Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00738/13.2BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/10/2018
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:OPOSIÇÃO
GERÊNCIA DE FACTO VS GERÊNCIA DE DIREITO
PROCURAÇÃO
Sumário:I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III - Da conjugação dos n.º 5 e 6 do artigo 252.º do CSC resulta estar vedado aos gerentes “fazer-se representar no exercício do seu cargo”, podendo, no entanto, a sociedade constituir procuradores ou mandatários, sendo que os actos praticados por estes se repercutem na esfera jurídica do mandante.
IV- A existência de uma procuração enquadra-se no apuramento do exercício de facto da gerência, pois pode ser considerada como uma forma indirecta desse exercício.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J... e C...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 29/09/2016, que julgou procedente a oposição deduzida por J..., contribuinte fiscal n.º 2…, e C..., contribuinte fiscal n.º 2…, ambos com os demais sinais nos autos, à execução fiscal n.º 0809200601010603, contra eles revertida para cobrança de IRC dos anos de 2002, 2003, 2004 e 2007, e respectivos juros, no montante total de €43.552,35.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1) O chamamento à execução movida pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital no Processo de Execução Fiscal n.º 0809200601010603 e aps dos ora oponentes resultou da reversão, contra estes efectuada, das dívidas instauradas originariamente contra a sociedade CONSTRUÇÕES… & FILHOS LDA – EM LIQUIDAÇÃO, NIPC 5…, com sede em R…, 3460-526 Tondela, da qual teriam sido gerentes.
2) Decidiu a Meritíssima Juiz “a quo” pela procedência integral da oposição na medida em que “a AT não demonstrou, como lhe competia, factos suficientemente indiciadores de que os oponentes exerceram a gerência da sociedade devedora principal pelo que, sem necessidade de outros considerandos, devem os mesmos ser considerados parte ilegítima no processo de execução fiscal e, procedendo a oposição, ser aquele extinto na parte revertida contra os oponentes.
3) Alegaram os oponentes, exclusivamente, nunca haverem exercido a gerência da sociedade, nem terem assumido de facto a administração e representação da sociedade.
4) Se, no que diz respeito ao revertido, aqui oponente, J..., se concede não haver prova bastante da sua gerência de facto. Já quanto ao co-autor, C..., não se pode acompanhar a decisão do douto tribunal a quo, pelas razões que se expendem.
5) O ora oponente, C..., não só não colocou em crise a sua condição de gerente como, expressamente, admitiu assinar documentos (cf. artº 29º da PI).
6) E foi apresentada pela AT prova da prática, em concreto, de um acto de gestão – facto provado nº 8 – “… C... assinou, na qualidade de sócio gerente da devedora originária e em sua representação, a procuração de fls , que se dá por integralmente reproduzida, através da qual constituiu procurador daquela sociedade Carlos... a quem concedeu os necessários poderes para atos de gerência.”
7) Cumprindo o ónus imposto à AT de provar a gerência de facto do agora oponente.
8) A douta sentença vem declarar que “Na situação vertente desconhece-se, porque o oponente C… não o alegou nem provou, se, não obstante a outorga da procuração, não era sua intenção controlar e, de facto, não controlou a atividade do procurador. Daí que não esteja o tribunal em - condições de afirmar que, com a emissão da dita procuração a favor do seu pai, o oponente C... se afastou total e efetivamente da gerência da sociedade, confiando naquele a prática dos atos necessários ao giro comercial da mesma.” Conclusão que, em boa verdade e pelas mesmas razões, poderia ser a contrária.
9) Com um sentido mais conforme com a Jurisprudência, vertida no acórdão do TCA Sul de 31.1.2013, proc. 6732/13, citado na sentença, mas também em aresto mais recente do TCAN de 26.03.2015, processo 01044/11.2BEBRG, de que se citará parte do Sumário “ … II – O n.º 1 do art.º 24.º da LGT exigem para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera a gerência nominal ou de direito.III- Da conjugação dos n.º 5 e 6 do art.º 252.º do CSC esta vedado aos gerentes “fazer-se representar no exercício do seu cargo” podendo no entanto, a sociedade constituir procuradores ou mandatários, sendo que os atos praticados por estes se repercutem na esfera jurídica do mandante.IV- A existência de uma procuração enquadra-se no apuramento do exercício de facto da gerência, pois pode ser considerada como uma forma indirecta desse exercício.” (Sublinhado nosso).
10) Ou seja, sem outra prova que não a feita e apreciada nos autos não será razoável concluir que não existiram outros actos de gerência praticados pelo oponente, que não a de emissão da procuração, pelo contrário, é o próprio que admite, na PI, ter assinado vários documentos, ainda que de forma aparentemente negligente, o que não pode ser causa de desresponsabilização.
11) Em conclusão, e face às razões invocadas, ao não dar como provado a efectiva gerência do oponente C... a douta sentença recorrida enferma de nulidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, violando o disposto no artº24.º da Lei Geral Tributária, ao não decidir a causa de acordo com os factos e o direito aplicável.
Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA.”
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Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal requereu a remessa dos autos ao Tribunal Recorrido para apreciação da arguida nulidade da decisão, nos termos do artigo 617.º, n.º 1 e n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Contudo, o disposto no artigo 617.º, n.º 5 do CPC consubstancia uma faculdade, destinada às situações em que tal se mostre indispensável.
Ora, a Recorrente afirma que a sentença recorrida enferma de nulidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que aponta claramente para o eventual erro de julgamento, na medida em que nenhum normativo é invocado que sustente a arguida nulidade (não se alude nem ao artigo 615.º do CPC, nem ao artigo 125.º do CPPT, nem tão-pouco aos termos ou pressupostos constantes dessas normas), bem como não é alegado qualquer facto ou circunstância densificadores de qualquer tipo de nulidade.
Saliente-se que o eventual erro no julgamento dos factos e do direito terá como consequência a revogação da sentença. Somente a violação das regras próprias da elaboração da sentença ou atentar-se contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada torna passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º do CPC ou do artigo 125.º do CPPT.
Uma vez que os fundamentos alegados se subsumem ao erro de julgamento, tanto mais que, na conclusão 11 das alegações de recurso, é afirmada a violação do disposto no artigo 24.º da LGT, concluindo-se que a causa não foi decidida de acordo com os factos e o direito aplicável; não se vislumbra a referida indispensabilidade, pelo que este tribunal opta por decidir o recurso desde já.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir que a AT não demonstrou, como lhe competia, factos suficientemente indiciadores de que o oponente, C..., exerceu a gerência da sociedade devedora principal [o recurso versa somente o julgamento quanto a este oponente, dado que no que concerne ao oponente, J..., a AT concede não haver prova bastante da sua gerência de facto].

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:
1. De acordo com a certidão permanente nesta data extraída e junta aos autos, que se dá por integralmente reproduzida:
a. Pela Ap.1/19971205, foi registado o contrato de constituição da sociedade comercial “Construções… & Filhos, Lda.”, tendo como sócios C... e seu irmão J..., aqui oponentes, com quotas no valor de € 2.500,00, cada um;
b. O oponente C... foi designado gerente por deliberação de 27/07/1999;
c. A sociedade ficava obrigada com a intervenção qualquer um dos gerentes;
d. A sociedade foi declarada insolvente por sentença proferida em 25/06/2007 e transitada em julgado em 06/08/2007 – cfr. Ap. 1/20070627 e 2/20101029.
e. O processo judicial de insolvência foi encerrado por decisão de 2/12/2010, por motivo de insuficiência da massa insolvente – cfr. Ap. 1/20101216.
2. De acordo com a informação junta aos autos a fls. 89/62, pelo Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital foram instaurados contra a identificada sociedade comercial os processos de execução fiscal n.º:
i. 0809200601010603, autuado em 2006-08-04, no valor global de € 34.359,61, com base nas seguintes certidões de dívida, ambas com data limite de pagamento de 2006-07-17:
- certidão de dívida n.º 2006/624407, no valor de € 18.765,55, relativa a IRC e respetivos juros de mora e juros compensatórios, do exercício de 2002, efetuada com base na declaração periódica de rendimentos do exercício de 2002, entregue pela sociedade em 2006-04-21, mas sem pagamento do valor autoliquidado;
- certidão de dívida n.º 2006/625117, no montante de 15.594,06€, relativa a IRC e respetivos juros de mora e compensatórios, do exercício de 2003, efetuada com base na declaração periódica de rendimentos do exercício de 2003, entregue pela sociedade em 2006-04-21, mas sem pagamento do valor autoliquidado;
ii. 0809200601010832, autuado em 2006-08-16, com base na certidão de dívida n.º 2006/65197, no valor de € 8.162,77, relativa a IRC e respetivos juros de mora e compensatórios, do exercício de 2004, com data limite de pagamento de 2006-07-26, efetuada com base na declaração periódica de rendimentos entregue pela sociedade em 2006-04-24, mas sem pagamento do valor autoliquidado;
iii. 0809200801013181, autuado em 2008-07-05, com base na certidão de dívida n.º 2008/547044, no valor de € 601,65, relativa a IRC do exercício de 2006, com data limite de pagamento de 2008-06-15, oficiosamente liquidado pela AT, em virtude da falta de apresentação da atinente declaração de rendimentos;
iv. 0809201101020838, autuado em 2011-12-23 com base na certidão de dívida n.º 2011/1077404, no valor de 1.438,78, relativa a IRC do exercício de 2007, com data limite de pagamento de 2011-12-02, oficiosamente liquidado pela AT, em virtude de falta de apresentação da atinente declaração de rendimentos.
3. Por despacho de fls. 123 a 128, que se dá por integralmente reproduzido, foram revertidas contra os aqui oponentes as dívidas em cobrança coerciva nas execuções fiscais identificadas no ponto 2. supra, com exceção da n.º 0809200801013181, referente a IRC do ano de 2006.
4. O aviso de receção que acompanhou a carta remetida para citação do oponente C... foi assinado, por 3.ª pessoa, no dia 1/08/2013 – cfr. fls….
5. O aviso de receção que acompanhou a carta remetida para citação do oponente J... foi assinado pelo próprio no dia 1/08/2013 – cfr. fls…
6. No dia 20/11/2002, Carlos... assinou uma certidão de citação da devedora originária, na qualidade de respetivo sócio-gerente – fls…
7. No dia 17/01/2006 Carlos... assinou, na qualidade de sócio-gerente da devedora originária, a notificação do despacho de dispensa de audiência prévia de fls…., que se dá por integralmente reproduzida.
8. No dia 3/04/2006 o oponente C... assinou, na qualidade de sócio gerente da devedora originária e em sua representação, a procuração de fls…., que se dá por integralmente reproduzida, através da qual constituiu procurador daquela sociedade Carlos... a quem concedeu os necessários poderes para atos de gerência.
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A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme é especificado nos vários pontos da matéria de facto provada.
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Com interesse para a decisão, não há factos que importe registar como não provados.”

2. O Direito

O objecto do recurso está limitado ao alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida ao decidir que a AT não demonstrou, como lhe competia, factos suficientemente indiciadores de que o oponente, C..., exerceu a gerência da sociedade devedora principal.
A decisão não foi objecto de recurso no que tange ao outro oponente, J..., uma vez que a AT concede não haver prova bastante da sua gerência de facto.
Vejamos o teor da sentença na parte recorrida:
(…) Assim, a responsabilidade dos administradores ou gerentes por dívidas tributárias vencidas no período do exercício do cargo dispensa o credor tributário da prova da respetiva culpa no incumprimento, mas não o dispensa da alegação e prova da gerência de facto, pois que não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário, como o STA, no seu Acórdão de 02/03/2010 (Proc. nº 944/10), teve ocasião de reafirmar em face da LGT, sendo este já o entendimento que adotara em Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 28/02/2007 (Proc. n.º 1132/06) em face do artigo 13º do CPT.
Daí que seja exigível à AT carrear para o procedimento e trazer ao processo elementos que possam indiciar o efetivo exercício das funções, sob pena de este se não ter por demonstrado.
É que uma coisa é dizer que quem é nomeado para cargos de administração tem o dever de os exercer, outra coisa é dizer que quem para tais cargos é nomeado os exerce efetivamente. E o exercício efetivo da gerência em causa tem de se reportar ao período de constituição das dívidas para que possa subsistir a responsabilização. (…)
Em face da jurisprudência propagada, tem-se mantido constante o entendimento de que inexiste uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto. Não obstante isto, pode persistir uma presunção judicial do exercício da gerência, a aferir pelos elementos fornecidos pelas partes, e que o tribunal deve valorar em sede de matéria de facto, eventualmente retirando da prova produzida a conclusão de existir uma forte probabilidade do exercício de gerência de facto e inexistirem razões para duvidar que tal exercício se tenha verificado. (…)
O exercício efetivo da gerência de uma sociedade pressupõe, portanto, um conjunto de atos ordenados para um certo fim, de prosseguimento do objeto social da sociedade e em representação desta. (…)
No que concerne ao oponente C..., a situação é distinta. Desde logo, está registada na conservatória do registo comercial a sua designação como gerente da sociedade “Construções… & Filhos, Lda” desde a respetiva constituição. E, com relevo para averiguar o seu efetivo exercício da gerência, importa ter presente que, no ano de 2006, outorgou uma procuração pela qual conferiu poderes de gerência da devedora principal a seu pai, Carlos... que, desde 2002, se assumiu como gerente daquela sociedade.
No que respeita a este ato de outorga de procuração a conferir poderes de gerência a um terceiro, como se refere no ponto 5. do sumário do Acórdão do TCA Sul de 31/1/2013, proc. 6732/13, «5. A jurisprudência e doutrina, com a qual concordamos, tem vindo a ser uniforme no sentido de que, na situação existente nos presentes autos (presença de procuração passada a favor de terceiro), deve entender-se que o administrador ou gerente exerceu a gerência de facto, mesmo que não tenha tido qualquer intervenção pessoal na vida da empresa, para além de nomeação de um procurador para o substituir.». Diferentemente, no Acórdão do TCA Norte de 27/11/2014, proc. 824/06.5BEPRT, considerou-se que «II - Não pode ser responsável subsidiário quem embora, figure no título como gerente, tenha emitido procuração para outrem exercer a gerência da sociedade, sem o propósito de determinar ou controlar a atividade do procurador, desconhecendo e não podendo conhecer, também, em absoluto como se desenvolve a gestão dessa atividade.».
Na situação vertente desconhece-se, porque o oponente C… não o alegou nem provou, se, não obstante a outorga da procuração, não era sua intenção controlar e, de facto, não controlou a atividade do procurador. Daí que não esteja o tribunal em condições de afirmar que, com a emissão da dita procuração a favor do seu pai, o oponente C... se afastou total e efetivamente da gerência da sociedade, confiando naquele a prática dos atos necessários ao giro comercial da mesma.
Sem embargo do que vem considerado, o certo que não há qualquer evidência de o oponente C... ter praticado atos de gerência da devedora originária nos anos de 2002, 2003 e 2007, surgindo nessa qualidade o seu pai Carlos…, conforme consta do probatório supra. Apenas no ano de 2006, ocorre a outorga da procuração por parte do oponente C... que, em si mesma, constitui um ato de gerência, uma vez que se destina a vincular a sociedade perante terceiros.
Ora, tendo em conta que a sociedade se obrigava com a intervenção de um só gerente e que o pai dos oponentes se identificava sempre como sócio gerente da devedora original, não é possível inferir, com a necessária segurança, pela prática daquele único ato de gerência por parte do oponente C..., que este exerceu, de facto, tal cargo.
Em suma, a AT não demonstrou, como lhe competia, factos suficientemente indiciadores de que os oponentes exerceram a gerência da sociedade devedora principal pelo que, sem necessidade de outros considerandos, devem os mesmos ser considerados parte ilegítima no processo de execução fiscal e, procedendo a oposição, ser aquele extinto na parte revertida contra os oponentes. (…)”

Importa referir que a execução fiscal tem por objecto a cobrança coerciva, por reversão, de dívidas provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) dos anos de 2002, 2003, 2004 e 2007, bem como dos respectivos juros.
Assim, estando em causa as dívidas de IRC, respeitantes aos anos de 2002, 2003, 2004 e 2007, impõe-se a análise do regime jurídico aplicável à data dos factos tributários.
A responsabilidade dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada pelas dívidas tributárias é aferida nos termos do disposto no artigo 24.º da LGT.
Estabelece o referido normativo que: “1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”
A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente, conforme resulta da sentença recorrida.
Desde logo, resulta dos citados normativos, que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito, de acordo com abundante jurisprudência dos tribunais superiores.
A administração fiscal não beneficia de qualquer presunção. É jurisprudência pacífica que “(…) presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).
As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.
As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.” - cfr. Acórdão do STA, de 02/03/2011, proferido no âmbito do processo n.º 0941/10.
Nesta conformidade, não é possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente pode-se presumir a gerência de facto.
No entanto, é possível efectuar tal presunção, se o tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de nesse exercício a gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, não há apenas a ter em conta o facto de o revertido ter a qualidade de direito, pois havendo outros elementos que, em concreto, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, as posições assumidas no processo e provas produzidas quer pelo revertido quer pela Fazenda Pública.
Daí que se possa concluir que as presunções influenciam o regime de prova, tal como foi afirmado pelo acórdão proferido no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, no recurso n.º 1132/06 de 28.02.2007:
“(…) Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342º nº 1, 350º nº 1 e 344º nº 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
3.3. Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
Mas, no regime do artigo 13º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa. Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova (…)”.
Em síntese, por força do artigo 24.º da LGT, compete à Fazenda Pública, na qualidade de exequente, o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.
No entanto, a lei não impõe que conste do despacho de reversão os factos concretos nos quais a Administração fundamenta o exercício efectivo das funções de gerente revertido; porém, no caso de reacção pelo revertido, opondo–se à execução, terá nesse processo de afirmar os elementos no sentido de cumprir o ónus que a lei impõe da prova, ou seja, os pressupostos legais da responsabilidade subsidiária do gerente, nomeadamente a da gerência efectiva, sob pena de contra si ser valorada.
No caso vertente, da prova produzida resulta que foi registado na Conservatória do Registo Comercial de Oliveira do Hospital, em 05/12/1997, o contrato de constituição da sociedade comercial "Construções… & Filhos, Lda.", constando como sócios J... e C.... Sendo que este último foi designado gerente por deliberação de 27/07/1999, ficando a sociedade obrigada com a intervenção de qualquer um dos gerentes – cfr. ponto 1, alíneas a), b) e c) do probatório.
Da decisão da matéria de facto estabilizada, dado que não foi objecto de recurso, consta, ainda, que, no dia 03/04/2006, o oponente, C..., assinou, na qualidade de sócio e único gerente da devedora originária e em sua representação, a procuração ínsita a fls. 156 a 158 do processo físico, através da qual constituiu procurador daquela sociedade Carlos..., a quem concedeu os necessários poderes para actos de gerência – cfr. ponto 8 do probatório.
A Fazenda Pública não se conforma com a decisão que se transcreveu parcialmente, pois C... não só não colocou em crise a sua condição de gerente como, expressamente, admitiu assinar documentos (cf. artigo 29.º da PI). Acrescentando que foi apresentada pela AT prova da prática, em concreto, de um acto de gestão – facto provado n.º 8 – “(…) C... assinou, na qualidade de sócio gerente da devedora originária e em sua representação, a procuração de fls , que se dá por integralmente reproduzida, através da qual constituiu procurador daquela sociedade Carlos... a quem concedeu os necessários poderes para atos de gerência.” Concluindo mostrar-se cumprido o ónus imposto à AT de provar a gerência de facto do agora Recorrido. Isto porque, sem outra prova que não a feita e apreciada nos autos, não será razoável concluir que não existiram outros actos de gerência praticados pelo oponente, que não a de emissão da procuração, pelo contrário, é o próprio que admite, na PI, ter assinado vários documentos, ainda que de forma aparentemente negligente, o que não pode ser causa de desresponsabilização.
Da fundamentação do despacho de reversão contra o Recorrido, após análise de vários documentos e do teor das pronúncias em sede de audição prévia, consta, sumariamente, o seguinte:
Ø Que o aqui Recorrido assinava documentos em nome e em representação da sociedade originária devedora, concluindo que, actuando assim, praticou actos de gerência, para efeitos de aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, acrescentando que a lei não exige que os gerentes exerçam uma administração continuada para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, apenas exigindo que pratiquem actos vinculativos da sociedade, executando, desse modo, a gerência de facto.
Ø Que o ora Recorrido era gerente da sociedade originária ao tempo a que as dívidas se reportam, por consulta dos elementos constantes da Certidão Permanente do Registo Comercial.
Ø Que o mesmo C... actuou na qualidade de gerente da sociedade na procuração emitida em 03/04/2006 no Cartório Notarial de Oliveira do Hospital.
Ressalta, desde logo, que o despacho de reversão não identifica os documentos que o Recorrido assinava, nem as datas em que tal ocorreu. Contudo, no artigo 29.º da petição inicial afirma-se o seguinte: “Quando muito e ocasionalmente o oponente C... Marques assinaria «de cruz» os documentos que lhe eram solicitados pelo seu pai, desconhecendo porém o respectivo teor e/ou finalidade e alcance dos mesmos”.
Nesta conformidade, existe, efectivamente, a admissão de que eram assinados documentos pelo Recorrido, o que não surpreende uma vez que somente este foi designado gerente, por deliberação de 27/07/1999; não tendo, todavia, sido produzida prova acerca das circunstâncias e condições em que os ditos documentos eram assinados.
Neste contexto, importa analisar a importância de mais o acto de emissão da procuração em 03/04/2006.
De acordo com o artigo 259.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), o gerente deve praticar os actos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios.
O n.º 1 e 4 do artigo 260.º do mesmo diploma, sobre a vinculação da sociedade, estabelece que esta se efectiva através dos actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhe confere, vinculando-a perante terceiros, mediante actos escritos apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade.
Por sua vez, o n.º 1 do artigo 252.º do CSC prevê que “[a] sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes, que podem ser escolhidos entre estranhos à sociedade e devem ser pessoas singulares e com capacidade jurídica plena.
Destarte, “[o]s gerentes são designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato outra forma de designação” - cfr. n.º 2, do citado artigo 252º.
É de realçar que o n.º 4 do artigo 252.º prevê que “A gerência não é transmissível por acto entre vivos ou por morte, nem isolada, nem juntamente com a quota.”
Como assinala Raúl Ventura, in Sociedade por Quotas, Volume III, Comentários ao Código das Sociedades Comerciais, “(…) A intransmissibilidade da gerência justifica-se pela confiança que a entidade designante (normalmente os sócios) depositava na pessoa escolhida; a relação estabelecida entre a sociedade e gerente tem, quanto a este, carácter altamente pessoal.
A mesma razão justifica o disposto no art.º 252.º, n.º 5; os gerentes não podem fazer-se representar no exercido a seu cargo sem prejuízo do disposto no n.º 2 do art.º 261.º
Encontram-se contratos de sociedade celebrados no domínio da LSQ em que é permitido, por essas ou outras palavras, ao gerente designado no próprio contrato, escolher um representante seu para o exercício das funções. Trata-se normalmente de casos em que o sócio pretende assegurar um lugar de gerência, mas ao mesmo tempo não quer exerce-lo pessoalmente, por motivos de idade, sexo, reconhecida falta de qualificação, etc…(…)”
E por força do n.º 5 do artigo 252.º e do n.º 2 do artigo 261.º do CSC está vedado aos gerentes “fazer-se representar no exercício do seu cargo” sem prejuízo da possibilidade de, em caso de gerência plural, os gerentes delegarem “nalgum ou nalguns deles competência para determinados negócios ou espécie de negócio, mas, mesmo nesses negócios, os gerentes delegados só vinculam a sociedade se a delegação lhes atribuir expressamente tal poder.”
Determina o n.º 6 do referido artigo 252.º do CSC que, “[o] disposto nos números anteriores não exclui a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos, sem necessidade de cláusula contratual expressa.
Teremos, pois, de distinguir duas situações: a representação de um gerente para o exercício das suas funções e outra a representação da sociedade. No primeiro caso, é representado o gerente e, no segundo caso, é representada a sociedade.
Ora, como vimos, para vincular sociedade originária é suficiente a assinatura de um gerente ou de um procurador da sociedade.
Salientamos que a procuração foi emitida em 03/04/2006 pelo Recorrido, na qualidade de sócio e único gerente e em representação da sociedade originária, constituindo procurador desta sociedade sua representada o seu pai, Carlos..., a quem conferiu poderes para a gerir e administrar, aí se indicando expressamente os actos que podia praticar dentro dos poderes de gerência.
Antes de mais importa referir que a procuração foi emitida pela sociedade Construções… & Filhos, Lda., e que a mesma constituiu “procurador da referida sociedade” Carlos..., conferindo-lhe os necessários poderes para praticar dentro dos poderes de gerência os actos e categorias de actos a seguir indicados:
Celebrar contratos de compra e venda de quaisquer bens móveis, seguros, transportes, aluguer e arrendamento, leasing, depósito, consórcio, desconto ou mútuo, desde que relacionados com a actividade comercial da sociedade
Outorgar a favor de advogado os poderes forenses para a intervenção em quaisquer processos judiciais, fiscais ou administrativos e ainda os poderes para confessar, transigir ou desistir em quaisquer acções judiciais em que a sociedade seja parte
Assinar termos de responsabilidade, fianças, boletins de registo de importação ou exportação, endossar e despachar junto de alfândegas, outras e quaisquer repartições públicas, organismos, institutos oficiais
Podendo proceder a quaisquer aberturas de contas em quaisquer instituições financeiras, bancos e caixas económicas, endossar a bancos, para crédito de conta da sociedade, de cheques, letras, livranças e extractos de factura, para cobrança ou desconto
Receber valores de que a sociedade seja credora, assinar recibos e prestar quitações, aceitar e sacar letras e livranças e sacar cheques, proceder a ordens de pagamento, de transferências bancárias
Assinar modelos para inscrição da sociedade e declaração da matéria colectável de quaisquer impostos
Levantar cartas registadas ou não, encomendas e mercadorias em quaisquer estações postais, caminhos de ferro, rodoviários ou quaisquer outras
Praticar todos os actos e assinar toda a documentação necessária à participação da sociedade em concursos públicos ou privados, fixando preços, licitando e estabelecendo as demais condições para em quaisquer instituições de crédito ou quaisquer bancos, levantar e depositar quaisquer importâncias, assinando cheques e tudo o que necessário for.
Da análise da procuração, resulta a constituição de um procurador, ao qual são conferidos poderes para exercer determinadas tarefas, nomeadamente de gestão, com vista ao exercício do objecto social da sociedade.
O Recorrido nada disse, ao longo do processo, acerca desta procuração que emitiu em nome da sociedade devedora originária. Apenas alegou que nunca se envolveu, directa ou indirectamente, na condução dos negócios da sociedade, nunca tendo dado qualquer ordem a funcionários da insolvente, nem recebeu quaisquer montantes destinados à empresa ou sequer decidiu qual o destino a dar às quantias por esta recebidas.
A ratio legis do artigo 252.º, n.º 5 do CSC é salvaguardar um núcleo intocável de poderes que não podem ser “delegados”, sob pena de se perder a pessoalidade da gerência que passaria de modo completo e incontrolável para mandatários ou procuradores que, dispondo de poderes amplos, controlariam a gestão da sociedade, à margem dos gerentes. E caso assim não fosse seria também uma forma simples de os gerentes se desresponsabilizarem pelos actos da sociedade nomeadamente das dívidas fiscais.
Acresce, ainda, que o artigo 258.º do Código Civil determina que o negócio jurídico realizado por representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.
Por sua vez, o artigo 1178.º do mesmo diploma refere que, se o mandatário for representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é também aplicável ao mandato o disposto artigo 258.º e seguintes.
Da conjugação dos n.º 5 e 6 do artigo 252.º do CSC resulta estar vedado aos gerentes “fazer-se representar no exercício do seu cargo” podendo, no entanto, a sociedade constituir procuradores ou mandatários, sendo que os actos praticados por estes se repercutem na esfera jurídica do mandante.
Nesta conformidade, reiteramos que a procuração foi passada em representação da própria sociedade, esta sim representada pelo procurador. E que os negócios jurídicos realizados pelo representante em nome da representada e nos limites dos poderes que esta lhe confere produzem, in casu, directamente efeitos na esfera jurídica desta última (a sociedade), e não na esfera jurídica do ora Recorrido. Logo, a procuração emitida não podia servir como instrumento para o mesmo se desvincular da sociedade abrindo a gerência a uma terceira pessoa. Se o Recorrido pretendia desligar-se ou não exercer a gerência da devedora originária podia e devia transmitir as quotas ou proceder à dissolução da sociedade.
Assim, sem mais, a outorga da procuração por parte do Recorrido C..., em si mesma, constitui um acto de gerência, uma vez que se destina a vincular a sociedade perante terceiros.
Aqui chegados e cientes que o problema passa por saber quem exerce de facto a gerência, ou seja, quem está na origem das decisões no seio da sociedade, quem as toma verdadeiramente ou quem delega poderes para que elas sejam tomadas; faria, obviamente, diferença a prova dos factos alegados na petição inicial. Isto porque importaria averiguar se o Recorrido C... controlava e tinha conhecimento da actividade levada a cabo pelo procurador, se a determinava e se aceitava a sua actuação.
Na verdade, é invocado na petição de oposição que o oponente, aqui Recorrido, nunca se envolveu, directa ou indirectamente, na condução dos negócios da sociedade, que nunca deu qualquer ordem a funcionários da sociedade, que nunca recebeu quaisquer montantes destinados à empresa, que nunca decidiu qual o destino a dar às quantias por esta recebidas; inculcando a ideia de afastamento, alheamento e não envolvimento nos destinos da sociedade devedora originária.
A prova do alegado nos artigos 29.º a 33.º da petição inicial, a que os oponentes se propuseram indicando prova testemunhal, poderia, efectivamente, condicionar o desfecho da acção. Contudo, tendo sido agendada a respectiva diligência de inquirição de testemunhas, a mesma acabou por ser dada sem efeito, na medida em que nem a ilustre mandatária dos oponentes, nem a testemunha (a apresentar), compareceram no tribunal na data e hora marcadas para a realização da diligência – cfr. fls. 68 e 69 do processo físico.
Nestes termos, a aferição do “exercício de facto da gerência” limita-se à apreciação dos factos vertidos na fundamentação do despacho de reversão. Apoiando-nos num processo lógico, que envolve sobretudo a identificação de quem ocupa a posição de decisor, encontramos o Recorrido C... designado na qualidade de gerente desde 1999 (também não foi produzida prova que tenha renunciado à gerência em Julho de 2005 – cfr. artigo 24.º da petição inicial), que assinava documentos (sem que se tenha provado nestes autos, igualmente, que assinaria “de cruz” os documentos que lhe eram solicitados pelo seu pai e que desconhecesse o respectivo teor, finalidade e alcance dos mesmos – cfr. artigo 29.º da petição inicial) e que emitiu uma procuração, em 2006, em representação da sociedade para a prática de alguns actos de gerência da mesma (sem que se tenha provado, mais uma vez, que não tivesse qualquer envolvimento ou conhecimento da actividade desenvolvida pelo procurador, seu pai – cfr. artigo 30.º da petição inicial).
Nesta conformidade, ter-se-á que concluir que o Recorrido, na qualidade de único gerente da sociedade executada, constituiu, em dado momento, o pai procurador, conferindo-lhe poderes para a prática de actos, alguns deles de gestão, em nome e representação da sociedade, exercendo assim, a gerência de facto da devedora originária, ainda que indirectamente.
Tendo a reversão da dívida sido efectuada com base na alínea b) do art.º 24.º da LGT, e uma vez, que o Recorrido exerceu a gerência de facto da devedora originária, no período a que se reportam os créditos em execução incumbia-lhe a prova que a falta de pagamento das quantias ora em execução não lhe podia ser imputada, designadamente que a não satisfação dos créditos fiscais decorrente da diminuição ou insuficiência do património da sociedade comercial não lhe podia ser assacada.
Porém, o Recorrido não alegou nem provou a existência de qualquer facto relevante que afastasse a sua culpa pela insuficiência do património da devedora principal – cfr. teor integral da petição inicial.
Nesta sequência, tendo em conta os factos dados como provados e não provados, e tendo em conta o regime da responsabilidade subsidiária prevista no artigo 24.º da LGT, os elementos presentes nos autos permitem a conclusão de que o Recorrido foi gerente de facto da devedora originária, isto é, que praticou actos, quer interna quer externamente, animado de um espírito de gestão e de administração próprios de um responsável por uma sociedade, sendo, por conseguinte, responsável pelas dívidas objecto dos presentes autos.
Face ao exposto, procedem as conclusões do recurso, devendo a sentença ser eliminada da ordem jurídica na parte recorrida.

Conclusões/Sumário

I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III - Da conjugação dos n.º 5 e 6 do artigo 252.º do CSC resulta estar vedado aos gerentes “fazer-se representar no exercício do seu cargo”, podendo, no entanto, a sociedade constituir procuradores ou mandatários, sendo que os actos praticados por estes se repercutem na esfera jurídica do mandante.
IV- A existência de uma procuração enquadra-se no apuramento do exercício de facto da gerência, pois pode ser considerada como uma forma indirecta desse exercício.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e julgar a oposição deduzida por C... improcedente.
Custas a cargo do Recorrido, C..., em ambas as instâncias, na proporção de metade; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
Porto, 10 de Maio de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro (“Voto a decisão”)