Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00362/20.3BEMDL-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:08/13/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO - OMISSÃO DE PRONÚNCIA – OPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS COM A DECISÃO
Sumário:I- A nulidade de sentença, por omissão de pronúncia [art. 615º nº 1 d) do CPC], é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito, sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.

II- Na ausência de contradição entre os próprios fundamentos da decisão e de qualquer obscuridade ou ambiguidade no discurso, inexiste nulidade de sentença, nos termos da alínea c) do n’.1 do artigo 615º do CPC.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A
Recorrido 1:E., LDA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Recurso Extraordinário de Revisão
Decisão:Julgadas inverificadas as nulidades.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:N/A
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *

I – RELATÓRIO

E., S.A., com os sinais dos autos, notificado do Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 18.06.2021, e exarado a fls. 247 e seguintes [suporte digital], que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto por INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A, vem atravessar requerimento destinado a interpor Recurso de Revista, dirigido ao colendo S.T.A., com fundamento no artigo 150º do C.P.T.A., nele suscitando o incidente de arguição de nulidade de acórdão, com fundamento nas alíneas c) e d) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C.
É o seguinte o teor das conclusões do recurso de revista: ”(…)

I. Nos termos do artigo 150.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pode haver Recurso de Revista para o Supremo Tribunal Administrativo das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II. Existem questões levantadas pelo acórdão recorrido que resultam na manifesta importância da intervenção do Supremo Tribunal de Administrativo para a correta apreciação e aplicação da lei.
III. No caso sub judice, está em causa a violação do artigo 103.°-A n.° 2 e 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, quanto ao pedido de levantamento do efeito suspensivo dos atos de adjudicação dos Lotes 1, 3, 6, 8, 10, 11, 1, 14, 15 e 16 do Concurso Público n.° 5010043724, que tem por objeto a «Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022».
IV. É que a aplicação do artigo 103.°-A número 2 e 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não se compadece com uma decisão judicial que manifeste uma ponderação superficial e incauta da questão suscitada, e que não proceda à adequada avaliação dos critérios previstos naquele normativo e à matéria de facto assente.
V. As expectativas juridicamente criadas com a vigência do disposto no artigo 103.°-A, que é imposição da Diretiva 2007/66/CE, são totalmente frustradas se efetivamente este não for aplicado de forma responsável pelo Tribunal, e se acabar esvaziado de conteúdo.
VI. Além desta matéria, o presente recurso assenta ainda na errada aplicação ao caso dos autos, do Decreto-lei n.° 124/2006, de 28 de junho, que institui o Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios, e na contradição desta decisão, com duas outras decisões anteriores e transitadas em julgado, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito (os pressupostos para o levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação nos termos do disposto no n.° 4 do artigo 103.°-A, do CPC), tendo por objeto igual núcleo factual ao que é versado no acórdão recorrido (tratando-se do mesmo Concurso Público e com identidade na maioria dos Lotes impugnados), violando assim autoridade de caso julgado.
VII. A questão da proteção do interesse público relevante que se encontra adjacente a esta ação - o da Proteção da Defesa da Floresta Contra Incêndios, o da mitigação do risco de incêndio e da proteção da segurança das pessoas e bens - é de suma importância, e não pode ser desconsiderada, nem admitida uma errada aplicação do disposto no Decreto-lei n.° 124/2006 de 28 de junho.
VIII. Esta necessidade de certeza e segurança jurídicas assume especial importância, tendo em consideração que estão em causa contratos públicos, na matéria da Defesa da Floresta Contra Incêndios, cuja relevância social, per se, é incontestável.
IX. Por outro lado, a contradição de julgados ofende diversos princípios do Estado de Direito - designadamente, o da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos.
X. Nesta conformidade, impõe-se a apreciação das questões ora em apreço pelo Supremo Tribunal Administrativo para criação de jurisprudência que conduza a uma maior segurança jurídica e a uma justa e homogénea aplicação do Direito nesta matéria, concretamente na ponderação dos pressupostos para aplicação do levantamento do efeito suspensivo automático , e na medida em que estas questões são jurídica e socialmente relevantes para o contencioso administrativo atendendo à complexidade da questão e das suas consequências.
VEJAMOS,
XI. O Acórdão recorrido revogou a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que ordenou a manutenção do efeito suspensivo automático dos Lotes aqui impugnados.
XII. No entanto, é nulo o referido Acórdão por quanto o mesmo não conhece - como deveria - todos os factos de que devesse conhecer, designadamente o alegado pela Recorrente em Resposta ao Parecer do Ministério Público, que aquele Tribunal não considerou.
XIII. É que, naquela resposta, a Recorrente alegava a existência das duas decisões contraditórias ao sentido decisório deste aresto agora recorrido, e tais decisões não constam se quer ponderadas na decisão.
XIV. Ora, nos termos do disposto no n.° 1 alínea d) do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do artigo 1.° do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, é nula a sentença quando: «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
XV. E tal omissão originou a violação pelo Tribunal a quo de princípio essenciais, como o princípio do contraditório e o princípio da proibição da indefesa, previstos no artigo 3.° do Código de Processo Civil e no artigo 20.° número 4 da Constituição da República Portuguesa, respetivamente, o que prejudicou irremediavelmente a Recorrente.
XVI. Na verdade, a garantia de acesso aos tribunais e a possibilidade de reação contra determinados vícios da decisão jurisdicional, são corolários do Estado de Direito, sendo constitucionalmente consagrada a plenitude de acesso à jurisdição e os princípios de juridicidade e da igualdade.
XVII. E esta omissão resulta apenas da desconsideração dos fundamentos alegados pela Recorrente naquela Resposta, mas sim a denegação de uma pretensão processual ali formulada.
XVIII. E é por isso que, ao transpor para a sua decisão os fundamentos alegados no Parecer pelo Digníssimo Ministério Público sem considerar a defesa apresentada pela Recorrente e o peticionado na sua resposta, a decisão do TCAN está enfermada por um vício que conduz à sua nulidade.
XIX. Concluiu o Tribunal a quo que, a manter-se a suspensão dos atos, a Entidade Demandada/Recorrida se via impossibilitada de cumprir as suas obrigações de limpeza das faixas de gestão de combustível exigidas ao abrigo do SDFCI, e que tal impossibilidade era geradora de um risco gravemente prejudicial para o interesse público, o que sustentou a sua decisão de levantamento do efeito suspensivo automático daqueles atos.
XX. Sucede que, tal decisão viola frontalmente a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de Primeira Instância e que não foi alterada pelo Tribunal Recorrido.
XXI. Porquanto, no ponto 5 dos factos provados resulta inequívoco que a Entidade Demandada/Recorrida executa as mencionadas tarefas ao abrigo de outros contratos em vigor e/ou cujos procedimentos se encontram em curso.
XXII. É que, o que decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, foi exatamente que: «(...) através da junção de outros contratos celebrados e de anúncios de outros procedimentos igualmente lançados pela Entidade Demandada neste âmbito, dos quais resulta serem, de facto, contempladas, noutros instrumentos contratuais, alguns dos quais ainda vigentes, as atividades ambientais cuja execução se pretende salvaguardar através do levantamento do efeito suspensivo automático (cfr. ponto 5 do probatório).»
XXIII. E adiantou aquele Tribunal na sua fundamentação que os contratos em questão se «encontram configurados, na própria fundamentação da decisão de contratar, como um complemento e um incremento [aumento/desenvolvimento] do modelo de gestão implementado e dos trabalhos já contratualizados e executados ou a executar pela Entidade Demandada e não como instrumento exclusivo de execução da atividade em questão (...)»
XXIV. Pelo que, não alterando o TCAN a matéria de facto dada como provada, como não alterou, não podia nem pode concluir como concluiu.
XXV. Designadamente, não pode entender o TCAN que a Recorrida não pode executar as atividades ambientais previstas no SDFCI por outros meios que não os deste Concurso, quando resulta provado, que está a executá-las e vai executá-las ao abrigo de outros contratos que se encontram especificados naquele ponto da matéria de facto.
XXVI. Dispõe a alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil que é nula a decisão quando: «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.»
XXVII. E como bem decidiu o Supremo Tribunal Administrativo: «A nulidade do acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão, que é prevista na alínea c), do n°1, do artigo 615° do CPC, verifica-se quando há um vício na lógica-jurídica que presidiu à respectiva construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam, logicamente, num certo sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso
XXVIII. E foi exatamente isso que ocorreu nos autos vertentes - por um lado, o TCAN não indica quais os factos provados que sustentam a sua decisão, e, por outro lado, os factos que estão provados nos autos levam-nos inelutável e logicamente, a uma decisão em sentido absolutamente contrário ao decidido.
XXIX. A contradição é latente e inegável, e por isso o Acórdão recorrido enferma de nulidade nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no artigo 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
ACRESCE AINDA QUE,
XXX. O Tribunal a quo incorreu ainda num grave erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação do Decreto-lei 124/2006 que institui o Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios, na medida em que sustentou, entre o mais, que, após a entrada no dia 1 de julho, correspondente ao primeiro dia do «período crítico», não mais poderão ser realizados trabalhos nos termos do definido no Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios, sistema este aprovado pelo Decreto-lei 124/2006.
XXXI. O que é falso, na medida em que estamos perante um procedimento tendente à celebração de um contrato plurianual, tal como o é o Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios.
XXXII. Conforme resulta do artigo 8.° do Decreto-lei 124/2006 de 28 de junho, nos seus números 1 e 2:
«1 - O PNDFCI define os objetivos gerais de prevenção, pré-supressão, supressão e recuperação num enquadramento sistémico e transversal da defesa da floresta contra incêndios.
2 - O PNDFCI é um plano plurianual, de cariz interministerial, submetido a avaliação bianual, e onde estão preconizadas a política e as medidas para a defesa da floresta contra incêndios, englobando planos de prevenção, sensibilização, vigilância, deteção, combate, supressão, recuperação de áreas ardidas, investigação e desenvolvimento, coordenação e formação dos meios e agentes envolvidos, bem como uma definição clara de objetivos e metas a atingir, calendarização das medidas e ações, orçamento, plano financeiro e indicadores de execução.» (negrito e sublinhado nossos).
XXXIII. Todos os serviços contemplados neste procedimento preveem uma abrangência trienal, e podem inclusivamente ser prestados durante o período crítico, porque durante este período, as entidades mencionadas no n.° 3 do artigo 2.° do mesmo Decreto-lei não estão impedidas e/ou proibidas de executar as mencionadas tarefas de ceifa e limpeza, corte seletivo de vegetação, poda e abate de árvores e arbustos, tratamentos fitossanitários e de controlo de plantas invasoras que refere o Digníssimo Ministério Público.
XXXIV. Conforme resulta do artigo 3.° número 1 alínea bb), o «Período crítico», é o período durante o qual vigoram medidas e ações especiais de prevenção contra incêndios florestais, por força de circunstâncias meteorológicas excecionais, mas nessas medidas não está a proibição de execução das tarefas incluídas neste procedimento de contratação, designadamente as operações de limpeza a que se refere a decisão recorrida, mas sim a obrigação de tomar medidas de prevenção extraordinárias na execução das tarefas.
XXXV. Pelo que, alegar que a esta data já nada pode fazer a Recorrida por estarmos - na data da prolação da decisão recorrida - em meados de junho, é falso, e resulta de uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
ALÉM DISSO,
XXXVI. O TCAN fundamenta a sua decisão no facto de ser «facto notório não carecendo por isso de alegação e prova, que a manutenção do efeito suspensivo automático levará que apenas se poderá fazer essa limpeza nos 3 metros que marginam eixos rodoviários, o que, é insuficiente para acautelar os riscos de incêndio com as já enunciadas consequências para a vida, a saúde e o património da comunidade (...)»
XXXVII. No entanto, e ainda que os Digníssimos Magistrados que proferiram o Acórdão Recorrido fossem dotados de conhecimentos técnicos extraprocessuais sobre a Defesa da Floresta contra Incêndios, sobre o perímetro que há de ser limpo, ou sobre as normais impostas acima do comum, ainda assim, os factos alegados nunca poderiam ser factos públicos e notórios, porque resultam de conclusões formuladas pelo Tribunal perante os factos que foram carreados para os autos e as alegações das partes.
XXXVIII. Porque: «Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos. De acordo com este tipo de consideração, a Relação, ao abrigo do disposto no artigo 514.°, n.° 1, do CPC pode considerar certos factos como notórios, independentemente - até - de os mesmos, no caso de terem sido levados ao questionário, terem obtido resposta negativa por parte do tribunal.»
XXXIX. Ora não é isto que acontece no caso, na medida em que o Tribunal teve de se socorrer de operações lógicas e cognitivas - e mais, aos factos alegados na ação - para proferir tal conclusão, na medida em que o cidadão comum não sabe que a limpeza de terrenos tem de ir para lá dos 3 metros do eixo rodoviário, que tal limpeza não pode ser feita (alegadamente) com a manutenção da suspensão deste concurso, e menos ainda que essa limpeza de «apenas» 3 metros é ou não é suficiente para acautelar riscos de incêndio.
XL. Estes conhecimentos precisos e específicos resultaram dos autos e não do conhecimento público e notório.
XLI. Pelo que, a decisão do TCAN é contraditória e obscura, na medida em que, não só vai num sentido oposto àquele que os factos provados, lógica e inelutavelmente nos conduzem, como também porque tenta lançar mão de factos públicos e notórios que não o são, para sustentar o decidido, e por isto está inquinado com o vício da nulidade, devendo ser revogado.
POR ÚLTIMO,
XLII. A decisão recorrida foi proferida em contradição com duas decisões anteriores, que recaíram sobre o mesmo Concurso Público – uma proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, e outra pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.
XLIII. Aquelas decisões, proferidas sobre o mesmo Concurso Público, decidiram, com base nos mesmos factos, manter o efeito suspensivo dos autos de adjudicação, na medida em que todas elas concluíram que não era impossível à Entidade Demandada/Recorrida, executar as mencionadas tarefas de limpeza que impõe o SDFCI ao abrigo de outros contratos - tal como resulta provada no ponto 5 dos factos provados destes autos.
XLIV. Inexistindo assim um grave prejuízo para o interesse público, que sempre se impunha para se decidir pelo levantamento do efeito suspensivo automático.
XLV. Na verdade, o interesse público em presença nas três ações judiciais, é exatamente o mesmo, existe identidade quanto a parte dos lotes impugnados em cada uma das ações, e quanto ao pedido e à causa de pedir - ao ponto de ter sido apenas por se encontrarem em estados decisórios diversos de que não foram apensadas as ações.
XLVI. O que significa estarmos em presença de uma violação da autoridade do caso julgado, na vertente positiva.
XLVII. A autoridade de caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito em julgado, possa vir a ser apreciada de forma diversa por outra decisão, como aconteceu neste caso.
XLVIII. E, incide sobre a parte decisória, podendo, no entanto, estender-se à decisão das questões preliminares que fora, antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.
XLIX. Assim, deveriam ter imperado, também aqui, como se espera, razões de segurança jurídica e de necessária e desejável conformidade e harmonia das decisões judiciais.
L. Porque na realidade, não se pode compreender que o TCAS decida pela manutenção do efeito suspensivo, e o TCAN, e com os mesmos fundamentos, os mesmos factos e as mesmas alegações, decida pelo seu levantamento.
LI. É inegável - e unânime nas 3 decisões proferidas em 1 .a Instância pelo TAF de Mirandela, Viseu e pelo TAC de Lisboa - que a aqui recorrida poderia executar as tarefas previstas neste concurso ao abrigo de outros contratos, sendo que duas delas já transitaram em julgado antes da prolação desta terceira decisão.
LII. Na realidade, a ponderação realizada pelo Tribunal tem de ser criteriosa de modo a serem devidamente apreciados os contornos do concreto contrato em crise - e, neste caso, provado fica que, podendo executar as tarefas por outro meio, não há grave prejuízo para o interesse público em manter tal decisão.
LIII. E note-se que esse efeito suspensivo irá manter-se - por força das outras decisões - em grande parte dos lotes aqui em apreço, o que gera uma situação de inexplicável incerteza, de inegável contradição.
LIV. Na verdade, este recurso não visa, em primeira linha, a defesa dos interesses das partes mas antes a proteção do interesse geral na boa aplicação do direito, a fim de evitar decisões que ponham em causa a eficácia do direito e a sua credibilidade, como esta.
LV. Fragilizando a norma jurídica em apreço que visa representar uma válvula de escape ao efeito suspensivo do ato de adjudicação que passou a resultar automaticamente da impugnação daquele ato, atenta a importância dos contratos públicos para o Estado de Direito!
LVI. Em súmula, o acórdão recorrido ao decidir pelo levantamento do efeito suspensivo automático, põe manifestamente em crise a eficácia do direito e a sua credibilidade, quer na formulação legal, quer na aplicação casuística, pondo em causa a boa aplicação do direito, pelo que, pela sua peculiar importância e atualidade, leva por si só à admissão da revista por os interesses em jogo ultrapassarem significativamente os limites do caso concreto, em cumprimento dos pressupostos do artigo 150.°, n.° 1 e 2 do CPTA.
LVII. Face ao exposto, a decisão recorrida não pode manter-se pois não estão preenchidos os pressupostos para a aplicação daquele normativo, pelo que consequentemente deve ser determinada a manutenção do levantamento do efeito suspensivo automático dos atos de adjudicação aqui em apreço, pondo cobro a uma vergonhosa contradição de julgados (…)”.
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Notificada da interposição do presente recurso de revista, a Recorrida Infraestruturas de Portugal, S.A produziu contra-alegações, que rematou nos seguintes termos: “(…)

1. Nos termos do n.° 4 do artigo 150.° do CPTA, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
2. Assim sendo, o alegado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa invocado pela Recorrente, que só hipoteticamente se admite, não pode ser objeto de revista.
3. Além disso, o presente recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte incide sobre uma decisão interlocutória da 1.a instância, de conteúdo adjetivo, pelo que não se enquadra no n.° 1 nem no n.° 2 do artigo 671.° do CPC, aplicáveis ao caso em apreço por força do artigo 1.° do CPTA, que determinam quando cabe recurso de revista.
4. Deste modo, tendo a Recorrente interposto recurso de revista, nos termos gerais, com fundamento exclusivo nas nulidades previstas nas alíneas c) e d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, a mesma não é admissível (cfr., nesse sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.12.2017, no Processo 22388/13.3T2SNT-B.L1- A.S1, disponível em www.dgsi.pt).
5. Mas, mesmo que assim não fosse, ao contrário do que alega a Recorrente para tentar justificar a apresentação das suas alegações de recurso, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte procede adequadamente à avaliação dos critérios previstos no artigo 103.°- A do CPTA e no Decreto-lei n.° 124/2006, de 28 de junho e à sua aplicação à matéria assente.
6. Além disso, como já referimos, o presente recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte incide sobre uma decisão interlocutória da 1.a instância, o levantamento do efeito suspensivo previsto no artigo 103.°-A do CPTA.
7. Ora, apesar de existirem outras decisões sobre o levantamento do efeito suspensivo previsto no artigo 103.°-A do CPTA relativos a vários lotes do Concurso público para execução da empreitada denominada “Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022 - 18 Lotes”, apenas o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 18 de junho de 2021, incide sobre os Lotes 1, 11, 13, 15 e 16, que são exclusivamente objeto do presente processo.
8. E, ao contrário do que pretende a Recorrente, repetindo argumentos errados que se encontram claramente desmentidos e devidamente esclarecidos, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte não enferma de nulidade nos termos das alíneas c) e d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPTA.
9. Na realidade, os fundamentos do douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, que se pronuncia sobre questões que deve apreciar e não conhece questões de que não podia tomar conhecimento, encontram-se em consonância com a decisão, que é totalmente clara, lógica e compreensível.
10. No âmbito das obrigações legais da IP S.A. destaca-se toda a atividade associada ao cumprimento dos critérios de gestão de combustível, enquadrados na legislação do Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SDFCI), estando as vias rodoviárias inseridas na rede secundária de faixas de gestão de combustível (FGC).
11. A IP S.A. assegura os trabalhos de conservação/manutenção da rede rodoviária através de contratos trienais de conservação corrente (CCC), os quais englobam os diferentes trabalhos com vista a preservar a vida útil dos diversos ativos rodoviários.
12. Neste âmbito, englobam-se as designadas atividades ambientais (capítulo com maior investimento logo após a conservação de pavimentos), com uma vasta tipologia de trabalhos (ceifas, corte seletivo de vegetação, podas, abates, plantações e sementeiras, entre outros), que permitem manter as condições de segurança da circulação, bem como assegurar a preservação do património vegetal na envolvente das vias.
13. Conforme refere, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 36, os interesses que presidiram à celebração dos contratos denominados CCC “são, designadamente, a segurança rodoviária e a preservação do património ambiental e económico, sabendo-se, até porque é facto notório, que não estando essas zonas limpas, facilmente por via da circulação, a pé e de veículo, essas zonas estão expostas a riscos de incêndio consideráveis, com consequências imprevisíveis tanto quanto é certo que o fogo propaga-se de forma incontrolável enquanto houver combustível podendo destruir no seu percurso quilómetros de floresta, de edificado, devastando aldeias e zonas de produção agrícola, enquanto não for travado ou não houver matéria combustível que mais permita ou alimente a sua propagação. Diz-nos a normal experiência de vida que o fogo percorre com uma velocidade avassaladora vias rodoviárias e, inclusivamente, atravessa cursos de água, sendo, na prevenção que primacialmente devem ser concentrados os maiores esforços nesta luta contra os incêndios”.
14. Segundo menciona, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 36, é “facto notório, não carecendo de alegação, sequer de prova, que nas vias rodoviárias circulam veículos e que no interior deles são transportadas pessoas e bem assim, que nas casas mas também nas próprias florestas, e zonas agrícolas, existem pessoas e que o fogo caso as atinja lhes causará graves lesões físicas e inclusivamente facilmente lhes poderá ceifar a própria vida”.
15. E, continua, o douto acórdão, na página 37, “se dúvidas houvesse quanto a estes aspetos foi o que aconteceu nos inditosos incêndios ocorridos em Pedrógão Grande em que o fogo se propagou às vias rodoviárias, consumindo quilómetros de vegetação, devastando propriedades agrícolas, e destruindo no seu percurso muitas vidas daqueles que por ali circulavam, numa via rodoviária, que até era um IP ( itinerário principal) com uma faixa de rodagem bem mais larga que o habitual e com um trajeto apto a permitir elevadas velocidades mas que ainda assim não permitiu a fuga ao fogo de muitos daqueles que por ali circulavam nessa ocasião”.
16. Os trabalhos necessários à manutenção das FGC foram até 2017 desenvolvidos no âmbito destes contratos.
17. No entanto, após os acontecimentos do verão de 2017, tornou-se mais abrangente e com critérios mais exigentes a execução dos trabalhos necessários para dar cumprimento à legislação do SDFCI.
18. Também se tornou obrigatório, conforme disposto nas Leis do Orçamento do Estado (LOE) para 2018, 2019 e 2020, a intervenção em todos os espaços florestais independentemente de existirem Planos Municipais de Defesa da Floresta contra Incêndios (PMDFCI) aprovados.
19. Complementarmente, a obrigação de entrar em domínio privado, sempre que necessário para cumprir a gestão de combustível numa faixa de 10m, extravasa o objeto definido para os CCC, que apenas abrangem os trabalhos dentro do domínio rodoviário, pelo que é impossível intervencionar estes espaços com este instrumento contratual.
20. Neste contexto, com este alargamento de âmbito, os CCC não estavam dimensionados para a resposta necessária ao quadro legal, face à especialização dos trabalhos em causa, o local onde os mesmos decorrem, marginalmente à via, entrando em domínio privado, a que acresce o prazo para a realização dos trabalhos, não compatível com os meios existentes e o intervalo de tempo disponível nos contratos para a sua execução.
21. Assim, para obviar este problema, desde 2018 que os CCC têm sido complementados com outros contratos específicos, que permitiram, embora com dificuldades operacionais, envolvendo escassez de meio dos adjudicatários, face à grande procura por todas as entidades gestoras de infraestruturas, e também por questões meteorológicas e dificuldades de acesso aos terrenos, ter uma resposta mais dimensionada para as necessidades.
22. Face à experiência adquirida nestes dois anos, com elevado número de procedimentos contratuais implicando um grande acréscimo da atividade de gestão administrativa e operacional dos mesmos, entendeu-se, face à dimensão dos trabalhos envolvidos tanto operacional como financeiramente, a que acresce a impossibilidade de executar trabalhos em propriedade privada, individualizar esta tipologia de atividade adotando uma gestão num contrato individualizado das restantes atividades incluídas nos CCC, mais vocacionadas para trabalhos típicos de engenharia civil.
23. Neste contexto, operacionalizou-se um novo modelo de gestão da manutenção rodoviária, em que as atividades de cariz ambiental estão englobadas num contrato dedicado, “Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022 - 18 Lotes” (ETGV), em regime plurianual, assegurando-se nos CCC as atividades de pavimentação, drenagem, manutenção de taludes, limpezas, segurança, manutenção de obras de arte, entre outras, visando a manutenção dos ativos rodoviários e a segurança da exploração rodoviária, visando garantir o cumprimento das obrigações legais e contratuais que impendem sobre a Empresa e os princípios da boa gestão empresarial.
24. Tal como nos CCC, seguiu-se a organização distrital, de modo a compatibilizar os dois contratos no mesmo distrito, o que levou ao lançamento de um procedimento com 18 lotes.
25. A preparação deste procedimento decorreu em 2019, na perspetiva de se efetuar a contratualização em 2020, tendo o anúncio do concurso público sido publicado apenas em 16 de março 2020, por a Portaria de extensão de encargos ter sido publicada a 6 de março.
26. A necessidade dos presentes contratos de ETGV justifica-se dado que os CCC já estão exauridos de quantidades para assegurar a realização dos trabalhos de gestão de vegetação que permitam o cumprimento da legislação.
27. Como forma de colmatar o impacto do atraso no início destes contratos e porque a empresa já tinha sido notificada pelas entidades fiscalizadoras da necessidade de efetuar trabalhos de gestão de combustível em alguns distritos, recorreu-se a adicionais aos CCC, com trabalhos a mais, os quais estão sujeitos aos limites constantes do Código de Contratação Pública.
28. No entanto, para a campanha de 2021 já não é possível dotar os atuais CCC de quantidades que permitam dar resposta às necessidades, com a agravante que com estes contratos não é possível executar trabalhos em domínio privado, dado que este não faz parte do objeto destes contratos.
29. Deste modo, os contratos ora impugnados são imprescindíveis para se cumprir as obrigações da IP no âmbito do SDFCI, o que não é possível com os CCC.
30. Conforme refere o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 38, o “concurso em causa nos autos surge em consequência desta nova realidade, estando, portanto, em causa, a limpeza das zonas que marginam os eixos rodoviários para além dos 3 metros que os CCC previam”.
31. Como refere, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 38, “é facto notório não carecendo por isso de alegação e prova, que a manutenção do efeito suspensivo automático levará que apenas se poderá fazer essa limpeza nos 3 metros que marginam os eixos rodoviários, o que, é insuficiente para acautelar os riscos de incêndio com as já enunciadas consequências para a vida, a saúde e o património da comunidade, e os interesses ambientais uma vez que, reafirma-se, ainda que limpos os aludidos 3 metros, por recurso aos CCC, facilmente o fogo se iniciará nas zonas não limpas que se situam para lá destes ou se propagará dos restos de vegetação existentes nas zonas limpas para as zonas não limpas com as consequências imprevisíveis, incontroláveis mas efetivas e concretas, colocando em risco a vida, a integridade física e o património de quem circula nessas vias rodoviárias e para toda a comunidade envolvente, cumprindo aqui relembrar que não é inusual um incêndio iniciar-se num concelho e propagar-se a concelhos vizinhos a quilómetros de distância, levando na sua frente tudo o que é suscetível de ser destruído”.
32. Assim, com atraso no início das presentes empreitadas, a IP deixa de poder assegurar, em 2021, o cumprimento das suas obrigações de limpeza das faixas de gestão de combustível, incumprindo o seu dever de prevenção previsto no SDFCI, que define que os trabalhos devem estar concluídos antes do início do período crítico, isto é, em 1 de julho.
33. Segundo menciona, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 38, estamos praticamente “em plena época de incêndios, onde independentemente dos vícios de que possa enfermar o processo concursal já não é possível ou dificilmente seria possível lançar-se um concurso em tempo útil que permitisse dar solução à situação de risco que emerge da não limpeza das zonas que marginam as vias públicas para lá dos 3 m que a manutenção do efeito suspensivo automático determinaria não fossem limpas”.
34. Desta forma, a IP ficará também sujeita às consequentes notificações por incumprimento por parte das autoridades competentes e eventualmente contraordenações com os respetivos pagamentos de multas.
35. Mas, mais preocupante ainda, o incumprimento de limpeza das faixas de gestão de combustível aumentará exponencialmente o risco de incêndios, com consequências imprevisíveis, urgindo, por isso, evitar a todo o custo, a repetição das tragédias que ocorreram em 2017.
36. Como refere, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 39, “só por distração se poderá afirmar que o risco que se visa acautelar e que vem alegado pela Apelante” - (aqui Recorrida) - “é o risco daquela ser cominada com coimas em sede contraordenacional, desconsiderando-se tudo quanto por aquela vem alegado, e sobretudo os fins que presidem aos contratos que se visa celebrar, a RCM que tornou premente a necessidade da limpeza das zonas que marginam as vias públicas para além dos 3 m e as razões que levam a autora”, - (aqui Recorrida) - “nessa sequência, a contratar estes serviços para além dos 3 m, onde se fala sempre em segurança rodoviária, combate a incêndios, eliminação do risco de incêndio, ignorando-se, quiçá desvalorizando-se, as consequências mais que evidentes dos incêndios, como se há escassos anos atrás não se tivesse vivido a tragédia de Pedrógão Grande. E olvida-se ou desconsidera-se o presente momento temporal em que estando-se já em plena época de incêndios o risco destes virem a acontecer é presente, impondo-se rapidez na eliminação desse risco”.
37. Nos termos do n.° 6 do Decreto-Lei n.° 91/2015, de 29 de maio, publicado no Diário da República, 1.a série, n.° 104, de 29 de maio de 2015, a Infraestruturas de Portugal, S.A é gestora das infraestruturas rodoviárias e ferroviárias.
38. Segundo determina a alínea a), do n.° 1, do artigo 15.° do Decreto-Lei 124/2006, de 28 de junho, sob a epígrafe “Redes secundárias de faixas de gestão de combustível”, nos espaços florestais previamente definidos nos PMDFCI é obrigatório que a entidade responsável pela rede viária providencie a gestão do combustível numa faixa lateral de terreno confinante numa largura não inferior a 10 m.
39. A alínea r), do n.° 1, do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 124/2006, de 28 de junho, determina que “Gestão de combustível” é a criação e manutenção da descontinuidade horizontal e vertical da carga combustível nos espaços rurais, através da modificação ou da remoção parcial ou total da biomassa vegetal, nomeadamente por pastoreio, corte e ou remoção, empregando as técnicas mais recomendadas com a intensidade e frequência adequadas à satisfação dos objetivos dos espaços intervencionados.
40. Os critérios para a gestão de combustíveis no âmbito das redes secundárias de gestão de combustível encontram-se previstos no Anexo ao Decreto-Lei n.° 124/2006, de 28 de junho.
41. Na sequência dos incêndios florestais que afetaram Portugal em 2017, a Resolução do Conselho de Ministros n.° 161/2017, publicada no Diário da República, 1.a série, n.° 210, de 31 de outubro de 2017, veio determinar o reforço da atuação no âmbito da Limpeza das Bermas e Faixas de Gestão de Combustível da Rodovia e da Ferrovia, visando contribuir eficazmente para o Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios.
42. Na realidade, existem outros contratos de limpeza e manutenção para segurança rodoviária e que os contratos a celebrar, para execução da Empreitada denominada “ Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022 - 18 Lotes”, que são objeto do requerido levantamento do efeito suspensivo, não são os únicos celebrados pela Entidade Demandada neste âmbito e que esta tem ao seu dispor, para prossecução dos seus fins e realização das atividades que lhe estão cometidas na matéria.
43. Todavia, é fundamental sublinhar que a contratualização de tais trabalhos consubstancia um complemento a outros trabalhos, mas não uma repetição dos mesmos ou até uma alternativa aos mesmos.
44. Ora, estes trabalhos específicos tornaram-se necessários após a publicação, na sequência dos incêndios florestais que afetaram Portugal em 2017, da Resolução do Conselho de Ministros n.° 161/2017, no Diário da República, 1.a série, n.° 210, de 31 de outubro de 2017, que veio determinar o reforço da atuação no âmbito da Limpeza das Bermas e Faixas de Gestão de Combustível da Rodovia e da Ferrovia, visando contribuir eficazmente para o Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios.
45. No presente caso, a palavra “complementar” é utilizada no sentido de “adicionar” ou “completar”, já que nenhum dos outros contratos em vigor cobre esta necessidade na sua totalidade.
46. Na verdade, a suspensão do ato de adjudicação, cujo levantamento se pretende, não implica que a Entidade Demandada deixe de realizar, em absoluto, os trabalhos de manutenção das vias rodoviárias, mas a Entidade Demandada deixa de cumprir, em parte, com as suas obrigações legais nesta matéria.
47. Pois, como já referimos, estes trabalhos são complementares e não repetição de outros trabalhos, pelo que não se encontram abrangidos nos contratos em vigor.
48. A impossibilidade de realizar os trabalhos objeto dos contratos em discussão fora do respetivo âmbito, facilmente se compreende que porque os presentes trabalhos não estão incluídos noutros contratos de conservação corrente já celebrados, é claro que não existem verbas disponíveis nestes para trabalhos que não estão previstos nesses contratos e que, como sabemos, ainda não se encontram contratualizados.
49. Ora, este é um facto que decorre das regras de Contratação Pública e que, consequentemente, não carece de demonstração probatória pela Entidade Demandada.
50. De facto, se estes trabalhos concretos não foram objeto de contratualização e não se enquadram nos trabalhos complementares a qualquer outro contrato celebrado pela Entidade Demandada, nos termos e limites estabelecidos no n.° 2 do artigo 370.° do Código dos Contratos Públicos, é impossível a realização dos trabalhos em causa por outra via que não seja através dos contratos em questão.
51. Além disso, é importante lembrar as boas práticas da Contratação Pública, aliada à vasta jurisprudência do Tribunal de Contas sobre essa matéria, disponível em www.tcontas.pt, que proíbem o recurso sistemático e sem um enquadramento legal rigoroso a outros procedimentos para o efeito, nomeadamente à figura do ajuste direito por razões de urgência imperiosa, que só pode ser adotado na sequência de acontecimentos imprevisíveis, com base no disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 24.° do Código dos Contratos Públicos.
52. Na realidade, o incumprimento de limpeza das faixas de gestão de combustível aumentará exponencialmente o risco de incêndios, com consequências imprevisíveis, que é necessário evitar a todo o custo e representa um sério e grave prejuízo para o interesse público, em caso de não execução do contrato.
53. Pois, foi amplamente evidenciada a produção de danos gravemente prejudiciais para o interesse público prosseguido pela Entidade Demandada decorrentes da manutenção do efeito suspensivo automático.
54. Como refere, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 39, “o interesse que a Apelada” - (aqui Recorrente) - “visa acautelar é um interesse patrimonial, interesse esse que sempre lhe estará salvaguardado por via indemnizatória, caso se venha a decidir que lhe assiste razão. Porém, os prejuízos que o Apelante - (aqui Recorrida) - visa acautelar mediante o afastamento do efeito automático da suspensão, para além de patrimoniais, incluem prejuízos de índole não patrimonial, mais concretamente, o risco de perda de vidas, de ofensas à integridade física, de danos ambientais, etc...’’.
55. Segundo menciona, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 39, “o risco patrimonial que a Apelada’ - (aqui Recorrente) - “visa acautelar não tem comparação possível com o risco patrimonial que o Apelante’ - (aqui Recorrida) - “visa acautelar posto que o prejuízo da primeira será sempre muito inferior ao risco patrimonial de dezenas, centenas ou milhares de cidadãos que poderão ver todos os seus bens destruídos pela ação do fogo, caso não sejam executadas as devidas ações de limpeza das zonas que marginam as vias rodoviárias e que compete ao Apelante’ - (aqui Recorrida) - “assegurar’.
56. Como refere, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 39 “os prejuízos patrimoniais têm de ceder aos graves danos não patrimoniais onde se incluem a vida humana que a manutenção do efeito automático da suspensão poderá acarretar indiscutivelmente para um vasto número de cidadãos’.
57. Conforme menciona, e bem, o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 40, “o Apelante’ - (aqui Recorrida) - “demonstrou, conforme lhe era exigível, que o diferimento da execução do contrato se afigura gravemente prejudicial para o interesse público, tendo justificado os motivos pelos quais o efeito suspensivo do ato impugnado o impede de assegurar as adequadas condições de segurança da circulação na rede rodoviária sob sua jurisdição, demonstrando de modo bastante a razão pelas quais os contratos impugnados são imprescindíveis para que cumpra com as suas obrigações no âmbito do SDFCI”.
58. Face ao exposto, deverá ser totalmente confirmado o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, que decidiu julgar procedente o incidente do levantamento do efeito suspensivo automático deduzido pela entidade demandada (…)”.
* *

II – DA NULIDADE DO ACÓRDÃO SOB REVISTA
* *

Vem a Recorrente arguir a nulidade do Acórdão proferido nos autos, por (i) omissão de pronúncia e, bem assim, por (ii) oposição dos fundamentos com a decisão, nos termos das alíneas c) e d) do nº.1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
Invoca, para tanto, no mais essencial, que:

(i) O acórdão censurado não conhece – como deveria – todos dos factos que devia conhecer, designadamente o alegado pela Recorrente em Resposta ao Parecer do Ministério Público, incorrendo, por isso, em omissão de pronúncia, o que originou a violação pelo Tribunal a quo de princípio essenciais, como o princípio do contraditório e o princípio da proibição da indefesa;

(ii) Não pode este T.C.A.N. afirmar que a Recorrida não pode executar as atividades ambientais previstas no SDFCI por outros meios que não os deste Concurso, quando resulta provado que está a executá-las e vai executá-las ao abrigo de outros contratos que se encontram especificados no ponto da matéria de facto nº. 5, resultando em que a decisão tomada se afigura irracional e contraditória com o tecido fáctico coligido nos autos.

Cumpre, por isso, emitir pronúncia nos termos do disposto no artigo 617.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, e entrando nas questões que cabe apreciar, dir-se-á que, com reporte para as alegações tecidas pelo Recorrente sob o sobredito ponto (i), de acordo com o art. 608º n.º 2 do Código de Processo Civil [C.P.C.], “(…) O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (...).”

A inobservância de tal comando é, como se sabe, sancionada com a nulidade da sentença: art. 615º n.º 1 al. d) CPC.
O exato conteúdo do que sejam as questões a resolver de que falam tais normativos foi objeto de abundante tratamento jurisprudencial.

Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 07.01.2016, no processo 02279/11.5BEPRT, cujo teor ora parcialmente se transcreve:
“(…) As causas determinantes de nulidade de decisões judiciais correspondem a irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua validade encontrando-se tipificadas, de forma taxativa, no artigo 615.º do CPC. O que não se confunde, naturalmente, com errados fundamentos de facto e/ou de direito.
Determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, que a nulidade por omissão de pronúncia ocorre “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este preceito relaciona-se com o comando ínsito na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão); e os acórdãos, entre outros, do STA de 03.07.2007, rec. 043/07, de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09 de 17/03/2010, rec. 0964/09).
Do mesmo modo estipula o artigo 95.º do CPTA que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras”.
Questões, para este efeito, são pois as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes – cfr. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, p. 112 – a decidir pelo Tribunal enquanto problemas fundamentais e necessários à decisão da causa – cfr. Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221.
Exige-se pois ao Tribunal que examine toda a matéria de facto alegada pelas partes e analise todos pedidos formulados por elas, com exceção das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões – cfr. M. Teixeira de Sousa, ob. e pp. cits.”.

Posição que se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 20.10.2017, no Procº. n.º 00048/17.6, que: “(…) A questão está desde logo em saber se o tribunal se deixou de pronunciar face ao suscitado e, em qualquer caso, se teria de o fazer.
Referiu a este propósito o STJ, no seu acórdão de 21.12.2005, no Processo n.º 05B2287 que:
“A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 d) do CPC), traduzindo-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever consignado no art. 660º nº 2 - 1ª parte - do CPC, só acontece quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições dos pleiteantes, nomeadamente as que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções (excetuados aqueles cuja decisão esteja prejudicada por mor do plasmado no último dos normativos citados), não, pois, quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas.”
Como se refere no Acórdão, desta feita do STA nº 01035/12, de 11-03-2015, “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice).
(…)
Resulta também do artº 95º, nº 1, do CPTA que, sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Como este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, haverá omissão de pronúncia sempre que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – cf. neste sentido Acórdãos de 19.02.2014, recurso 126/14, de 09.04.2008, recurso 756/07, e de 23.04.2008, recurso 964/06.
Numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista.
Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.”
Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no Acórdão do S.T.A. de 12.06.2018 [processo n.º 0930/12.7BALSB], consultável em www.dgsi.pt: “(…)
24. Caraterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC].
25. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
26. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio (…)”.

Munidos destes considerandos de enquadramento jurisprudencial, e regressando ao caso concreto, adiante-se, desde já, que, atendendo aos fundamentos concretamente invocados, não assiste razão à Recorrente na arguida nulidade de sentença.

Na verdade, escrutinado o conteúdo do parecer emitido pelo M.P., facilmente se apreende que o mesmo não suscita qualquer questão nova, nem vem arguir qualquer novo vício, limitando-se a pronunciar sobre a verificação dos pressupostos do levantamento da suspensão automática do efeito, na esteira do que sustentou a procedência do presente recurso.

Por sua vez, perlustrando o teor da resposta da Recorrente a este parecer, logo se constata que esta limita-se a contraditar os argumentos aduzidos pelo MP conducentes à pronuncia de procedência do recurso, e, bem assim, a invocar a similitude decisória no sentido da improcedência do recurso entretanto produzida pelos TCAS e pelo TAF de Viseu em processos de contornos idênticos.

O que serve para concluir que a Recorrente também não invoca qualquer questão nova, não impetra novos vícios do acto, nem suscita nenhuma questão acerca da qual as partes não tiveram possibilidade de se pronunciar.

Sendo assim, nenhuma pronúncia haveria que se estabelecer por parte deste Tribunal Central Administrativo Norte quanto ao teor do dito parecer e resposta ao mesmo, ademais e especialmente, no tocante aos específicos argumentos invocados pela Recorrente na sua resposta ao parecer do M.P.

Realmente, a omissão de pronúncia geradora de nulidade é apenas aquela que não trata da questão colocada e não também a que não responde a cada um dos motivos, argumentos, usados pelos intervenientes.

Efetivamente, para os efeitos de omissão de pronúncia, o conceito de “questão” não integra os casos em que o juiz deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas.

Neste caso, o que pode ocorrer, quando muito, é o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado já como erro de julgamento e, portanto, equacionável em sede de mérito.

O que importa é que o tribunal a quo decida a questão colocada e não que tenha que apreciar todos os fundamentos ou razões que foram invocados para suporte dessa pretensão.
E isso [determinar se estavam verificados [ou não] os pressupostos do levantamento da suspensão automática do efeito suspensivo], efectivamente, sucedeu, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à demonstração da tese da R. no plano da alegada violação dos princípios do contraditório e da proibição da indefesa.
Por conseguinte, a sentença recorrida não padece da assacada nulidade por omissão de pronúncia, a qual improcede.

E idêntica conclusão é atingível no que concerne a eventual nulidade de sentença com base na alínea c) da normação supra.
De facto, dispõe tal n.º 1, no segmento que ora nos interessa, que “É nula a sentença quando (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; (...)”.

Ora, esclarece-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.09.2011, tirado no processo n.º 0371/11, que a “(…) nulidade de sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão não ocorre quando as contradições se verificam entre fundamentos de uma mesma decisão (…)”.

Na verdade, tal nulidade “(…) verifica-se quando há um vício real na lógico-jurídica que presidiu à sua construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam logicamente num determinado sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso (…)” [vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.10.2014, proferido no processo n.º 01608/13].

Por outro lado, passou ainda a ser considerado fundamento de nulidade da decisão judicial nos termos desta alínea a ambiguidade ou obscuridade da decisão que tornem ininteligível.

A obscuridade traduz-se numa dificuldade de perceção do sentido da expressão ou da frase: a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, isto é, não se sabe o que o julgador quis dizer [cf. entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20 de janeiro de 2015, proferido no processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, acessível em www.dgsi.pt].

De facto, como doutrinava J. Alberto dos Reis com plena atualidade a “… sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível: é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz ...” [in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V., págs. 151 e 152].

A decisão só é, assim, obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e ambíguo, quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes e/ou sentidos porventura opostos.

Ou seja, a nulidade só poderá ser atendida no caso de se tratar de vício que prejudique a compreensão da decisão judicial [despacho/sentença/acórdão] e de se apontar concretamente a obscuridade ou ambiguidade cuja nulidade se pretende ver declarada.

Sopesando os aspetos de natureza jurisprudencial e doutrinal que se vêm de salientar, afigura-se que, in casu, não ocorre a nulidade suscitada.

De facto, o Recorrente labora em manifesto equívoco quanto à contradição assinalada entre o facto provado sob o ponto 5) do probatório coligido nos autos e a decisão.

Na verdade, escrutinado o teor do apontado 5) do probatório, resulta cristalino que se assumiu apenas que a Recorrida celebrou, no âmbito da atividade que desenvolve, designadamente com vista à execução de atividades ambientais em cumprimento das obrigações decorrentes da legislação do Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SDFCI), incluindo, em alguns casos, a intervenção em domínio privado, o Contrato de Conservação Corrente para o triénio 2017-2020 - Lisboa, Contratos de Execução de Gestão de Combustível – 2019, Contratos de Gestão de Vegetação em Espaços Integrados em Faixas de Gestão de Combustível, bem como lançado um procedimento para celebração do Contrato de Conservação Corrente para o Distrito de Lisboa 2020-2023.

Mas daí não decorre a conclusão lógica e necessária que a Recorrida cumpre já atualmente todas as suas obrigações de limpeza das faixas de gestão de combustível exigidas ao abrigo do SDFCI.

Na verdade, a única conclusão lógica que decorre do apontado tecido fáctico é o que dele consta, ou seja, e para o período temporal atual que ora nos interessa, que a Recorrida lançou um procedimento concursal para celebração do Contrato de Conservação Corrente para o Distrito de Lisboa 2020-2023.

Qualquer outra conclusão em face do aludido preceito legal constitui uma extrapolação não sustentável, mesmo temerária, por falta do respectivo nexo lógico.
Neste enquadramento, não se pode acompanhar a tese sustentada pela Recorrente no sentido de que a respetiva conclusão decisória não está logicamente encadeada com a respetiva motivação fáctico.
Por outro lado, não se descortina a existência de qualquer obscuridade ou ambiguidade no discurso expendido no aresto promanado nos autos, o qual é perfeitamente inteligível.

Concludentemente, o acórdão sob censura não padece das assacadas nulidades de sentença fundada na violação do artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e c) do CPC, as quais improcedem.
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III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em:

(i) JULGAR INVERIFICADAS as nulidades invocadas no recurso jurisdicional interposto do acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Norte em 18.06.2021; e

(ii) ORDENAR A REMESSA dos autos ao Colendo Supremo Tribunal Administrativo para a apreciação preliminar e sumária prevista no art.º 150.º n.ºs 1 e 6, do C.P.T.A., quanto ao recurso de revista interposto nos autos.
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Notifique-se.
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Porto, 13 de agosto de 2021

Ricardo de Oliveira e Sousa
Paulo Moura
Tiago Afonso Lopes de Miranda