer possibilidade de o Ministério Público ser eliminado, ao menos potencialmente, da representação do Estado no domínio do contencioso administrativo sem que daí resulte uma flagrante ofensa da primeira proposição do n° 1 do artigo 219° da CRP;
5 - Pelo que, esse conjunto normativo esvazia o essencial da função do Ministério Público nos tribunais administrativos, enquanto representante do Estado-Administração, mostrando-se desconforme ao parâmetro normativo consagrado na primeira proposição do n° 1 do artigo 219° da CRP;
6 - A norma do artigo 219°, n° 1 da CRP configura um imperativo constitucional, a observar pelo legislador ordinário, que contém a regra da atribuição de competência ao Ministério Público para representar o Estado;
7 - Em 1 de janeiro de 2020 entrou em vigor o novo Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n° 68/2019, de 27 de agosto - i.e, menos de um mês antes da publicação da Lei n° 118/2019, de 17 de setembro, que contém as normas cuja inconstitucionalidade se invoca, que continuou a confiar a representação do Estado ao Ministério Público (artigo 4°, n° 1, al. b)) e a prever a existência de um departamento central de contencioso do Estado e interesses coletivos e difusos da Procuradoria-Geral da República, o qual passará a intervir também em matéria tributária e não apenas na cível e administrativa (artigo 61°, n° 1 e 2);
8 - A Lei n° 114/2019, de 12 de setembro, que procedeu à 12a alteração no ETAF/2002, - i.e., menos de uma semana antes da edição da Lei n° 118/2019, a que pertencem as normas aqui questionadas, não introduziu qualquer alteração ao disposto no artigo 51°;
9 - A representação do Estado em juízo foi sempre confiada, a nível constitucional e da lei ordinária, ao Ministério Público (com a única exceção da hipótese residual contemplada na parte final do n° 1 do artigo 24° do vigente CPC), estando essa representação, nas áreas cível, administrativa e até tributária, inequivocamente prevista em diplomas recentíssimos e de uma evidente centralidade na conformação dos nossos sistemas jurídico e judiciário;
10 - A norma do n° 1 do artigo 219° da CRP, que confia ao Ministério Público a representação judiciária do Estado-Administração (central), possui natureza auto-exequível, incondicionada, sem necessidade de densificação pela legislação ordinária, configurando-se como uma intencional e estrutural opção constitucional, em consonância com a tradição jurídica do país;
11 - Tanto o legislador constituinte originário como o derivado ponderaram os atributos do Ministério Público como magistratura dotada de autonomia (artigo 219°, n° 2 da CRP), com a sua atuação sempre vinculada a critérios de legalidade e objetividade (artigo 3°, n° 2 do EMP) e, em razão desses atributos, confiaram-lhe a tarefa representativa do Estado em juízo, justamente a título de representação e não como advogado, patrono ou mandatário judicial; sendo a representação do Estado nos tribunais por parte do Ministério Público é configurável como um verdadeiro princípio judiciário constitucional, com alcance material;
12 - Porém, em flagrante contradição sistémica e teleológica, a parte final do n° 1 do artigo 11° do CPTA, na redação conferida pelo artigo 6° da Lei n° 118/2019, vem reduzir a representação do Estado por parte do Ministério Público a uma pura eventualidade;
13 - A nova redação limita-se a acrescentar o substantivo - possibilidade, mas desse modo transforma a regra da representação do Estado pelo Ministério Público em exceção, pois o possível tanto é o que pode ser como o que pode não ser vez alguma, não sendo inócuo que o conjunto de alterações legislativas no âmbito da jurisdição administrativa que ocorreram em 2019, de que faz parte aquele preceito, não tenha introduzido, paralelamente, o referido substantivo no artigo 51° do ETAF.
14 - Do confronto da fórmula usada no CPTA (parte final do n° 1 do artigo 11° - sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público) com a acolhida no CPC (artigo 24°, n° 1: - O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio...), resulta segura a conclusão de que, no âmbito do primeiro diploma, a representação do Estado por parte do Ministério Público tem caráter eventual e subsidiário, ao passo que no segundo constitui a regra, só passível de afastamento por lei concreta;
15 - A nova redação do artigo 11°, n° 1, in fine, do CPTA torna meramente eventual e subsidiária a intervenção do Ministério Público como representante do Estado no processo administrativo, pelo que, mesmo numa apreciação isolada, dificilmente a norma se compatibilizaria com o princípio judiciário constitucional da representação do Estado nos tribunais através do Ministério Público, imposta pelo primeiro segmento do n° 1 do artigo 219° da CRP;
16 - A desarmonia dessa norma com a Lex Fundamentalis torna-se ainda mais clara quando se proceda à sua interpretação conjugadamente com a do n° 4 do artigo 25°, também aditado pela referida Lei n° 118/20, que estabelece que quando seja demandado o Estado a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado;
17 - No que se reporta ao Estado, a norma destrói a mais elementar lógica de constituição da instância processual administrativa, visto que, por um lado, o réu Estado-Administração é unicamente citado numa entidade que não possui poderes legais para a sua representação em juízo e, por outro, não é citado através do órgão que possui tais poderes, por força de disposição constitucional (e também legal);
18 - Por outro lado, nos termos do artigo 223°, n° 1 do CPC, subsidiariamente aplicável ao contencioso administrativo, a citação das pessoas coletivas - como é o caso indiscutível do Estado-Administração - realiza-se na pessoa dos seus legais representantes;
19 - O único representante do Estado em juízo, pelo menos enquanto o Estado não manifestar a vontade de pretender ser patrocinado de outro modo (pressuposta, por necessidade de raciocínio, a validade dessa declaração), o seu representante natural é o Ministério Público, em quem deve ser realizada a citação;
20 - O mecanismo implementado pelo n° 4 do artigo 25°, conjugado com a parte final do n° 1 do artigo 11° do CPTA, ambos na redação da Lei n° 118/2019, conduz em linha reta, de forma necessária, a uma presença subsidiária e minimalista do Ministério Público como representante do Estado no processo administrativo;
21- Acresce que a norma do n° 4 do art.° 25° CPTA, na redação da Lei n° 118/2019, vem atribuir ao Centro de Competências Jurídicas do Estado a competência para coordenar os termos da (...) intervenção em juízo do serviços a quem aquele entenda transmitir a citação que, no caso dos autos (tal como noutros), não a transmitiu ao Ministério Público, estando sob sua decisão escolher quem vai representar o Estado;
22 - Só um construtivismo artificial e pré-ordenado pode sustentar a legitimidade constitucional da opção do legislador ordinário, creditando-a na faculdade de a Assembleia da República definir a competência do Ministério Público (cfr. artigo 165°, n° 1, al. p) da CRP), pois é verdade elementar que a lei formal também deve obediência ao princípio da constitucionalidade;
23- Apesar da sua falta de clareza e desarmonia com a arquitetura do sistema processual, resulta do preceito que o dito Centro pode, se e quando lhe aprouver, confiar a representação judiciária do Estado ao Ministério Público tratado como mero serviço administrativo e coordenar os termos da respetiva intervenção em juízo;
24- Ou seja, o dito Centro passará a decidir, caso a caso, se o Ministério Público representa ou não o Estado, sem que haja qualquer indicação dos critérios que conformam tal decisão, sendo que o teor da norma constitucional constante do artigo 219°, n° 1 da CRP não permite a supressão do Ministério Público como representante do Estado (tal como sucedeu no caso concreto dos autos);
25 - Ao atribuir ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, um serviço central da administração direta do Estado, a competência para proferir decisões que delimitam a intervenção do Ministério Público enquanto representante do Estado, a norma jurídica resultante das disposições conjugadas dos artigos 11°, n° 1 e 25°, n° 4 do CPTA configura, dessa forma, uma inconstitucionalidade material, também por violação ao artigo 165°, n° 1, al. p) da CRP;
26 - A norma em causa prevê que, em vez do Estado, seja citado o referido Centro que transmitirá aos serviços competentes, e, se assim o entender (e quando entender), a transmitirá ao Ministério Público. No entanto, o Ministério Público não é um serviço do Estado- Administração, mas sim um órgão constitucional da administração da justiça, pelo que o conhecimento da ação - a citação - quando seja demandado o Estado representado pelo Ministério Público não pode deixar de ter lugar no âmbito do contexto jurisdicional;
27 - No que concerne aos termos da respetiva intervenção em juízo, a norma ínsita na parte final do novo n° 4 do artigo 25° do CPTA confere à JurisApp competência para coordenar os próprios termos da intervenção do Ministério Público quanto a aspetos relativos à técnica do processo;
28 - Desse modo, sai gravemente ofendido o princípio da autonomia (externa) do Ministério Público, consignado no n° 2 do artigo 219° da CRP, degradando-se esta magistratura à condição de mera serventuária subordinada da vontade da Administração;
29 - A decisão agora em crise limitou-se a remeter para a decisão proferida no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 03.07.2020, no proc. n° 00902/19.2BEPNF-S1, cuja fundamentação transcreveu, como se se tratasse de um decisão definitiva;
30 - Sucede que tal decisão ainda não transitou em julgado, pois foi interposto recurso para o STA e, ao que sabemos, atualmente encontra-se em apreciação no Tribunal Constitucional pelo que, com o devido respeito (que é muito), não deveria ter sido utilizada, sem qualquer outra justificação;
31 - Ademais, a decisão do Venerando Tribunal Central Administrativo Norte foi proferida num outro processo e, mesmo que fosse definitiva, não era obrigatória para os demais Tribunais, dado que em Portugal não vigora o princípio do precedente judicial, tal como ele é configurado nos sistemas de common law;
32 - Em face do exposto, é forçoso concluir que as normas constantes do segmento final do n° 1 do artigo 11° e do n° 4 do artigo 25° do CPTA, na redação da Lei n° 118/2019, de 17.09, são materialmente inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 219° da CRP, n° 1, primeira proposição (Ao Ministério Público compete representar o Estado) e n° 2 (O Ministério Público goza de (...) autonomia... violando igualmente o conteúdo material dos princípios e normas constitucionais do artigo 165°, n° 1 da CRP, pelo que são materialmente inconstitucionais, nos termos do artigo 277°, n° 1, da CRP;
33 - E, em consequência, verifica-se a nulidade emergente da falta de citação do Estado, por omissão completa do ato (artigos 188, n° 1, al. a) e 187, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1° do CPTA), uma vez que o Ministério Público não foi citado.
(…)”.
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Notificada que foi para o efeito, a Recorrida A. não produziu contra-alegações.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir é a de saber se a decisão judicial recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO

O Tribunal a quo não fixou factos, em face do que aqui se impõe estabelecer a matéria de facto, rectius, ocorrências processuais, mais relevante à decisão a proferir:
A. Em 03.01.2021, A. deduziu a presente Ação Administrativa no Tribunal Administrativo de Penafiel [cfr. certidão que integra fls. 1 e seguintes dos autos – suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
B. Nela demandou o Estado Português - Ministério da Administração Interna [idem];
C- E formulou o seguinte petitório:“(…) Nestes termos, e nos mais de Direito, deve a ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência:
Condenar o R. a pagar à A. pelos danos sofridos, pelos que ainda continua a sofrer e por aqueles que irão permanecer para o resto da sua vida, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais uma quantia nunca inferior a 150.000,00€ (Cento e cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento. (…)” [idem];
D. A citação do Réu foi operada por ofício postal dirigido para o Centro de Competências Jurídicas do Estado [idem].
E. Em 15.01.2021, o Ministério Público atravessou um requerimento no autos peticionando a “(…) A - A recusa de aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do n.º 1 do art. 11.º e do n.º 4 do art. 25.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação da Lei n.º 118/2019, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do n.º 1 do art. 219.º da Constituição e do n.º 2 desta mesma disposição;
B - A declaração de nulidade da falta de citação do réu Estado Português (artigos 188.º/1/a) e 187.º/a) CPC, subsidiariamente aplicáveis), anular-se o processado posterior à petição e decretar-se a citação do Estado no Ministério Público. (…)” [idem];
F. Por despacho datado de 19 de janeiro de 2021, o T.A.F. de Penafiel indeferiu o pedido formulado pelo aqui Recorrente de recusa de aplicação nos presentes autos das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do CPTA, na redação da Lei nº118/2019, de 17.09, por inconstitucionalidade material e mais indeferiu a requerida declaração de nulidade da falta de citação do réu Estado Português [artigos 188, nº 1, al. a) e 187, al. a) do CPC, subsidiariamente aplicáveis], com a consequente anulação de todo o processado posterior à petição inicial e a determinação da citação do Estado no Ministério Público [idem];
G. Sobre esta decisão judicial sobreveio, em 26.01.2021, o presente recurso jurisdicional [cfr. fls. 2 e seguintes dos autos – suporte digital - , cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
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III.2 - DO DIREITO
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Está em causa, como sabemos, o despacho do T.A.F. de Penafiel que indeferiu o pedido formulado pelo aqui Recorrente de recusa de aplicação nos presentes autos das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do CPTA, na redação da Lei nº118/2019, de 17.09, por inconstitucionalidade material e mais indeferiu a requerida declaração de nulidade da falta de citação do réu Estado Português [artigos 188, nº 1, al. a) e 187, al. a) do CPC, subsidiariamente aplicáveis], com a consequente anulação de todo o processado posterior à petição inicial e a determinação da citação do Estado no Ministério Público.

Perlustrando a fundamentação de direito vertida na decisão judicial recorrida, logo se constata que o determinação de indeferimento censurada nos autos ancorou-se na jurisprudência deste Tribunal Administrativa Norte promanada no processo nº. 00902/19.2BEPNF-S1.

O Recorrente insurge-se contra assim decidido, insistindo na argumentação já convocada em sede declarativa, e mais invocando que o “Acórdão deste T.C.A.N. fundamento” não transitou em julgado, não sendo vinculativo fora do processo onde foi proferido.
Esta alegação, porém, não é minimamente persuasiva.

Por um lado, a invocada falta de trânsito do aresto fundamento é absolutamente inócua e insuficiente para alterar o quadro decisório assumido na decisão judicial recorrida.

Por outro, o decidido pelo Tribunal a quo não merece o menor reparo, encontrando-se certeiramente justificado.

Realmente, sobre a temática que ora nos prende a atenção, pronunciou-se já profusamente este Tribunal Central Administrativo Norte, de entre outros, no âmbito dos processos nº. 1031/19.2BEAVR, 895/20.1BEPRT, 714/19.1BECBR, 00902/19.2BEPNF, 1240/19.4BEPNF-S1, 00313/20.5BECBR, 00240/20.6BEPNF, e 0952/20.4BEPRT, ocorrendo uma uniformidade de jurisprudência no sentido de que a opção do legislador infra-constitucional de fazer operar a citação da pessoa coletiva Estado, quando este seja demandado no âmbito dos processos nos Tribunais Administrativos, através do Centro de Competências Jurídicas do Estado, não fere o artigo 219º nº 1 da CRP, não se descortinando, assim, qualquer nulidade processual emergente da falta da citação do Ministério Público, por omissão completa do ato.

Por se mostrar o arrazoado jurídico que escora o sentido desta jurisprudência igualmente sustentado no aresto transcrito na sentença recorrida, e não se vislumbrando qualquer argumento de natureza jurídica ou prática para inverter a direção ali seguida, entendemos que seria até deselegante voltar a reproduzir tudo o quanto já ficou exposto, pelo que, nesta altura, nos limitamos a remeter para tudo o quanto o lá ficou exposto no domínio em questão.

Deste modo, à luz da fundamentação que se mostra expendida nos arestos tirada nos processos referidos, ademais e especialmente, no nº. 00902/19.2BEPNF, que expressamente se avoca, é mandatório concluir pela improcedência do erro de julgamento de direito imputado à decisão recorrida.

Concludentemente, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão judicial recorrida, ao que se provirá em sede de dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, e manter a decisão judicial recorrida.
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Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo da isenção subjetiva com que litiga nos autos.
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Porto, 15 de julho de 2021


Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro