Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00937/11.1BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2016
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:MINISTÉRIO PÚBLICO; ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO;
ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES
Sumário:1 – Previamente à autorização do pagamento resultante de Acumulação de Funções por parte de Magistrados do Ministério Público, a lei manda, antes da pretensão do magistrado ser decidida, “ouvir” o Conselho Superior do Ministério Público, o que apenas pode querer significar que a remuneração é fixada tendo em consideração a informação prestada por aquela entidade, a qual será suscetível de influenciar a decisão final.
2 – Nos termos do Estatuto do Ministério Público, quem tem competência para fixar o montante da remuneração suplementar ou para decidir o pedido de remuneração devida aos Procuradores da República e aos Procuradores-Adjuntos por acumulação de funções, é o Ministro da Justiça, sem prejuízo de eventual delegação de poderes.
3 - O Ministro da Justiça, no exercício da competência que lhe é atribuída, fixa o quantitativo que o Magistrado tem direito a auferir face à “acumulação de funções”, sendo que a audição prévia do Conselho Superior do Ministério Público, visará, designadamente, que este órgão possa informar, se o Magistrado em referência preenche os requisitos exigidos para a concessão da remuneração, ou quaisquer outros elementos considerados relevantes como seja o acréscimo de trabalho suportado pelo magistrado o que irá determinar, ou pelo menos condicionar, o quantitativo da remuneração, que se for caso disso, será atribuída.
4 - Na situação em análise, tendo o CSMP emitido parecer negativo face ao requerido, tal determinará que não haverá lugar ao recebimento de qualquer remuneração suplementar, em face do que o Ministério da Justiça, por natureza, não poderá quantificar a mesma, pois que faltando o direito, inexiste também qualquer obrigação que lhe fosse correlativa.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério da Justiça
Recorrido 1:APFB
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
O Ministério da Justiça, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por APFB, tendente a obter a sua condenação a praticar os atos de fixação de remuneração suplementar requerida, inconformado com a Sentença proferida em 29 de janeiro de 2015 (Cfr. fls. 145 a 169 Procº físico) que julgou “procedente a presente Ação Administrativa Especial”, veio interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão, proferida em primeira instância, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.
Formula o aqui Recorrente/Ministério nas suas alegações de recurso, apresentadas em 16 de março de 2016, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 188 a 191 Procº físico):

“1. Não cabe ao Ministro da Justiça, nem este tem meios para o efeito, determinar em cada caso se se verifica ou não uma situação de acumulação de funções.

2. O Recorrente solicitou parecer ao CSMP, que não havia sido proferido na data da instauração da presente ação. Por ausência de tal parecer que confirmasse a existência de acumulação, não podia o Ministro da Justiça apreciar o pedido da Recorrida.

3. Ora, a sentença ao condenar como condenou violou o disposto no art. 71.º do CPTA, designadamente o n.º 2 desta norma, pois condenou à prática de um ato com determinado conteúdo – fixação de remuneração por acumulação de funções – quando apenas poderia condenar à prática do ato em falta: apreciação do requerimento apresentado pela Recorrida.

4. E tal conclusão mostra-se evidente desde logo porque o tribunal se substitui a órgão que nem sequer é parte nos autos e neles não foi ouvido. A pretender que o CSMP emitisse o Parecer em falta, haveria a Recorrida de ter chamado tal entidade à ação, o que não fez.

5. E para a prática desse ato, o CSMP não exerce um poder vinculado, mas antes um poder discricionário, desde logo porque não foi autorizada a situação de acumulação. Igual pendor discricionário tem o ato de fixação de remuneração, da competência do Ministro da Justiça.

6. E assim foi já decidido por este Tribunal: “ao tribunal apenas será lícito condenar o MJ à prática do ato em falta, de apreciação do requerimento apresentado pela Recorrida, ouvido que seja previamente o CSMP. Sendo potencialmente possível a existência de mais do que uma solução, o tribunal não pode determinar o conteúdo do ato a praticar, devendo limitar-se a explicitar as vinculações a observar pela Administração. Assim, tal como recorrido, mostra-se que o acórdão do tribunal a quo violou os limites do art.º 71.º do CPTA, importando proferir decisão, em substituição” (Ac. de 23/1/2015, no Proc. 02920/11.8BEPRT).

7. Ao contrário do que pretende a Recorrida, esta não exerceu funções que vão para além do conteúdo funcional do seu cargo de Magistrado do Ministério Público, não se verificando um só dos requisitos previstos na lei para que a situação possa ser considerada de acumulação, designadamente: atribuição de funções correspondentes a outro cargo; por razões excecionais e transitórias e por período de tempo delimitado.

8. Conforme resulta do Parecer do Conselho Consultivo da PGR nº.74/2005, homologado em 21/2/2006, o regime da acumulação de funções e sua remuneração é marcado pela excecionalidade e transitoriedade, o que não se compagina com a situação concreta do tribunal e da Recorrida.

9. Segundo o mesmo Parecer, “A acumulação de funções (…) supõe, com efeito, um acréscimo de trabalho motivado pelo exercício de tarefas que não são próprias do cargo”. E é essa circunstância, como se salienta no Parecer n.º 519/2000, “que justifica uma compensação remuneratória de carácter excecional”.

10. A acumulação de funções é um instrumento de gestão com natureza excecional, usada em três tipos de situações: extinção de pendências atrasadas; substituição de magistrados temporariamente impedidos; auxílio de magistrados com volumes elevados de pendência.

11. A acumulação de funções é distinta daquela situação em que o magistrado do Ministério Público, colocado em determinada comarca, desenvolve o serviço que lhe foi distribuído pelo superior hierárquico, serviço esse que se contém no âmbito das funções próprias, integrando o conteúdo da respetiva prestação funcional.

12. Num caso, os procuradores adjuntos atuam, a título transitório, para além das funções correspondentes ao cargo que ocupam, por razões de carência de pessoal ou incomportabilidade de serviço (e por isso é que a medida caduca ao fim de seis meses e não poderá ser renovada, sem o consentimento do magistrado, antes de decorridos três anos);

13. No outro caso, os magistrados desenvolvem, em circunstância normal, o serviço que lhe foi distribuído, pelo legítimo superior hierárquico e no quadro legal fixado, segundo o qual “a distribuição do serviço” se faz “pelos procuradores adjuntos” “da mesma comarca”, circunscrição para a qual existe um quadro de magistrados de dotação global.

14. No primeiro caso, estamos perante uma situação de acumulação de funções; no segundo, estamos perante uma situação de distribuição de serviço por magistrados da mesma comarca, legitimamente determinada pela hierarquia (artigo 64º, nº 3 do EMP), que se contém no âmbito das funções próprias do magistrado.

15. No caso presente, não nos encontramos perante uma situação de acumulação de funções, mas antes e tão-somente de desempenho de funções abrangidas pelo conteúdo funcional do cargo em que a Recorrida se encontra provida, que inclui a direção de inquéritos e o exercício da ação penal quanto a determinados crimes.

16. É incontornável a ponderação de normas que enformam transversalmente as relações de trabalho subordinado no sentido da possibilidade de atribuição ao trabalhador de funções, não expressamente mencionadas, que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas (n.º 3 do art. 43.º da Lei 12-A/2008, de 27/2 e art. 118.º do Código do Trabalho).

17. Quando a Recorrida iniciou funções no Tribunal onde as exerce, já aos magistrados deste estavam cometidos processos de inquérito sobre determinados crimes.

18. Estas tarefas não são acrescidas, pois não estavam atribuídas a outro Magistrado ao qual corresponda um lugar no respetivo quadro, como exige o Parecer nº 499/2000, do CC da PGR.

19. Segundo o parecer do CC da PGR nº 519/2000, “todos os magistrados que fazem parte da mesma comarca, departamento ou serviço têm igual competência para exercer funções que estejam cometidas a esse escalão hierárquico”.

20. O serviço desenvolvido pela Recorrida ocorreu dentro da mesma área, que era a criminal, cumpridas as tarefas dentro do tempo e no local normal de trabalho, não se identificando o plus que justifique acréscimo remuneratório.

21. Na comarca do Porto, a direção e o exercício da ação penal de determinados inquéritos esteve a cargo dos magistrados do MP em funções em tribunais de julgamento da área criminal desde pelo menos 1994.

22. Esta distribuição de serviço, anterior à afetação da Recorrida ao referido tribunal, visou a divisão equitativa e racional do serviço a cargo dos magistrados do MP em funções na área criminal da comarca sede do distrito judicial do Porto.

23. Nada na lei obriga a que a direção de inquéritos de todos os crimes cometidos na área da comarca do Porto apenas possa integrar o conteúdo funcional dos magistrados adstritos ao DIAP.

24. Diferentemente do que acontece com os magistrados judiciais que exercem funções nos tribunais de 1ª instância, as funções dos magistrados do Ministério Público não correspondem, tão só e necessariamente, ao serviço de determinada unidade organizativa; pelo contrário, o seu concreto conteúdo funcional pode ser definido em função de outros critérios que não o da competência material da específica unidade orgânica onde se encontra integrado.

25. E a Recorrida não alegou que as tarefas denominadas de “acrescidas” estavam distribuídas a outro Magistrado com lugar no quadro, que por qualquer forma provocou a vaga do lugar, ou, se em exercício de funções, tinha serviço acumulado que tinha que ser recuperado com recurso a outro magistrado.

26. Outros requisitos da acumulação falham aqui, como a decisão pelo procurador-geral distrital, com prévia comunicação ao CSMP, e observância dos preceitos legais relativos à verificação da conformidade legal e da regularidade financeira da despesa inerente.

27. Pelo exposto, o acórdão viola o disposto nos arts. 63º e 64º do EMP.

28. A sentença recorrida afronta ainda dois princípios constitucionalmente consagrados, o da confiança e o da igualdade.

29. Sufragando um pedido a Recorrida, mais de 9 anos volvidos sobre o início do exercício de funções, exercício que se prolongou por todo esse tempo nos mesmos exatos moldes, e sem oposição da Recorrida, viola-se o princípio da confiança, constitucionalmente consagrado, e que não vale apenas para os particulares.

30. Tivesse a situação sido equacionada de imediato e não mais de 9 anos após o seu início e poderiam ser tomadas medidas de distribuição de serviço e racionalização de custos bem diferentes.

31. Num período de forte contenção orçamental e de rígida austeridade, a condenação em causa importa relevantes custos para o erário público, em nítido prejuízo da melhor racionalização de meios públicos.

32. A condenação viola ainda o princípio da igualdade, pois atribui apenas a uma magistrada uma remuneração acrescida, deixando sem perceber tal remuneração todos os outros magistrados que, desde 1994, desempenharam funções no mesmo Tribunal.

33. E nos mesmos exatos moldes em que a Recorrida as desempenhou.

34. A verificar-se a situação e acumulação, a Recorrida teria direito a receber o suplemento remuneratório 30 dias após o início daquela. Porém, só pediu a atribuição de tal suplemento no final de 2010.

35. Como é jurisprudência pacífica, os atos de processamento de vencimento constituem verdadeiros atos administrativos, suscetíveis de impugnação contenciosa, sob pena de se consolidarem na ordem jurídica como “casos decididos”.

36. No caso presente, e porque não é invocada qualquer nulidade, o prazo de impugnação era de 3 meses sobre a prática do ato (art. 58.º/2/a do CPTA), sob pena de caducidade, aqui verificada.

37. Ao longo de mais de uma década, aceitou a Recorrida os sucessivos atos administrativos consubstanciados no processamento dos seus vencimentos mensais, que não contemplavam tal acréscimo remuneratório.

38. Pois bem sabia, ao receber mensalmente a sua retribuição, que a mesma não incluía qualquer suplemento remuneratório, por acumulação de funções. Não obstante, não se opôs ao exercício das funções que ora considera que acresciam às que eram as suas, nem reclamou qualquer pagamento adicional.

49. Falta, pois, um pressuposto processual que “implica a impossibilidade de impugnação”.

50. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou o disposto nos arts. 56.º e 58.º/2/a do CPTA.

51. Como decidido por este tribunal, no Ac. de 22/5/2015, Proc. 02919/11.4BEPRT, em situação em tudo idêntica à dos autos, “é abuso de direito a pretensão de remuneração por tal serviço formulada fora de bom tempo, se isso vem sucedendo ao longo dos anos na sequência de provimentos nunca recusados e que em aparência não configuram uma tal acumulação mas simples distribuição de serviço, também com aparente aquiescência”.

Termos em que deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se o acórdão e substituindo-o por outro que absolva o Recorrente do pedido.”

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 21 de Abril de 2016 (Cfr. fls. 216 Procº físico).

A aqui Recorrida/APFB veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 1 de junho de 2016, concluindo do seguinte modo (Cfr. fls. 232 e 233 Procº físico):
“a) não vislumbra a ora recorrida qualquer razão ou pretexto - que nunca fundamento - para a revogação da sentença recorrida;
b) pois que tendo em conta os factos provados tem direito a uma remuneração suplementar, uma vez que se verificou a situação de acumulação de funções ininterrupta e por muito mais do limite imposto de trinta dias, devendo o montante ser fixado entre um quinto e a totalidade do vencimento, ouvido o CSMP;
c) estão reunidos integralmente os pressupostos de facto e de direito para que assim se proceda;
d) por outro lado, é a presente ação o meio adequado à satisfação da pretensão da recorrida, que pretende a condenação da entidade demandada a praticar os atos de fixação da aludida remuneração, atos esses ilegalmente omitidos, já que tendo requerido ao Sr. Ministro da Justiça a concessão da remuneração a que tem jus, tal pedido foi indeferido;
e) não ocorre prescrição, conforme muito bem foi decidido;
f) este indeferimento é, como se demonstra, inválido, de que resulta quedar insanavelmente inquinado pelo vício de violação da lei;
g) é o que resulta do disposto nos nº 6 e 7 do artº 63º e nº 4 do artº 64º do E.M.P., razão pela qual deve manter-se inalterada a condenação do Ministério da Justiça, com o que será feita a esperada Justiça.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 1 de setembro de 2016, veio a emitir Parecer em 15 de setembro de 2016, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever “ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, ser revogada a sentença recorrida e, qua tale, julgar-se improcedente a presente ação …” (Cfr. Fls. 246 e 248 Procº físico).

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente/Ministério, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, invocando-se, designadamente, “erro de julgamento de direito, porquanto o tribunal a quo teria violado os princípios da confiança e da igualdade e, bem assim, o regime legal aplicável, mormente os artigos 64º e 65º, ambos do Estatuto do Ministério Público …”.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, entendendo-se a mesma como adequada e suficiente:
A) A Autora é Magistrada do Ministério Público, tendo, com a categoria de Procuradora-Adjunta, sido colocada, desde 15.09.1998, nos Juízos Criminais do Porto, através do Provimento n.º 6/98, de 14.09.1998, proferido pelo Procurador-Coordenador, do qual consta o seguinte:
(Dá-se por reproduzido o documento constante da matéria dada como provada da sentença recorrida – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial – fls. 14 dos autos - processo físico);
B) Por Provimento n.º 7/98, de 18.09.1998, foram atribuídos à Autora, com efeitos desde 15.09.1998, os inquéritos e demais expediente da letra C, da 2ª Secção dos Serviços do Ministério Público, bem como a representação do Ministério Público junto da 1ª Secção, do 3º Juízo Criminal, o qual tem o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido o documento constante da matéria dada como provada da sentença recorrida – Artº 663º nº 6 CPC)
C) (cfr. doc. n.º 2 junto com a petição inicial – fls. 16 e 17 dos autos - processo físico);
D) Através do Provimento n.º 16/2000, de 19.09.2000, a Autora foi colocada no Tribunal de Família e Menores do Porto, o qual tem o seguinte conteúdo:
(Dá-se por reproduzido o documento constante da matéria dada como provada da sentença recorrida – Artº 663º nº 6 CPC)
E) (cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial – fls. 19 dos autos - processo físico);
F) Por carta registada em 15.11.2010 e recebida em 22.11.2010, a Autora requereu ao Ministro da Justiça, a fixação de remuneração suplementar por acumulação de funções, no período de 15.09.1998 a 15.09.2000, a qual tem o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido o documento constante da matéria dada como provada da sentença recorrida – Artº 663º nº 6 CPC)
G) (cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial – fls. 21 a 23 dos autos - processo físico e doc. junto com a contestação – fls. 44 e 45 dos autos - processo físico);
H) Por ofício datado de 13.12.2010, o pedido referido na alínea D) foi remetido ao Conselho Superior do Ministério Público, para emissão de parecer (cfr. doc. junto com a contestação – fls. 43 a 45 dos autos - processo físico);
I) Em 10.09.2013, o Conselho Superior do Ministério Público emitiu parecer negativo ao pedido formulado pela Autora de remuneração suplementar, relativa ao período de 15.09.1998 a 15.09.2000, do qual consta o seguinte:
(Dá-se por reproduzido o documento constante da matéria dada como provada da sentença recorrida – Artº 663º nº 6 CPC)
J) (cfr. fls. 90 e 92 dos autos - processo físico);
K) A Autora não recebeu qualquer resposta do Réu ao requerimento referido na alínea D) (facto não controvertido – artigo 10º da petição inicial e artigo 8º da contestação);
L) A petição inicial da presente ação deu entrada neste Tribunal em 16.12.2011 (cfr. fls. 1 dos autos - processo físico).

IV – Do Direito
Analisemos então o suscitado.
Como afirmámos no acórdão que relatámos nº 2920/11BEPRT-Braga, de 23 de Janeiro de 2015, face a questão próxima daquela aqui controvertida, uma questão essencial a reter nos termos dos n.ºs 4 a 6 do art. 63.º e n.º 4 do art. 64º do Estatuto do Ministério Público (EMP), é o facto do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) ter de emitir parecer previamente à pronúncia definitiva do Ministério da Justiça face ao pedido de atribuição de remuneração suplementar, sendo que na situação em apreciação esse Parecer foi negativo (Parecer de 10 de setembro de 2013).

Aliás, o Conselho Consultivo da PGR, através do seu Parecer nº 75/2005, de 19/01/2006, já havia estabelecido que “à semelhança do que sucede com a atual Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, relativamente aos magistrados judiciais - são os dispositivos estatutários que, no âmbito das procuradorias da República, definem os mecanismos de substituição, que igualmente providenciam sobre o direito à remuneração por acumulação de funções”.

Efetivamente, a lei manda, antes da pretensão do magistrado ser decidida, “ouvir” o Conselho Superior do Ministério Público, o que apenas pode querer significar que a eventual remuneração suplementar é fixada tendo em consideração a informação prestada por aquele Conselho Superior, a qual será decisiva e suscetível de influenciar a decisão final do Ministério no que respeita, se for caso disso, ao estabelecimento do “quantum” a atribuir.

Assim, o Ministro da Justiça, no exercício da competência que lhe é atribuída, fixa o quantitativo que o Magistrado tem direito a auferir face à “acumulação de funções”, sendo que a audição prévia do Conselho Superior do Ministério Público, visará, designadamente, que este órgão possa informar, se o Magistrado em referência preenche os requisitos exigidos para a concessão da remuneração, ou quaisquer outros elementos considerados relevantes como seja o acréscimo de trabalho suportado pelo magistrado o que, em princípio, irá determinar ou pelo menos condicionar, o quantitativo da remuneração, que se for caso disso, será atribuída.

O normativo aplicável demarca rigorosamente as duas espécies de competência:
(i) a competência do Ministro da Justiça para “fixar” o quantitativo ou para decidir o pedido de remuneração devida pela acumulação de funções; e,
(ii) a competência do Conselho Superior do MP, para informar ou dar o seu parecer acerca da pretensão que o magistrado dirigiu ao Ministro da Justiça.
Em consonância com o aludido, sumariou-se no Acórdão do Colendo STA nº 032/07 de 12-07-2007 - 2ª SUBSECÇÃO DO CA, designadamente, que:
I - Nos termos do artº 63º nº 6 conjugado com o disposto no artº 64º nº 4 do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei nº 47/86, de 15/10, após as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 60/98, de 27/08, quem tem competência para fixar o montante da remuneração suplementar ou para decidir o pedido de remuneração devida aos Procuradores da República e aos Procuradores-Adjuntos por acumulação de funções, é o Ministro da Justiça, sem prejuízo de eventual delegação de poderes.
II - A lei manda, no entanto, e antes de a pretensão do magistrado ser decidida, “ouvir” o Conselho Superior do Ministério Público, para este órgão eventualmente se pronunciar ou informar, se o Magistrado em referência preenche os requisitos exigidos para a concessão daquela remuneração suplementar, ou quaisquer outros elementos considerados relevantes e suscetíveis de determinar ou influenciar o quantitativo da remuneração a fixar.

Na situação em presença é incontornável o facto do CSMP ter emitido parecer negativo face ao requerido, o que significa que não havendo lugar ao recebimento de qualquer remuneração suplementar, por natureza, o Ministério não poderá quantificar a mesma.

Como a este propósito se sumariou no acórdão do STA nº 01427/15 de 12-05-2016 “Faltando o direito, inexiste também qualquer obrigação que lhe fosse correlativa - designadamente a do Ministro da Justiça fixar o «quantum» remuneratório que corresponderia a uma acumulação de funções.”

Independentemente do já referido, a jurisprudência, designadamente do Colendo STA, tem vindo a decidir uniformemente esta questão, como vem, aliás, sublinhado no Parecer do Ministério Público junto deste TCAN.

Em concreto, confrontam-se nestes autos duas teses antagónicas sobre o regime legal aplicável à situação sub judice, tendo a decisão do tribunal a quo, pendido para a defendida pela então Autora, entendimento que tem vindo a ser sucessiva e uniformemente arredado pelas decisões adotadas pelo STA.
Com efeito, sobre questões análogas incidiram, em sentido unívoco, os Acórdãos do STA, de 10/03/2016, no Processo n.º 01428/15, de 07/04/2016, no Processo n.º 01389/15, de 14/04/2016, no Processo n.º 0904/15 e de 12/05/2016, no Processo n.º 01427/15.

Ilustrativamente, sumariou-se no já referenciado Acórdão do STA, de 12/05/2016, proferido no Processo n.º 01427/15, que:
“I - Os magistrados do MP só têm o «direito a remuneração», previsto no art. 63.º, n.º 6, do EMP, por acumulação de funções se esta derivar de um ato enquadrável no tipo legal previsto nos n.ºs 4 e 5 do mesmo artigo.
II - Se a alegada acumulação de funções adveio de sucessivos provimentos alheios ao condicionalismo referido nos n.ºs 4 e 5 desse art. 63.º, não ocorreu o antecedente legalmente indispensável para que se constituísse o direito mencionado no n.º 6 do mesmo artigo.
III - Faltando o direito, inexiste também qualquer obrigação que lhe fosse correlativa - designadamente a do Ministro da Justiça fixar o «quantum» remuneratório que corresponderia a uma acumulação de funções”.

Sintomaticamente mais se refere no identificado Acórdão do STA:
“(…) Assim, no acórdão de 10.03.2016 [Proc. n.º 01428/15], cuja jurisprudência veio a ser inteiramente secundada nos demais acórdãos citados, sustentou-se que é “certo que o «direito» previsto no art. 63.º, n.º 6, do EMP - «direito a remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça» - pressupõe que o Procurador-Adjunto haja acumulado funções por período superior a 30 dias (cf. também o art. 64.º, n.º 4, do mesmo diploma). Todavia, esse n.º 6 não pode desligar-se dos n.ºs 4 e 5, que o antecedem e explicam. Assim, o referido direito não brota de uma qualquer acumulação de funções; é que ele só verdadeiramente se constitui se derivar de um ato enquadrável no tipo legal previsto no art. 63.º, n.ºs 4 e 5, do EMP. (…)
Estes números dizem-nos o seguinte: a acumulação de funções causal do surgimento do direito do magistrado a uma remuneração acrescente tem de se suportar num ato com as seguintes características: um ato do Procurador-Geral Distrital que atribua ao Procurador-Adjunto «o serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos»; um ato motivado por «acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimento do seu titular, por período superior a 15 dias»; um ato precedido de «prévia comunicação» ao CSMP; e um ato cuja «medida» não pode vigorar por mais de seis meses. (…) O condicionalismo legal dos atos desse género existe para proteção dos magistrados, pois não apenas delimita os casos em que pode impor-se-lhes «o serviço de outros círculos, tribunais e departamentos», como configura o modo e o tempo dessa imposição. Mas o dito condicionalismo também existe para salvaguarda do Estado, que só se verá na contingência de custear uma acumulação de funções nos casos - aliás, sempre restringidos no tempo - em que a lei tipicamente preveja que ela se justificaria. (…) Portanto, o regime da acumulação remunerada de funções opera dentro de um quadro que abrange os n.ºs 4, 5 e 6 do art. 63.º do EMP”.

Mais se refere no indicado acórdão que “[n]ão é possível cindir o n.º 6 dos anteriores e encarar uma qualquer acumulação de funções como geradora do direito aí previsto. O direito somente emerge de uma acumulação imposta ao magistrado dentro do circunstancialismo dito nos números anteriores - onde precisamente se prevê o tipo legal do ato determinativo da acumulação de funções, ato esse que funciona como causa mediata da constituição do direito à remuneração suplementar. E, no fundo, tudo isto se adequa a uma ideia jurídica geral: a de que é impossível que algum direito subjetivo nasça ou se constitua sem previamente se dar o condicionalismo legal de que ele dependa”, sendo que se “olharmos o n.º 6 do art. 63.º do EMP, logo vemos que a intervenção do CSMP, aí aludida, se restringe à emissão de parecer sobre o «quantum» da remuneração a fixar” e tal “deduz-se do pormenor da referência à audição do CSMP estar intercalada dentro da previsão da única pronúncia exigida ao Ministro da Justiça - a qual consiste em fixar a remuneração «entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento»”, dado ser “apenas sobre isso que o CSMP é «ouvido»; o que bem se compreende, visto ser esse órgão quem está nas melhores condições para avaliar a quantidade e a qualidade do trabalho acrescente desempenhado pelo titular do direito, isto é, para fornecer ao Ministro da Justiça os critérios relevantes na concretização do abono”.
(…)
“a questão de saber se deveras ocorreu uma acumulação de funções - potencialmente geradora de despesa pública - há-de ser resolvida pelo CSMP. Por isso é que o ato atributivo do «serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos», previsto nos n.ºs 4 e 5 do art. 63.º do EMP, tem de ser previamente comunicado ao CSMP. Dando o seu aval, expresso ou tácito, a essa medida, o CSMP automaticamente reconhece que o magistrado referido no ato entrará em acumulação de funções - e obterá o direito à remuneração suplementar correspondente se ela se prolongar por mais de 30 dias” e que ao invés “qualquer serviço atribuído pela hierarquia fora do condicionalismo previsto nos n.ºs 4 e 5 do art. 63.º do EMP não pode assumir-se como um antecedente da consequência dita no n.º 6 do mesmo artigo; é que a lei une incindivelmente as previsões constantes desses números, articulando-os numa relação lógica - em que o «direito» só se segue dessa outra coisa, se anteriormente posta”.
Daí que “a ação dos autos perspetivou mal o problema. O Ministério da Justiça não tem de ser convencido de que houve uma acumulação de funções - visto que a intervenção do Ministro se localiza a jusante disso, limitando-se à fixação do «quantum» remuneratório.
Com efeito, das duas, uma: ou as coisas se passaram no âmbito dos n.ºs 4 e 5 do art. 63.º do EMP - ou seja, com prévio reconhecimento, pelo CSMP, de que o magistrado esteve em acumulação - e o direito à remuneração suplementar surge ao fim de 30 dias, restando pedi-la e fixá-la; ou as coisas não se passaram naquele âmbito - e tal direito, pura e simplesmente, não surge nem existe”.
Para, centrando-se no caso, afirmar que os provimentos que oneraram os magistrados do MP colocados nos Juízos Criminais … com outras funções próprias … “com um acréscimo de trabalho não se inscreveram no tipo legal de ato previsto no art. 63.º, n.ºs 4 e 5, do EMP” já que “esse acréscimo resultou de uma reorganização do serviço que não se deveu a uma acumulação transitória de processos - e a exigência dessa transitoriedade acompanha a caducidade, «ao fim de seis meses» (n.º 5), da «medida» prevista no n.º 4 - ou à vacatura de um lugar ou ao impedimento do seu titular” já que “[t]ais provimentos (…) não emanaram do Procurador-Geral Distrital nem foram, face aos dados disponíveis, objeto de «prévia comunicação» ao CSMP. Estas circunstâncias evidenciam imediatamente que os mencionados provimentos não são enquadráveis no tipo de atos impositivos de uma acumulação de funções causal de um direito remuneratório”.
Conclui-se, então, que a situação não integrava a precisa acumulação de funções que, segundo os n.ºs 4, 5 e 6 do art. 63.º do «EMP», seria conferidora do direito patrimonial invocado, pelo que na ausência do direito cuja titularidade era reclamada também inexistia a obrigação correlativa da entidade demandada de praticar o ato que se cria ser devido [fixação do «quantum» da remuneração suplementar]
Acolhendo-se e sufragando-se esta jurisprudência, clara e perfeitamente transponível para a situação «sub specie» já que similar à ali julgada e, bem assim, às que foram decididas nos demais acórdãos citados, não pode deixar de se concluir que ao A., ora recorrido, não assiste o direito à atribuição da remuneração suplementar pelo mesmo peticionada, o que conduz, ao invés do sustentado e decidido nas instâncias, mormente, no acórdão recorrido - que, note-se, não julgou procedente qualquer exceção, seja a ilegitimidade ou a falta de interesse em agir, mas antes conheceu de mérito da pretensão -, a que a presente ação administrativa tenha de ser julgada totalmente improcedente.
Assim, na procedência do recurso de revista impõe-se a revogação do decidido no acórdão recorrido já que lavrado em violação do quadro normativo em questão, com todas as legais consequências”.

Seguindo o entendimento que já havíamos adotado no acórdão 2920/11BEPRT-Braga, de 23 de janeiro de 2015, e uma vez que na situação aqui em apreciação, o CSMP já emitiu Parecer, no caso, negativo relativamente à pretensão da aqui Recorrida, adotar-se-á o entendimento que uniforme e repetidamente tem vindo a ser preconizado pelo STA, constante dos acórdão precedentemente identificados, o que determinará necessariamente a revogação da Sentença Recorrida, mais se decidindo que a ação seja julgada improcedente.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, conceder provimento ao Recurso jurisdicional apresentado, revogando-se o acórdão recorrido, mais se decidindo julgar improcedente a ação.

Custas pela Recorrida.

Porto, 30 de novembro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia