Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01679/13.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:REPOSIÇÃO DE IMPORTÂNCIAS PAGAS INDEVIDAMENTE; REVOGAÇÃO DE ACTO CONSTITUTIVO DE DIREITOS;
N.ºS 1 E 3 DO ARTIGO 40º DO DECRETO-LEI Nº 155/92, DE 28 DE JULHO; ARTIGO 141º DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.
Sumário:1. Existindo um crédito já definido é compreensível o prazo extenso de 5 anos para a restituição, uma vez que, nesse caso, a certeza é precisamente a que resulta da definição do crédito, ou seja, vai no sentido da restituição ao Estado, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho.

2. Já se existe um acto administrativo que reconheceu o direito de um particular a receber do Estado uma determinada importância afectado de um vício que determina apenas a sua anulabilidade, é razoável que a restituição deva ser exigida no prazo de um ano, nos termos do disposto no artigo 141º do Código de Procedimento Administrativo prazo este que é coincidente com o prazo que o Ministério Público, em defesa da legalidade, tem para impugnar actos ao abrigo do disposto no artigo 28º, n.o1, al. c), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.

3. “O disposto no n° 1 (do art.º 40º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.6) não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141° do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n°442/91, de 15 de Novembro”, nesta interpretação que reputamos correcta, dado que o campo de aplicação de cada um dos preceitos é distinto.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:AGPR
Recorrido 1:Ministério da Educação
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

AGPR acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que indeferiu a reclamação apresentada contra a sentença de 12.11.2015 que julgou improcedente a acção administrativa especial intentada pelo ora recorrente contra o Ministério da Educação para anulação do despacho do Director-Geral dos Estabelecimentos Escolares de 23.04.2013 que ordenou ao autor “a reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas”.


Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida violou o disposto no as disposições dos artigos 3.º, 6.º, 6.º - A, 124.º, 125 e 141.º do Código de Procedimento Administrativo, artigo 59.º do Estatuto da Carreira Docente, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 29 de Julho -, por o mesmo se encontrar ferido do vício de violação de lei e de forma.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

O recorrente, notificado deste parecer, veio reiterar no essencial a sua posição inicial.

*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:


1 – O recorrente é bacharel, professor profissionalizado e habilitado para o ensino da música, grupo de recrutamento M29 (análise e técnicas de composição) do quadro de pessoal do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian em B….

2 - Em 01.09.2009, o recorrente, depois de integrado na carreira, Grupo de recrutamento M29, progrediu legalmente ao 2.º escalão da carreira docente da estrutura do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro que corresponde ao índice remuneratório 188 de acordo com a tabela anexa ao mesmo decreto-lei.

3 – Passando, desde essa data, a ser legalmente remunerado pelo índice 188 da carreira docente.

4 – Em 30.05.2013, o recorrente foi notificada da decisão que ordenou “a reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas …”.

5 – Considerando essa decisão ilegal, o recorrente interpôs a presente ação administrativa especial, a qual foi julgada improcedente.

6 – Os vencimentos do recorrente sempre foram processados pelo escalão e índice em que se encontrava posicionado, pelo que não vislumbra onde está a ilegalidade – ilegalidade seria o A. estar posicionado em determinado escalão e os seus vencimentos serem processados por índice que não correspondesse a esse escalão.

7 – Acontece até que o réu ainda não revogou o acto que fez progredir A. ao 2.º escalão.

8 – Uma segunda questão é a de se saber se o acto que fez progredir ao 2.º escalão, índice de vencimentos 188, ainda pode ser revogado (que não foi).

9 - Todavia, acontece ainda que sobre a data da progressão do A. ao 2.º escalão (índice 188) - já decorreu mais de um ano, pelo que também já não pode o recorrido revogar esse acto – que não revogou –, nem o Tribunal a quo pode conhecer da ilegalidade desse acto de reposicionamento, em virtude de tal acto se ter consolidado na ordem jurídica por não ter sido impugnado.

10 – Assim, os vencimentos do recorrente só poderiam ser processados pelo índice 188, pelo que não há lugar a qualquer reposição e sendo o acto que ordena a reposição ilegal.

11 – Para que o recorrente estivesse a receber indevidamente pelo índice 188, era necessário que tivesse regredido no escalão, o que não sucedeu, nem é possível em virtude de o acto de progressão já não poder ser revogado, nem apreciada judicialmente a sua legalidade.

12 – No caso dos autos, contudo, o enquadramento jurídico não é correto, pois a decisão recorrida omite ainda aspectos de pronúncia necessária e efectua uma errada aplicação do direito, pois não apreciou sobre o correto ou incorrecto posicionamento na carreira do docente e não se pronunciou sobre o facto de o Réu não ter anulado qualquer acto administrativo de progressão na carreira do Recorrente.

13 – Além disso, a decisão recorrida considerou poder existir uma reposição de verbas salariais recebidas em relação a um trabalhador em funções públicas que foi sempre remunerado de acordo e em obediência ao seu posicionamento na carreira docente.

14 – Salvo o devido respeito, ilegal seria um certo trabalhador estar posicionado em determinado índice da carreira e ser remunerado por outro índice e não o contrário.

15 – Acresce ainda que a progressão do autor, ao 2.º escalão (índice 188), foi precedida de uma análise criteriosa e cuidadosa pelo órgão de gestão que tudo achou conforme com a lei.

16 – Em conclusão, a sentença/acórdão recorrido e o acto impugnado, mais não fazem que, duma forma encapotada, revogar um acto administrativo – progressão ao 2.º escalão da carreira docente, índice 188 – que já não pode ser revogado por se haver consolidado na ordem jurídica.

17- O douto acórdão ora em crise faz uma errada interpretação e aplicação o artigo 40.º do decreto-lei n.º 155/92, de 28.07, dado que esta norma se aplica às situações em que os administrados recebam indevidamente verbas, o que não sucedeu no presente caso, visto que o recorrente foi abonado pelo índice correspondente ao escalão em que se encontrava posicionado, mesmo que estivesse mal posicionado.

18 – O abono de vencimento é um acto consequente do acto de reposicionamento na carreira, e de acordo com o princípio da legalidade não pode o recorrido abonar o recorrente por índice diferente do que corresponde ao escalão em que se encontra posicionado.

19 - Concluímos, por isso, que não assiste razão ao douto acórdão recorrido.

20 – O acórdão recorrido, viola entre outras, as disposições dos artigos 3.º, 6.º, 6.º - A, 124.º, 125 e 141.º do Código de Procedimento Administrativo, artigo 59.º do Estatuto da Carreira Docente, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 29 de Julho -, por o mesmo se encontrar ferido do vício de violação de lei e de forma.
*

II – Matéria de facto.

Deram-se como provados os seguintes factos na decisão recorrida, sem preparos nesta parte:


A. O autor é docente profissionalizado e habilitado com o Bacharelato em Composição – facto alegado em 1 da petição inicial e aceite pelo réu.

B. O autor é professor do quadro do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian, em B…, grupo de recrutamento M29 (Análise e Técnicas de Composição) – facto alegado em 2 da petição inicial e aceite pelo réu.

C. Em 01.09.2009, o autor foi integrado no 2.º escalão, índice 188 – cfr. fls. 10 do processo administrativo apenso.

D. Em 08.11.2010, pelo Conselho Administrativo do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian foi determinado o pagamento ao autor pelo referido índice 188 – cfr. fls. 10 do processo administrativo apenso.

E. Em 26.02.2012, pelo Director Regional de Educação do Norte foi proferido despacho a determinar a instauração de processo de inquérito ao Conservatório de Música Calouste Gulbenkian, em B… – cfr. documento 1 junto com a petição inicial.

F. Em 26.10.2012, pela instrutora do referido processo de inquérito foi subscrito “Relatório” com o seguinte teor – cfr. doc. 4 junto com a p.i.:

(Texto em imagem que aqui se dá por reproduzido)


G. Em 04.04.2013, por técnica superior da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares foi subscrita “Informação-proposta” sob o assunto “Processo de inquérito n.º 1006/012/RN/12; Conservatório de Música Calouste Gulbenkian. N/Proc. 12/125/GJ/EM”, no sentido da determinação da

“(…) reposição nos cofres do estado das quantias indevidamente recebidas e a receber pelos docentes (…) AGPR, do grupo de recrutamento M29 (Análise e Técnicas de Composição)(…) na sequência do último reposicionamento na carreira docente de cada um deles, dentro dos cinco anos posteriores à data dos efeitos do seu recebimento, ao abrigo do artigo 40.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, atento o disposto no seu n.º 3, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo artigo 77.º da Lei n.º 55- B/2004, de 30 de Dezembro, conforme uniformização da jurisprudência, acordada em conferência, no pleno da 1.ª secção do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão STA n.º 4/2009 - Processo n.º 1212/06 (…)” – cfr. documento 1 junto com a petição inicial.

H. Em 23.04.2013, pelo Director-Geral dos Estabelecimentos Escolares foi proferido despacho de concordância com o teor da informação que antecede – cfr. documento 1 junto com a petição inicial.


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III - Enquadramento jurídico.

Adianta-se no essencial que o recorrente tem razão.

O prazo prescricional de cinco anos, estabelecido do art.º 40º do Decreto-Lei n.º155/92, de 28.7, para a obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas que devam entrar nos cofres do Estado, reporta-se exclusivamente à exigibilidade ou à possibilidade de cobrança de um crédito preexistente a favor do Estado e não à prévia definição jurídica da obrigação de repor, em nada interferindo, pois, com a regra geral da revogação dos actos administrativos constitutivos de direitos.

Como se defendeu nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.11.1998 (Pleno), recurso n.º 41.173, de 11.3.1999, recurso n.º 37.914, de 5.7.2005, recurso n.º 159/04, e de 23.5.2006, recurso n.º 01024/04: e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31.3.2005, recurso n.º 00541/05, e de 11.5.2006, no recurso n.º 11946/03).

E não se diga que com este entendimento se esvazia de sentido útil do disposto no nº 3 do artigo 40º do DL nº 155/92, de 28 de Julho:

“ (…)

1- A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.

2- O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.

3- O disposto no n° 1 não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141° do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n°442/91, de 15 de Novembro ".

Está aqui em jogo, por um lado, o legítimo interesse do Estado em reaver as importâncias indevidamente pagas a terceiros (a exigir um prazo alargado) e, por outro, o interesse genérico na segurança e na certeza jurídicas (a impor para a revogabilidade dos actos constitutivos de direitos um limite temporal relativamente curto).

Ora o equilíbrio entre esses interesses consegue-se plenamente com a interpretação sufragada pelos Tribunais Superiores Administrativos em recentes acórdãos e com a qual se concorda inteiramente.

Existindo um crédito já definido é compreensível o prazo extenso de 5 anos para a restituição, uma vez que, nesse caso, a certeza é precisamente a que resulta da definição do crédito, ou seja, vai no sentido da restituição ao Estado.

Assim, como se compreende a restituição, a todo o tempo, ou no decurso de 5 anos após a declaração de nulidade, pois esta sanção só surge nos actos administrativos cuja validade é afectada de forma mais grave.

Já se o acto administrativo que reconheceu o direito de um particular a receber do Estado uma determinada importância está afectado de um vício que determina apenas a sua anulabilidade, é razoável que a restituição deva ser exigida no prazo de um ano, prazo este que é coincidente com o prazo que o Ministério Público, em defesa da legalidade, tem para impugnar actos ao abrigo do disposto no art.º 28º, n.o1, al. c), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.

Como se decidiu no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11.10.2006, no processo n.º 04933/00.

Posição que se desenvolveu no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19.12.2013, processo n.º 09849/13):

“De facto, a decisão do R (anulada pela sentença por vícios formais) de exigir a reposição de verbas remuneratórias por parte dos AA resultou expressamente de o R ter mudado o seu entendimento jurídico sobre o concreto direito dos AA àquelas verbas/subsídios/compensações. Como vimos, não se tratou de corrigir um lapso ou erro meramente contabilístico ou material no ou do processamento dos pagamentos; nesse caso, não há acto constitutivo de direitos (vd. art. 140º/2 CPA(7); Ac.STA de 12.7.09, P. nº 139/07; Ac.STA de 5.7.05, P. nº 159/04).

Como é há muito pacífico para o STA, constitui acto administrativo revogatório de actos (constitutivos de direitos ou de interesses legítimos) de concessão e processamento de abonos o envio ao interessado de ordem de reposição de quantias recebidas anteriormente (vd. art. 140º CPA; Ac.STA de 17.3.2010, P. nº 413/09).

Lembremo-nos que esta natureza de acto administrativo atribuída pela quase totalidade da jurisprudência e da doutrina portuguesas ao acto de processamento de vencimentos também pode prejudicar o servidor público, atento o prazo de caducidade do direito de impugnar actos anuláveis.

É verdade que o despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do art. 40º, nº 1 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, não viola o art. 141º do Código do Procedimento Administrativo(8), atento o disposto no nº 3 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo art. 77º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro. Esta doutrina, como se sabe, surgiu por causa das subvenções ou apoios financeiros europeus, sujeitos a controlo posterior (cf. RAVI PEREIRA, O D. Comunitário posto ao serviço…, in BFDUC, 2005, esp. a pp. 702 ss; CARLA A. GOMES/R.LANCEIRO, A revogação…, in RMP 132, 2012, p. 46). Não surgiu por causa do processamento de vencimentos.

Tem-se, aliás, ampliado incorrectamente nalguma jurisprudência o alcance do cit. nº 3 do art. 40º cit. e do Ac. de U.J. do STA de 22-1-2009, P. nº 1212/06 (v. ainda o Ac.STA de 20-6-2008, no mesmo processo), às vezes até contrapondo o impossível, como por exemplo o princípio da justiça ao da tutela da confiança.

O que, efectivamente, resulta do art. 40º do DL 155/92 é que o art. 141º do CPA (“anulação administrativa”) não se aplica no caso de haver obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas, a qual prescreve decorridos cinco anos após o recebimento das quantias. No mais, aplica-se, i.a., o art. 140º do CPA; afinal, o processamento de vencimentos e abonos aos servidores públicos é, para o STA e o TCAS, um acto administrativo que não depende de um controlo posterior.

E, por isto mesmo (vd. art. 140º/2/a) do CPA), o regime dos arts. 36º ss do DL 155/92, maxime o art. 40º, refere-se a casos de meros erros materiais ou contabilísticos, sendo inaplicável nos casos de alteração do entendimento do Estado sobre se o abono pago era ou não devido, tendo o mesmo sido pago pelo Estado na convicção então havida da sua correcção legal.

Caso contrário, estaria a violar-se o art. 140º do CPA, a segurança jurídica e a tutela da confiança dos particulares (cf. MARIO AROSO, Teoria Geral do D.A. …, pp. 282 ss; FILIPA CALVÃO, Revogação..., in CJA 54, pp. 36-37, e Os actos de concessão de pensões como actos administrativos verificativos ou declarativos com efeitos constitutivos …, in Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, nº 3, 2005, pp. 229-230), num caso em que não faz sentido falar em o Estado indemnizar os interessados que reporiam as quantias (vd. ainda FREITAS DO AMARAL, Curso…, II, 2ª ed., pp. 479 ss e 486). Só não será assim, logicamente, nos casos em que a lei preveja o controlo posterior do direito ao pagamento das quantias.

Neste sentido vai, aliás, o projecto de 2013 de revisão do CPA (cf. ROBIN DE ANDRADE, O regime da revogação…, in CJA 100, pp. 75-77; ANDRE SALGADO DE MATOS, A invalidade do acto administrativo…, in CJA 100, pp. 68-69; VIEIRA DE ANDRADE, Lições…, 2ª ed., pp. 187 ss, e A “revisão” dos actos administrativos…, in Legislação-Cad.C.Leg., nº 9/10, 1994, nº 1.3, 3, 3.1 e 4.1).

Note-se que, mesmo quando o pagamento dos abonos tenha sido um erro de direito do Estado a que o destinatário é alheio (que não conferirá um direito subjectivo), fora das situações em que a lei preveja o controlo posterior da legitimidade jurídica do direito ao pagamento, há aí um acto constitutivo de um interesse legalmente protegido (do servidor público, aqui), interesse tutelado pelos arts. 6º-A e 140º/2/a) do CPA (cf. FREITAS DO AMARAL, Curso…, II, 2ª ed., pp. 482-483; FILIPA CALVÃO, Os actos de concessão de pensões como actos administrativos verificativos ou declarativos com efeitos constitutivos …, in Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, nº 3, 2005, pp. 229-230; CARLA A. GOMES/R.L., A revogação…, in RMP 132, 2012, pp. 26-29); também num caso em que não faz sentido falar em o Estado indemnizar os interessados que reporiam as quantias.

Pensemos, aliás, na redacção expressa do art. 48º/2 do C.P.A. alemão (VwVfG), que não temos entre nós (naturalmente, pois, ao contrário da Alemanha, o nosso regime regra é a anulabilidade e não a nulidade): «Em regra, a confiança é digna de protecção se o beneficiá­rio consumiu as prestações concedidas ou se delas celebrou um negócio dispositivo, negócio que já não pode anular ou apenas o pode fazer em condições demasiado gravosas». Normalmente, como nos diz o senso comum e as regras da experiência, é isto que ocorre nos casos de vida decorrentes do processamento de vencimentos, como o presente. Sobretudo em países como o nosso, em que as remunerações no sector público não são elevadas.

Pelo que, com motivo em erro de direito do Estado pagador ora réu (caso em que prevalece o art. 140º do CPA sobre os arts. 36º ss do DL 155/92), o réu não pode revogar os actos (administrativos) anteriores de processamento de vencimentos, ordenando a reposição das quantias antes pagas aos AA, que as receberam de boa-fé. A não ser, claro, que fossem actos nulos (cf. art. 133º do CPA) e sem prejuízo, note-se, do nº 3 do art. 134º do CPA.”

E se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 25.09.2014, no processo 874/08.7 BEVIS:

“O DL nº 155/92, de 28/07, estabelece o «Regime de administração financeira do Estado», no desenvolvimento da «Lei de Bases da contabilidade pública» constante da Lei nº 8/90, de 20/02.

Estabeleceu-se então como novo paradigma a regra de competência dos dirigentes dos serviços e organismos, no âmbito da gestão corrente, para, com carácter definitivo e executório, praticarem os actos necessários à autorização de despesas (controlada a conformidade legal, regularidade financeira, e economia, eficiência e eficácia) seu pagamento (art.º 2º, nº 1, e art.º 3º das referidas Leis e DL).

Ficando a autorização de despesas sujeita à verificação dos seguintes requisitos: a) Conformidade legal; b) Regularidade financeira; c) Economia, eficiência e eficácia (art.º 22º, nº 1, do cit. DL).

Por conformidade legal entende-se a prévia existência de lei que autorize a despesa, dependendo a regularidade financeira da inscrição orçamental, correspondente cabimento e adequada classificação da despesa (art.º 22º, nº2, do cit. DL) [nº 3 - Na autorização de despesas ter-se-á em vista a obtenção do máximo rendimento com o mínimo de dispêndio, tendo em conta a utilidade e prioridade da despesa e o acréscimo de produtividade daí decorrente.]

Ao ter tais actos como definitivos e executórios, a lei dotou-os de aptidão ao alcance e protecção de caso resolvido.

(Posto que se revistam de características próprias, tenham natureza capaz.)

É orientação jurisprudencial consolidada que os actos de processamento de vencimentos e outros abonos constituem verdadeiros actos administrativos, e não meras operações materiais, susceptíveis de se consolidarem na ordem jurídica como «casos decididos» se não forem objecto de atempada impugnação, na medida em que contenham uma definição voluntária e inovatória, por parte da Administração, da situação jurídica do funcionário abonado, relativamente ao processamento em determinado sentido e com determinado conteúdo (cfr., por todos, os Acórdãos do STA, de 10 de Abril de 2008, Pleno, recurso n.º 544/2006; de 19 de Dezembro de 2007, recurso n.º 899/07; de 28 de Novembro de 2007, recurso n.º 414/0; de 6 de Dezembro de 2005, Pleno recurso n.º 672/05; de 4 de Novembro de 2003, recurso n.º 48 050; de 3 de Dezembro de 2002, recurso n.º 42/02; de 19 de Março de 2002, recurso n.º 48065; de 7 de Março de 2002, recurso n.º 48 338; de 26 de Fevereiro de 2002, recurso n.º 48 281).

Assim, e na medida em que contenham uma definição voluntária e inovatória, é que tais actos podem ser vistos como verdadeiros actos administrativos.

Necessário é que “o acto em causa se traduza numa decisão voluntária e unilateral da Administração, e não numa pura omissão definidora de uma situação concreta” – Ac. do TCAN, de 18/06/2009, proc. nº 01260/07.1BEPRT].

Logo, mesmo que ilegais, sob limite imposto pelo art.º 141º do CPTA para uma revogação anulatória.

O nº 3 inovatoriamente introduzido no art.º 40º sobre o qual discorremos foi expressamente consagrado como tendo natureza interpretativa (art.º 77º do OE 2005).

O próprio legislador veio, por esta forma, fixar vinculativamente o alcance que, ab initio, deve ser atribuído ao preceito interpretado.

Recordando uma vez mais Karl Larenz, “(…) o sentido de cada proposição jurídica só se infere, as mais da vezes, quando se a considera como parte da regulação a que pertence (…) o contexto significativo da lei desempenha, ainda, um amplo papel em ordem à sua interpretação, ao poder admitir-se uma concordância objectiva entre as disposições legais singulares (…) que possibilita a garantia de concordância material com outra disposição” (in ob. cit. pág. 391).

Da conjugação normativa que resulta do art.º 40º, nº 3, para o nº 1 do mesmo artigo que tem em consideração, resulta que a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento, não sendo esta previsão prejudicada pelo art.º 141º do CPA.

Assim subtraindo a estabilidade de tais actos ao geral prazo de revogação anulatória (estabelecido no art.º 141º do CPA).

Não diz a lei quando haja tal obrigatoriedade.

Mas infere-se da inserção em que decorre e da economia do diploma que ela é suposta em função da violação das regras que regem o regime de administração financeira que aí presidem. Dito de outra forma, e à luz das considerações doutrinais supra, o alcance que daqui emana é confinado à violação de tais regras, mormente em consideração do que seja de entender por conformidade legal e por regularidade financeira, em que a obrigação de reposição por sua violação não fica dependente do prazo para revogação anulatória consignado no art.º 141º do CPA.

No mais não atinge a condição estatutária.

Essa, e no que não seja o campo operativo de aplicação da norma de reposição prevista no art.º 40º, nºs 1 e 3, do DL nº 155/92, de 28/07, escapa aos pressupostos da sua tutela e, assim, permanece incólume à sua aplicação.

Assim, o autor, pese a ilegalidade que em hipótese se pudesse apontar à sua progressão – no caso, a que o recorrente imputa -, tem beneplácito de protecção do art.º 141º do CPA, e do princípio de segurança jurídica que o enforma. Ultrapassado o momento em que a Administração podia ainda usar do seu poder revogatório e deixou de o fazer - como é o caso -, a relação administrativa estabilizou-se e assumiu o seu desenho tendencialmente definitivo, devendo por isso ficar resguardado da interferência modificativa de alguma das partes. Ou seja, independentemente da legalidade/ilegalidade da progressão do recorrido para o 6º escalão, sendo certo que eventual desvalor mais se não reduziria que à consequência da anulabilidade, estabilizada essa progressão na ordem jurídica, não mais cabendo revogação por força do limite temporal estabelecido no art.º 141º do CPA, haveria ele de ver processado vencimento ancorado em tal posição estatutária, não estando em conformidade legal a actuação administrativa que revogou e condenou à reposição de quantias.”

Posição mantida no acórdão de 20.11.2014, no processo n.º 636/09.4 AVR e que aqui se reitera.

“O disposto no n° 1 (do art.º 40º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.6) não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141° do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n°442/91, de 15 de Novembro”, nesta interpretação que reputamos correcta, dado que o campo de aplicação de cada um dos preceitos é distinto.

No caso concreto o acto impugnado, de 30.05.2013, que ordenou a reposição a “reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas” no pressuposto, declarado, de o autor, ora recorrente, dever estar posicionado no índice remuneratório 125 (facto provado sob a alínea F), constitui acto revogatório do acto que posicionou o autor, a partir de 01.09.2009, no 2.º escalão, índice 188 (facto provado sob a alínea C).

Acto revogatório que foi praticado para além do prazo de um estabelecido no artigo 141º do Código de Procedimento Administrativo.

Sendo certo que não se aplica ao caso o disposto no artigo n° 1 do artigo 40º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.6, a permitir a ordem de reposição no prazo de 5 anos, pois as quantias pagas ao autor pelo índice 188 não foram indevidamente recebidas mas antes recebidas devidamente, face à colocação no autor, ora recorrente, à data, no índice 188, por acto agora insusceptível de revogação.

Termos em que se impõe revogar o acórdão recorrido e, julgando a acção procedente, anular o acto impugnado.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida.

B) Julgam a acção procedente e anulam o acto recorrido, por violação de lei.

Custas em primeira instância pelo recorrido, sendo que em sede de recurso não são devidas por não ter apresentado contra-alegações.

Porto, 15 de Julho de 2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Esperança Mealha