Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02944/15.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:CARTÃO DE RESIDÊNCIA PERMANENTE; DEFERIMENTO TÁCITO; SEF
Sumário:1 – Se decorre expressamente da lei a existência de deferimento tácito nas situações de renovação do título de Residência, tal não se aplica às situações em que o cidadão estrangeiro requer um título diverso daquele que detinha, no caso, Cartão de Residência Permanente.

2 – O artigo 82° n.º 3 da Lei n.º 23/2007 refere que na falta de decisão no prazo previsto no número anterior, o pedido entende-se como deferido, determinando a imediata emissão do título de residência, no pressuposto de estar em causa a mera renovação da autorização de residência, o que não é aplicável aos pedidos de concessão de cartão de residência Permanente previsto na Lei n.° 37/2006 de 9/8, regime que não prevê a possibilidade de verificação de deferimento tácito.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
Recorrido 1:T.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I Relatório

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras/SEF - Ministério da Administração Interna/MAI, devidamente identificados nos autos, no âmbito da Ação Administrativa apresentada por T., tendente a impugnar “o despacho que lhe indeferiu o pedido de renovação do cartão de residência”, inconformados com a decisão proferida no TAF do Porto, em 19 de maio de 2017, através da qual foi decidido julgar a Ação procedente, mais se anulando o ato de indeferimento expresso da pretensão do Autor, vieram recorrer da decisão proferida.

Assim, em 16 de junho de 2017, concluiu o aqui Recorrente/SEF-MAI, o seguinte:

“A - A decisão judicial aplicou indevidamente normas da Lei n.º 23/2007 a situações reguladas pela Lei n.º 37/2006 de 9/8, ao determinar que a pretensão do cidadão brasileiro, acima "identificado, tem de ser considerada deferida tacitamente, nos termos do referido n.º 3 do artigo 82º”
B - O legislador foi multo claro ao consagrar no artigo 8º n.º 3 da Lei n.º 23/2007 de 4/7 que "Na falta de decisão no prazo previsto no número anterior... o pedido entende-se como deferido, sendo a emissão do título de residência imediata.”
C - O disposto no artigo 8º n.º 3 da Lei n.º 23/2007 aplica-se exclusivamente aos pedidos de renovação de autorização de residência concedidas ao seu abrigo, rectius da Lei n.º 23/2007, e não aos pedidos de concessão de cartão de residência da Lei n.º 37/2006 de 9/8.
D A norma em causa, a do artigo 8º n.º 3 da Lei n.º 23/2001 de 4/7, aplica-se exclusivamente aos pedidos de renovação de autorização de residência da Lei 23/2007 de 4/07, e não se aplica aos pedidos de concessão de autorização de residência da Lei n.º 23/2007 de 4/7. nem tão pouco aos pedidos de concessão de cartão de residência da Lei n.º 37/2006 de 9/8.
E - Se faz sentido a existência do deferimento tácito nas situações de renovação do titulo, pelo contrário, e daí a sua não previsão, pouco ou nenhum sentido se regista na previsão dele nas situações de concessão em que o cidadão estrangeiro adquire pela primeira vez um estatuto diferente daquele que até aí ostentava·- Não existe norma análoga na Lei n.º 37/2006 de 9/8, nem tão pouco parece fazer sentido aplicar analogicamente tal disposição legal.
F - O disposto no artigo 108º do CPA, então em vigor, não tem a abrangência necessária para integrar e regular a situação em apreço e, como se sustentou. não há norma especial a prever o deferimento tácito.
G - O tribunal ao considerar verificado o deferimento tácito aplicou - indevidamente - uma norma da Lei n.º 23/2007 de 4/7 a uma situação regulada pela Lei n.º 37/2006 de 9/8.
H - A decisão de indeferimento expresso do pedido consubstancia a revogação tacita do deferimento tácito entretanto ocorrido, sem que se lhe possa assacar qualquer vicio de extemporaneidade, considerando que à data de prolação da decisão administrativa aos 05/10/2015 - já se aplicava aos procedimentos em curso o disposto no Decreto-Lei n.º 4/2015 de 7 de Janeiro, que aprovou o novo CPA (NCPA) (cfr. artigo 8" relativo à Aplicação no tempo e produção de efeitos) e,
I- A norma legal a considerar/considerada verificado a constante do artigo 168º n.º 3 do NCPA que dispõe nos seguintes termos: "Quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa só pede ter lugar até ao encerramento da discussão.”
J - A decisão administrativa de indeferimento do pedido proferida aos 05/10/2015 teve lugar ainda antes do momento relativo ao do encerramento da discussão",
K - O ato administrativo objeto de impugnação foi proferido no âmbito de um procedimento que respeitou integralmente os princípios, normas e trâmites constitucional e legalmente previstos, não enfermando de qualquer vício, de forma ou de direito.
L - Ficou efetivamente provado, no processo. o impedimento, melhor se diria, a impossibilidade legal de deferimento do pedido de emissão de cartão de residência permanente, vide as restrições ao direito de residência, previstas e reguladas no artigo 8º nºs 1 e 3 da Lei n.º 37/2006 de 9/8.
M - Afigura-se. pois. inquestionável que o cidadão brasileiro T., não pode beneficiar da proteção dispensada pela Lei n.º 37/2006, porquanto são razões relacionadas com a sustentabilidade do sistema de segurança social nacional, designadamente a falta de prova de meios de subsistência que, na situação em apreço, fundamentam a decisão de indeferimento do pedido, e que legitimam a restrição ao direito invocado.
N - O quadro legal de referência da Lei n.º 37/2006, que regula o exercício do Direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e esses familiares, no território nacional, reconhece aos referidos cidadãos e familiares, garantias acrescidos de proteção jurídica não disponibilizados pelo quadro jurídico-legal da lei n.º 23/2007.
O - A preocupação do legislador comunitário de estabelecer um regime jurídico que garanta eficazmente a liberdade de circulação e o direito[ de residência dos cidadãos da União e seus familiares, patenteia-se na transposição para o ordenamento jurídico nacional da Diretiva n.º 2004/381CE do Parlamento e do Conselho de 29/4, pela lei n.º 37/2006.
P - Na linha do que sucede com a generalidade/totalidade dos direitos de consagração legal e constitucional, a ampla margem de liberdade e de direitos reconhecidos àqueles cidadãos, pode, e por expressa previsão legal, ser objeto de Restrições/limitações.
Q - A faculdade que os Estados-membros têm de perturbar as posições jurídicas de liberdade e residência alcançadas pelos cidadãos da União e seus familiares depende da verificação/constatação da existência de razões de Ordem Pública, Segurança Pública ou Saúde Pública, expressamente reguladas no Capítulo VIII da lei n.º 37/2006.
R - O artigo 22° da citada Lei reúne um conjunto assinalável de princípios gerais cuja fonte deriva do labor jurisprudencial levado a cabo pelo Tribunal de Justiça ao longo dos anos, e que têm de ser observados sempre que se pretende adotar uma medida restritiva.
S - O disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 22° evidencia bem a malha apertada que condiciona fortemente os Estados membros que pretendem adotar medidas daquele tipo.
T - O exercício do direito de residência dos cidadãos da União Europeia e seus familiares nos termos do Direito da União Europeia continua ainda hoje a depender de exigências relativas aos meios de subsistência.
U - Regra geral, exige-se aos cidadãos da União Europeia e seus familiares prova do exercício efetivo de uma qualquer atividade profissional, subordinada ou independente -, ou no caso dos não ativos, prova da titularidade de rendimentos e de seguros de saúde -, como forma de não onerar ainda mais os sistemas de saúde e da segurança social dos Estados-membros de acolhimento.
V - São condições postas pelo Direito da União Europeia ao exercício do direito de residência de que os Estados-membros não abdicam, e que exigem o seu cumprimento, em defesa dos seus débeis, complexos e sobrecarregados sistemas de saúde e de segurança social.
W - São pois razões que se prendem com a salvaguarda de determinados interesses nacionais dos diversos Estados-membros. relacionados com a Ordem Pública. Segurança Pública, Saúde Pública, ou com os sistemas de saúde e de Segurança social. que legitimam a restrição dos direitos de residência dos cidadãos da União Europeia e dos seus familiares.
X - Cabia pois ao cidadão brasileiro acima identificado. fazer prova do exercício efetivo da atividade profissional independente.
Y -Nos termos do disposto no artigo 8º n.ºs 1 e 3 da lei n.º 37/2006, após o divórcio. só conservava o direito de residência se provasse, e não provou, o exercício efetivo da atividade profissional invocada.
Z - Considera-se, pois, que a prova documental e testemunhal coligida no processo, não evidencia o exercício efetivo da atividade profissional independente, que com ela se quis provar.
M - O exercício do direito não se basta com a sua invocação. Para além do mais é necessário fazer prova no processo dos factos que o consubstanciam. nomeadamente do exercício efetivo da atividade profissional.
BB - A prova formal e aparente junta aos autos não foi suficiente para explicitar o exercício efetivo daquela atividade.
CC - Os recibos apresentados e juntos aos autos, as declarações fiscais de exercício da atividade profissional, os descontos para a segurança social e as publicitações na net não são suficientes para por si só fazerem prova do exercício efetivo da atividade declarada.
DD - As declarações prestadas em Auto pelos cidadãos portugueses, alegadamente seus clientes, em função das dúvidas que suscitam são claramente insuficientes para se poder afirmar a partir delas a efetividade dessa atividade.
EE - A convicção gerada no Instrutor do processo depois de se realizarem as diligências instrutórias, designadamente as entrevistas aos cidadãos portugueses. é a de que não foi feita no processo prova cabal do exercício efetivo da mencionada atividade.
FF - No pedido de reconhecimento do direito de residência e de condenação na emissão do respetivo cartão, não foram invocados quaisquer vícios formais ou matérias que sustentassem o pedido e inquinasse o ato ao ponto do mesmo dever ser anulado.
GG - Certo é que a decisão então impugnada limitou-se a retirar as devidas e vinculadas consequências da constatação da falta de prova do exercício efetivo da atividade profissional declarada.
HH - Todo o exposto demonstra a obrigatoriedade da Administração assumir o comportamento adotado e a evidência indiscutível da respetiva legalidade, e bem assim, a manifesta improcedência da pretensão do cidadão brasileiro T. Autor, que a ser viabilizada violaria os comandos ínsitos nos artigos 8° n.ºs 1 e 3, 13° e 17º da Lei n.º 37/2006, de 9/8.
Termos em que deve esse Tribunal revogar a Sentença ora recorrida, atento os fundamentos invocados.
Nestes termos, e no mais de direito, deve o presenta recurso e pedido formulado ser julgados procedentes com todas as legais consequências.

O Recorrido não veio a apresentar contra-alegações de Recurso.

Em 20 de setembro de 2017 foi proferido despacho de admissão do Recurso

O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 6 de novembro de 2017, veio a emitir Parecer em 17 de novembro de 2017, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever ser julgado procedente o Recurso.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, o que se consubstancia predominantemente na necessidade de verificar, se ocorreu o deferimento tácito da pretensão formulada pelo recorrido.

III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto relevante para a apreciação da questão controvertida, cujo teor infra se reproduz:

“1. O A. deu entrada do procedimento administrativo com vista à renovação do seu cartão de residência, no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no dia 18 de Junho de 2014.
2. Foi notificado da decisão final do procedimento administrativo em 5 de Outubro de 2015 – cfr. doc. nº 1 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
3. O A. exerce uma atividade profissional de cariz independente - cfr. fls. 7 a 8 e 16 do processo administrativo.
4. Cumpre com as suas obrigações fiscais e contributivas, - cfr. fls. 7 a 12 e 39ª 41 do PA.
5. Tem formação profissional para o exercício da sua atividade - cfr. fls. 35 do PA.
6. Tem alojamento e está inscrito no Sistema Nacional de Saúde, pelo que não carece de contrair um seguro de saúde – cfr. fls. 21 e 24 do P.A.;
7. A entidade administrativa entende que as faturas emitidas pelo requerente não permitem identificar o beneficiário do serviço, e em consequência, não está demonstrado o efetivo exercício da profissão.
8. O A. é massagista profissional, especialista em “Massagem Ayurveda Terapêutica”, conforme certificado profissional obtido em 18 de Maio de 2012.
9. Além dessa formação, o A. é formado no “Curso Básico de Espiritismo”, desde 27 de Junho de 2011-
10. O A. é formado em “Curso Básico de Passes”, desde 29 de Novembro de 2011.
11. O A. publicita a sua atividade, de modo a angariar clientela, através do seu Sítio profissional na internet, www.(...), onde explica o seu procedimento e os benefícios do mesmo.
12. Além do seu Sítio profissional, publicita a sua atividade no sítio “OLX”.
13. Dos resultados da sua atividade, deposita em conta titulada por si.
14. Mensalmente, insere os proveitos resultantes da sua atividade no competente portal das finanças.
15. Tem a sua situação contributiva junto da Segurança Social devidamente regularizada.
16. O requerente é titular de Cartão do Cidadão n.º (…), válido até 19/08/2015, sendo Cidadão Brasileiro ao abrigo do Tratado Porto Seguro.

IV - Do Direito

No que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...) Em relação ao alegado deferimento tácito afigura-se-nos que assiste razão ao Autor.
Note-se que segundo o artigo 82.°, da Lei 23/2007, na sua atual redação:
“2 - O pedido de renovação de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 30 dias.
3 - Na falta de decisão no prazo previsto no número anterior, por causa não imputável ao requerente, o pedido entende-se como deferido, sendo a emissão do título de residência imediata.”
O Autor solicitou, em 18 de Junho de 2014, a renovação da autorização da sua residência. Assim sendo, ultrapassado o prazo de trinta dias úteis (artigo 72º do CPA), a sua pretensão tem de ser considerada deferida tacitamente, nos termos do referido n.º 3 do artigo 82º.
Ou seja, no dia 30 de Julho de 2014, como nada foi referido, entretanto, pela entidade demandada, o Autor viu a sua pretensão ser deferida tacitamente.
Verifica-se, no entanto, da matéria de facto dada como provada, que em Outubro de 2015, o autor foi notificado do indeferimento expresso da sua pretensão, levantando-se agora a questão de saber se a entidade demandada poderia ou não proceder à revogação do deferimento tácito.
No nosso ordenamento jurídico impera o princípio da livre revogabilidade dos atos administrativos, como consta do artigo 140º do Código de Procedimento Administrativo, no entanto, com as exceções aí referidas. Entre outras, refere a alínea b), n.º 1, do referido artigo 140º, que não são revogáveis os atos que forem constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos. No entanto, nos termos do artigo 141º do Código de Procedimento Administrativo, podem ser revogados os atos que sejam inválidos, com fundamento nessa invalidade e dentro do prazo do recurso contencioso (no caso dos autos), ou seja, dentro do prazo de um ano, uma vez que é este o prazo (mais longo - n.º 2) para o Ministério Público poder impugnar os atos anuláveis.
Claramente, aqui, a revogação foi efetuada extemporaneamente, pelo que o ato em crise incorreu em erro nos seus pressupostos e, por isso, deve ser anulado.
Ademais, o ato em crise peca também por ter indevidamente desconsiderado o facto de o Autor ter demonstrado no P.A. preencher os requisitos previstos no artigo 8.°, n.° 3 da Lei 37/06 de 9 de Agosto.
Segundo este artigo:
“Enquanto não adquirirem o direito de residência permanente, os familiares referidos no n.° 1 que tenham a nacionalidade de estado terceiro conservam o seu direito de residência, desde que reúnam uma das seguintes condições:
a) Exerçam uma atividade profissional subordinada ou independente;
b) Disponham, para si próprios e para os seus familiares de recursos suficientes e de um seguro de saúde;
(...)”
Neste caso, os inspetores que instruíram o procedimento concluíram que não bastaria o Autor ter apresentado os elementos elencados nos pontos 3 a 14 dos factos provados, acima.
Que seria necessário mais. Isto porque acharam que as duas testemunhas que inquiriram não foram credíveis o suficiente. Designadamente por ter sido vagas na menção do local onde foram atendidas pelo Autor e porque não apresentaram comprovativos de terem liquidado qualquer valor pelos serviços prestados.
E os demais elementos juntos pelo Autor ao procedimento, de nada relevam, perguntar-se-á…? Mormente quando confrontados com os depoimentos das sobreditas testemunhas terão de relevar. Ou então, explicite-se porque não…
Assim sendo, para além de extemporâneo, o deferimento tácito que se verificou na esfera jurídica do Autor quanto ao pedido de renovação de autorização de residência, não se poderá considerar como sendo um ato ilegal e, portanto, ser revogado por via da emissão de ato de indeferimento expresso.
Ou seja, de todo o exposto tem de se concluir que, por um lado por ser extemporâneo e, por outro, por estarem preenchidos os pressupostos legalmente previstos para o efeito, o deferimento tácito da pretensão do Autor não pode ser considerado ilegal, pelo que não podia a entidade demandada ter emitido ato de indeferimento expresso da sua pretensão.
Assim sendo, e pelos fundamentos expostos tem de se anular o ato de indeferimento expresso da pretensão do Autor.
Anulado este ato, mantém-se em vigor o deferimento tácito da sua pretensão, ficando assim satisfeita a sua pretensão referente à prática do ato devido.

Vejamos:
A situação controvertida patenteia algumas incongruências e contradições, o que desde logo evidencia a necessidade de verificar qual seja o regime jurídico primordialmente aplicável, uma vez que a decisão recorrida e o discurso fundamentador da Sentença Recorrida assentam em diplomas legais diversos.

Desde logo, a decisão recorrida do SEF remete a sua fundamentação jurídica para a Lei n.º 37/2006 de 9/8 que Regula o exercício do direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União Europeia e dos membros das suas famílias no território nacional e transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2004/38/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril.”

Por outro lado a Sentença Recorrida assentou a sua argumentação na Lei 23/2007 a qual “Aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional”.

Refira-se desde logo, que se não reconhece a verificação de deferimento tácito, uma vez que, ao contrário do invocado pelo Autor, não estamos perante uma mera “renovação do cartão de residência”, mas antes, face a uma alteração do Estatuto de permanência em território nacional, o que desde logo compromete o invocado deferimento tácito.

Efetivamente, se é verdade que decorre expressamente da lei a existência de deferimento tácito nas situações de renovação do título, que não é o que aqui está em causa, não se aplica tal figura às situações em que o cidadão estrangeiro requer um título diverso daquele que detinha, no caso, cartão de residência permanente.

Acresce que a prova feita pelo Recorrido para o preenchimento dos requisitos que teria de preencher para obter a almejada autorização, se mostra pouco sólida e insuficiente.

Na realidade, ao contrário do discorrido em 1ª Instância, o que o Recorrido requereu foi a concessão de cartão de residência permanente, o que, por falta de prova, determinou o indeferimento expresso da sua pretensão, o que sempre prevaleceria sobre um eventual deferimento tácito, desde que respeitados os prazos aplicáveis.

Não se conformando com o decidido, o Recorrido apresentou em juízo Ação Administrativa tendente ao reconhecimento do seu direito de residência permanente.

O Tribunal a quo, induzido em erro, tendo entendido que estava em causa uma mera renovação da autorização de residência, por sentença de 19 de Maio de 2017, julgou procedente a ação e determinou a anulação do " ... ato de indeferimento expresso da pretensão do Autor mais determinando que, uma vez anulado esse ato, manter-se-ia em vigor o deferimento tácito da sua pretensão, ficando assim satisfeito o seu pedido de condenação à prática do ato devido, estribando-se na fundamentação que aqui se dá por integralmente reproduzida, e se considera parte integrante das presentes alegações, para todos os efeitos legais.”

Aqui chegados, refira-se que o tribunal a quo aplicou inadvertidamente à situação controvertida, a Lei n.º 23/2007, tendo, consequentemente, dado por verificado o deferimento tácito da pretensão apresentada.

Efetivamente, o artigo 82° n.º 3 da Lei n.º 23/2007 refere que na falta de decisão no prazo previsto no número anterior, o pedido entende-se como deferido, sendo a emissão do título de residência imediata, sendo que, como se disse já, está aqui em causa a mera renovação da autorização de residência, o que não é aplicável aos pedidos de concessão de cartão de residência previstos na Lei n.° 37/2006 de 9/8, diploma que não prevê a possibilidade de ocorrência de deferimento tácito do requerido.

Em bom rigor, o tribunal a quo, ao considerar verificado o deferimento tácito aplicou, inadvertidamente, figura prevista na Lei n.º 23/2007 a uma situação regulada pela Lei n.º 37/2006.

Assim, perante a inverificação de deferimento tácito, a decisão vigente no ordenamento jurídico, até à prolação da decisão final do tribunal, era a decisão de indeferimento expresso do pedido.

Em qualquer caso, mesmo que assim se não entendesse, e como supra se afirmou já, ainda que tal deferimento tácito tivesse ocorrido, a decisão de indeferimento expresso posterior sempre teria revogado o deferimento tácito ocorrido, por estar em tempo.

Efetivamente, tendo o ato expresso de indeferimento sido proferido em 05/10/2015, vigorava já o novo CPA (Decreto-Lei n.º 4/2015 de 7 de Janeiro) o que significa, nos termos do seu 108º n.º 3 que "Quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão.”

Assim, sempre seria legitima e tempestiva a decisão expressa de indeferimento da pretensão, mesmo que se considerasse válido o deferimento tácito reclamado pelo Recorrido.

Cabia pois ao cidadão brasileiro fazer prova adequada e suficiente do exercício efetivo da atividade profissional independente, nos termos do artigo 8.º n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 37/2006, pois que, após o seu divórcio, a manutenção do direito de permanência em território nacional, estava dependente do exercício efetivo da atividade profissional e a posse de “recursos suficientes” para assegurar a sua permanência, o que ficou por provar.

O exercício do direito não se basta com a sua invocação. Como se sumariou, entre outros, no Acórdão deste TCAN nº 436/14.0BECBR, de 22-01-2021 “Perante a mera alegação de um facto, tal não determina que o tribunal tenha de o dar por assente, uma vez que alegar não é provar, como decorre do brocardo latino - Allegatio et non probatio quasi non allegatio - Alegar e não provar é quase não alegar.

V - DECISÃO

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, conceder provimento ao recurso, revogando-se a Sentença Recorrida, mais se julgando improcedente a Ação.
*
Sem Custas, por o Recorrido não ter apresentado contra-alegações
*
Porto, 15 de julho de 2021
*

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Paulo Ferreira de Magalhães