Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01245/17.0BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/30/2022
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA; PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, INQUISITÓRIO E IGUALDADE DE ARMAS;
FACTURAS FALSAS; ÔNUS DA PROVA INDÍCIOS, FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I. A nulidade por omissão de pronúncia, prevista na al. d) do nº 1 do artigo 668º do CPC, não se verifica quando a sentença aprecia todas as questões suscitadas, directamente ou por remissão para outras decisões ou doutrina, embora não tenha em conta todos os argumentos apresentados pelas partes.
II. Nulidade por falta de fundamentação da sentença só se verifica perante a falta absoluta de fundamentação, dela se subtraindo as situações de fundamentação insuficiente, medíocre ou errada, quer a nível factual, quer jurídico.
III. Da transcrição parcial de Relatórios Finais de inspecções realizadas aos emitentes das facturas para o Relatório Final da Impugnante não decorre a violação do princípio do contraditório e da igualdade de armas.
IV. Não cumpre a Recorrente o ónus de impugnação da decisão da matéria de facto imposto pela al. b), do nº1, do artigo. 640º, do CPC, quando se limita a impugnar factos e a remeter em bloco para a documentação apresentada, sem a concreta especificação dos meios probatórios e análise crítica dos mesmos.
V. Administração Fiscal tem o ónus de provar a factualidade que a levou a desconsiderar um custo, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte.
Logrando a administração Tributária demonstrar os factos-índice em que se baseia para afirmar que as operações tituladas pelas facturas não correspondem a verdadeiras e reais transações comerciais, passa a impender sobre o contribuinte o ónus da prova da efectiva realização dessas operações materiais.*
* Sumário elaborado pela relatora
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. AA (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 21 de agosto de 2020, pela qual foi julgado totalmente improcedente a impugnação judicial da liquidação de IRS do ano de 2013, no montante de € 18.140,75, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1) Falta de pronuncia sobre as alegações produzidas pela recorrente nos termos do artigo 120º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pois o Juiz deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, sob pena de, não o fazendo, a Sentença ficar ferida de nulidade (artigo 125º do C.P.P.T. e 660º, nº 2 e 645º, nº 1, alínea d) do C.P.C.).
2) O Meritíssimo Juiz “a quo” incorreu em erro de julgamento e não apreciou todas as questões postas em crise pela impugnante, ora recorrente, e aquelas que apreciou, fê-lo, salvo o devido respeito, de forma pouco fundamentada, sem conseguir dar respostas através dos factos e fundamentos de direito, o que só por si conduz ao vicio da nulidade da sentença recorrida.
3) O Juíz do Tribunal a quo considerou como provados os factos constantes nos Pontos 1 a 15 da Matéria de facto dada como provada, páginas 4 a 80 da Douta Sentença recorrida considerando como verdadeiro tudo o que vem alegado no Relatório Final relativo aos fornecedores que emitiram as faturas postas em causa, contudo no Relatório Final da Autoridade Tributária e Aduaneira elaborado à Impugnante, apenas constam excertos dos alegados Relatórios elaborados aos referidos fornecedores, contudo tais documentos, ou seja, os Relatórios dos emitentes e das Sociedade Comerciais emitentes em causa não foram juntos ao Relatório Final da Impugnante, nem ao Processo Administrativo (PA), pelo que nada do que consta dos mesmos pode servir de prova para o que quer que seja, pois consubstanciam prova inexistente nestes autos.
4) O Tribunal a quo considerou as correções efetuadas ao exercício de 2013 com base exclusivamente no Ponto III do Relatório da Inspeção Tributária – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas, páginas 4 a 80, da Douta Sentença recorrida.
5) Mas, como se verifica da Douta Sentença recorrida, o Juiz do Tribunal a quo não transcreveu e não teve em consideração o Ponto 11.3.3 Resumo das Declarações apresentadas pela Impugnante com referência ao quadro da página 4, em termos de valores em sede de IRS, o que consubstancia uma irregular fundamentação, quer em termos de proveitos, quer em termos de custos.
6) E, sendo no Relatório Final da Inspeção Tributária que se encontra enunciada e concretizada toda a fundamentação da liquidação adicional impugnada, com referência ao exercício de 2013, é evidente a falta de fundamentação da mesma.
7) Pois, tal como resulta da página 4 do Relatório Final, a verdade é que a Autoridade Tributária e Aduaneira aceita que a contabilidade da Impugnante reflecte o resultado efetivamente obtido em relação aos proveitos/vendas nos anos de 2013, no valor de 109.140,96 €
8) E resulta ainda que a Autoridade Tributária e Aduaneira admite que a escrita da impugnante reflete o resultado efetivamente obtido em relação aos proveitos, e que não existe qualquer omissão ao volume de negócios declarado, aceitando como corretos os valores contabilizados das vendas, bem como os dos custos no valor de 97.274,45 €.
9) E, como se analisa do quadro da página 4 do Relatório Final da Inspeção Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou como correto o Custo das Mercadorias Vendidas com referência ao exercício de 2013, no valor de 97.274,45 €, onde se incluem as faturas reputadas de falsas pela Inspeção Tributária no valor de 50.142,00 €.
10) E, como se demonstra, não existe qualquer omissão ao volume de negócios declarado com referência aos exercícios de 2013, ou seja, a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou que a contabilidade da Impugnante reflectiu o resultado efetivamente obtido em relação aos proveitos/vendas no ano de 2013, no valor de 5.707,81 €.
11) Ora, para a Impugnante, aqui recorrente, ter um resultado obtido em relação aos proveitos/vendas no ano de 2013, nos valores de 109.140,96 €, necessariamente teve de comprar mercadoria e nos valores constantes das faturas dos seus fornecedores, pois não pode vender, sem comprar mercadoria.
12) E, nesta conformidade, é notório que a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez prova que a Impugnante, aqui recorrente, não tenha comprado e vendido as mercadorias a que se referem as faturas que reputou de falsas.
13) Mais, o facto constante do nº 14 da Matéria de facto – página 13 da Douta Sentença recorrida, Ponto 111.2.1. Faturas timbradas em nome de TJ..., em relação ao ano de 2013, nem sequer tem cobertura legal das Ordens de Serviço aí mencionadas que se referem aos anos de 2009 e 2010.
14) Mais tarde, como se verifica da página 12 do Relatório da Inspeção foi emitida pela Direção de Finanças de Setúbal a OI ...47, para os anos de 2011 e 2012, o que quer dizer que em relação ao emitente TJ..., com referência ao ano de 2013, nada foi visto e apurado.
15) Assim, no caso sub judice, relativamente às 7 faturas aqui em causa emitidas por TJ..., que reúnem todos os requisitos enunciados no artigo 36º do Código do IVA e são verdadeiras, nada foi apurado pela Inspeção Tributária, pelo que teriam legalmente de ser consideradas como custos fiscais do exercício de 2013, nos termos do nº 1 do artigo 75º da Lei Geral Tributária, ou seja, tinham de ser consideradas custos fiscalmente relevantes indispensáveis à realização dos proveitos, nos termos do nº 1 do artigo 23º do Código do IRS – Categoria B.
16) O que não ocorreu, pelo que, neste caso sub judice, a Autoridade Tributária e Aduaneira não demonstrou a alegada falta de correspondência entre o teor da contabilidade ou escrita evidenciada na página 4 do Relatório da Inspeção Tributária e a realidade, sendo que o conteúdo das faturas emitidas por TJ... é verdadeiro e, nos termos da lei aplicável ao caso, terá de se considerar verdadeiro.
17) Além disso, no caso sub judice, é notório que a Autoridade Tributária e Aduaneira face ao quadro da página 5 do Relatório da Inspeção Tributária, não demonstra a falta de correspondência entre o teor das declarações Modelo 22 suportadas com base na contabilidade e a realidade económica, uma vez que a Inspeção Tributária não procedeu à inventariação das existências com referência ao ano de 2013.
18) Pelo que, nos termos do nº 1 do artigo 75º da Lei Geral Tributária, todo o conteúdo das declarações suportadas com base na contabilidade da Impugnante, nos termos da lei, gozam de presunção de verdade que não foi ilidida.
19) Aliás, como é possível a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitar o volume de negócios declarado no exercício de 2013, se as compras não fossem verdadeiras ???
20) É notório que é impossível a Impugnante, aqui recorrente, vender sem fazer compras, pelo que, no caso sub judice a Autoridade Tributária e Aduaneira não cumpriu o seu ónus probatório imposto por lei, nem o Juiz do Tribunal a quo.
21) Perante o que se conclui que a decisão recorrida não indica com clareza e congruência, os elementos de facto e de direito que determinaram a liquidação adicional de IRS impugnada relativa ao ano de 2013. Até porque, como demonstra o Relatório da Inspeção Tributária, não foi realizado pelo Inspetor Tributário o controlo das existências com referência ao ano de 2013.
22) Ora, o Juiz do Tribunal a quo deveria ter dado como matéria provada que as faturas correspondem a verdadeiras transações e prestações de serviços, pois foi junta aos autos documentação que não foi impugnada pelo Representante da Fazenda Pública e que fazem prova plena das referidas transações entre os fornecedores e a Impugnante.
23) As aquisições de bens e serviços foram relevadas na contabilidade da impugnante e gozam de presunção de verdade, pelo que deveriam ter sido consideradas provadas pelo Juiz do Tribunal a quo, pois resultam notoriamente provados pela prova documental exaustiva junta aos autos (Faturas e Recibos).
24) Pelo que, não podia a Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como o Juiz do Tribunal a quo, pôr em causa as faturas totalmente documentadas, pagas e relevadas na contabilidade da Impugnante.
25) É que a qualidade dos emitentes desacompanhada de outros elementos fácticos que revelem falsidade das faturas é manifestamente insuficiente de só por si ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade do comprador, aqui recorrente (artigo 75º, nº 1 da Lei Geral Tributária).
26) Resulta provado nos autos, que ambos, ou seja, vendedores e comprador exerciam à época, em 2013, atividade no sector corticeira
27) Ora, o ónus da prova que sobre a impugnante, ora recorrente impendia foi concretamente realizado, pois resulta dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, que a impugnante, aqui recorrente, adquiriu mercadoria e serviços prestados constante nas faturas e procedeu ao seu pagamento, pelo que provou a existência e veracidade das transações postas em causa no ano de 2013.
28) Por isso, a aqui recorrente, considera processualmente inconcebível que todos os factos dados como provados na Douta Sentença recorrida, se sustentem em prova documental que não existe nos autos, ou seja, em Relatórios de Inspeção de outros contribuintes, que no caso sub judice, cujos Relatórios não foram juntos ao Relatório Final da Impugnante, ora recorrente, apenas e só alegadamente transcritos “excerto”, o que não consubstancia uma fundamentação suficiente no caso sub judice, e consequentemente a Douta Sentença de que se recorre carece de fundamentação.
29) E isto, porque é princípio estruturante do processo judicial tributário o princípio do inquisitório pleno, previsto nos artigos 13º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 99º da Lei Geral Tributária, ou seja, o processo judicial tributário não é um processo de partes.
30) É que, vigorando o princípio do inquisitório pleno, deveria o Juiz do Tribunal a quo ter ordenado oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurassem úteis para conhecer a verdade relativa aos factos alegados ou de que oficiosamente pudesse conhecer, o que não fez
31) Ora, analisando todo o Relatório, o que se constata com referência ao ano de 2013, é que a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu, mas não fundamentou, que as faturas emitidas para a aqui recorrente, por TJ..., com o NIF (...), pela Sociedade Comercial “B..., Lda.” e por BB... com o NIF (...), não titulam operações reais com referência ao ano de 2013.
32) Ora, como se verifica do Ponto III.2.1., do Relatório, a Inspeção Tributária considerou que as faturas em causa são simuladas em “Resultado das Diligências realizadas ao abrigo da Ordem de Serviço Nº ...47, emitida pela Direção de Finanças de Setúbal, cujo Relatório não foi junto ao Relatório Final, não obstante não abranger o ano de 2013 (Página 13 do Relatório Final).
33) E, quanto ao fornecedor Sociedade Comercial “B..., Lda.” com o NIPC de (…), este emitiu para a impugnante, aqui recorrente, AA, 37 faturas em 2013, com a base tributável de 29.250,00 €, com IVA no valor de 6.727,00 €, num total de 35.977,50 €.
34) Como se verifica do Ponto Dl 2. 2. Do Relatório, páginas 30 e seguintes, a Inspeção Tributária considerou que as faturas emitidas pela Sociedade Comercial “B..., Lda.” são simuladas em resultado de diligências realizadas ao abrigo das Ordens de Serviço OI ...45, OI ...46 e OI ...47, cujos Relatórios não foram juntos ao Relatório Final, não obstante ter sido solicitada a sua junção aquando do exercício do Direito de Audição.
35) E, o fornecedor BB..., com o NIF (...), emitiu para AA, 17 faturas com a base tributável de 13.605,00 €, com IVA no valor de 3.129,15 €, no total de 16.734,15 €.
36) E, também como se verifica do Ponto 111.2.3., páginas 45 e seguintes a Inspeção Tributária considerou que as faturas em causa são simuladas em resultado de diligências realizadas ao abrigo das Ordens de Serviço OI .../6, contudo tais Relatórios não foram juntos ao Relatório Final, não obstante ter sido solicitada a sua junção ao Relatório Final da Impugnante, aqui recorrente.
37) A Inspeção Tributária não junta os Relatórios dos emitentes aos autos, alegando, pura e simplesmente, no princípio da página 90 do Relatório Final que “dos Relatórios efectuados aos fornecedores, importa referir que tal pretensão não tem acolhimento na lei, dado estar em causa a proteção do sigilo fiscal”.
38) Contudo, a lei, nos termos do nº 4 do artigo 64º da Lei Geral Tributária prevê a possibilidade de o sujeito passivo ter acesso a dados referentes a terceiros, como no caso sub judice, para proceder à verificação da fundamentação do Relatório Final da Inspeção Tributária.
39) Dai que, no caso sub judice, foi violado o Princípio da Igualdade previsto nos artigos 55º e 98º da Lei Geral Tributária e artigos 13º e 20º da Constituição da Republica Portuguesa.
40) Acresce que, os Relatórios da Inspeção Tributária relativos aos emitentes das faturas, por virtude do Princípio do Contraditório consignado no artigo 45º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 8º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, tinham que ser integralmente notificados à impugnante, aqui recorrente.
41) E, tais Relatórios relativos aos emitentes das faturas colocadas em causa no Relatório da Impugnante, tinham de ser notificados à impugnante, para que esta pudesse exercer adequadamente o seu Direito do Contraditório, e, designadamente, verificar se a Autoridade Tributária e Aduaneira, em sede dos emitentes, considerou e aceitou como proveitos, as faturas de vendas que, agora, alega que são simuladas.
42) E assim sendo, por tudo o que se invoca, tinha a impugnante o Direito de ser notificada, não de uma alegada transcrição apenas de partes dos alegados Relatórios dos emitentes em causa, mas sim da totalidade integral de tais Relatórios, para que lhe fosse possível exercer adequadamente a sua defesa- o respetivo direito do contraditório.
43) Ao entender de forma diversa, a Autoridade Tributária e Aduaneira violou o Princípio do contraditório consignado no artigo 8º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira e ainda o artigo 45º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ainda os artigos 13º e 20 da CRP.
44) Quanto ao que consta no Ponto III.2.4.- Análise à produção, do Relatório, página 63 da Douta Sentença recorrida, constata-se que não foi realizado qualquer controlo quantitativo da produção e das matérias primas consumidas no exercício de 2013.
45) O que se verifica na página 71 do Relatório Final, é que: “Tendo em conta tal indicador médio de 0,16gr/cm3,” foram efetuados testes com base em informação recolhida no site da maior referência da cortiça, quer a nível nacional, quer a nível internacional, o grupo CC---.
46) Ora, não pode a Autoridade Tributária ter como base o Grupo CC--- e não a actividade exercida efetivamente pela empresária AA, impugnante e aqui recorrente, o que constitui uma flagrante falta de fundamentação formal e material.
47) Acresce que, a Inspeção Tributária nos testes a que se refere a página 71 do Relatório Final, não cumpriu o disposto no nº 7 do artigo 56º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, ou seja, não lavrou o respetivo termo, nos termos dos nºs 4 a 6 do referido artigo 56º do mesmo Diploma legal, o que constitui preterição de formalidade legal.
48) Além do que, como é um facto notório e do conhecimento público, não se pode comparar a realidade económica da aqui empresária em nome individual AA que fabrica rolhas com cortiça fraca e bocados, e consequentemente, resulta menos produção de rolhas e mais desperdício, com a realidade económica do Grupo CC---, que só fabrica rolhas com cortiça boa de alta qualidade, pelo que a produção é muito mais elevada e está a “anos luz” de distância da realidade económica da impugnante, aqui recorrente.
49) Pelo que, tais considerações subjectivas do Senhor Inspector não consubstanciam uma correta fundamentação, sendo portanto, a pretendida tributação totalmente ilegal, por manifesta insuficiência, obscuridade da fundamentação, na mais completa violação do artigo 268º, nº 3 da Constituição da Republica Portuguesa e 153º do Código de Procedimento Administrativo.
50) Além disso, analisando todas as faturas em causa constata se que as mesmas são verdadeiras e reúnem os requisitos enunciados no artigo 36º do Código do IVA, pelo que, todas as considerações tecidas no Relatório, constituem meras conclusões pessoais do Inspetor (...), sem qualquer fundamentação de facto e de direito.
51) Pois, todas as transações são reais e de valor diminuto, cerca de mil euros, conforme se atesta pelas faturas juntas aos autos, pelo que a maior parte das transações foram pagas em numerário, não consubstanciando o pagamento em numerário de valores tão pequenos qualquer fundamento ou índice de simulação das faturas.
52) Acresce que, a indicação de que existem indícios, contudo, sem indicar concretamente quais, consubstancia, também, falta de fundamentação
53) Perante o que se conclui que o Relatório Final da Inspeção Tributária não indica concretamente, quer os elementos de facto, quer de direito, que determinaram a liquidação adicional de IRS, que se impugna e cuja anulação se requer.
54) E, segundo o artigo 74º, nº 1 da Lei Geral Tributária, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos cabe a quem os invoque e, no caso sub judice, em primeiro lugar, à Autoridade Tributária e Aduaneira.
55) Pelo que, a prova da alegada falsidade das operações tituladas pelas faturas em causa, cabe e compete à Autoridade Tributária e Aduaneira, não bastando, pois, invocar a existência de meros indícios, que no caso sub judice até são inexistentes.
56) Mais, inexistindo nos autos os Relatórios Finais dos emitentes das faturas em causa, uma vez que estes não foram juntos ao Relatório Final da Impugnante, tudo o que é referido nas páginas do Relatório Final da Impugnante quanto a estes emitentes, carece de valor, pois tais Relatórios não poderão sustentar qualquer prova nestes autos, em virtude de não terem sido carreados para os presentes autos e, portanto, são prova inexistente nestes autos e totalmente impugnada pela Impugnante, aqui recorrente, por não ter conhecimento de todos os factos contidos nos Relatórios dos emitentes.
57) Aliás, a impugnante, ora recorrente, não pode conformar-se com o facto de que do Relatório Final tenham sido, apenas e só, transcritos alegados “excertos” de alegados Relatórios de Inspeção elaborados aos emitentes e existir na própria Sentença recorrida um “Copy Past” integral de tudo o que vem alegado pelo Inspector Tributário no Relatório elaborado à impugnante, aqui recorrente.
58) Não podendo o Tribunal a quo dar como provado “cegamente” factos alegadamente constantes nos Relatórios dos emitentes, quando tais Relatórios nunca foram juntos como prova nestes autos – prova inexistente nos autos.
59) Mais, as nulidades insanáveis taxativamente previstas, no caso alínea b) do nº 1 do artigo 98º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, podem ser invocadas e deduzidas a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão final, como decorre do nº 2 do artigo 98º do C.P.P.T.
60) Pelo que, incorreu em erro o Juiz do Tribunal a quo ao dar como provado os factos constantes nos Pontos 1 a 15 da matéria dada como provada, pois procedeu à transcrição na integra do Relatório da Inspeção, dando como provado tudo o que consta do referido Relatório, incluindo as conclusões subjectivas e não fundamentadas do Senhor Inspetor Tributário que elaborou o referido Relatório.
61) Ora, o que consta na Douta Sentença recorrida são transcrições do Relatório da Inspeção, sendo certo que do mesmo, constam, à livre escolha do Senhor Inspector Tributário, “partes” alegadamente transcritas de Relatórios de alguns emitentes fornecedores da Impugnante, aqui recorrente, contudo tais Relatórios e seus anexos, não foram juntos aos autos como prova.
62) E, sendo a Autoridade Tributária e Aduaneira, parte contrária no processo de Impugnação, como pode o Juiz do Tribunal a quo dar como provado tudo o que é alegado pelo Senhor Inspetor Tributário no Relatório da Impugnante, quando este nem sequer junta aos autos cópias integrais e autenticadas dos documentos a que faz referência, designadamente, os Relatórios dos emitentes em causa ??!!!
63) Assim, é notório que as correções efetuadas em sede de IRS – Categoria B, com referência ao exercício de 2013 constituem um acto ilegal, abusivo e desproporcional por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, na mais completa violação do artigo 104º, nº 2 da Constituição da Republica Portuguesa, sendo notório que há um afastamento da matéria tributável nos três anos em causa em mais de 30% ao lucro tributável declarado (alínea c) do nº 1 do artigo 87º da L.G.T.
64) Sendo certo que, no caso sub judice são inexistentes “os fortes indícios colhidos pela AT”, nem existe prova alguma nestes autos.
65) É que, face ao Princípio da Legalidade consagrado no artigo 55º da Lei Geral Tributária e artigo 266º, nº 2 da Constituição da Republica Portuguesa, não existe hoje qualquer apoio numa alegada presunção de legalidade do acto tributário para fazer recair sobre o contribuinte o ónus da prova da ilegalidade do acto tributário.
66) Por outro lado, como se verifica do quadro da página 4 do Relatório, a Inspeção Tributária admite que a escrita da sociedade contribuinte impugnante, aqui recorrente, reflete o resultado efetivamente obtido em relação ao volume de negócios/vendas de 111.454,96 €, no exercício de 2013.
67) Aceitando não só as vendas e a variação da produção, bem como o Custo das Mercadorias Vendidas e matérias primas consumidas nos exercícios de 2013, onde se incluem as faturas postas em causa pelo próprio Inspector Tributário que elaborou o Relatório da Impugnante, aqui recorrente, e sem qualquer prova legalmente exigível, tais faturas foram consideradas falsas pelo Juiz do Tribunal a quo na Douta Sentença recorrida.
68) É que, reitera-se apenas foram transcritos “excertos” dos alegados Relatórios dos fornecedores da impugnante, quando tais Relatórios, para efeitos do princípio do contraditório, tinham de ser notificados do seu teor integral à impugnante, como preceitua o nº 3 do artigo 115º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que não fez a Autoridade Tributária e Aduaneira no caso sub judice, constituindo tal facto nulidade insanável, nos termos do artigo 98º, alínea b) do nº 1 do C.P.P.T. e vicio de violação de lei.
69) E tinham de ser notificados do seu teor integral com o formalismo previsto nos nºs 1, 2 e 3 do artigo 76º da Lei Geral Tributária, ou seja, devidamente autenticados, nos termos legais em vigor, o que não ocorreu no presente caso.
70) É que, a impugnante, ora recorrente, para efeitos do princípio do contraditório, tinha o direito de analisar os Relatórios dos emitentes, e, verificar se a Autoridade Tributária e Aduaneira teria ou não na área dos emitentes considerado como proveitos/vendas as faturas aqui em causa.
71) Assim, provado está que as conclusões do Relatório Final, que considera as facturas em causa simuladas, não são suportadas por factos retirados de documentos e de elementos oficiais respeitantes ao sujeito passivo, aqui recorrente, como exige o princípio da legalidade consignado no artigo 55º da Lei Geral Tributária e artigo 240º do Código Civil, aplicável por força do artigo 2º, alíneas a) e d) da L.G.T., o que consubstancia, também, falta de fundamentação
72) Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia no sentido da fundamentação substancial do acto que a lei exige para legitimar o acto de liquidação de IRS aqui impugnado, que está desconforme com a lei, assim como a Douta Sentença do Tribunal a quo.
73) Pelo que, assim sendo, a Sentença recorrida ao julgar improcedente a Impugnação Judicial, com base no ónus da prova, sem que a Autoridade Tributária tivesse demonstrado a existência de indícios sérios e provas concretas relativamente a cada uma das faturas em causa, afronta, clamorosamente, o princípio do Inquisitório pleno, enquanto princípio de direito, o que constitui falta de fundamentação e vicio de violação de lei.
74) Assim, a fundamentação dos actos de liquidação de IRS, anos 2013, é manifestamente insuficiente para determinar e tomar eficaz os actos de liquidação, pelo que este viola o disposto nos artigos 77º, nº 1 da Lei Geral Tributária e artigo 268º, nº 3 da Constituição da Republica Portuguesa, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira não explica e não demonstra como é possível a impugnante vender quando as suas compras são imputadas de falsas pela Inspeção Tributária ???!! Pois, é notório que só será materialmente possível à Impugnante, aqui recorrente, vender se as suas compras forem verdadeiras.
75) Parece, aliás, que a fiscalização pretendeu apenas pôr em causa a credibilidade dos emitentes (por estarem envolvidos em processos crimes conexos com faturação falsa) mas, como referia o Prof Saldanha Sanches (in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, p. 361) a ausência de credibilidade subjectiva dos sujeitos não constitui fundamento da avaliação administrativa. Até, porque, se o perfil fiscal do sujeito passivo pudesse, em si mesmo, fundamentar as correções, isso implicaria que a presunção do artigo 75º da Lei Geral Tributária só valeria para os sujeitos passivos que nunca tivessem tido algum litígio com a administração tributária, o que não tem respaldo no texto da lei (Neste sentido, Acórdão do TCAN de 30/09/2014, Processo 313/06.8BEPNF).
76) “Na verdade, a circunstância de esta sociedade estar referenciada noutra ação de inspeção como emitente de faturas falsas não significa que as operações tituladas pelas faturas aqui em causa não correspondam a operações reais. E que um determinado sujeito passivo pode estar referenciado como emitente de faturas falsas e efectivamente emitir faturas que não têm subjacente qualquer operação económica e, simultaneamente, dedicar-se à actividade económica para que está colectado, prestando os correspondentes serviços ou fornecimentos. O que está em causa não é saber se essa sociedade emitiu ou não faturas que não correspondem a operações reais, mas sim saber se as operações que constam das faturas aqui em causa, reportadas ao ano de 2003, correspondem ou não a operações reais” (in, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em Porto, 7 de Novembro de 2019, no Recurso interposto no Processo de Impugnação Nº 807/08.OBEVIS, página 19 do Acórdão).
77) A Autoridade Tributária e Aduaneira não procedeu às diligências junto da Impugnante, ora recorrente, no sentido de confirmar a veracidade de tais operações económicas. “Deveria, designadamente, ter apurado se as mercadorias constantes das faturas em causa tinham dado entrada nas instalações da Impugnante, como se processavam as encomendas das mercadorias e o respectivo circuito, se os fornecimentos a que aludem as faturas têm ou não correspondência com o volume de negócios da Impugnante, a relação entre estes custos e os proveitos obtidos, das relações comerciais existentes entre sociedades emitente e utilizadora, sobre os meios de pagamento utilizados, etc.” (in, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em Porto, 7 de Novembro de 2019, no Recurso interposto no Processo de Impugnação Nº 807/08.0BEVIS página 20 do Acórdão).
78) Ora, tal inércia dos serviços de inspeção tributária, nomeadamente, não foi realizado um controlo quantitativo das mercadorias e consumo das matérias primas nos exercícios de 2013 à actividade da recorrente, não se mostra conforme aos deveres legais de investigação da verdade material que incidem sobre a administração tributária.
79) E, nesta conformidade, os alegados indícios recolhidos pela administração tributária, além de inexistentes nestes autos, não permitem suportar, objectivamente e luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da Impugnante, ora recorrente. O que significa que a administração tributária não se desonerou do ónus que sobre si impendia de fundamentar a legalidade da sua actuação conducente à liquidação impugnada.
80) Foram violados os artigos 55º, 58º, 77º, nº 1 e 2 e 98º e 99º da Lei Geral Tributária, 13º, 45º, nº 1, 98º, nº 1, alínea b), 115º, nº 3 e 125º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ainda artigos 13º, 20º, 266º, nº 2 e 268º, nº 3 da Constituição da Republica Portuguesa.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V. Exas., deverá o presente Recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, se revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegal a liquidação de IRS, ano 2013, objecto dos autos, por falta de fundamentação e existência de nulidades, a bem da JUSTIÇA.»

1.2. A Recorrida (Fazenda Pública), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.

1.3. Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 725 SITAF, no sentido da improcedência do recurso:
«AA vem interpor recurso da sentença do Mmº Juiz do TAF de Aveiro que no âmbito de impugnação liquidação adicional de IRS do ano de 2013, a julgou improcedente.
A recorrente foi objecto de uma acção inspectiva e em resultado da qual a AT procedeu a correcções de natureza meramente aritméticas, o que deu lugar à referida liquidação.
Impugnou-a invocando, entre outros fundamentos, que as facturas que contabilizou, emitidas por TJ...; B..., Lda e BB..., titulam operações económicas reais.
*
É jurisprudência pacífica que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pela recorrente das respectivas alegações.
*
Alega AA, e resumo, que a sentença é nula por omissão de pronúncia e falta de fundamentação a que acresce o erro de julgamento quer de facto quer de direito, conforme melhor descrito em sede conclusiva e para cuja leitura remetemos.
Cremos que não lhe assiste razão
O Mmº Juiz sustentou que não se verificam as nulidades assacadas à decisão, em termos que não merecem censura.
As declarações dos contribuintes gozam de uma presunção de veracidade desde que cumpram com o disposto na lei – artigo 75º da LGT.
Citando o Ac. do TCAN de 28/2/2013 no processo 00383/08.4BEBRG in www.dgsi.pt:
“Quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
A Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão o STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.
Compete, pois, ao contribuinte o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artigo 19.º do CIVA, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação.”
V. igualmente os Acs. do Pleno do CT do STA de 16/11/2016, no processo 0600/15; do TCAN de 10/11/2016, no processo 01484/05.6BEVIS e de 15/9/2016, no processo 00356/08.7BEVIS in www.dgsi.pt.
As facturas falsas são documentos nos quais se declara a prestação de um serviço ou a venda de bens que não correspondem a operação realmente existente. Ficciona-se uma realidade que não existe ou, pelo menos, não existe tal como nelas se documenta.
A AT apurou, conforme o relatório inspectivo, que na contabilidade da recorrente, formalmente constavam facturas emitidas por TJ...; B..., Lda e BB... mas sem correspondência com operações realmente por eles efectuadas.
Resulta do probatório que a AT fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que as facturas não tiveram subjacentes quaisquer operações económicas realizadas entre a Impugnante e o emitente supra identificado.
Os indícios são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as facturas não titulavam as operações em causa, cumprindo a ora recorrida o seu ónus probatório com vista a ilidir a presunção de veracidade das declarações e escrita do contribuinte.
Efectuada esta prova, cabe ao impugnante o encargo de provar a materialidade das operações subjacentes à facturação indiciada, entre ela e a emitente das facturas, o que não logrou demonstrar.
*
Os argumentos conclusivos da recorrente não constituem qualquer novidade, dado que, o Tribunal já deles conheceu e sobre eles se pronunciou, em termos que não merecem censura. Constam da sentença as razões de facto e de direito em que esta assentou.
O Mmº Juiz analisou a prova e fundamentou a decisão, em nosso entender, merecedora de confirmação, não se verificando os invocados vícios.
O recurso não merece provimento.»

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos dos artigos 608º, 635º nº s 3 e 4 todos do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) são as seguintes, se a sentença: (i) enferma de nulidade por omissão de pronúncia de todas as questões suscitadas em sede de alegações; (ii) enferma de nulidade por falta de fundamentação; (iii) viola o princípio do inquisitório, e os princípios do contraditório e da igualdade das partes; (iv) incorre em erro de julgamento de facto; (v) incorre em erro de julgamento de direito ao julgar da legalidade das liquidações por verificação dos seus pressupostos e fundamentado a decisão de correcções que emana do RIT.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Impugnante está, desde 02.10.2012, registada para o exercício da atividade de “Comércio por grosso de Cortiça em Bruto” e “Fabricação de rolhas de cortiça”, exercendo efetivamente esta última atividade, está enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral e possui contabilidade organizada elaborada informaticamente – cfr. teor do Relatório de Inspeção, a fls. 7 do sitaf;
2. Durante o ano de 2013, a Impugnante considerou como gasto do período o valor da base tributável constantes das seguintes faturas timbradas em nome de TJ..., todas mencionando a aquisição de quantidades de cortiça:
Fatura n.ºDataValor
(base tributável)
IVA
79627-02-2013810,00186,30
80202-04-2013810,00186,30
80305-04-2013807,00185,61
80414-04-2013810,00186,30
80517-04-2013810,00186,30
82114-06-2013810,00186,30
82217-06-2013810,00186,30
82303-07-2013810,00186,30
82405-07-2013810,00186,30
– cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, de fls. 253 a 257 do sitaf;
3. Durante o ano de 2013, a Impugnante considerou como gasto do período o valor da base tributável constantes das seguintes faturas timbradas em nome da sociedade B..., Lda, todas mencionando a aquisição de quantidades de cortiça:
Fatura n.ºDataValor
(base tributável)
IVA
49522-03-2013700,00161,00
50027-03-2013740,00170,20
52410-05-2013750,00172,50
52613-05-2013814,00187,22
53824-05-2013770,00177,10
54028-05-2013792,00182,16
54806-06-2013814,00187,22
55112-06-2013792,00182,16
55920-06-2013748,00172,04
56325-06-2013770,00177,10
57310-06-2013748,00172,04
57512-06-2013792,00182,16
59604-11-2013792,00182,16
60011-11-2013814,00187,22
60316-11-2013792,00182,16
60720-11-2013770,00177,10
61123-11-2013814,00187,22
61326-11-2013792,00182,16
62203-10-2013814,00187,22
62504-10-2013792,00182,16
62708-10-2013792,00182,16
63110-10-2013792,00182,16
63311-10-2013814,00187,22
63515-10-2013814,00187,22
63718-10-2013814,00187,22
63921-10-2013792,00182,16
64525-10-2013814,00187,22
64828-10-2013792,00182,16
65601-11-2013792,00182,16
66011-11-2013814,00187,22
66413-11-2013814,00187,22
66715-11-2013792,00182,16
66918-11-2013792,00182,16
67120-11-2013814,00187,22
69004-12-2013814,00187,22
69209-12-2013792,00182,16
69612-12-2013792,00182,16
– cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, de fls. 258 a 295 do sitaf;
4. Durante o ano de 2013, a Impugnante considerou como gasto do período o valor da base tributável constantes das seguintes faturas timbradas em nome de BB..., todas mencionando a aquisição de quantidades de cortiça:
Fatura n.ºDataValor
(base tributável)
IVA
30711-10-2013795,00182,85
30817-10-2013810,00186,30
30925-10-2013795,00182,85
31007-11-2013795,00182,85
31115-11-2013810,00186,30
31227-11-2013795,00182,85
31327-11-2013795,00182,85
31428-11-2013810,00186,30
31529-11-2013795,00182,85
31604-12-2013795,00182,85
31710-12-2013810,00186,30
31816-12-2013795,00182,85
31920-12-2013795,00182,85
32023-12-2013810,00186,30
32126-12-2013795,00182,85
32227-12-2013810,00186,30
32330-12-2013795,00182,85
– cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, de fls. 296 a 304 do sitaf;
5. Foram preenchidos os seguintes Recibos, timbrados em nome de TJ... e emitidos à Impugnante: n.ºs ...96, ...02, ...03, ...04, ...05, ...21, ...22, ...23 e ...24 – cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, a fls. 22 a 30 do sitaf;
6. Foram preenchidos os seguintes Recibos, timbrados em nome de B..., Lda. e emitidos à Impugnante: n.ºs ...70, ...78, ...80, ...85, ...86, ...90, ...92, ...97, ...99, ...04, ...07, ...20, ...21, ...24, ...25, ...27, ...29, ...33, ...35, ...36, ...37, ...38, ...40, ...41, ...42, ...44, ...45, ...51, ...52, ...54, ...55, ...59, ...60, ...65, ...66 e ...68 – cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, a fls. 31 a 66 do sitaf;
7. Foram preenchidos os seguintes Recibos, timbrados em nome de BB... e emitidos à Impugnante: n.ºs ...07, ...08, ...09, ...10, ...11, ...12, ...13, ...14, ...15, ...16, ...17, ...18, ...19, ...20, ...21, ...22 e ...23 – cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, a fls. 67 a 83 do sitaf;
8. Ao abrigo das Ordens de Serviço ...96 e ...51, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Aveiro realizaram uma ação inspetiva à Impugnante, de carácter externo e âmbito geral aos anos de 2013 e 2014 – cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, a fls. 1, 6 e 378 a 383 do sitaf;
9. No âmbito do procedimento inspetivo, e com data de 06.06.2017, foi elaborado “Termo de Declarações” da Impugnante e de seu marido com o seguinte teor:
“[...]
1) Foi solicitado ao sujeito passivo AA que descrevesse em que é que consistiu, nos anos de 2013 e 2014, a atividade pela qual esteve coletada, tendo declarado que tinha comércio de cortiça e rolhas, bem como produção de rolhas. Acrescentou ainda que as suas funções consistiam no apoio administrativo, bem como da produção (designadamente escolha, brocagem - pouco).
Nesta parte interveio RJ..., esclarecendo que ele próprio trabalhou nesses anos a tempo inteiro nessa atividade, cabendo-lhe a área produtiva, bem como de todas as compras e venda da atividade, tendo o mesmo confirmado as declarações da sua esposa.
2) Foi solicitado ao sujeito passivo AA e RJ... que identificassem o local onde exerceu, em 2013 e 2014, essa atividade, tendo declarado que exerceu em Rua (…), único local onde armazenavam a cortiça, rolhas e faziam a produção.
3) Foi solicitado ao sujeito passivo AA que identificasse as máquinas e funcionários que dispunha, em 2013 e 2014, para o exercício dessa atividade, tendo referido que eram máquinas de uma empresa antiga do seu sogro de nome D..., Lda.
4) Foi solicitado ao SP AA que explicasse o motivo pelo qual aparece como local de descarga de alguns bens adquiridos a Rua (…), situação que também sucede relativamente a alguns documentos de venda, tendo declarado que se tratava de uma loja afeta à restauração, pertença do seu sogro, onde anteriormente exerceram atividade de hotelaria. Mais esclarece que naquele local nunca foi exercida atividade relacionada com cortiça.
5) Foi solicitado ao SP AA que explicasse o motivo pelo qual aparece como local de carga de alguns bens vendidos a localidade de Fiães, tendo declarado que deverá ser as instalações das E..., Lda, local onde faziam a cozedura das cortiças.
6) Foi o SP AA e RJ... questionados sobre se conhece TJ..., residente em ... e, em caso afirmativo, convidado a descrever o mesmo (em termos de idade e fisionomia) e a informar o que lhe comprou, como o contatava, se e onde este tinha estaleiro quais os bens que lhe adquiriu e como os mesmos eram transportados e pagos, tendo RJ... declarado que se trata de um indivíduo que aparente mais de 40 anos. Referiu ainda que, presentemente, não dispõe de qualquer contacto do mesmo, e que o conheceu na área do Montijo, na altura porque viu uma pilha de cortiça à venda à beira da estrada. Nessa primeira viagem após concretizar o negócio transportou a cortiça numa viatura sua de marca Mitsubishi. As compras posteriores foram efetuadas nos mesmos moldes, isto é, umas vezes o Sr. TJ... ligava-lhe a dizer que tinha cortiça para vender, outras vezes ia lá baixo e fazia o negócio. Concretizado o negócio, carregava a cortiça e trazia para cima.
7) Ainda relativamente a TJ... foi o sujeito passivo RJ... questionado sobre que tipos de documentos de transporte acompanharam as alegadas compras (fatura, guia de remessa, etc), bem como era feito o seu pagamento, tendo declarado que a cortiça era acompanhada apenas pelas faturas emitidas pelo Sr. TJ..., não sendo emitido qualquer outro documento de transporte para além deste. Quanto ao pagamento, era feito sempre em numerário.
8) Foi o SP RJ... questionado sobre se conhece a empresa B..., Lda e, em caso afirmativo, convidado a descrever designadamente, a forma como tomou conhecimento da mesma, pessoa habitualmente contactada, local das instalações, contacto telefónico, funcionários, quais os bens que lhe adquiriu e como os mesmos eram transportados e pagos, etc, tendo declarado que julga ser uma empresa do Sr. N..., o qual trabalhava perto da CC--- II em Santa Maria de Lamas. Acrescentou que o pagamento era feito numerário, sendo essa a modalidade de pagamento que habitualmente utiliza, tendo a sua esposa confirmado estes factos.
9) Ainda relativamente a B..., Lda foi o sujeito passivo RJ... questionado sobre que tipos de documentos de transporte acompanharam as alegadas compras (fatura, guia de remessa, etc), tendo declarado que, tratando-se de uma empresa do Sr. N..., como julga, o transporte era feito sempre por este. Os documentos que tem são os que estão arquivados na contabilidade.
10) Foi o SP RJ... questionado sobre se conhece BB... e, em caso afirmativo, convidado a descrever o mesmo (em termos de idade e fisionomia) e a informar o que lhe comprou, como o contatava, se e onde este tinha estaleiro, quais os bens que lhe adquiriu e como os mesmos eram transportados e pagos, tendo declarado que se trata de uma pessoa, com cerca de 60 anos, que lhe aparecia a vender rolhas. Nessas alturas, o Sr. BB… trazia algumas rolhas para amostragem e caso se confirmasse o negócio, emprestava-lhe uma carrinha para este trazer as rolhas, sendo que era o declarante que assumia o custo do combustível. Não faz ideia sobre se este as produzia, ou as comprava. Acrescentou que o pagamento era feito numerário, sempre no momento da entrega da mercadoria, sendo essa a modalidade de pagamento que habitualmente utiliza, tendo a sua esposa confirmado estes factos.
11) Ainda relativamente a BB... foi o sujeito passivo RJ... questionado sobre que tipos de documentos de transporte acompanharam as alegadas compras (fatura, guia de remessa, etc), tendo declarado que neste momento desconhece se era emitido documento de transporte, para além da própria fatura, sendo que o seu procedimento habitual é entregar todos os documentos na contabilidade.
[...]”
– cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 339/340 do sitaf;
10. Mediante comunicação assinada pela própria em 06.06.2017, foi a Impugnante interpelada para, no prazo de 10 dias, remeter aos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Aveiro os seguintes elementos/esclarecimentos:
“[...]
1. Encontram-se contabilizadas na escrita dos anos de 2013 e 2014 diversas faturas emitidas por:
TJ... [...]
B..., Lda [...]
BB... [...]
No seguimento de diversas diligências efetuadas pela Inspeção Tributária, quer no decurso da presente ação inspetiva quer em outras realizadas a outros sujeitos passivos (umas já concluídas e outras que se encontram atualmente em fase de conclusão), foram recolhidos uma série de fortíssimos indícios de que as aludidas faturas são falsas, isto é, são faturas em que parte ou a totalidade dos elementos aí mencionados [...] não correspondem à verdade, designadamente. tendo em conta a não comprovação dos pagamentos de tais transações e dos respetivos transportes, bem como a inexistência de estrutura empresarial e de capacidade financeira do(s) alegado(s) fornecedor(es).
Assim e uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) reuniu uma série de indícios suscetíveis de abalar a presunção de veracidade das operações em causa, cabe ao sujeito passivo utilizador das faturas em causa, nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT, o ónus da prova da veracidade das operações [...] pelo que deverá V.ª Ex.ª, no prazo máximo acima estabelecido, identificar os reais fornecedores dos bens que são referidos nas faturas anteriormente identificadas e emitidas em nome das duas entidades acima identificadas, enviando os seguintes elementos/esclarecimentos:
(1) - Identificação das pessoas intervenientes nos negócios [...]
(2) - Fotocópia dos meios de pagamento utilizados
(3) - Identificação do transportador, respetivas viaturas e esclarecer quem suportou o custo de transporte;
(4) - Esclarecer os locais de carga e descarga, remetendo, caso existam, fotocópias dos registos das pesagens;
(5) - Outros elementos que comprovem, conjuntamente com os anteriores, a efetiva compra aos reais fornecedores, sob pena de as mesmas não serem consideradas como gasto dos exercícios [...].”
– cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 342/343 do sitaf;
11. Na sequência, a Impugnante remeteu resposta escrita com o seguinte teor:
“[...]

[...] todas as facturas levadas à minha contabilidade correspondem a transações efectivas, sendo os NIF nelas apostos atribuídos pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Mais, todos os elementos da contabilidade já foram exibidos [...], designadamente os relacionados com a actividade da empresa e dos terceiros com quem esta mantém relações económicas, que os exibirá sempre que para tal for solicitada [...]”
– cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 344 do sitaf;
12. Elaborado o projeto de relatório de inspeção, e na sequência da respetiva notificação, a Impugnante exerceu o direito de audição, mediante exposição escrita – cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, de fls. 349 a 357 e 361 a 371 do sitaf;
13. No Relatório final de Inspeção foram, além do mais, propostas correções à matéria tributável de IRS do ano de 2013, no montante de € 50.142,00 – cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, de fls. 146 a 150 do sitaf;
14. No Relatório de Inspeção, para sustentar as referidas correções, foi expressa a seguinte fundamentação:
“[...]
Nos anos de 2013 e 2014 [...] em sede de IVA [...] no conjunto de 8 trimestres o SP apenas procedeu ao pagamento de 460,37 € no primeiro desses trimestres, mantendo-se depois numa situação de crédito, sendo que na globalidade dos 8 trimestres apurou um crédito de IVA de 3.855,42 €.
Ora, tendo em conta, a inexistência de operações ativas isentas de IVA, designadamente exportações e/ou transmissões intracomunitárias, bem como a baixa materialidade do IVA referente à aquisição de bens do ativo fixo tangível, o qual ascende a 1,074,27 €, tal situação indicia a contabilização de faturas falsas que conferiram uma dedução indevida de IVA (dado que tratando-se de uma atividade de fabricação de rolhas a mesma implica a existência de um elevado valor acrescentado) ou a existência de vendas não declaradas.
[...]
Atendendo aos motivos subjacentes à realização da ação de inspeção, procedeu-se à recolha de todas as compras e vendas declaradas pelo sujeito passivo nos anos de 2013 e 2014 [...] e à análise de toda a documentação de suporte das referidas compras e vendas que se encontra arquivada nas pastas de contabilidade, nomeadamente as faturas, guias de transporte e meios de pagamento.
Da análise efetuada apuraram-se fortes e contundentes indícios da utilização de faturas falsas por parte da empresária em referência que foram relevados como suporte dos seus gastos com compras de cortiça.
[...]
III.2. DOCUMENTOS RELEVADOS NA CONTABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO COM INDÍCIOS DE SE TRATAR DE FATURAS FALSAS
Analisada a contabilidade de ‘AA’, referente aos exercícios de 2013 e 2014, encontraram-se relevados diversos documentos de compra sobre os quais existem fundados indícios de se tratar de faturas falsas, tendo o IVA nelas mencionado sido deduzido pelo sujeito passivo nas declarações periódicas entregues e o respetivo custo influenciado negativamente o apuramento do lucro tributável.
[...]
111.2.1. Faturas timbradas em nome de TJ... [...]
Na contabilidade de AA, encontram-se relevadas 9 faturas timbradas em nome de TJ... [...]
111.2.1.1. Elementos recolhidos na inspeção ao emitente
O sujeito passivo, reside na Rua (…), localidade pertencente à área geográfica da Direção de Finanças de Setúbal.
Este sujeito passivo, foi objeto de inspeção externa [...] pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal para os anos de 2009 e 2010.
Mais tarde, [...] para os anos de 2011 e 2012.
As referidas ações inspetivas decorreram entre 23-10-2013 e 12-03-2014.
Conforme consta do relatório de inspeção efetuado pela Direção de Finanças de Setúbal, o sujeito passivo apenas apresentou a declaração de rendimentos [...] relativamente ao ano de 2012, onde declarou ter auferido rendimentos de trabalho dependente [...]. Em sede de IVA, o sujeito passivo não apresentou nenhuma declaração periódica [...].
Da análise ao relatório produzido pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal resultam diversos factos [...] que indiciam estarmos perante um emitente de faturas falsas, a saber:
» Comprovativo das compras / vendas
“não foram entregues quaisquer documentos contabilísticos, (...), que comprovem o exercício da atividade declarada pelo sujeito passivo;
» Local do exercício da atividade
“Declarou o sujeito passivo, em 28-10-2013, que exerce a sua atividade no local do seu domicilio fiscal, tendo reafirmado este depoimento em 04-03-2014. Contudo, verificou-se que no domicílio fiscal do sujeito passivo, sito na Rua (…), não existem condições do exercício desta atividade, nas quantidades alegadamente praticadas, uma vez que o espaço é diminuto.
Refere-se, ainda, que não se constatou a existência de mercadorias no suposto ‘estaleiro’, sendo que no local apenas se encontrava um amontoado residual de lenha.
Mais, a estrada que conduz à residência do sujeito passivo tem uma dimensão reduzida, sendo impossível a passagem de veículos pesados de mercadorias na mesma’.
» Contas bancárias
‘(...), o sujeito passivo, autorização de acesso a documentos bancários [...].
Através deste acesso, apenas foi possível apurar a existência de duas contas bancárias em nome do sujeito passivo, sendo uma domiciliada na Banco 1..., e, a outra, no Banco 2... S.A (...).
Salienta-se que a conta (...) aberta em 06/02/2007 no Banco 1..., apresenta, em 2009, um saldo negativo, não existindo movimentos que demonstrem que a mesma tenha sido utilizada para o exercício de qualquer atividade neste ano ou nos anos posteriores.
Já a conta (...), com data de abertura a 26-07-2012, patenteia a existência de saldo positivo sem que este demonstre que a mesma era utilizada no âmbito da sua atividade, uma vez que os valores de depósitos/levantamentos são relativamente baixos e não espelham o pagamento da faturação, alegadamente emitida pelo sujeito passivo.’
» Faturas emitidas pelo sujeito passivo
Uma vez que o sujeito passivo não procedeu à exibição de um único documento contabilístico e fiscal, os serviços de inspeção da DF de Setúbal procederam à notificação dos seus alegados clientes, tendo por base a informação constante dos anexos P da declaração anual. Dessa forma, foi identificado um vasto conjunto de faturas, cujos montantes globais apurados ascendem a mais de 6 milhões de euros [...]
[...]
Ou seja, os montantes envolvidos apresentam uma elevada materialidade exigindo a existência de uma estrutura empresarial associada à mesma, situação que, de acordo com o relatado pelos Serviços de Inspeção de Setúbal, em nenhuma altura ficou demonstrado, ou sequer indiciado, uma vez que não se apurou que o sujeito passivo fizesse compras compatíveis com o volume de faturação, nem se lhe conheceram funcionários ou subcontratados que lhe permitissem realizar os trabalhos que faturou.
Importa referir que este enorme valor de faturação emitida por TJ... tomará, com certeza, contornos ainda mais relevantes pelo facto de não contemplarem (por serem desconhecidos) valores constantes de 245 faturas que, naquela data ainda não tinham sido detetadas pelos Serviços de Inspeção Tributária.
Para além deste facto, a circularização destes alegados clientes permitiu constatar que são debitados valores referentes aos mais variados bens / serviços (sendo que alguns dos alegados clientes não apresentaram cópia das faturas em causa), a saber:
Toros de pinho;
Eucaliptos;
Chopo;
Faxina de pinho e eucalipto;
Cortiça (amadia, em fardos e bocados);
Pinhas;
Amêijoa japónica;
Máquinas (grua, charrua, sachador, semeador e reboque)
serviços prestados (apanha de pinhas);
serviços prestados (plantação de eucaliptos);
serviços prestados (de corte de árvores e milho);
serviços prestados (armação de vinhas, montagem de postes e arames na vinha e poda);
serviços prestados (apanha de azeitonas);
serviços prestados (vindima);
serviços prestados (retancha);
serviços prestados (limpeza de matos);
serviços prestados (trabalho de trator);
serviços prestados (extração de cortiça)
Ou seja, estamos aparentemente perante um verdadeiro Hipermercado, ou mesmo Megamercado, mas a verdade é que ninguém reconhece ao sujeito passivo qualquer instalação que lhe permita desenvolver uma atividade desta envergadura. De igual modo não lhe são conhecidos fornecedores, nem funcionários, nem subcontratados.
Da leitura do relatório produzido pelos inspetores da D.F. de Setúbal merece especial referência os seguintes factos referentes às várias vertentes analisadas:
» Pagamentos
Um dos principais ‘clientes’ (aqui designado por A.O.M., para efeitos de cumprimento do sigilo fiscal) justificou os pagamentos das alegadas compras através de cheques levantados ao balcão por si próprio e pela sua esposa, uma vez que ‘este lhe pediu como favor o levantamento desses cheques’, tendo sido referido pelo declarante que o Sr. TJ... ‘não possuía conta que lhe permitisse efetuar esses depósitos/levantamentos’. Refira-se que situação idêntica se apurou noutras situações, isto é, levantamento dos cheques por pessoas relacionadas com o emitente dos cheques, alegadamente a pedido do Sr. TJ....
Um outro ‘cliente’ com ‘transações’ de valor relevante, que se dedica ao comércio de madeiras no distrito de Aveiro, alegou que a grande maioria dos pagamentos era feito com cheque emitido à ordem do TJ....
Contudo, os serviços de inspeção tributária de Setúbal apuraram que nenhum desses cheques foi depositado em contas bancárias do TJ…, tendo, na verdade, os mesmos sido endossados e, na sua maioria, levantados ao balcão por terceiros.
Esta mesma situação ocorre relativamente aos alegados pagamentos de um outro importante ‘cliente’ (A.S.A.M) do TJ..., o qual comercializa madeira.
Merece ainda referência que outro importante ‘cliente’, com compras de cortiça superiores a 800.000 €, justificou o pagamento de ‘58,73% da faturação’ através de cheques que vieram os Serviços de Inspeção Tributária de Setúbal a constatar ‘que foram os mesmos levantados ao balcão pelo sujeito passivo, sendo que, uma vez que não se verificou o depósito dos mesmos, não é possível aferir o seu destinatário final com toda a certeza, não ficando provado, que o sujeito passivo se apresenta como o efetivo fornecedor das mercadorias identificadas nas faturas acima descritas’
Em muitas outras situações, não foi apresentado qualquer comprovativo de pagamento, tendo sido alegado o pagamento em numerário, pese embora o elevado valor de muitas das faturas em causa, destacando-se neste capítulo um alegado cliente (D.V.E.F.) que alega ter pago cerca de 500.000 € em numerário.
» Transportes
O cliente (A.O.M) referido no início do ponto anterior alegou que os transportes tinham sido efetuados através de viaturas suas.
Aliás, este facto é alegado pela maioria dos ‘clientes’ circularizados, não sendo possível assim aferir da efetiva existência dos necessários transportes.
Quando assim não é, como sucede, por exemplo, no caso do ‘cliente’ (A.S.A.M), o transporte é justificado com viaturas pertencentes a outros sujeitos passivos.
Nas (poucas) situações em que intervêm empresas de transporte, verifica-se que tal serviço foi sempre contratado pelo ‘clientes’ e nunca pelo TJ....
Assim, tendo em conta todos os factos apurados e atrás resumidamente apresentados, os ... caraterizam a alegada atividade do TJ... do seguinte modo:
‘(...) o sujeito passivo, TJ..., declarou o exercício de ‘Atividades e Serviços Relacionados com a Silvicultura e Exploração Florestal’ a que corresponde o CAE 002400, com inicio em 17-07-2007. Todavia, ao verificar a substância das alegadas relações negociais do sujeito passivo foram verificadas inúmeras incongruências, que conduzem à crença fundamentada de que as operações declaradas pelos seus clientes, e que supostamente teriam sido realizadas pelo sujeito passivo, não podem ser reais, conforme os fundamentos subsequentes.
Quando notificado para proceder à organização da sua escrita [...] e à sua posterior apresentação, não veio o sujeito passivo cumprir com esta obrigação. Para além disso, verificou-se uma extrema indisponibilidade, por parte do mesmo, em fornecer os esclarecimentos necessários para o apuramento da sua situação contributiva.
Em primeiro lugar cumpre indicar que não existe qualquer indicio de compras realizadas pelo sujeito passivo, primeiramente porque este se recusou a apresentar qualquer documento comprovativo das mesmas e, posteriormente, porque não existem registos de fornecedores declarados nos sistemas informáticos que se encontram ao dispor da Administração Fiscal, pelo que nenhuma entidade, singular ou coletiva, veio declarar ter realizado vendas ao sujeito passivo.
Ainda assim veio o sujeito passivo, em 28-10-2013, alegar que ‘todos os produtos vendidos por si são obtidos através de aquisição de fornecedores, (...) pois não detém nenhuma propriedade com recursos naturais’ (...)
Ora, como pode o sujeito passivo desconhecer os seus fornecedores? Não será de estranhar o facto de que quando inquirido sobre os mesmos venha o sujeito passivo indicar o nome de contribuintes que não se reconhecem, contabilisticamente e/ou através de declarações prestadas, como seus fornecedores? Para além disso como será possível que não existam quaisquer indicativos de fornecimentos efetuados ao sujeito passivo por parte destes ou de outros contribuintes? A estas lacunas acresce o facto das mercadorias, alegadamente comercializadas pelo sujeito passivo, serem transacionadas em quantidades avultadas, pelo que não se mostra possível que o sujeito passivo venha a adquirir as mesmas através de pequenos fornecimentos, inferiores ao limite legislativamente estipulado para a sua declaração, pois, caso o fizesse a sua dimensão seria incomportável.
Deste modo, verifica-se a inexistência quer de produção própria, uma vez que é o próprio sujeito passivo que afirma que não possui quaisquer recursos naturais, quer de obtenção de mercadorias através de fornecedores externos, motivo pelo qual não se mostra possível que o sujeito passivo seja o real fornecedor destes bens.
No que concerne às prestações de serviços alegadamente fornecidas pelo sujeito passivo, cumpre indicar que não existe qualquer evidencia de que o sujeito passivo possua, a seu cargo, trabalhadores, sendo que desconhece o organismo da Segurança Social a inscrição dos mesmos (...).
Por outro lado, não veio TJ... apresentar quaisquer documentos contabilísticos, que documentem que mantém, ao seu serviço, quaisquer trabalhadores ou que subcontrata a outrem os serviços por si faturados.
Ora, se trabalha o sujeito passivo sozinho, como é possível que o mesmo possa ter realizado os serviços descritos ao longo do presente relatório, uma vez que se mostra virtualmente impossível que apenas um indivíduo tenha capacidade para a realização dos mesmos?
A respeito da estrutura laboral/negocial do sujeito passivo cumpre, ainda, indicar que as diligências realizadas com o objetivo de aferir a existência de seguros de acidentes de trabalho não demonstraram a existência de contratos de seguro outorgados pelo sujeito passivo, que visassem a proteção de eventuais trabalhadores.
Deste modo, ainda que TJ... tenha indicado que ‘normalmente contratava as companhias M--- ou S---’, quando contactadas telefonicamente estas companhias de seguros, foi a Administração Fiscal informada que apenas na M--- (anteriormente designada por S---) existia registo de um contrato de seguro, sendo que este contrato era um contrato pessoal e não possuía qualquer relação com a atividade alegadamente praticada pelo sujeito passivo. [...]
(...)
Ora, já tendo em conta os dados ao dispor da Administração Fiscal, que demonstram que o sujeito passivo faturou um valor total de cerca de 6.304.437,00€ durante os quatro exercidos (o que dá uma média de 1.500.000,00€/ ano), o volume de negócios de TJ... mostra-se opulento, se a estes dados acrescermos o valor que presumivelmente o sujeito passivo faturou, no decorrer dos exercícios em análise, este volume de negócios torna-se colossal, especialmente tendo em conta a sua falta de estrutura.
Deste modo, verifica-se uma enorme discrepância entre os dados apresentados, se por um lado se demonstra que o sujeito passivo não possui estrutura laboral/negocial que lhe permita a efetivação dos negócios descritos ao longo do presente relatório, por outro lado a faturação alegadamente emitida por este é vasta.
(...)
Por outro lado, salienta-se que apenas foi possível apurar a existência de 2 contas bancárias tituladas pelo sujeito passivo, sendo, uma delas, domiciliada no Banco 1..., e, a outra, no Banco 2... S.A [...].
A conta n.º (...), aberta em 06/02/2007 no Banco 1..., apresenta um saldo negativo, não existindo movimentos que demonstrem que a mesma tenha sido utilizada para
exercício de qualquer atividade.
Já a conta n.º (...), com data de abertura a 26-07-2012, patenteia a existência de saldo positivo sem que este demonstre que a mesma era utilizada no âmbito da sua atividade, uma vez que os valores de depósitos/levantamentos são relativamente pequenos e não espelham a faturação alegadamente emitida pelo sujeito passivo.
Ainda nos clientes que demonstram a emissão de cheques, alegadamente emitidos para
pagamento das faturas do sujeito passivo, a verdade é que se demonstrou, ao longo do presente relatório, que na sua maioria são os mesmos levantados ao balcão, quer pelo sujeito passivo, quer por outrem, motivo pelo qual são estes pagamentos equiparados, em termos de força probatória, aos pagamentos em numerário, uma vez que não é possível apurar o seu verdadeiro destinatário.
Outra factualidade patente na emissão dos cheques prende-se com a verificação de que
fluxo financeiro não segue o alegado fluxo negocial, uma vez que os montantes supostamente pagos ao sujeito passivo acabam por ser levantados/depositados nas contas dos próprios clientes ou de entidades singulares consigo relacionadas, tais como, os sócios-gerentes, familiares dos sócios-gerentes, etc.
(...)
Assim, tendo em conta todos os factos apurados, quer junto do TJ..., quer junto dos seus principais ‘clientes’ conclui a inspeção ...:
‘Em face dos elementos descritos, verifica-se estarmos perante factos que comprovam que as faturas emitidas por TJ... não correspondem a transações efetivamente realizadas entre as partes.
Consequentemente, também não representam encargos reais suportados pelos destinatários das mesmas, sendo de realçar os seguintes aspectos:
- O facto do sujeito passivo não evidenciar estrutura para o exercício do negócio de compra e venda de cortiça, pinhas, madeiras e prestações de serviços, situação corroborada pela ausência de quaisquer instalações, equipamentos ou funcionários registados;
- O facto do sujeito passivo não possuir quaisquer valores de compras daqueles produtos que justifiquem os montantes faturados;
- O facto de não existirem contas bancárias tituladas pelo sujeito passivo que evidenciem os fluxos financeiros inerentes ao negócio refletido nas faturas emitidas;
Em súmula, conforme os factos e fundamentos acima descritos, desacredita a Administração as faturas emitidas pelo sujeito passivo, uma vez que considera as mesmas falsas [...].’
III.2.1.2. Elementos recolhidos na inspeção à AA
[...]
III.2.1.2.1. Análise à caligrafia
[...] estamos perante faturas manuscritas. Uma análise empírica da caligrafia de preenchimento das mesmas, parece evidenciar que não foram todas preenchidas pela mão da mesma pessoa, situação que levanta ainda mais suspeitas acerca da legitimidade das mesmas, dado que não é conhecido nenhum funcionário ao SP. [...]
Outro facto, ainda mais anómalo, é que as próprias assinaturas/rúbricas parecem, em alguns casos, divergir entre si. [...]
III. 2.1.2.2. Quanto às mercadorias e seu transporte
Na contabilidade de AA não se encontram arquivados quaisquer guias de remessa justificativas do transporte dos bens em causa [...]. Assim, não há qualquer indício da ocorrência dos transportes indispensáveis às alegadas transações comerciais (compras de cortiça).
Por esse facto, foi o SP AA e marido RJ... (dado que, como veremos adiante, ambos trabalham em exclusivo na atividade pela qual a primeira se encontra coletada) questionados sobre ‘que tipos de documentos de transporte acompanharam as alegadas compras (fatura, guia de remessa, etc), tendo declarado que a cortiça era acompanhada apenas pelas faturas emitidas pelo Sr. TJ..., não sendo emitido qualquer outro documento de transporte’ [...]. Para além disso, descreveram que as alegadas transações tinham ocorrido do seguinte modo:
Referiu ainda que, presentemente, não dispõe de qualquer contacto do mesmo, e que o conheceu na área do Montijo, na altura porque viu uma pilha de cortiça à venda à beira da estrada. Nessa primeira viagem após concretizar o negócio transportou a cortiça, numa viatura sua de marca Mitsubish. As compras posteriores foram efetuadas nos mesmos moldes, isto é, uma vezes o Sr. TJ... ligava-lhe a dizer que tinha cortiça para vender, outras vezes ia lá baixo e fazia o negócio. Concretizado o negócio, carregava a cortiça e trazia-a para cima.
Ou seja, é alegado que os transportes eram efetuados pelo adquirente utilizado para
esse efeito uma viatura de marca Mitsubishi, pertença do casal AA / RJ... e entretanto vendida.
No intuito de testar o alegado, designadamente a capacidade de carga dessa viatura, efetuou-se uma análise à base de dados da AT, para identificar a viatura em questão, tendo-se apurado que a única viatura detida, nos últimos anos, pelo casal da marca Mitsubishi é uma Canter, a qual deixou de lhes pertencer em 7-8-2013, de matrícula (…) [...]
Trata-se, portanto, de uma viatura que tinha capacidade para transportar maior quantidade de cortiça, do que a que consta das faturas em causa, não havendo, portanto, justificação para cargas tão diminutas.
Para além dos factos atrás referidos, importa ainda referir neste capítulo a questão relacionada com a distância geográfica entre alegado comprador e vendedor.
Considerando que a morada fiscal (e local onde era exercida a atividade) de AA se localiza na Rua (…) e, que TJ... tem morada fiscal na Rua (...) (sendo que AA e marido declararam [...] que se deslocavam à zona do Montijo para efetuar os alegados negócios), entre ambas as moradas existe uma distancia de ida e volta de aproximadamente 636 km [...].
Tendo em conta os factos apresentados podemos verificar que a terem sido realizados os referidos transportes cada um teria um custo mínimo de aproximadamente 145 €, considerando para cálculo deste valor cerca de 80 € de portagens e 65 € de gasóleo, tomando por referência o preço de gasóleo praticado no 4.º trimestre de 2013 (cerca de 1,41 €/ lt) e um consumo medio de 7 litros aos 100Km (ou seja, considerando um gasto de 45 litros de gasóleo para fazer os 636 kms).
Custo esse incompatível com os valores apresentados nas faturas, pois as mesmas têm um valor médio de 809,67€, considerando-se assim que só o custo do transporte corresponderia a 16,86 % do valor da fatura, o que não justificaria a aquisição do produto numa localidade tão longínqua (para quantidades tão pequenas).
[...]
III. 2.1.2.3. Quanto ao pagamento
No que respeita ao comprovativo do pagamento das faturas agora em análise, verificou-se que, de acordo com os registos contabilísticos, todas foram pagas em numerário [...]
Ora, estes alegados pagamentos em numerário, merecem diversas considerações.
É verdade que a lei proíbe pagamentos em numerário apenas para transações superiores a 1.000 euros [...].
É também verdade que todas as faturas em referência têm valor inferior a 1.000 € [...].
Ora, aparentemente não há qualquer anomalia. Contudo, pela análise á contabilidade, apurou-se que é prática do SP AA, efetuar os pagamentos por cheque, independentemente do seu valor.
De facto, existem na contabilidade, diversos pagamentos com valores muito inferiores ao das faturas de TJ... que foram pagos por cheque [...]
Ou seja, o que se pretende demonstrar é que pela análise da contabilidade se constata que o procedimento habitual é o pagamento por intermédio de cheque. Contudo, no caso do ‘fornecedor’ TJ... (bem como dos outros dois ‘fornecedores’ indiciados como emitentes de faturas falsas) todas as faturas foram pagas em numerário, situação que, além de não ser prática normal por parte do sujeito passivo, nada contribui para a comprovação da efetiva ocorrência de tais negócios. Refira-se, ainda, que em Termo de Declarações [...], RJ... justificou os alegados pagamentos em numerário como ‘sendo essa a modalidade de pagamento que habitualmente utiliza, tendo a sua esposa confirmado estes factos’, situação que, como vimos, a contabilidade desmente.
Mas não é só neste aspeto que os pormenores dos alegados pagamentos a TJ... divergem do que é um comportamento padrão do sujeito passivo. De facto, procedeu-se ao controlo do prazo médio de pagamento ao ‘fornecedor’ TJ..., tendo-se constatado [...] que as faturas são todas pagas sem qualquer diferimento temporal, isto é, são pagas a pronto de pagamento [...]
Ou seja, constata-se que o pagamento é efetuado no próprio dia, no ato da suposta compra.
Contudo, analisadas as contas correntes de outros fornecedores sobre os quais não impedem quaisquer suspeitas, verifica-se não ser este o procedimento habitual do sujeito passivo [...]
Assim, este constitui mais um fundamento da falta de veracidade das faturas em análise.
III.2,1.2.4. Obtenção de esclarecimentos junto da gerência da ‘AA’
Tendo em conta o rol de indícios de falsidade que pendiam sobre as faturas em análise, fruto quer das investigações feitas pela DF de Setúbal, quer da análise à contabilidade da própria AA, foi o SP ouvido em termo de declarações no dia 6-6-2016, a fim de fornecer elementos que indiciassem o contrário.
Deste modo, foram por si prestados os seguintes esclarecimentos [...]:
1) Foi solicitado ao sujeito passivo AA que descrevesse em que é que consistiu, nos anos de 2013 e 2014, a atividade pela qual esteve coletada, tendo declarado que tinha comércio de cortiça e rolhas, bem como produção de rolhas. Acrescentou ainda que as suas funções consistiam no apoio administrativo, bem como da produção (designadamente escolha, brocagem - pouco).
Nesta parte interveio RJ..., esclarecendo que ele próprio trabalhou nesses anos a tempo inteiro nessa atividade, cabendo-lhe a área produtiva, bem como de todas as compras e venda da atividade, tendo o mesmo confirmado as declarações da sua esposa.
Tendo em conta o facto de ter sido referido pelo casal que ambos trabalhavam a tempo inteiro na atividade em análise, as questões sobre o exercício dessa atividade foram apresentadas a ambos.
6) Foi o SP AA e RJ... questionados sobre se conhece TJ..., residente em ... e, em caso afirmativo, convidado a descrever o mesmo (em termos de idade e fisionomia) e a informar o que lhe comprou, como o contatava, se e onde este tinha estaleiro, quais os bens que lhe adquiriu e como os mesmos eram transportados e pagos, tendo RJ... declarado que se trata de um indivíduo que aparente mais de 40 anos. Referiu ainda que, presentemente, não dispõe de qualquer contacto do mesmo, e que o conheceu na área do Montijo, na altura porque viu uma pilha de cortiça à venda à beira da estrada. Nessa primeira viagem após concretizar o negócio transportou a cortiça, numa viatura sua de marca Mitsubishi. As compras posteriores foram efetuadas nos mesmos moldes, isto é, uma vezes o Sr. TJ... ligava-lhe a dizer que tinha cortiça para vender, outras vezes ia lá baixo e fazia o negócio. Concretizado o negócio, carregava a cortiça e trazia para cima.
7) Ainda relativamente a TJ... foi o sujeito passivo RJ... questionado sobre que tipos de documentos de transporte acompanharam as alegadas compras (fatura, guia de remessa, etc), bem como era feito o seu pagamento, tendo declarado que a cortiça era acompanhada apenas pelas faturas emitidas pelo Sr. TJ..., não sendo emitido qualquer outro documento de transporte para além deste. Quanto ao pagamento, era feito sempre em numerário.
Ora o que resulta daqui é que os sujeitos passivos não são capazes de apresentar nenhum pormenor sobre o negócio (alega que viu a cortiça ‘à beira da estrada’, não identificando nenhum estaleiro, alega que contatava e era contatado por telefone, mas não apresenta o número de telefone em causa, nem documentos comprovativos – fatura de telecomunicações – a atestar tais telefonemas, alega que se deslocava ao ‘Montijo’, mas não apresenta documentos comprovativos (combustível, almoços, portagens, etc) e inclusivamente denota nem sequer conhecer o aludido TJ..., uma vez que refere que este tem cerca de 40 anos, quando, na verdade este tem atualmente 28 anos, ou seja, na data das alegadas transações este tinha 25 anos.
Conclui-se, assim, os esclarecimentos prestados pelo alegado comprador, não só não afastam os claros indícios de falsidade que impendem sobre as faturas em referência, como, inclusivamente, os reforçam tendo em conta as contradições apontadas e a falta de conhecimento patenteada.
Não obstante, e na procura da verdade material dos factos, procedeu-se, no dia 6 de junho de 2017 à notificação do SP [...] para apresentar esclarecimentos adicionais acerca das alegadas transações [...]
Contudo, pese embora, por um lado, tenha o sujeito passivo sido confrontado com a existência de fortes indícios de falsidade que impendiam sobre as faturas em análise, e, por outro lado, não tenha conseguido apresentar qualquer pormenor mínimo demonstrativo da efetiva realização das operações em causa [...], ao fim de 12 dias este limitou-se a responder [...]:

Face ao teor da notificação, importa referir que todas as facturas levadas à minha contabilidade correspondem a transacções efectivas, sendo os NIF nelas apostos atribuídos pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Mais todos os elementos da contabilidade já foram exibidos a V Exas. designadamente os relacionados com a actividade da empresa e dos terceiros com quem esta mantém relações económicas, que os exibirá sempre que para tal for solicitada [...]
Ou seja, mesmo após a notificação o SP não consegue apresentar qualquer pormenor que indicie a efetiva realização das operações.
III.2.1.2.5. Controlo à produção
Para além de tudo o que foi anteriormente descrito, que indicia de que estamos perante faturas falsas, importa ainda referir que foi feito um controlo à produção do SP [...] no âmbito da qual se apurou terem sido contabilizadas compras que tendo em conta as vendas declaradas não se mostram necessárias.
De facto, e no que ao ano de 2013 diz respeito, apurou-se que, tendo em conta a variação de stocks e as vendas registadas, as compras de cortiça necessárias ascendia a 60.637,18 kgs, quando se encontram registadas compras de 81.990,94 kgs, o que representa em excesso superior a 25% de compras registadas, face às necessidades.
III. 2.1.2.6. Outros factos
III.2.1.2.6.1 - IVA Apurado
Conforme já foi anteriormente referido, no conjunto de 8 trimestres em análise, o SP apenas procedeu ao pagamento de 460,37 € no primeiro desses trimestres, mantendo-se depois numa situação de crédito, sendo que na globalidade dos 8 trimestres apurou um crédito de IVA de 3.855,42 €.
Ora, tendo em conta, a inexistência de operações ativas isentas de IVA, designadamente exportações e/ou transmissões intracomunitárias, bem como a baixa materialidade do IVA referente à aquisição de bens do ativo fixo tangível, o qual ascende a 1.074,27 €, tal situação indicia a contabilização de faturas falsas que conferiram uma dedução indevida de IVA (dado que tratando-se de uma atividade de fabricação de rolhas a mesma implica a existência de um elevado valor acrescentado) ou a existência de vendas não declaradas.
III.2.1.2.6.2 - Omissão de custos
Pese embora estejamos perante uma atividade industrial (fabricação de rolhas de cortiça), não há qualquer custo registado com mão de obra, sendo que os serviços subcontratados não apresentam materialidade [...]
Para além disso, e no que aos ativos fixos tangíveis diz respeito, verifica-se que apenas se encontram registados uma viatura e uma máquina corta-relva.
É pois, por demais evidente, que foram deliberadamente omitidos custos, tendo porventura os pagamentos dos mesmos tido ocorrido através da contabilização de faturas falsas, como é o caso das faturas de TJ..., uma vez que o lucro declarado é diminuto.
III.2.1.3. Conclusões
De acordo com o que ficou referido, ‘TJ...’ não negoceia em cortiça, ou seus derivados, ou em qualquer outro setor de atividade, pese embora a diversidade de bens alegadamente transacionados nas faturas já detetadas pela AT emitidas por ou em nome de ‘TJ...’, situação apenas possível a empresas com uma elevada estrutura a nível de máquinas, pessoal e capacidade financeira [...]
Ou seja, as faturas detetadas indiciam estarmos perante um verdadeiro ‘hipermercado’ que, afinal de contas, ninguém lhe conhece instalações, equipamentos ou funcionários registados.
Trata-se duma empresa ‘fantasma’, criada com o único fim de emitir faturas falsas que foram posteriormente colocadas a circular em outras empresas principalmente dos setores das madeiras, pinhas e cortiça, tendo sido oficiosamente cessada pelos Serviços de Inspeção de Setúbal.
Como tal, a mesma nunca poderia ter vendido a ‘AA’ as mercadorias que constam das referidas faturas.
A análise dos elementos disponíveis na contabilidade de ‘AA’ permite confirmar esses factos, não existindo quaisquer evidências da efetiva realização daqueles negócios. Pois não se consegue fazer prova do pagamento de qualquer valor e não se consegue igualmente fazer prova de como foi transportada a cortiça. Para além disso, ficou indiciado que o SP AA e marido nem sequer conhecem o alegado fornecedor, pois atribuem-lhe cerca de 40 anos, quando este tem 28 anos. De igual modo, pelo controlo à produção, ficará demonstrada a indispensabilidade de tais compras.
Estes elementos permitem concluir que as faturas timbrada em nome da empresa ‘TJ...’ relevadas na contabilidade de ‘AA’ são falsas, não consubstanciando qualquer efetiva transação comercial ocorrida entre esses intervenientes.
III.2.2. Faturas timbradas em nome de B..., Lda. [...]
Na contabilidade de AA, encontram-se relevadas 37 faturas timbradas em nome de B..., Lda---, no valor global de 29.250,00 € (mais IVA) [...]
111.2.2.1. Elementos recolhidos na inspeção ao emitente
A empresa B..., Lda, foi constituída, em dezembro de 2009, tem por objeto social a “Indústria e comércio de cortiças, de materiais de construção, de matérias-primas para indústria de materiais e objetos de cortiça e seus derivados, bem como a sua importação, exportação e representação", apresentando a sua sede na Rua (…).
Tem como sócios:
HA... [...] e DJ... [...].
Aquando da constituição da sociedade, foi nomeado gerente, o sócio HA..., o qual se encontra referenciado como estando, associado à prática de condutas enquadráveis criminalmente como fraude fiscal. De facto, foi verificada a sua participação em operações de emissão e utilização de faturas falsas, nos processos de inquérito n.º ...08... e ...15....
A referida sociedade foi objeto de ação inspetiva [...], com extensão aos anos de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014 [...].
Conforme consta do relatório da inspeção tributária [...], foram ouvidos os seguintes funcionários da B..., Lda---, a saber:
RP... (RP), que ‘Questionado sobre se alguma vez viu nas instalações da sociedade B..., Lda, cortiça adquirida para venda, respondeu que só era vendido, o delgado e, apenas nos anos de 2010 e 2011, nos anos de 2012 a 2014, nunca lá viu ser vendida qualquer quantidade de cortiça.’
MM… (MMPS), que ‘Questionada sobre qual a qualidade da cortiça que era transformada nas instalações do HA..., respondeu que normalmente era cortiça fraca e a quantidade transformada não era em grandes quantidades, continuou dizendo que, enquanto lá trabalhou, nunca lá viu grandes quantidades de cortiça e que nunca escolheu rolhas adquiridas a terceiros, sendo que as que escolheu resultavam da produção diária. Por fim disse que lá trabalhavam dois ou três broquistas e que as rolhas que escolhia eram estes quem as produziam.’
JA… (JA), que ‘Questionado sobre qual a qualidade da cortiça que era transformada nas instalações da sociedade B..., Lda, respondeu que era mais à base de cortiça fraca.
Questionado qual a produção diária de cada broca, respondeu que cada broca produzia diariamente cerca de 10.000 a 12.000, sendo que o único calibre que lá era produzido era o calibre 45x24.
Questionado sobre a produção de apara, respondeu que, por semana era carregado um camião de apara, com cerca de 30 a 40 sacos por semana, sendo que cada saco pesa cerca de 25 a 30 quilos.
Questionado sobre se trabalhava o horário completo, respondeu que sim, durante o período de tempo em que durou o contrato de trabalho, cerca de ano e meio, sendo que antes apenas fazia umas horas.
Questionado sobre se alguma vez viu entrar nas instalações rolhas compradas, respondeu que esporadicamente entravam algumas rolhas mas não eram de grande monta.’ [...]
Note-se que RP... afirma que nunca lá viu ser vendida qualquer quantidade de cortiça. Ora as faturas emitidas pela B..., Lda--- a AA evidenciam 36 vendas ao longo de um período de 9 meses do ano de 2013.
Constam do relatório da inspeção tributária levada a efeito à B..., Lda---, as seguintes conclusões acerca da sua atividade e do seu comportamento tributário:
‘1. A sociedade B..., Lda exerceu, nos anos de 2010 a 2014, uma atividade residual, ao abrigo da qual emitiu faturas muito para além da sua capacidade máxima de produção, sendo que resultou igualmente apurado que a sua atividade meramente comercial era praticamente inexistente.
2. A sociedade B..., Lda é uma sociedade constituída por HA..., o qual em coautoria moral e material com xxxxx [...] implementaram um complexo esquema de utilização e emissão de faturas falsas, em que esta sociedade funcionou uma ‘empresa veículo’ de lavagem de faturas.
3. As sociedades que sob o domínio e controle de xxxxx e HA..., integram o mencionado esquema são xxxxx [...], xxxxx [...] e a mencionada B..., Lda.
A que acresce o seguinte:
‘Atento tudo quanto ficou referido anteriormente, conclui-se que a sociedade B..., Lda integra um complexo esquema de faturação falsa, assumindo um papel claramente dissimulatório de uma realidade tributária efetiva totalmente diferente com aquela que resultou declarada à Autoridade Tributária.
Na verdade, como ficou sobejamente demonstrado, a sociedade B..., Lda, posiciona-se no circuito do mencionado esquema como uma empresa instrumental, que acoberto de uma atividade residual, se permitiu a emitir faturas com quantidades e valores que manifestamente não tinha a possibilidade de fornecer, não só por total ausência de capacidade instalada para tal, mas também porque não comprou as mercadorias e/ou produtos que se encontram titulados pelas faturas emitidas em nome de diversos operadores.
Relativamente aos quais resultaram apurados suficientes e abundantes indícios que os permite qualificar como emitentes de faturação falsa, nos termos anteriormente expostos.
Face à análise desenvolvida e à prova recolhida, fica suficientemente firmado que a sociedade B..., Lda, não tinha condições para fornecer as mercadorias e/ou produtos que as suas faturas visam titular, desde logo em virtude da seguinte factualidade:
a) As instalações onde exerce a atividade caraterizam-se por ser um pavilhão com cerca de 100 m2, e um espaço exterior, a céu aberto, com alguma cortiça armazenada;
b) No local, confirmado pela Inspeção Tributária e pelo mapa de reintegrações que integra a contabilidade da sociedade B..., Lda, encontravam-se, apenas três brocas destinadas ao fabrico de rolhas.
c) Foram inquiridos três funcionários que, assumiram trabalhar, ou ter trabalhado, para a B..., Lda, sendo que um deles, JA..., assumir que apesar do seu salário ser processado como se tivesse trabalhado a tempo parcial, sempre trabalhou com o horário completo, sendo que HA..., impunha aos seus trabalhadores que os descontos salariais fossem efetuados por metade do que era devido;
d) Da análise à contabilidade, confirma-se que os salários dos funcionários da B..., Lda, estão processados como se os mesmos trabalhassem apenas durante metade do horário normal de trabalho, o que manifestamente implica uma omissão aos gastos operacionais associados à atividade real da sociedade;
e) O funcionário RP..., enquanto trabalhador responsável pela organização do trabalho e controlo da produção, afirmou que a cortiça utilizada na produção de rolhas era de fraca qualidade e que a produção máxima mensal de rolhas ascende a uma medida de 350.000 rolhas, sendo que em Fevereiro de 2013, foram despedidos dois broquistas, e que a produção mensal passou a ser em média de 200.000 rolhas;
f) RP... afirmou ainda que não era pratica corrente nas instalações da B..., Lda serem realizados negócios de compra e venda cortiça, nos anos de 2012 a 2014 e que nos anos de 2010 e 2011, apenas era vendida cortiça delgada; [...]
g) Da análise à escrita da sociedade B..., Lda---, resulta espelhada a manifesta falta de encargos relacionados com encargos com transportes e outros gastos operacionais que são determinantes para a manutenção de uma fonte produtora, capaz de justificar o elevado volume de fatura emitida.
h) Que de acordo com o controle quantitativo efetuado às compras e vendas, resultou provado que a vendas de rolhas são muito superiores à capacidade produtiva, sendo que as compras de rolhas registadas na contabilidade se encontram essencialmente tituladas em nome dos emitentes acima identificados [...], pelo que não existe a possibilidade destas faturas corresponderem a operações efetivas, no todo ou em parte, constituindo, por isso, negócios simulados;
i) Também, porque o volume de faturação alcança montantes muito além dos que seria possível faturar, tendo em conta a capacidade máxima de produção da sociedade B..., Lda, levantam-se fundadas dúvidas quanto à veracidade das faturas de venda emitidas por esta sociedade.
Ainda segundo a análise feita pelo Inspetor [...]:
‘De acordo com os valores declarados pelo SP, extraiu-se do sistema informático da AT, o resumo das declarações periódicas do IVA, relativos aos anos de 2010 a 2014, onde se pode concluir, em síntese, o seguinte:
Estamos perante o contribuinte que se encontra permanentemente numa situação de crédito de imposto, nunca tendo efetuado qualquer entrega de IVA;
Trata-se de um contribuinte que não realiza operações isentas de IVA (exportações e/ou transmissões intracomunitárias), nem tão pouco realizou investimentos que justifique a situação de crédito permanente;
Tal factualidade ganha especial relevância quando verificamos que, afinal, o SP integra um grupo de pessoas físicas e jurídicas que, concertadamente implementaram um complexo esquema de utilização e emissão de faturas falsas [...]
Aliás, a situação de crédito de IVA resulta, precisamente, do facto do SP estar a deduzir IVA com base em faturas timbradas em nome da sociedade xxxxx [...] e xxxxx [...], sendo que aquela sociedade é controlada por HA..., também sócio-gerente da sociedade B..., Lda. e esta é controlada por xxxxx [...].
Como conclusões finais da inspeção anteriormente efetuada transcreve-se o seguinte:
‘Tudo quanto ficou referido, faz vincar o caráter instrumental do SP, para a coberto de uma atividade meramente residual, emitir e utilizar faturas para titular um elevado número de operações fictícias que manifestamente, não tem capacidade para realizar.
[...]
Atento tudo quanto ficou referido anteriormente, conclui-se que a sociedade B..., Lda. integra um complexo esquema de faturação falsa, assumindo um papel claramente dissimulatório de uma realidade tributária efetiva totalmente diferente com aquela que resultou declarada à Autoridade Tributária.’
Ora, o que importa aqui salientar é que a B..., Lda. pretende justificar a existência de compras compatíveis com as vendas declaradas, tentando assim, sem êxito, credibilizar as mesmas, recorrendo a faturas falsas. De facto, da leitura do relatório de inspeção tributária [...], constata-se que a esmagadora maioria do valor das compras se encontra justificada com base em faturas falsas [...]
Não obstante o [...] atrás exposto – que faria pressupor que estaríamos perante uma empresa de pequena dimensão – a verdade é que o valor da faturação emitida pela B..., Lda assume [...] no ano de 2013, cerca de 2.5 milhões de euros.
III.2.2.2. Elementos recolhidos na inspeção à AA No que diz respeito à faturação da B..., Lda., apresentada na contabilidade de AA no ano em análise [...], podemos constatar:

a B..., Lda., emitiu 37 faturas, correspondentes à venda de 29.250Kg de cortiça com um valor base correspondente a 29.250,00€;
os 29.250,00€ de cortiça, correspondem a 27,82% do valor das compras efetuadas por AA no ano de 2013.
[...]
III. 2.2.2.1. Quanto às mercadorias e seu transporte
Tendo em conta a documentação arquivada na contabilidade da auditada, parte das transações terão sido acompanhadas pela respetiva guia de remessa, e noutros casos parece que a fatura terá servido de documento de transporte, uma vez que a fatura não faz alusão à existência de qualquer guia de remessa/transporte [...]
Contudo, fica-se sem saber qual é o documento que justifica os alegados transportes, na medida em que prevê o Regime dos Bens em Circulação [...] que as faturas, quando sirvam de documento de transporte, devem indicar os locais de carga e descarga, referidos como tais, e a data e hora em que se inicia o transporte, sendo que em nenhuma das faturas em causa (posteriores ao n.º ...96) tal sucede, sendo apenas indicada a hora do início do transporte e a matrícula da viatura. Assim, não há qualquer indicio da ocorrência dos transportes indispensáveis às alegadas transações comerciais (compras de cortiça}.
Ora, no caso das faturas n.º ...96 a 690, a viatura que supostamente fez os transportes é um ligeiro de mercadorias (…), da marca Mitsubishi, modelo FB83SG4SL que têm como locatária a B..., Lda.
Nas faturas ...92 e ...96 a viatura indicada como tendo efetuado os supostos transportes foi o ligeiro de mercadorias (…), com data de matrícula 02-05-1983, marca OM, modelo OM 40/35 pertencente à B..., Lda.
[...]
Avaliando pelas fotografias [...] extraídas no dia 14-10-2016 na sede da B..., Lda--- [...], podemos constatar que, pese embora haja o hiato de tempo na ordem dos 3 anos, os transportes em questão muito dificilmente poderiam ter sido efetuados por este veículo, atendendo ao evidente estado de degradação da mesma [...]
Assim, efetuamos um pedido de informação ao IMT {Instituto da Mobilidade e dos Transportes), com a finalidade de confirmar se a viatura estaria com as inspeções obrigatórias por lei feitas e qual o nº de Km que detinha. Em resposta ao nosso pedido, o IMT informou que o referido veículo teve a última inspeção no ano de 2013, mais propriamente no dia 26-07-2013 (isto é, cerca de meio ano antes dos alegados 2 transportes) e que nessa data tinha registado 40.652 Km. A inspeção anterior tinha efetuada no dia 15-06-2011, tendo nessa altura a viatura registados 39.123 Km, situação que atesta que nesse período entre 15-6-2011 e 26-7-2013 a viatura pouco circulou.
III.2.2.2.2. Quanto ao pagamento
Quanto ao pagamento das 37 faturas emitidas pela B..., Lda. e relevadas na contabilidade de AA, podemos constatar, pela análise à contabilidade, que todas as faturas foram pretensamente pagas em numerário.
Ora, estes alegados pagamentos em numerário, merecem diversas considerações, tal como já tinha acontecido anteriormente aquando da análise dos pagamentos feitos a TJ....
É verdade que a lei proíbe pagamentos em numerário apenas para transações superiores a 1.000 euros [...].
É também verdade que na maioria das situações, as faturas em referência têm valor inferior a 1.000 € [...], sendo que 13, apresentam o valor de 1.001,22 €.
Assim, não resta qualquer dúvida que 13 (treze) das faturas agora em análise, nos termos da lei, não poderiam ser pagas em numerário, como supostamente sucedeu.
Mas tão, ou mais, importante que essa irregularidade, importa salientar que esta prática (pagamento em numerário) não é o procedimento habitual do sujeito passivo. De facto, pela análise da contabilidade, apurou-se que é prática do SP AA, efetuar os pagamentos por cheque, independentemente do seu valor.
Na verdade, e conforme já foi devidamente demonstrado no ponto III.2.1.2.3, existem na contabilidade, diversos pagamentos com valores muito inferiores que foram pagos por cheque, o que denota que a prática habitual do SP é efetuar os pagamentos através de cheque.
Ou seja, o que se pretende demonstrar é que pela análise da contabilidade se constata que o procedimento habitual é o pagamento por intermédio de cheque. Contudo, no caso do ‘fornecedor’ B..., Lda--- (tal como sucede com outros 2 ‘fornecedores’ agora indiciado como emitentes de faturas falsas) todas as faturas foram pagas em numerário, situação que, além de não ser prática normal por parte do sujeito passivo, nada contribui para a comprovação da efetiva ocorrência de tais negócios.
Mas não é só neste aspeto que os pormenores dos alegados pagamentos à empresa B..., Lda--- divergem do que é um comportamento padrão do sujeito passivo. De facto, procedeu-se ao controlo do prazo médio de pagamento ao ‘fornecedor’ B..., Lda---’s, tendo-se constatado [...] que as faturas são, geralmente, pagas sem qualquer diferimento temporal, isto é, são pagas a pronto de pagamento, e quando assim não é, o diferimento é de apenas 2 ou 3 dias [...]
Contudo, e conforme foi referido no ponto III.2.1.2.3, analisadas as contas correntes de outros fornecedores sobre os quais não impedem quaisquer suspeitas, verifica-se não ser este o procedimento habituai do sujeito passivo.
Assim, este constitui mais um fundamento da falta de veracidade das faturas em análise.
III.2.2.2.3. Controlo à produção
Para além de tudo o que foi anteriormente descrito, que indicia de que estamos perante faturas falsas, importa ainda referir que foi feito um controlo à produção do SP AA [...] no âmbito da qual se apurou terem sido contabilizadas compras que tendo em conta as vendas declaradas não se mostram necessárias.
De facto, e no que ao ano de 2013 diz respeito, apurou-se que, tendo em conta a variação de stocks e as vendas registadas, as compras de cortiça necessárias ascendia a 60.637,18 kgs, quando se encontram registadas compras de 81.990,94 kgs, o que representa em excesso superior a 25% de compras registadas, face às necessidades.
III. 2.2.2.4. Outros factos
III.2.2.2.4.1 - IVA Apurado
Conforme já foi anteriormente referido, no conjunto de 8 trimestres em análise, o SP apenas procedeu ao pagamento de 460,37 € no primeiro desses trimestres, mantendo-se depois numa situação de crédito, sendo que na globalidade dos 8 trimestres apurou um crédito de IVA de 3.855,42 €.
Ora, tendo em conta, a inexistência de operações ativas isentas de IVA, designadamente exportações e/ou transmissões intracomunitárias, bem como a baixa materialidade do IVA referente à aquisição de bens do ativo fixo tangível, o qual ascende a 1.074,27 €, tal situação indicia a contabilização de faturas falsas que conferiram uma dedução indevida de IVA (dado que tratando-se de uma atividade de fabricação de rolhas a mesma implica a existência de um elevado valor acrescentado) ou a existência de vendas não declaradas.
III.2.2.2.4.2 - Omissão de custos
Pese embora estejamos perante uma atividade industrial (fabricação de rolhas de cortiça), não há qualquer custo registado com mão de obra, sendo que os serviços subcontratados não apresentam materialidade [...]
Para além disso, e no que aos ativos fixos tangíveis diz respeito, verifica-se que apenas se encontram registados uma viatura e uma máquina corta-relva.
É pois, por demais evidente, que foram deliberadamente omitidos custos, tendo porventura os pagamentos dos mesmos tido ocorrido através da contabilização de faturas falsas, como é o caso das faturas da B..., Lda.
III.2.2.2.5. Obtenção de esclarecimentos junto da gerência da ‘AA’
Tendo em conta o rol de indícios de falsidade que pendiam sobre as faturas em análise, foi o sujeito passivo AA ouvida em termo de declarações no dia 6-6-2017 [...], a fim de fornecer elementos que contrariassem tais indícios.
Deste modo, a mesma, bem como o seu marido (dado que ambos trabalham a tempo inteiro na atividade pela qual está coletada) deram os seguintes esclarecimentos:
8) Foi o SP RJ... questionado sobre se conhece a empresa B..., Lda e, em caso afirmativo, convidado a descrever designadamente, a forma como tomou conhecimento da mesma, pessoa habitualmente contactada, local das instalações, contacto telefónico, funcionários, quais os bens que lhe adquiriu e como os mesmos eram transportados e pagos, etc, tendo declarado que julga ser uma empresa do Sr. N..., o qual trabalhava perto da CC--- II em Santa Maria de Lamas. Acrescentou que o pagamento era feito numerário, sendo essa a modalidade de pagamento que habitualmente utiliza, tendo a sua esposa confirmado estes factos.
9) Ainda relativamente a B..., Lda foi o sujeito passivo RJ... questionado sobre que tipos de documentos de transporte acompanharam as alegadas compras (fatura, guia de remessa, etc), tendo declarado que, tratando-se de uma empresa do Sr. N..., como julga, o transporte era feito sempre por este. Os documentos que tem são os que estão arquivados na contabilidade.
Ora, o que daqui se retira é que não obstante as alegadas 37 compras efetuadas, os sujeitos passivos denotam um total desconhecimento acerca deste seu ‘fornecedor’, pois não conseguem identificar as instalações do mesmo (não existe qualquer relação conhecida entre a B..., Lda e Santa Maria de Lamas), e, inclusivamente nem sequer conseguem identificar o gerente ou qualquer colaborador desse ‘fornecedor’, na medida em que não lhe é conhecido nenhum Sr. N....
Conclui-se, assim, os esclarecimentos prestados pelo alegado comprador, não só não afastam os claros indícios de falsidade que impendem sobre as faturas em referência, como, inclusivamente, os reforçam tendo em conta as contradições apontadas e a falta de conhecimento patenteada.
Não obstante, e na procura da verdade material dos factos, procedeu-se, no dia 6 de junho de 2017 à notificação do SP [...] para apresentar esclarecimentos adicionais acerca das alegadas transações:
No seguimento de diversas diligências efetuadas pela Inspeção Tributária, quer no decurso da presente ação inspetiva, quer em outras realizadas a outros sujeitos passivos (umas já concluídas e outras que se encontram atualmente em fase de conclusão), foram recolhidos uma série de fortíssimos indícios de que as aludidas faturas são falsas, isto é, são faturas em que parte ou a totalidade dos elementos aí mencionados (nome do fornecedor, natureza do bem transmitido ou do serviço prestado, quantidades e valores unitários) não correspondem à verdade, designadamente, tendo em conta a não comprovação dos pagamentos de tais transações e dos respetivos transportes, bem como a inexistência de estrutura empresarial e de capacidade financeira do(s) alegado(s) fornecedor(es).
Assim, e uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) reuniu uma série de indícios suscetíveis de abalar a presunção de veracidade das operações em causa, cabe ao sujeito passivo utilizador das faturas em causa [...] o ónus da prova da veracidade das operações pelo que deverá V.ª Ex.ª, no prazo máximo acima estabelecido, identificar os reais fornecedores dos bens que são referidos nas faturas anteriormente identificadas e emitidas em nome das duas entidades acima identificadas’ (...)
Contudo, pese embora, por um lado, tenha o sujeito passivo sido confrontado com a existência de fortes indícios de falsidade que impendiam sobre as faturas em análise, e, por outro lado, não tenha conseguido apresentar qualquer pormenor mínimo demonstrativo da efetiva realização das operações em causa (recorde-se que não foi indicado qualquer local do exercício da atividade (foram referidas, de forma vaga, umas instalações em Santa Maria de Lamas), não foi indicado qualquer contacto telefónico, não foram apresentados documentos de transporte válidos, não foi identificado (de forma correta) qualquer gerente ou funcionário da alegada empresa fornecedora e não foi demonstrado o pagamento das faturas em questão, sendo que, parte delas, teriam de ser pagas por cheque ou transferência bancária, ao fim de 12 dias este limitou-se a responder [...]:
1.º
Face ao teor da notificação, importa referir que todas as facturas levadas à minha contabilidade correspondem a transacções efectivas, sendo os NIF nelas apostos atribuídos pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
2.º
Mais, todos os elementos da contabilidade já foram exibidos a V Exas designadamente os relacionados com a atividade da empresa e dos terceiros com quem esta mantém relações económicas, que os exibirá sempre que para tal for solicitada [...]
Ou seja, mesmo após a notificação o SP não consegue apresentar qualquer pormenor que indicie a efetiva realização das operações, sendo referido pelo alegado comprador que a empresa tinha instalações em Santa Maria de Lamas (facto nunca apurado pela AT) e que o seu representante era o `Sr. N...’ (facto igualmente nunca apurado pela AT).
III. 2.2.3. Conclusões
Tendo em conta o anteriormente exposto, quer fruto da Inspeção Tributária realizada ao SP B..., Lda---, [...] quer fruto da análise à contabilidade de AA, conclui-se que as faturas emitidas por aquela para esta, não traduzem operações efetivamente ocorridas entre as partes.
De facto, a análise dos elementos disponíveis na contabilidade de `AA’ permitem confirmar os indícios que impendiam acerca da veracidade de tais faturas, não existindo quaisquer evidências da efetiva realização daqueles negócios. Pois não se consegue fazer prova do pagamento de qualquer valor a essa empresa, e não se consegue igualmente fazer prova de como foi transportada parte substancial da cortiça relevada na contabilidade.
Estes elementos permitem concluir que as faturas timbrada em nome da empresa `B..., Lda., relevadas na contabilidade de `AA’ são falsas, não consubstanciando qualquer efetiva transação comercial ocorrida entre esses intervenientes.
Não obstante todos os factos descritos ao longo do presente capítulo indiciarem estarmos perante faturas falsas, importa ainda referir que se procedeu ao controlo da produção do Sp AA, [...] no âmbito da qual se obtiveram indícios de terem sido introduzidas na contabilidade do sujeito passivo uma série de faturas falsas.
III.2.3. Faturas timbradas em nome de BB... [...]
Na contabilidade de AA, encontram-se relevadas 73 faturas timbradas em nome de BB..., no valor global de 57.769,00 €, mais IVA, sendo 13.605,00 € respeitante ao ano de 2013 e 44.164,00 respeitante ao ano de 2014 [...]
Ou seja, nos anos em causa, BB... faturou cerca de 9 toneladas de cortiça e mais de 2 milhões de rolhas [...]
III.2.3.1. Elementos recolhidos na inspeção ao emitente
Uma vez que, por um lado, se tratava de um sujeito passivo não cumpridor das suas obrigações fiscais, quer declarativas, quer de pagamento, e, por outro lado, se apurou no cruzamento de dados do e-fatura que o SP AA tinha registado na sua contabilidade diversas faturas deste SP, foram emitidas as competentes ordens de serviço [...].
» Situação apurada no âmbito da inspeção tributária a BB...
Explicação dada por BB... acerca da sua atividade
No dia em que finalmente se conseguiu iniciar o procedimento inspetivo (dado que o SP alegou estar a trabalhar e a residir no Alentejo), isto é, 20 de outubro de 2016, e dado que o SP BB... não se fez acompanhar de nenhum documento contabilístico, foi o mesmo questionado, em termo de declarações, acerca da atividade que tinha desenvolvido nos anos de 2013 e 2014.
De seguida, vamos transcrever as explicações dadas pelo mesmo e que se mostram relevantes para efeitos do presente relatório:
‘Questionado acerca do exercício da sua atividade nos anos de 2013, 2014 e 2015, respondeu que apenas exerceu a atividade de comissionista até final de 2012 e princípios de 2013, tendo deixado essa atividade por não aceitação das empresas porque tinha dividas. A atividade nessa altura era angariar clientes que lhe pagavam em numerário, cerca de 0,05€/kg, outros 0,50€/arroba, sendo este valor bastante variável. Depois desta data apenas trabalha no Alentejo e Algarve a fazer carregamentos e escolha de cortiça, recebendo entre 30 a 40€ por carregamento e não emite qualquer documento.
Questionado acerca dos documentos da contabilidade informou que entregou tudo ao contabilista o Sr. CC…. Relativamente às faturas entregou o último livro que tinha preenchido não tendo ficado com qualquer livro em branco.
(...) Questionado acerca da empresaria AA… respondeu que não se recorda do nome [...]
(...) Confrontado com a existência de faturas suas emitidas nos anos de 2013, 2014 e 2015, contabilizadas por algumas das empresas atrás referidas e exibidas cópia de algumas dessas faturas [...], confirmou que as mesmas se encontram preenchidas pela sua mão e que apesar do dito anteriormente correspondem a vendas efetuadas por si.
Referiu que a cortiça era transportada diretamente da origem (Alentejo ou Algarve) em carrinha fornecida peio seu cliente de nome S… ou B…, sendo tal carrinha conduzida pelo Sr. BB..., pelo que se recorda é uma carrinha de caixa aberta marca DINA.
Questionado acerca do descarregamento da cortiça informou que o fazia em Paços de Brandão perto da CC--- II.
Questionado acerca do stock das rolhas informou que o fazia em casa da sua ex-mulher – Rua (…). O transporte era efetuado na carrinha DINA atrás referida ou com uma CANDY que possuía.
Acrescentou que não fazia stock em casa, porque não tinha espaço para tal e conforme comprava vendia diretamente do Alentejo ou Algarve para o cliente.
Questionado acerca de a quem adquiria a cortiça, declarou que era cortiça que lhe era dada como contrapartida dos serviços de carregamento que fazia nas herdades.
Questionado acerca da capacidade de carga da carrinha DINA, respondeu que chegava a carregar 3.000kg. O transporte era às vezes acompanhado de guia. Quando chegava ao destino que era a morada do cliente emitia a respetiva fatura, sendo que depois o pagamento era efetuado ao fim de semana, sempre em numerário, por pedido seu devido à existência de dívidas. Questionado quanto recebia semanalmente declarou que não se recorda, não tendo neste momento ideia nenhuma do respetivo valor.
Relativamente às rolhas fazia quase uma recolha porta à porta que comprava a algumas empresas da região, sempre sem exigência de qualquer fatura.’
A análise das explicações dadas por BB... põe a nu várias incongruências que passamos a descrever:
Só quando foi confrontado com as faturas emitidas com a sua caligrafia é que admitiu a sua emissão, sendo que até aí declarou que a sua fonte de rendimentos desde o início de 2013 era a do seu trabalho ‘no Alentejo e Algarve a fazer carregamentos e escolha de cortiça, recebendo entre 30 a 40€ por carregamento e não emite qualquer documento’;
Declara que a mercadoria era transportada numa carrinha Dyna de caixa aberta, quando as faturas registadas na contabilidade de AA mencionam a matrícula ..-AV-.. (propriedades desta última desde 2-4-2013), que correspondem a uma Opel Vivaro, que se trata de um veículo totalmente diferente, que consta no sistema da AT como sendo da propriedade de AA, desde 02-04-2013 [...]
Isto apesar de não estarmos a falar de 3, ou 4, ou mesmo 10 viagens, mas sim 78 viagens entre 11-10-2013 e 29-01-2015, em que declara ter sido ele o condutor.
Quando questionado acerca da capacidade de carga da viatura, disse que carregava cerca de 3.000kg de cortiça, no entanto nas faturas emitidas o máximo de peso que consta é de 500kg. De facto, a média dos transportes é de 161 kgs e a moda (peso mais frequente) é de 100 kgs.;
Declarou que a cortiça que fatura a AA ‘era cortiça que lhe era dada como contrapartida dos serviços de carregamento que fazia nas herdades’ e que a mesma ‘era transportada diretamente da origem (Alentejo ou Algarve) em carrinha fornecida pelo seu cliente’. Ora, sabendo-se que as tiradas de cortiça decorrem durante a Primavera e Verão, época em que a árvore se encontra em condições para tal, não se percebe como é que todas as faturas de venda emitidas se reportam ao período de Outono e de Inverno, sendo que nestes períodos não existe necessidade de mão-de-obra neste setor.
De igual modo, não faz sentido absolutamente nenhum percorrer (ida e volta) mais de 800 kms para ir comprar 100 kgs de cortiça, tal como consta de 10 faturas emitidas por BB..., entre 30-1-2014 e 28-02-2014. De facto, esta quantidade de cortiça é incompatível com o tempo desta viagem (superior 9 horas) e com o custo da mesma (mais de 100 €, entre portagens e combustível);
Mas o rol de contradições, apesar de já ser extenso, não se fica por aqui. Note-se que o SP alega que a cortiça por ele faturada ‘era cortiça que lhe era dada como contrapartida dos serviços de carregamento que fazia nas herdades’ e que a mesma ‘era transportada diretamente da origem (Alentejo ou Algarve) em carrinha fornecida pelo seu’ sendo que ‘não fazia stock em casa, porque não tinha espaço para tal e conforme comprava vendia diretamente do Alentejo ou Algarve para o cliente’. Ora, uma análise um pouco mais atenta, permite verificar que de acordo com as faturas emitidas por BB..., este teria ido, duas vezes, no dia 27-11-2013 ao Alentejo (ou ao Algarve), buscar duas cargas de 265 kgs /cada (faturas n.º ...12 e ...13). Impensável!. Ora, se para além deste facto, por si só, absolutamente inverosímil, referirmos que, de acordo com as faturas emitidas, BB… voltou-se a deslocar ao Alentejo (ou Algarve) no dia seguinte, e outra vez no dia seguinte a este, para ir buscar cerca de 500 kgs (no total dos dois dias) de cortiça, apenas podemos concluir pela falsidade das faturas por si emitidas.
Notificação para exibição de escrita
No dia em que foi iniciado o procedimento inspetivo, foi o sujeito passivo notificado para apresentar os elementos da sua contabilidade [...] relativo aos anos em análise, no serviço de finanças de Feira 4 no dia 04.11.2016.
No dia 02.11.2016, o sujeito passivo contacta telefonicamente os nossos serviços no sentido de informar que não poderá estar presente no serviço de finanças feira-4 no dia 04 de novembro, porque se encontra no Alentejo e que todos os documentos da contabilidade estão na posse do gabinete de contabilidade.
Foi-lhe então pedido que redigisse uma carta dirigida aos nossos serviços no sentido de informar isso mesmo.
No dia 16.11.2016 foi recebida uma carta manuscrita e assinada pelo sujeito passivo, onde informa que não tem na sua posse os documentos da contabilidade porque os entregou ao contabilista que tratava da sua escrita.
[...] no dia 04.11.2016, BB... não compareceu no Serviço de Finanças, não cumprindo assim com a notificação para apresentação da contabilidade.
Deslocação ao gabinete de Contabilidade
Uma vez que o sujeito passivo informou que a contabilidade estaria na posse do gabinete de contabilidade F..., Lda, deslocámo-nos a este gabinete no sentido de recolher esses elementos.
No local falámos com o gerente da F..., Lda---, que nos informou que não consegue contactar o Sr, BB… desde meados de 2012. A última fatura emitida pelo sujeito passivo de que teve conhecimento tem o n.º 303 e nessa altura entregou também cópia da fatura n.º ...04 em branco, como comprovativo de não ter exercido a atividade, tendo por esse motivo, entregue as declarações periódicas de IVA 201212T, 201303T e 201306T em branco, sem qualquer valor.
Afirmou ainda que depois desta data não teve mais notícias do seu cliente, apesar de ter feito várias tentativas para o encontrar, nomeadamente junto da ex-esposa, tendo por esse motivo deixado de entregar as declarações periódicas de IVA.
Posteriormente, chegou a encontrar o Sr. BB... duas vezes, [...] tendo-lhe aquele prometido que iria resolver a situação, mas tal nunca sucedeu.
Conclui-se, assim, quanto à contabilidade que esta não foi exibida, tendo sido alegado que a mesma estava na posse do Contabilista, situação que não se confirmou e foi desmentida por este.
Identificação de compras de bens e serviços efetuadas por BB...
Perante a total ausência de colaboração por parte do sujeito passivo, em exibir a contabilidade, procedeu-se à análise de toda a informação disponível na base de dados da AT para apurar esses dados.
Desta forma, através do cruzamento de informação apurou-se que entre 2013 a 2014, apenas foi comunicada uma única venda efetuada a BB.... Trata-se de uma fatura referente à impressão dos livros de faturação na tipografia [...]
Ou seja, no biénio em análise, pese embora as quase 9 toneladas de cortiça, bem como os cerca de 2,5 milhões de rolhas faturados por este a AA, não existe qualquer contribuinte nacional a declarar ter vendido um quilo de cortiça a BB..., situação que, desde logo, levanta fortes e naturais dúvidas acerca da veracidade das faturas por este emitidas, na medida em que não existe evidência das indispensáveis compras.
Ou seja, cada vez mais se formava a convicção de que as faturas emitidas por BB... eram falsas, na medida em que nada ficou demonstrado quanto às compras da cortiça por parte deste (não tendo este nenhuma herdade teria que comprar a cortiça que faturou) e quanto ao transporte (na medida em que o sujeito passivo demonstrou o total desconhecimento acerca da viatura que alega ter utilizado para fazer 78 viagens entre 11­10-2013 e 29-01-2015).
Identificação de algum local onde o sujeito passivo pudesse exercer a alegada atividade
Recorde-se o que o sujeito passivo referiu quanto ao armazenamento dos bens que faturou:
Questionado acerca do stock das rolhas informou que o fazia em casa da sua ex-mulher- Rua ..., ... em Lamas. O transporte era efetuado na carrinha DINA atrás referida ou com uma CANDY que possuía.
Acrescentou que não fazia stock em casa, porque não tinha espaço para tal e conforme comprava vendia diretamente do Alentejo ou Algarve para o cliente.
Ou seja, o SP refere que fazia stock de rolhas, mas não fazia stock de cortiça, dado que não tinha espaço para tal.
Mais uma vez os documentos desmentem o afirmado, pois por exemplo no dia 28/7/2014 o sujeito passivo faturou 150 milheiros de rolhas, o que representa 15 sacos de rolhas que ocupam uma área incompatível com uma habitação.
Desta forma, foram feitas [...] diligências junto de todas as moradas conhecidas.
Considerando que, nos anos em análise, BB..., emitiu uma série de faturas de cortiça e que possuiu várias moradas no cadastro e também que na data do presente procedimento inspetivo afirma estar a residir no Alentejo, apesar de manter a morada no cadastro em Santa Maria de Lamas, foram realizadas uma série de diligências no sentido de averiguar se em alguma das moradas que se seguida identificaremos, BB... residiu ou exerceu atividade.
» Rua (…)
Foi redigido termo de ocorrência no dia 24 de novembro de 2016, após visita a esta morada:
‘Quando chegámos à Rua (…), [...] tocámos à campainha do 1.º andar esquerdo e respondeu a Sr.ª DD..., [...] que nos convidou a entrar.
Já no apartamento, questionámos se tinha conhecimento de uma pessoa de nome BB... ter lá morado, respondeu que não, não conhece pessoalmente mas de vez em quando recebe correspondência em nome de BB... e EE... e por vezes devolve aos CTT.
Questionámos desde quando habita neste imóvel, respondeu que comprou o apartamento ao Banco 3... em Abril de 2012.’
Esta morada consta como sendo domicílio fiscal do sujeito passivo até 15.02.2011 e consta nas faturas timbradas emitidas desde 2013 até 2015.
Este apartamento habitacional, sem quaisquer condições para exercer uma atividade comercial ou de fabrico, não é da propriedade do sujeito passivo desde maio de 2008, mas no entanto consta nas faturas timbradas de BB... até janeiro de 2015.
Mesmo quando o sujeito passivo solicita nova emissão de faturas na tipografia em Maio de 2014, não altera o timbre das faturas mantém esta morada apesar de ter vendido este apartamento há cerca de 6 anos.
» Rua (…)
Foi redigido termo de ocorrência no dia 24 de novembro de 2016, após visita a esta morada:
‘Quando chegámos à Rua (…), deparámo-nos com uma casa de rés-do-chão e 1º andar, sendo que o rés-do-chão tinha um número de porta diferente do 1.º andar que possuía o n.º 2303 com acesso através de um vão de escadas bastante inclinado.
Tocámos à campainha e batemos à porta por alguns minutos, ao que ninguém respondeu.
No rés-do-chão fomos informados que esta casa era arrendada e que no 1.º andar morava uma senhora com a sua filha. Questionámos se tinha conhecimento de lá ter morado um senhor de nome BB... ao que respondeu que habita no rés-do-chão há cerca de 2 anos e não se recorda de ouvir falar desse nome.
Questionámos uma vizinha que morava em frente se tinha conhecimento de lá ter morado um senhor de nome BB..., disse que sim, que achava que era um senhor de alcunha ‘G...’, que morou no n.º 2303. Informou também que essa pessoa trabalhou com ela numa empresa de cortiça há muitos anos atrás e que ambos foram despedidos quando a empresa fechou.
Disse também que o senhor ‘G...’ foi morar para essa casa, na Rua (…) à cerca de 9 anos atrás, mas que há cerca de 2 anos saiu.
Questionámos se alguma vez viu o Sr. BB... a manusear cortiça, respondeu que não.
Nunca viu o senhor ‘G...’ manusear cortiça, nem tinha conhecimento que ele trabalhava nesse ramo.’
BB... declarou esta morada como sendo o seu domicílio fiscal desde 16-02-2011 até 28-01-2015.
Do que foi observado nesta morada, também aqui não havia condições para exercer qualquer atividade comercial, de fabrico ou mesmo de armazenagem de cortiça, pois trata-se de uma casa de habitação com um acesso muito íngreme e conforme declarado pelos vizinhos nunca foi visualizado por estes o exercício dessa atividade.
» Rua da (…)
Foi redigido termo de ocorrência no dia 24 de novembro de 2016, após visita a esta morada:
‘Quando chegámos à Rua (…), deparámo-nos com uma casa de rés-do-chão e anexos, batemos à porta por alguns minutos, ao que ninguém respondeu.
Questionámos uma vizinha, a senhora C..., que morava na casa seguinte com o n.º de porta ...92 da mesma rua, se tinha conhecimento que o Sr. BB... morava no n.º de porta ...32, disse que sim, que sabia que ele morava nessa casa e que o via algumas vezes.
Questionámos a Sr. C... se alguma vez viu o Sr. BB... a manusear cortiça ou se viu alguma carrinha com cortiça à porta, respondeu que não. Nunca viu o senhor BB... manusear cortiça, nem veículos à porta com esse tipo de mercadoria.’
Esta morada consta no cartão do cidadão desde 28-01-2015 até à presente data como sendo o domicílio fiscal do sujeito passivo, bem como da sua ex-mulher EE....
Nesta diligência confirmámos que BB... reside efetivamente aqui e não no Alentejo e confirmámos também que as declarações proferidas relativamente ao armazenamento da rolhas levantam sérias dúvidas quanto à sua veracidade, uma vez que o sujeito passivo diz:
...’Questionado acerca do stock das rolhas informou que o fazia em casa da sua ex-mulher – Rua (…). O transporte era efetuado na carrinha DINA atrás referida ou com uma CANDY que possuía.’...
Das diligências realizadas a estas moradas, podemos concluir que o sujeito passivo residiu efetivamente da Rua (…), este apartamento foi vendido no ano de 2008 em execução fiscal devido às dívidas acumuladas. Posteriormente foi residir para a Rua (…) e mais tarde para a Rua (…), onde se encontra atualmente.
Apesar destas mudanças de morada, uma coisa é certa, o sujeito passivo não tinha, nestes locais, condições para exercer a atividade que disse que exercia, nem os vizinhos lhe conheceram também o exercício de qualquer atividade comercial, industrial ou mesmo de armazenagem.
» Esclarecimentos prestados por familiares de BB...
No dia 9-1-2017, [...] foi ouvida em termo de declarações AI…, filha de BB..., a qual declarou o seguinte quanto à alegada atividade do seu pai:
Não tem conhecimento que ele tenha trabalhado nos anos 2013 a 2015.
Questionada se conhece algum estaleiro ou qualquer outro local onde o Sr. BB... tenha armazenado ou vendido cortiça, disse que não, o seu pai nunca possuiu nenhum local para guardar a cortiça, acrescentou que nos últimos anos o seu pai deixou de ter condições financeiras para realizar esse tipo de negócios.
Questionada acerca do meio de pagamento que os clientes de BB... efetuavam, disse que era sempre em dinheiro, cheque ou transferência bancária, nunca o pagamento foi efetuado com mercadoria.’...
Ou seja, mais uma vez se conclui pela inexistência de indícios de que BB... tenha vendido, nos anos em causa, cortiça ou rolhas.
III.2.3.2. Elementos recolhidos na inspeção à AA
Conforme já foi referido, na contabilidade de AA, encontram-se relevadas 73 faturas timbradas em nome de BB..., no valor global de 57.769,00 €, mais IVA, sendo 13.605,00 € respeitante ao ano de 2013 e 44.164,00 respeitante ao ano de 2014 [...]:
III.2.3.2.1. Quanto às mercadorias e seu transporte
ANO DE 2013 e 2014
Em todas as faturas emitidas por BB..., exceto a fatura n.º ...65, é referido que o transporte dos bens alegadamente transacionados foram efetuados pela viatura de matricula (…) que a partir de 02-04-2013, tornou-se propriedade de AA, tratando-se de um ligeiro de mercadorias da marca Opel, modelo Vivaro, que tem como peso bruto 2.700Kg [...].
Conforme já foi anteriormente referido, BB... confirmou que os bens faturados a AA foram transportados numa viatura pertencente ao seu cliente, a qual era conduzida pelo próprio BB....
Contudo, descreve essa carrinha como sendo uma Dyna de caixa aberta, quando as faturas registadas na contabilidade de AA mencionam a matrícula (…) (propriedades desta última desde 2-4-2013), que correspondem a uma Opel Vivaro, que se trata de um veículo totalmente diferente.
Ora, estando em causa 78 (longas) viagens realizadas entre 11-10-2013 e 29-01-2015, não se compreende como é que o alegado condutor confunde estas viaturas [...]
Para além deste facto, importa referir que uma análise mais aprofundada acerca das características da viatura Opel Vivaro, permite concluir, por si só, que estamos perante faturas falsas, pois é possível demonstrar que alguns dos transportes em análise não poderiam ter acontecido, por falta da capacidade (cubicagem) da referida viatura.
Vejamos.
É consensual no setor que, em média, 1m3 de cortiça representa entre 6 a 7 arrobas, isto é, entre 90 e 405 kgs [...]. Desta forma é fácil de apurar que 500 kgs de cortiça representam entre 4,76 e 5,56 m3. [...]
Por sua vez, quanto à capacidade de cargo da viatura Opel Vivaro, por consulta ao seu
manual técnico, apurou-se que esta tem uma capacidade máxima de carga de 4,66 m3 [...]. Ou seja, os valores apurados indiciam que tais transações não ocorreram de verdade. Para além deste facto, e ainda que que ao transporte diz respeito, verifica-se ainda
outra clara incongruência.
Consta da contabilidade de AA a fatura n.º ...11 de BB..., datada de 15-11-2013, referente à venda de 270 kgs de cortiça, transportados através da viatura ..-AV-...
Não obstante a fatura em referência não mencionar dados obrigatórios (admitindo que as mesmas terão servido de documento de transporte como alega o vendedor, mas que o comprador desconhece), designadamente data de carga e locai de carga, importa relembrar que o vendedor justificou que no caso das vendas de cortiça esta era transportada diretamente do Alentejo, ou Algarve, para as instalações do seu cliente:
Referiu que a cortiça era transportada diretamente da origem (Alentejo ou Algarve) em carrinha fornecida pelo seu cliente de nome S… ou B…, sendo tal carrinha conduzida pelo Sr. BB..., pelo que se recorda é uma carrinha de caixa aberta marca DINA.
Questionado acerca do descarregamento da cortiça informou que o fazia em Paços de Brandão perto da CC--- II.
Questionado acerca do stock das rolhas informou que o fazia em casa da sua ex-mulher – Rua (…). O transporte era efetuado na carrinha DINA atrás referida ou com uma CANDY que possuía.
Acrescentou que não fazia stock em casa, porque não tinha espaço para tal e conforme comprava vendia diretamente do Alentejo ou Algarve para o cliente.
Assim, considerando uma viagem, ida e volta, para o norte do Alentejo, estaremos sempre a falar de viagens superiores a 8 horas (considerando pouco mais de meia hora para a carga). Deste modo, sabendo que a viatura em causa estava no aludido dia 15-11­2013, pelas 10 horas, em Paços de Brandão (conforme consta da Guia de Remessa n.º 90 emitida por AA [...]), como é que é possível que a viatura tenha ido e regressado ao Alentejo nesse mesmo dia?.
III.2.3.2.2. Quanto ao pagamento
No que respeita ao comprovativo do pagamento das faturas agora em análise, verificou-se que, de acordo com os registos contabilísticos, todas foram pagas em numerário, sendo o valor das mesmas variável entre 619,92 € e 998,76 €. [...]
Ora, estes alegados 73 pagamentos em numerário (no valor global de 71.056,32 €) merecem diversas considerações.
É verdade que a lei proíbe pagamentos em numerário apenas para transações superiores a 1.000 euros [...].
É também verdade que todas as faturas em referência têm valor inferior a 1.000 € (sendo o valor mais baixo 691,92 € e o mais elevado 998,76€).
Ora, aparentemente não há qualquer anomalia. Contudo, apurou-se que é prática do SP AA, efetuar os pagamentos por cheque, independentemente do seu valor. De facto, e conforme já foi devidamente explicado e demonstrado no ponto III.2.1.2.3, existem na contabilidade, diversos pagamentos com valores muito inferiores que foram pagos por cheque.
Ou seja, o que aqui se pretende demonstrar é que o procedimento normal adotado pelo sujeito passivo é – e bem – o pagamento através de cheque bancário, sendo que no caso dos alegados pagamentos a BB... o que se verifica é exatamente o oposto, isto é, todos os pagamentos são em numerário, situação que, além de não ser prática normal por parte do sujeito passivo, nada contribui para a comprovação da efetiva ocorrência de tais negócios.
Acresce ainda referir que no decurso da inspeção efetuada [...] se teve acesso às contas bancárias tituladas por este, tendo-se apurado pela inexistência de depósitos de numerário, sendo de esperar, se as operações fossem reais, que menos parte desse valor poderia ter sido depositada pelo sujeito passivo nas suas contas bancárias.
Mas não é só neste aspeto que os pormenores dos alegados pagamentos a BB... divergem do que é um comportamento padrão do sujeito passivo. De facto, procedeu-se ao controlo do prazo médio de pagamento ao ‘fornecedor’ BB..., tendo-se constatado [...] que as faturas são todas pagas sem qualquer diferimento temporal, isto é, são pagas a pronto de pagamento [...]
Ou seja, constata-se que o pagamento é efetuado no próprio dia, no ato da suposta compra.
Contudo, analisadas as contas correntes de outros fornecedores sobre os quais não impedem quaisquer suspeitas, e conforme foi anteriormente explicado e demonstrado [...] verifica-se não ser este o procedimento habitual do sujeito passivo.
Assim, este constitui mais um indício da falta de veracidade das faturas em análise.
[...]
III.2.3.2.4. Controlo à produção
Para além de tudo o que foi anteriormente descrito, que indicia de que estamos perante faturas falsas, importa ainda referir que foi feito um controlo à produção do SP [...] no âmbito da qual se apurou terem sido contabilizadas compras que tendo em conta as vendas declaradas não se mostram necessárias.
De facto, e no que ao ano de 2013 diz respeito, apurou-se que, tendo em conta a variação de stocks e as vendas registadas, as compras de cortiça necessárias ascendia a 60.637,18 kgs, quando se encontram registadas compras de 81.990,94 kgs, o que representa em excesso superior a 25% de compras registadas, face às necessidades.
III.2.3.2.5. Outros factos
Quanto ao valor das faturas
Conforme já foi referido anteriormente, o valor das 73 faturas emitidas a favor de AA variam entre os 619,92 e os 998,76 €, sendo que o valor mais repetido (31 vezes) é 984,00 €.
Analisando o conteúdo destas faturas, parece ser evidente que as mesmas são preenchidas de modo a que o valor total não ultrapasse o 999,00 €. Senão, atente-se no seguinte.
Quando é faturada cortiça mais barata (1,60 € / Kg) são ‘transacionados’ 500 kgs, perfazendo um total de 984,00 €;
Se for faturada cortiça mais cara (3,00 € / kg), então o peso da cortiça diminui (entre 265 e 270 kgs), continuando as faturas a perfazer valores compreendidos entre 977,85 € e os 996,30 €
Aumentando ainda mais o valor da cortiça (4,00 € / kg), o peso da cortiça diminui ainda mais (para 200 kgs), continuando as faturas a perfazer valores inferiores a 1.000 €.
Esta situação é por demais evidente, quando o valor da cortiça passa para 8,00 €, situação em que o peso diminui para 100 kgs. [...]
Em conclusão, é notório o esforço das partes em preencherem as faturas de modo a evitarem a aplicação do nº 3, do artigo 63º - C da Lei Geral Tributária – ‘Os pagamentos respeitantes a faturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a (euro) 1000 devem ser efetuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respetivo destinatário, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto’, situação que apenas obscura ainda mais estas operações.
Quanto ao número de faturas
Estranha-se que BB... tivesse bens (rolhas e cortiça) para vender enquanto tinha faturas para preencher (do livro do n.º 351 ao 400) [...]
Quando acabou o ‘stock’ de faturas, também acabou o ‘stock’ de cortiça e rolhas. III.2.3.2.6. Obtenção de esclarecimentos Junto da gerência da ‘AA’
Tendo em conta o rol de indícios de falsidade que pendiam sobre as faturas em análise, fruto quer das investigações feitas junto do SP emitente, quer da análise à contabilidade da própria AA, foi o SP ouvido em termo de declarações no dia 6-6-2017 [...], a fim de fornecer elementos que contrariassem tais indícios.
Deste modo, a mesma, bem como o seu marido (dado que ambos trabalham a tempo inteiro na atividade pela qual aquela se encontra coletada) prestaram os seguintes esclarecimentos:
10) Foi o SP RJ... questionado sobre se conhece BB... e, em caso afirmativo, convidado a descrever o mesmo (em termos de idade e fisionomia) e a informar o que lhe comprou, como o contatava, se e onde este tinha estaleiro, quais os bens que lhe adquiriu e como os mesmos eram transportados e pagos, tendo declarado que se trata de uma pessoa, com cerca de 60 anos, que lhe aparecia a vender rolhas. Nessas alturas, o Sr. BB… trazia algumas rolhas para amostragem e caso se confirmasse o negócio, emprestava-lhe uma carrinha para este trazer as rolhas, sendo que era o declarante que assumia o custo do combustível. Não faz ideia sobre se este as produzia, ou as comprava. Acrescentou que o pagamento era feito numerário, sempre no momento da entrega da mercadoria, sendo essa a modalidade de pagamento que habitualmente utiliza, tendo a sua esposa confirmado estes factos.
11) Ainda relativamente a BB... foi o sujeito passivo RJ... questionado sobre que tipos de documentos de transporte acompanharam as alegadas compras (fatura, guia de remessa, etc), tendo declarado que neste momento desconhece se era emitido documento de transporte, para além da própria fatura, sendo que o seu procedimento habitual é entregar todos os documentos na contabilidade.
Conclui-se, assim, que os sujeitos passivos descrevem o Sr. BB..., como sendo alguém que de deslocava à empresa dos declarantes a oferecer ‘rolhas’. Contudo, a maior parte das faturas em análise referem-se à venda de cortiça e não rolhas.
Rolhas essas, cuja origem os adquirentes desconhecem, facto que obviamente tem uma importância extrema, dado que não havendo os cuidados necessários na produção e manuseamento das rolhas, tal poderá contamina-las com TCA (tricloroanisol), que não é mais do que um fungo que pode contaminar o vinho através de um odor desagradável. Ora, claro está que as rolhas acusando esta substância, perdem grande parte do seu valor.
Não obstante, e na procura da verdade material dos factos, procedeu-se, no dia 6 de junho de 2017 à notificação do SP [...] para apresentar esclarecimentos adicionais acerca das alegadas transações:
No seguimento de diversas diligências efetuadas pela Inspeção Tributária, quer no decurso da presente ação inspetiva, quer em outras realizadas a outros sujeitos passivos [...], foram recolhidos uma série de fortíssimos indícios de que as aludidas faturas são falsas, isto é, são faturas em que parte ou a totalidade dos elementos aí mencionados (nome do fornecedor, natureza do bem transmitido ou do serviço prestado, quantidades e valores unitários) não correspondem à verdade, designadamente, tendo em conta a não comprovação dos pagamentos de tais transações e dos respetivos transportes, bem como a inexistência de estrutura empresarial e de capacidade financeira do(s) alegado(s) fornecedores).
Assim, e uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) reuniu uma série de indícios suscetíveis de abalar a presunção de veracidade das operações em causa, cabe ao sujeito passivo utilizador das faturas em causa [...] o ónus da prova da veracidade das operações [...] pelo que deverá V.ª Ex.ª, no prazo máximo acima estabelecido, identificar os reais fornecedores dos bens que são referidos nas faturas anteriormente identificadas e emitidas em nome das duas entidades acima identificadas’,(...)
Contudo, pese embora, por um lado, tenha o sujeito passivo sido confrontado com a existência de fortes indícios de falsidade que impendiam sobre as faturas em análise, e, por outro lado, não tenha conseguido apresentar qualquer pormenor mínimo demonstrativo da efetiva realização das operações em causa (recorde-se que não foi indicado qualquer local do exercício da atividade (foi apenas referido que se tratava de um vendedor que aparecia à porta a vender rolhas – quando grande parte do valor faturado se refere a cortiça), não foram apresentados documentos de transporte válidos, e não foi demonstrado o pagamento das faturas em questão (é alegado o seu pagamento em numerário, quando a prática seguida – e bem – por AA é o pagamento por meio de cheque, mesmo em caso de operações de baixo valor), ao fim de 12 dias este limitou-se a responder [...]:

Face ao teor da notificação, importa referir que todas as facturas levadas à minha contabilidade correspondem a transacções efectivas, sendo os NIF nelas apostos atribuídos pela Autoridade Tributária e Aduaneira

Mais. todos os elementos da contabilidade já foram exibidos a V Exas. designadamente os relacionados com a actividade da empresa e dos terceiros com quem esta mantém relações económicas, que os exibirá sempre que para tal for solicitada [...]
Ou seja, mesmo após a notificação o SP não consegue apresentar qualquer pormenor que indicie a efetiva realização das operações.
III.2.3.3. Conclusões
A inspeção realizada ao ‘fornecedor’ BB... permitiu apurar uma série de fortes indícios de que as faturas por este emitidas a favor de AA não se referem a operações efetivamente realizadas entre as partes, designadamente em virtude de:
o alegado vendedor declarou em auto de declarações que nos anos de 2013 e 2014 não tinha tido qualquer atividade industrial ou comercial;
apenas após exibição das faturas que se encontravam arquivadas na contabilidade de AA, este afirmou o contrário, não sem antes ter afirmado desconhecer a ‘empresária AA’;
o alegado vendedor não exibiu nenhum elemento da contabilidade, em particular as faturas por si emitidas, tendo alegado que tinha entregue esses elementos ao seu contabilista, facto que foi desmentido por este;
o alegado vendedor não identificou qualquer fornecedor dos bens que faturou;
consultadas as bases de dados da AT, não se detetou uma única empresa a vender um quilo que fosse de cortiça ao Sr. BB...;
o alegado vendedor evidenciou desconhecimento quanto ao meio de transporte utilizado nas alegadas transações de venda, quer no que se refere ao tipo da viatura, quer no que se refere ao peso das cargas;
o alegado vendedor não tem, nem teve nos anos em análise, qualquer local onde pudesse armazenar os bens vendidos, alegando que os mesmos (no caso da cortiça) eram transportados diretamente da origem (Alentejo ou Algarve) para as instalações do seu cliente, tendo-se demonstrado que tal justificação é inviável;
tendo-se sido contactados ex-vizinhos e um familiar do Sr. BB..., nenhum lhe conheceu qualquer atividade relacionada com a cortiça;
A análise dos elementos disponíveis na contabilidade de ‘AA’ permitem confirmar esses mesmos factos, porquanto:
ficou indiciada a falta de capacidade da viatura usada para fazer alguns dos alegados transportes;
não ficou demonstrado o pagamento das alegadas transações, dado que é alegado o seu pagamento em numerário, sendo que a prática habitual de AA é – e muito bem – o pagamento sob a forma de cheque, mesmo para pagamentos de valor inferiores;
[...]
De facto, as mesmas foram ‘compradas’, mas não foram vendidas, nem inventariadas;
no que ao ano de 2013 diz respeito, apurou-se que, tendo em conta a variação de stocks e as vendas registadas, as compras de cortiça necessárias ascendia a 60.637,18 kgs, quando se encontram registadas compras de 81.990,94 kgs, o que representa em excesso superior a 25% de compras registadas, face às necessidades;
ficou demonstrado [...] que os rendimentos declarados, para efeitos de IRS, pelo agregado familiar de AA, são incompatíveis com as despesas do mesmo;
Estes elementos permitem concluir que as faturas timbradas em nome de ‘BB...’ na contabilidade de ‘AA’ são falsas, não consubstanciando qualquer efetiva transação comercial ocorrida entre esses intervenientes.
III.2.4. Análise à produção
Não obstante os indícios apurados, e atrás descritos, de que o sujeito passivo introduziu na sua contabilidade um vasto conjunto de faturas falsas, relativas a compras que de facto não ocorreram, procedeu-se a uma rigorosa análise à produção do sujeito passivo, de modo a apurar se, tendo em conta a estrutura de proveitos declarados, havia necessidade de terem ocorrido as compras registadas na contabilidade.
É essa análise que se vai descrever de seguida.
ANO DE 2013
Deste modo, e não obstante todo o conjunto de evidências recolhidas e atrás expostas no que se refere à falsidade das faturas emitidas pelo sujeitos passivo em questão, procedeu-se ao controlo da produção do sujeito passivo tendente a conseguir uma melhor análise dos factos.
Desse modo efetuou-se um controle incidente sobre os anos em análise, isto é 2013 e 2014, conforme quadros seguintes.
Antes porém, importa referir que tal análise é feita a partir da consideração de diversos fatores que se encontram devidamente apurados e comprovados, a saber.
A cortiça pesa em média 0,16 gr / cm3, valor esse constante de várias fontes [...]
Tendo em conta tal indicador médio de 0,16 gr / cm3, foram efetuados os seguintes testes: foram convertidos os inventários finais de rolhas dos anos de 2012 a 2014 em kg, as compras e vendas dos anos de 2013 e 2014, tendo-se obtidos os seguintes dados, conforme mapas de apoio.
No que ao peso das rolhas transacionadas diz respeito, e uma vez determinado o peso médio de 0,16 gr/cm3 da cortiça, este pode ser facilmente apurado através de fórmula matemática, tendo em conta o respetivo calibre:
[...]
No que respeita à cortiça, quando transacionada sob a forma de fardo, considerou-se que estes em média apresentavam 75 kgs, dado ser este o peso geralmente praticado. Esta situação sucede apenas uma vez, mais concretamente na fatura n.º ...0, de 7-2-2013, de M.... Transf. de Cortiças, na qual são transacionados 2 fardos de cortiça (fracos).
Assim, apuraram-se os seguintes valores:
Controlo da Produção 2013
(1) Ex. Inicial6.214,00
(2) Compras81.990,94
(3) Ex. Final10.913,36
(4) = (l)+(2)-(3) Vendas Teóricas77.291,58
(5) Vendas Registadas55.673,82
(6) Diferença21.617,76
[...]
Conclusão: Como podemos constatar o valor em Kg das compras (cortiça e rolhas) é muito superior às vendas, o que indicia:
- a contabilização de faturas de compra falsas, isto é, as mesmas não respeitam a compras efetivas realizadas pelo SP;
- a omissão de vendas, isto é, a ocorrência de vendas que não foram objeto de faturação.
[...]
Os fatos apurados nos capítulos anteriores levam-nos a concluir que estaremos perante a primeira hipótese, isto é, contabilização de faturas de compra que não respeitam a aquisições efetivas realizadas pelo SP.
[...] conhecendo-se o valor das vendas e da variação de stocks (neste caso, positiva, dado que passou de 6.214 kgs – em 31-12-2012 – para 10.913,36 kgs – em 31-12-2013), facilmente se estima o valor das compras necessárias: Compras = Vendas +/- Variação de Stocks, logo compras necessárias = 60.637,18 kgs, quando se encontram registadas compras de 81.990,94 kgs, o que representa em excesso superior a 25% de compras registadas, face às necessidades.
[...]
Para além da análise atrás descrita promoveu-se ainda a outro tipo de análise:
II 1.2.5. Decomposição das Vendas e das Compras
Vendas (Decomposição das vendas) 2013
ArtigoQuant. – KgPreço Unit. MédioValor Total
Apara (especial, broca, refugo cozido)42.093,00€0,60€25.338,23
Cortiça (5/6, 10/18, 10/12, boa, fraca)10.184,00€1,72€17.512,00
Rolhas3.396,82€0,03€67.602,92
Serviços de cozedura€1.000,00
Total55.673,82€111.453,15
Verifica-se que no ano de 2013 foram faturados 55.673,82 Kgs de apara, de cortiça e de rolhas, o que perfaz um valor de 110.453,15€, sendo a este valor acrescidos 1.000,00€ correspondentes a serviços prestados por AA, correspondendo ao valor total de 111.453,15€.
[...]
Compras (Decomposição das compras) 2013
ArtigoQuant. – KgPreço Un.Valor Total
Apara (Broca e Especial)3370,000,62€2.076,60
Cortiça (5/6, 6.ª, Fracos, Amadia, Mato, Bocados, Delgada, Aproveitamento)76629,001,25€95.416,25
Rolhas1.991,943,84€7.646,40
Total81.990,94 €105.139,25
Conforme podemos constatar no ano de 2013 foram comprados 81.990,94Kg de apara, cortiça e rolhas, o que corresponde a um valor total de 105.139,25€.
[...]
Conclusão:
A análise dos [...] quadros atrás apresentados permite concluir que estamos perante uma empresa industrial, isto é, uma empresa que compra cortiça (esta representa cerca de 91% das compras de 2013 [...]) que depois transforma em rolhas de cortiça (que representa cerca de 60% das vendas de 2013 [...]) e também no subproduto apara (que representa cerca de 22% das vendas de 2013 [...]).
Ora, tratando-se de uma empresa industrial é imprescindível que exista, mão-de-obra, (ou mão-de-obra subcontratada) e equipamento produtivo (ou serviços subcontratados).
Contudo, a análise à contabilidade e às declarações fiscais evidenciam uma realidade totalmente diferente.
De facto, e no que se refere ao equipamento produtivo a empresa apenas dispõe [...] de uma viatura ligeira de passageiros e uma máquina de cortar relva, pelo que, com este equipamento, não consegue produzir uma única rolha.
E, por outro lado, não há o registo de aquisição de serviços prestados que justifiquem a ausência total de equipamento [...]
No que se refere à mão-de-obra, não existe na contabilidade o registo de um único cêntimo pago a título de mão-de-obra.
Não obstante, verifica-se, pela análise efetuada, que a atividade desenvolvida consiste na produção de rolhas de cortiça, pois é declarada, essencialmente, a compra de cortiça, sendo depois vendidas rolhas. Uma vez que não existem (na contabilidade) despesas com mão-de-obra, com subcontratação de serviços de brocagem de rolhas, nem tão pouco equipamento para tal, facilmente se conclui que terão sido omitidos tais gastos à contabilidade e, porventura, os mesmos sido substituídos pelas faturas agora indicadas como falsas.
III.2.6. Quanto aos rendimentos declarados pelo agregado familiar de AA
Por consulta às declarações de IRS apresentadas pelo SP AA, verifica-se que entre 2013 e 2015 apenas foram declarados pelo seu agregado familiar rendimentos da categoria B de IRS, relativos à atividade pela qual aquela se encontra coletada. Assim, os únicos rendimentos declarados ascendem a:
201320142015
Resultado cat. B5.707,81 €1.670,63 €133,58 €
Rendimento ‘mensal’475,65 €[...][...]
Rendimento ‘diário’15,64 €[...][...]
Note-se, desde logo, os reduzidíssimos rendimentos declarados por este agregado familiar (composto pelo casal e um dependente), os quais deixam transparecer de forma vincada a libertação de fundos que não se encontra refletida na contabilidade. De facto, os valores do rendimento diário são tão exíguos que facilmente se conclui que os mesmos não podem ser reais, sendo que os mesmos não permitiriam a subsistência deste agregado familiar, até porque aos valores acima identificados ainda haverá que deduzir as contribuições obrigatórias para a segurança social.
E isto é facilmente comprovável.
Por exemplo, no ano de 2015, o agregado familiar apenas declarou um rendimento anual de 133,58 €. Isto é, de acordo com a declaração de rendimentos entregue por este agregado familiar este teria sobrevivido no ano de 2015 com este rendimento. Ora, se analisarmos as despesas gerais familiares deste agregado familiar e as despesas de saúde, do ano em questão, verifica-se que estas ascendem a cerca de 12.000 € [...]
Ou seja, nem o somatório dos rendimentos declarados nos anos de 2013, 2014 e 2015 é suficiente para justificar as despesas conhecidas de 2015, pelo que é óbvio que têm sido retirados fundos da atividade empresarial de forma ilegal, sendo que a análise efetuada à escrita indicia que tal terá sucedido através da introdução de faturas falsas na contabilidade.
III.3. CORREÇÕES EFETUADAS
[...]
III. 3.2. Correções efetuadas em sede de IRS
Não poderão ser aceites fiscalmente para determinação do lucro tributável, os custos contabilizados pelo sujeito passivo, tendo por base faturas que, por via de todos os factos carreados para o processo, foram indiciadas, de forma contundente, como falsas.
De facto, reunidos todos os indícios da falta de veracidade das operações vertidas nas faturas em causa, recaia sobre o sujeito passivo o ónus da prova de demonstrar o contrário, isto é, que de facto tais compras se haviam efetivado nos exatos moldes retratados nas faturas (natureza dos bens, quantidades, preços e com aquele concreto sujeito passivo emitente).[...]
Contudo, mesmo confrontado, mediante notificação [...] em sede de contraditório com a factualidade de que a Autoridade Tributária se encontrava na posse de fortes e contundentes indícios de que aquelas operações, naqueles concretos montantes, naquelas concretas datas, envolvendo aqueles concretos contribuintes não haviam ocorrido, o sujeito passivo não logrou apontar algum elemento minimamente plausível que indicie que, pese embora todos os indícios de falsidade existentes, tais operações foram efetivas e realizadas nos exatos moldes retratados nas faturas em causa, pois limitou-se a responder:

Face ao teor da notificação, importa referir que todas as facturas levadas à minha contabilidade correspondem a transacções efectivas, sendo os NIF nelas apostos atribuídos pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Mais, todos os elementos da contabilidade já foram exibidos a V. Exas.. designadamente os relacionados com a actividade da empresa e dos terceiros com quem esta mantém relações económicas, que os exibirá sempre que para tal for solicitada [...]
Isto, mesmo sabendo que dias antes, não tinha conseguido, sequer, explicar onde eram as instalações de dois dos alegados fornecedores, nem tão pouco identificado o gerente ou qualquer representante de um deles.
Ou seja, o sujeito passivo escuda-se na existência de faturas nas quais consta um número de contribuinte, como que se tal lhe conferisse, sem mais, toda a legitimidade para deduzir o respetivo IVA e considerar o respetivo custo. Mas, de facto, tal não sucede.
Neste cenário, à Autoridade Tributária, não resta outra alternativa legal que não aquela imposta pelo art. 23.º n.º 1 do CIRC (na redação em vigor até 31-12-2013) [...], aplicável por remissão do artigo 32.º do CIRS isto é, a da não consideração dos custos reputados de fictícios, efetuando a correção consubstanciada na dedução ao lucro tributável das importâncias tituladas pelas faturas inquinadas de falsidade. De facto, «se o custo não está documentado, devendo estar documentado, tai custo não pode ser considerado mesmo quando não haja dúvidas sobre a sua efetiva verificação», não havendo tão pouco lugar à sua estimativa com recurso a métodos indiretos [...].
Assim, afigura-se-nos evidente que tais custos/gastos, porque, por um lado, encontram-se contabilizados em faturas indiciadas como falsas e, por outro lado, o sujeito passivo não logrou demonstrar (nem sequer tentar) que incorreu noutros gastos que não os relevados nas faturas postas em crise, não podem refletir-se negativamente na determinação da matéria tributável [...].
E se é certo que, por exigência do princípio da capacidade contributiva, em situações excecionais é de admitir que custos não documentados contribuam para o apuramento do lucro tributável, para que tal seja possível, é necessário que o sujeito passivo alegue e prove a existência do custo/gasto e a sua exata expressão pecuniária [...]. Ora, a verdade é que, como vimos, o sujeito passivo não provou ter suportado custos nem, naturalmente, qual o montante desses custos e, deste modo, correta se mostra a determinação direta da matéria coletável através do recurso às chamadas correções aritméticas consubstanciadas na desconsideração dos custos contabilizados única e exclusivamente com base em faturas indiciadas como falsas.
Ora, referimos no parágrafo anterior que ‘em situações excecionais é de admitir que custos não documentados contribuam para o apuramento do lucro tributável, para que tal seja possível, é necessário que o sujeito passivo alegue e prove a existência do custo/gasto e a sua exata expressão pecuniária’, pelo que importa esclarecer quais são essas ‘situações excecionais’:
i) o SP tem de provar a existência desse custo/gasto, sendo que, para atingir tal desiderato, este tem de identificar de forma inabalável o respetivo vendedor, dado que para haver transação comercial tem, obviamente, que haver um comprador, mas também um vendedor. Por outras palavras, se se pretende provar a existência de um custo/gasto, tem de se provar a existência de um proveito/gasto;
ii) para além disso, torna-se indispensável a apresentação de documentos comprovativos do preço pago.
Assim, não obstante não ter sido emitida fatura aquando da realização da real transação (a única ocorrida), procedendo o SP ao cumprimento destes dois requisitos (por exemplo, apresentando um contrato particular, um orçamento, um documento de transporte, etc acompanhado por cópia de um cheque, de um documento de quitação, etc), considera-se verificada a citada ‘situação excecional’, e, como tal, poderá/deverá a AT levar em consideração esses gastos para efeitos do apuramento do lucro tributável.
Caso contrário, não resta outra alternativa à AT (sob pena de estar a fomentar a economia paralela) que não seja a desconsideração como custo fiscal dos valores registados na contabilidade com base em faturas falsas.
[...]
Na verdade, qualquer outro entendimento que não este, estaria a premiar de forma inusitada comportamentos ilícitos e, de certa forma, a contribuir para estimular este flagelo da faturação falsa que vem delapidando de forma intrépida o erário público.
Com efeito, embora não se possa negar perentoriamente que o sujeito passivo para poder gerar os proveitos que registou na sua contabilidade, não tenha muito provavelmente suportado custos superiores aqueles que vão agora ser tidos em consideração pela AT para efeitos do apuramento do seu lucro tributável (isto é, custos registados pelo sujeito passivo diminuídos dos custos contabilizados com base em faturas falsas), a verdade e que é inquestionável que, caso tenha de facto incorrido nesses gastos, os mesmos não estão documentados, pois de forma perfeitamente consciente, deliberada e reiterada o sujeito passivo terá optado por incorrer em custos, designadamente compras de bens/serviços, não faturadas por parte dos (reais) fornecedores. É óbvio que se o sujeito passivo comprou bens/serviços sem emissão, por parte dos vendedores, das respetivas faturas, poderia – e deveria – ter adquirido esses mesmos bens a centenas de outros operadores que se encontram no mercado e que emitiriam a competente fatura. Mas o que se constata é que, face à estrutura de custos desequilibrada que se apura na sequência da presente ação de inspeção, o sujeito passivo terá optado por efetuar compras no ‘mercado paralelo’ certamente porque tal lhe trouxe qualquer tipo de vantagem económica, provavelmente consubstanciada num preço inferior ao preço ‘normal’, já que se o real fornecedor não emite fatura não vai incorrer em determinados custos (designadamente tributação em sede de IRS), pelo que consegue dessa forma (ilícita) praticar preços mais competitivos e que se traduzem numa concorrência desleal para com os operadores que cumprem com as suas obrigações fiscais e de cidadania.
Ora, se de forma perfeitamente consciente, deliberada e reiterada o SP tomou a decisão de comprar bens/serviços a operadores que não emitem fatura, para, dessa forma, conseguir vantagens competitivas, torna-se evidente que este sabia que com essa conduta apuraria, aquando da submissão da declaração de rendimentos modelo 3, um lucro tributável superior ao efetivamente corrido, na medida em que parte dos custos incorridos não estavam documentados/justificados. E, como tal, pagaria IRS por um valor superior aquele que seria devido se este tivesse comprado tais bens/serviços a operadores que emitissem a competente, e obrigatória, fatura. Não obstante, o que se verifica é que o sujeito passivo se rodeia de um conjunto de faturas falsas para conseguir diminuir o lucro tributável que resultaria do fecho das suas contas e que – em virtude da sua opção de comprar sem emissão de fatura – naturalmente ascenderia a valores de rentabilidades muito superiores ao normal.
Por essa razão é que se entende que a desconsideração dos custos registados com base em faturas falsas não colide, nem sequer belisca, o princípio da tributação do rendimento real das empresas consagrado no art.º 104.º da CRP, na medida em que o lucro tributável apurado pela AT – resultante da desconsideração do efeito no apuramento do lucro tributável – não é mais do que uma consequência da ação do próprio sujeito passivo ao de forma perfeitamente consciente, deliberada e reiterada adquirir bens/serviços a operadores que não lhe emitiram fatura. E o lucro tributável é tão maior quanto o valor desses ‘pecados’ (leia-se compras sem faturas), do sujeito passivo. Na verdade, o que está aqui em causa não é a mera impossibilidade por parte do sujeito passivo em comprovar que incorreu em determinados custos/gastos, bem como a sua exata quantificação, por motivos que lhe poderiam, pelo menos em teoria, ser alheios (por exemplo, se tivesse ocorrido um incêndio que destruísse a contabilidade), mas sim uma impossibilidade que resulta de um ato praticado de forma livre, deliberado e conscientemente por si, que foi o de comprar bens/serviços sem a emissão da competente fatura.
[...]
Não restam assim dúvidas de que as faturas identificadas neste relatório como falsas, por não traduzirem operações efetivamente ocorridas entre aqueles concretos operadores, naquelas concretas datas ou naqueles concretos montantes, não podem contribuir para a quantificação do lucro tributável do sujeito passivo, por serem contrárias à lei, razão pela qual são desconsideradas.
[...]
Nesses termos, tendo, por todos os motivos apresentados, sido desconsiderados os gastos suportados com base em faturas falsas por não serem fiscalmente dedutíveis para efeitos fiscais, foi o sujeito passivo notificado para que, se assim o entendesse, pudesse fazer prova da realização doutros gastos em que pudesse ter incorrido no exercício da sua atividade e que não se encontrassem ainda relevados na contabilidade, com o fim de que fossem tidos em conta no apuramento do lucro tributável.
Não tendo o sujeito passivo feito essa prova, [...] o lucro tributável do sujeito passivo corresponde ao valor declarado pelo sujeito passivo na declaração modelo 3 de IRS, acrescido nos termos da alínea d) do nº 1, do artigo 23º-A dos encargos não dedutíveis suportados com base em faturas falsas.
Do exposto, resultam as seguintes correções:
2013[...]
Resultado cat. B declarado5.707,81
Custos não aceites (fat. Falsas)50.142,00
Resultado cat. B corrigido55.849,81
[...]
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
[...]
IX.2. ABORDAGEM À RESPOSTA DO SUJEITO PASSIVO
[...]
Nos pontos 1 a 4, o sujeito passivo refere-se única e exclusivamente ao princípio da legalidade concluindo no ponto 5, que ‘nada resulta de concreto [...] que ponha em causa a veracidade das transações realizadas no âmbito da atividade da empresa’.
Ora, quanto às alegações ao princípio da legalidade apenas há que manifestar, por parte do signatário do presente relatório, a concordância com o mesmo, não indicando o contribuinte se entende se o mesmo foi, ou não, cumprido e, em caso negativo, porquê.
Quanto, ao referido no ponto 5.º que ‘nada resulta de concreto [...] que ponha em causa a veracidade das transações realizadas no âmbito da atividade da empresa’, tal afirmação não encontra aconchego nos vastos indícios carreados para o projeto de relatório, conforme se apresenta, de novo, embora, evidentemente, agora de forma mais abreviada:
» Inexistência de compras e/ou estrutura por parte dos alegados fornecedores que lhe permitissem vender os bens faturados ao signatário;
» Crédito de IVA injustificado (recorde-se que se trata de uma atividade de elevado valor acrescentado, tendo em conta a forte componente de mão-de-obra associada à fabricação de rolhas);
» Não justificação dos pagamentos, dado os mesmos terem, alegadamente, ocorrido sob a forma de numerário, pese embora, por um lado, muito destes superem o limite estabelecido na lei para pagamentos dessa forma e, por outro lado, não ser essa a prática do sujeito passivo, o qual efetua maioritariamente os pagamentos através de cheque independentemente dos valores a pagar;
» Não justificação de grande parte dos transportes, associados às alegadas compras (não foram exibidos, por parte do SP, nem no decurso da ação inspetiva, nem no exercício do direito de audição, os indispensáveis documentos de transporte). E, quando tais documentos foram exibidos – o que sucedeu apenas no caso da B..., Lda--- – ficou indiciado a incapacidade de algumas das viaturas aí mencionadas terem, de facto, efetuado tais transportes;
» Prazo médios de pagamento das faturas indiciadas como falsas incompatíveis com os prazos médios de pagamentos existentes para os restantes fornecedores;
» Testes de ‘cortes de operações’ efetuados que permitiram apurar que no espaço de um mês, esfumaram-se quase 300 milheiros de rolhas ‘adquiridas’ a BB.... De facto, as mesmas foram ‘compradas’, mas não foram vendidas, nem inventariadas;
» Notório desconhecimento patenteado pelo SP acerca dos seus alegados fornecedores (recorde-se, por exemplo, que o ‘fornecedor’ TJ... foi caraterizado pelo sujeito passivo como tendo cerca de 40 anos, quando, na verdade, tem 28 e, de igual modo, o sujeito passivo não conseguiu identificar instalações ou qualquer representante do ‘fornecedor’ B..., Lda---);
» Notória omissão de rendimentos, por parte do agregado familiar em análise, porquanto nem o somatório dos rendimentos declarados nos anos de 2013, 2014 e 2015 é suficiente para justificar as despesas conhecidas de 2015, pelo que é óbvio que têm sido retirados fundos da atividade empresarial de forma ilegal, sendo que a análise efetuada à escrita indicia que tal terá sucedido através da introdução de faturas falsas na contabilidade;
» Do controlo de produção efetuado resultou que no ano de 2013 o valor em Kg das compras (cortiça e rolhas) é muito superior às vendas.
Vem nos pontos 6 a 9, descrever as correções efetuadas por alegado fornecedor / ano, por ter considerado a Inspeção Tributária que as faturas que deram origem às correções são simuladas, tendo-se para o efeito baseado nas diligências levadas a efeitos aos mesmos a coberto das respetivas ordens de serviço e respetivos relatórios [...]. Os quais contudo, não foram anexos ao projeto de relatório notificado ao sujeito passivo [...]
Quanto ao referido nos pontos indicados, no que se prende à não inclusão, como anexo do projeto de relatório, dos relatórios efetuados aos alegados fornecedores, importa referir que tal pretensão não tem acolhimento na lei, dado estar em causa a proteção do sigilo fiscal. De facto, é óbvio que os tais relatórios contemplam informação fiscal do foro pessoal dos visados (bem como de outros sujeitos passivos com os quais tiveram alegadamente transações comerciais) que, como tal, estão cobertos pelo sigilo fiscal. Por essa razão é que [...] são indicadas como testemunhas os inspetores que realizaram tais inspeções, para além de, obviamente, terem sido transcritos neste relatório os factos aí referidos que caraterizam a atividade (ou falta dela) dos sujeitos passivos em causa.
Importa, ainda, fazer uma referência particular ao referido no ponto 10.º para recordar que as diligências descritas ocorreram precisamente no período em que teriam ocorrido as alegadas transações com TJ..., conforme consta do projeto de relatório:
‘Declarou o sujeito passivo, em 28-10-2013, que exerce a sua atividade no local do seu domicílio fiscal, tendo reafirmado este depoimento em 04-03-2014. Contudo, verificou-se que no domicílio fiscal do sujeito passivo, sito na Rua (…), não existem condições do exercício desta atividade, nas quantidades alegadamente praticadas, uma vez que o espaço é diminuto.
Informa o signatário de modo geral nos pontos 15 a 21, que da análise ao ‘Projeto de Relatório, bem como os seus Anexos, constata-se que todas as facturas são verdadeiras, e nada de concreto foi apurado em como as facturas em causa não correspondam a operações reais’, que a Inspeção Tributária ‘nada prova, em concreto, quanto à alegada simulação das facturas, quer através de factos retirados designadamente de documentos e/ou elementos respeitantes à empresária AA’. Que, ‘a alegada simulação das facturas, que no caso presente não existe, tem de ser feita pela Inspeção Tributária’
Ou seja, o signatário volta basicamente a repetir o que já havia referido no ponto 5.º, pelo que nos limitamos a remeter para o que atrás expomos, designadamente a lista, resumida, dos indícios apurados pela Inspeção Tributária.
Refere no Ponto 22, que ‘não foi realizado qualquer controlo quantitativo da produção e das matérias primas consumidas nos exercícios de 2013 e 2014’
Ora, não se compreende o alegado pelo Sujeito Passivo, pois, por um lado, tal é desmentido pelo projeto de relatório, dado que o mesmo se encontra devidamente descrito no ponto III.2.4. e, por outro lado, o próprio signatário nos pontos seguintes tece considerações sobre tal controlo de produção, que alega não existir.
No ponto 23.º o signatário tenta pôr em crise um dos pressupostos utilizados pela Inspeção para efetuar tal controlo, isto é, de que a cortiça pesa em média 0,16 gr / cm3 alegando que se trata de informação produzida pelo maior grupo relacionado com a cortiça, pelo que, conclui nos pontos 24.º a 29.º que são realidades distintas – a do sujeito passivo e a do grupo CC--- – pelo que a análise está errada.
Ora, o invocado é incorreto, pois são várias as fontes citadas (e não apenas o site do grupo CC---) no projeto de relatório e todas elas apontam no mesmo sentido, sendo tal valor unanime mesmo a nível internacional.
No ponto 30.º o signatário invoca que as deduções de IVA têm por base faturas emitidas por Sujeitos Passivos com números de contribuinte válidos, pelo que, por esse facto, a dedução é, no seu entendimento, legitima. Ora, o direito à dedução de IVA não se baseia, apenas, na questão formal dos documentos, devendo, logicamente, as mesmas terem subjacente verdadeiras transações entre as partes, naqueles concretos valores e daqueles concretos bens.
No ponto 31.º o signatário alega que a inspeção tributária não se baseia em factos ‘retirados de documentos e elementos respeitantes à atividade do contribuinte’, concluindo no ponto 33.º que ‘todas as faturas aqui em causa correspondem a verdadeiras transações comerciais’ Quanto ao alegado, uma leitura atenta do projeto de relatório permite desmentir tal facto, porquanto são apontados no mesmo os seguintes factos, resultantes da análise à contabilidade e declarações fiscais do signatário:
» Crédito de IVA injustificado;
» Não justificação dos pagamentos;
» Não justificação de grande parte dos transportes;
» Prazo médios de pagamento das faturas indiciadas como falsas incompatíveis com os
prazos médios de pagamentos existentes para os restantes fornecedores;
» Testes de ‘cortes de operações’ efetuados que permitiram apurar que no espaço de um mês, esfumaram-se quase 300 milheiros de rolhas ‘adquiridas’ a BB.... De facto, as mesmas foram ‘compradas’, mas não foram vendidas, nem inventariadas;
» Notório desconhecimento patenteado pelo SP acerca dos seu alegados fornecedores; » Notória omissão de rendimentos, por parte do agregado familiar em análise,
» Do controlo de produção efetuado resultou que no ano de 2013 o valor em Kg das compras (cortiça e rolhas) é muito superior às vendas.
Por fim, nos pontos 34.º a 42.º o signatário insurge-se contra às correções em sede de IRS, referindo, no ponto 35.º, que ‘como se verifica do quadro da página 4 (...) a Inspeção Tributária admite que a escrita da sociedade contribuinte reflete o resultado efetivamente obtido em relação aos proveitos.
No que se refere ao argumentado e atrás transcrito, não se percebe em que se baseia o signatário para concluir desse modo.
No ponto 36.º o signatário alega que a ‘Autoridade Tributária não goza da dispensabilidade de uma presunção dos custos incorridos’, concluindo no ponto 37.º que se deve questionar a Autoridade Tributária ‘como é possível vender quando as compras são verdadeiras’.
Ora, estas questões, salvo melhor opinião, já se encontram devidamente explicadas no projeto de relatório.
Contudo, vai-se de seguida, ainda que necessariamente de forma resumida, justificar outra vez o procedimento adotado.
O que resulta da análise feita é que no ano de 2013, uma boa parte dessas ‘compras’ nem sequer se justifica tendo em conta a matéria-prima necessária para produzir as rolhas faturadas / produzidas. Para além disso, o que foi indiciado é que aqueles concretos fornecedores, não forneceram naquelas concretas datas, aqueles concretos bens, naquelas concretas quantidades e naqueles concretos valores.
Uma vez reunidos todos os indícios da falta de veracidade das operações vertidas nas faturas em causa, recaía sobre o sujeito passivo o ónus da prova de demonstrar o contrário, isto é, que de facto tais compras se haviam efetivado nos exatos moldes retratados nas faturas (natureza dos bens, quantidades, preços e com aquele concreto sujeito passivo emitente). [...]
Contudo, conforme consta do projeto de relatório, mesmo confrontado, mediante notificação [...] em sede de contraditório com a factualidade de que a Autoridade Tributária se encontrava na posse de fortes e contundentes indícios de que aquelas operações, naqueles concretos montantes, naquelas concretas datas, envolvendo aqueles concretos contribuintes não haviam ocorrido, o sujeito passivo não logrou apontar algum elemento minimamente plausível que indicie que, pese embora todos os indícios de falsidade existentes, tais operações foram efetivas e realizadas nos exatos moldes retratados nas faturas em causa.
Neste cenário, à Autoridade Tributária, não resta outra alternativa legal que não aquela imposta pelo art. 23.º n.º 1 do CIRC (na redação em vigor até 31-12-2013) [...], aplicável por remissão do artigo 32.º do CIRS isto é, a da não consideração dos custos reputados de fictícios, efetuando a correção consubstanciada na dedução ao lucro tributável das importâncias tituladas pelas faturas inquinadas de falsidade. [...].
No ponto 37.º o signatário volta a alegar que ‘como se verifica das páginas 4 e 87.º ... a Inspeção Tributária aceita o Resultado da categoria B’. Quanto ao alegado, mais uma vez se refere que não se percebe em que se baseia o signatário apara chegar a tal conclusão que não tem acolhimento no relatório da inspeção.
Nos pontos 38.º a 42.º o signatário refere que a ‘a Inspeção Tributária está vinculada à realização de todas as diligências para o apuramento da verdade tributária’, concluindo, então, que são ‘ilegítimas e infundadas as correções propostas’.
Quanto ao alegado, apenas resta reafirmar que não se vislumbram – nem o signatário o refere – que diligências mais poderiam ter sido efetuadas, estando as correções efetuadas sustentadas num conjunto de indícios que apontam no sentido de estarmos perante faturas falsas.
Tendo em conta o exposto, mantêm-se as correções e enquadramento sancionatório constantes do projeto de relatório.
[...]”
– cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, de fls. 146 a 242 do sitaf;
15. Em 25.07.2017, foi proferido despacho concordante com as correções propostas no Relatório de Inspeção – cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 146 do sitaf;
16. Com base nas correções propostas no Relatório de Inspeção, foi emitida a liquidação n.º ...94, na importância global de € 18.140,75, na qual se incluem juros compensatórios no valor de € 2.011,14 – cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, de fls. 19, 21, 395 a 400, 413, 415, 416 e 418 do sitaf;
17. Na sequência, foi emitida a nota de cobrança n.º ...41, na qual se procedeu ao estorno de anterior liquidação para o mesmo ano, apurando-se o valor a pagar de € 17.955,26, e tendo como data limite de pagamento o dia 04.10.2017 – cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 20 e 417 do sitaf;
18. Em 12.12.2017, deu entrada no serviço de finanças de Feira 4 a petição inicial da presente impugnação – cfr. documento a fls. 3 do sitaf.
*
Não se deram como provados ou não provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
Os factos foram dados como provados com base na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.»

2.2. De direito
A Recorrente (AA) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro de 21.08.2020 que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional decorrente de correcções meramente aritméticas à matéria tributável declarada em sede de IRS, relativamente ao exercício de 2013, no montante global de € 18.140,75.
Liquidação essa, emitida na sequência de uma acção de inspecção realizada à contabilidade da Impugnante, no âmbito da qual a Administração Tributária (AT) entendeu não aceitar como custos os valores relativos a um conjunto de facturas emitidas a favor da impugnante por “TJ...; B..., Lda. e BB...”, por entender que as mesmas não correspondem a efectivas e reais transacções comerciais.
A Recorrente alicerçou a sua Impugnação, invocando, em suma, (i) Vício de ausência da fundamentação legalmente exigível; (ii) Da falta de notificação dos Relatórios de Inspecção das sociedades emitentes das facturas; (iii) Da omissão do termo dos testes realizados; (iv) Vício de violação de lei por não terem sido apurados indícios suficientes de simulação e, consequentemente a elisão da presunção de veracidade da contabilidade; (V) Do dever de aplicação de métodos indirectos.
O tribunal a quo conhecendo dos vícios invocados, considerou que os mesmos não se verificavam, no essencial, e em concreto no ponto crucial, que do quadro indiciário referido no relatório de inspecção, analisado à luz das regras da experiência comum, suporta a conclusão da AT, no sentido de que as facturas em causa não se reportam a transacções reais e que a Impugnante não fez a prova, que se lhe impunha, de que adquiriu os bens titulados pelas facturas e que os mesmos lhe foram fornecidos pelo emitente das mesmas. Concluindo, assim, que os valores relevados contabilisticamente pela Impugnante relativos às facturas emitidas a seu favor por “TJ...; B..., Lda. e BB...”, não podem ter-se por encargos comprovadamente suportados, por via do que não é admissível a sua aceitação como custos para efeitos de apuramento do lucro tributável.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, invocando, no essencial, que a sentença recorrida enferma de (i) nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação; (ii) violação dos princípios do contraditório e igualdade de meios, do principio do inquisitório; (iii) incorreu em erro de julgamento de facto; (iv) erro na apreciação da prova produzida, no entendimento de que o tribunal a quo não podia dar como provado todo o vertido no Relatório de Inspecção Tributária, que a análise dos documentos juntos aos autos, designadamente do RIT, em conjugação com as regras da experiência comum impunham decisão diversa, mormente que os fornecimentos a que se reportam as facturas desconsideradas existiram, e eram imprescindíveis ao desenvolvimento da actividade da Recorrente aceite pela AT, e que, assente nessa premissa, a AT não logrou apontar a existência de factos objetivos ou indícios seguros, credíveis e consistentes com a demais factualidade situada do lado dos emitentes de que os fornecimentos constantes das faturas por ele emitidas e contabilizadas pela Recorrente não correspondiam a operações reais e efetivas e que, consequentemente o julgador incorreu em (v) erro na aplicação do direito.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
2.2.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
A primeira questão que importa apreciar e decidir, por contender com a sua validade formal, é a de saber se a sentença recorrida enferma da alegada nulidade por omissão de pronúncia.
Com efeito, na conclusão 1) e 2) das alegações de recurso, a Recorrente imputa à sentença recorrida nulidade por omissão de pronúncia, sustentando que o Tribunal a quo, não se pronunciou sobre “… as alegações produzidas pela recorrente nos termos do artigo 120º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” e, bem assim “… não apreciou todas as questões postas em crise pela impugnante, ora recorrente, e aquelas que apreciou, fê-lo, salvo o devido respeito, de forma pouco fundamentada, sem conseguir dar respostas através dos factos e fundamentos de direito, o que só por si conduz ao vicio da nulidade da sentença recorrida.”, se bem abrangemos o alegado, aquilo que podemos enquadrar como falta de fundamentação da sentença recorrida cuja apreciação autonomizaremos.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 125º nº 1 do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
A nulidade por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que, de acordo com o disposto no artigo 608º, nº2 do CPC [aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT], significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Portanto, a apontada nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” (vide, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363. Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13.07.11 e de 20.09.11, proferidos nos recursos nºs 0574/11 e 0268/11, respectivamente).
E, como se refere no acórdão do STA de 11.03.2015, proferido no âmbito do proc. nº 01035/12, “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice). (…)
Numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista.
Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.
Em reforço deste entendimento, cumpre salientar o expendido no acórdão do STA de 12.06.2018 [processo n.º 0930/12.7BALSB] “(…)
24. Caraterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC].
25. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
26. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio (…)”.
Munidos destes ensinamentos e jurisprudência, em jeito de súmula, temos que: «O conceito de questões abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem» (cf. Jorge Lopes Sousa, in CPPT Anotado, 6.º Ed., vol. II, p. 363). A este propósito, refere-se que «as questões que o tribunal deve apreciar e decidir são apenas aquelas que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir, do pedido e das exceções, não se confundindo com as considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pela parte (e, portanto, quanto a estas últimas, o tribunal não só não tem de ser pronunciar, como nenhuma consequência daí advirá se o não fizer, nomeadamente, não configurando tal situação uma omissão de pronúncia)» (cf. Helena Cabrita, in A sentença cível, Fundamentação de facto e de direito, Almedina, 2019, p. 235). «O conhecimento de todas as questões não significa que o tribunal tenha de conhecer de todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes e só a falta de conhecimento de questões constitui nulidade por omissão de pronúncia» (cf. Jorge Lopes de Sousa, in ob cit, p.364).
Cientes de tais princípios e uma vez compulsada a petição inicial (nomeadamente os seus 59 artigos e 14 conclusões) e a sentença sob recurso, contata-se que não vislumbramos ocorrer qualquer omissão de pronúncia, tarefa que espigamos por nós, perante a afirmação genérica, sem qualquer conteúdo concreto, que decorre das alegações de recurso da Recorrente, a qual não identifica qualquer questão que tenha sido invocada na sua petição inicial e cujo conhecimento tenha sido preterido pelo tribunal a quo.
É que, a esgrimida omissão de pronúncia emerge do facto de a sentença recorrida não se ter pronunciado sobre o teor das alegações escritas apresentadas pela Impugnante, ora Recorrente, nos termos do artigo 120º do CPPT (vide conclusão 1.).
Mas qual a questão em concreto, por si alegada, cujo conhecimento foi omitido, perguntamos nós??
Pois que, nas suas alegações e respectivas conclusões a Recorrente limita-se a alegar a falta de pronúncia, sem, contudo, concretizar em que termos a sentença a quo incorre em tal nulidade, concretamente identificando as questões que, porque suscitadas, deveriam ter sido apreciadas e o não foram. Sendo certo, como já referimos, que analisada a petição inicial, as alegações apresentadas nos termos do artigo 120º do CPPT e, a sentença recorrida, não divisamos que questão ou questões quedaram sem a devida pronúncia pelo tribunal a quo.
Termos em que improcede a arguida nulidade por omissão de pronúncia.
2.2.2. Da nulidade por falta de fundamentação
Mais alega a Recorrente contra a sentença recorrida o arrazoado de que “O Meritíssimo Juíz “a quo” incorreu em erro de julgamento e não apreciou todas as questões postas em crise pela impugnante, ora recorrente, e aquelas que apreciou, fê-lo, salvo o devido respeito, de forma não fundamentada, sem conseguir dar respostas através dos factos e fundamentos de direito, o que só por si conduz ao vicio da nulidade da sentença recorrida.” (vide conclusão 2)) e, mais adiante (sob a conclusão 5), 6), 21) e 28)), volta a aludir a deficiente fundamentação, referindo que “…, se conclui que a decisão recorrida não indica com clareza e congruência, os elementos de facto e de direito que determinaram a liquidação adicional de IRS impugnada relativa ao ano de 2013.”, por referência ao controlo das existências, prosseguindo “… considera processualmente inconcebível que todos os factos dados como provados na Douta Sentença recorrida, se sustentem em prova documental que não existe nos autos, ou seja, em Relatórios de Inspeção de outros contribuintes, que no caso sub judice, cujos Relatórios não foram juntos ao Relatório Final da Impugnante, ora recorrente, apenas e só alegadamente transcritos “excerto”, o que não consubstancia uma fundamentação suficiente no caso sub judice, e consequentemente a Douta Sentença de que se recorre carece de fundamentação.”
A questão que cumpre agora apreciar e decidir, é a de saber se a sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação.
Ora, nos termos do disposto no artigo 123º, nº2 do CPPT, o juiz deve, na sentença discriminar a matéria de facto provada da não provada.
Sendo que, no processo judicial tributário, o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, acha-se previsto no artigo 125º, nº1, do CPPT, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial desta natureza (cf. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; e acórdãos do STA de 24.02.2011, in rec.871/10; de 13.10.2010, in rec.218/10).
Por sua vez, a exigência de fundamentação das decisões judiciais, em que se incluem a decisões proferidas em processo judicial tributário, encontra previsão no artigo 154º do CPC, constituindo, aliás, imperativo constitucional que decorre do n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), nos termos do qual «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». É, aliás, nesse contexto, que o artigo 125.º do CPPT e o análogo artigo 615.º, nº 1, al. b), do CPC, estipulam que é nula a sentença quando falte a especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
Esta especificação dos fundamentos da decisão judicial refere-se à sua motivação ou fundamentação no plano factual e jurídico e passa pela expressão e discriminação da matéria de facto considerada pertinente para apoiar a solução de direito, cumprindo, assim, uma dupla função: por um lado, impõe necessariamente ao Juiz um momento de controlo crítico da lógica e da bondade da decisão; por outro, permite, pela via do recurso, o reexame da decisão por ele tomada.
Como se deixou plasmado no acórdão proferido pelo STA em 29.05.2002, no âmbito do Rec. n.º 228/02, citando Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139.), «…uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”; comprometendo a sua validade por carecer, então, de um elemento essencial, quer porque cabe ao juiz demonstrar que a solução dada ao pleito é emanação correcta da vontade da lei, quer porque as partes, e sobretudo a vencida, “tem o direito de saber porque razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o Tribunal Superior”; carecendo este “também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso».
Tem sido, entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência, que a falta de fundamentação prevista no preceito é a falta absoluta, dela se subtraindo as situações de fundamentação insuficiente, medíocre ou errada, quer a nível factual, quer jurídico. «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2.º do art. 668.º» - Alberto dos Reis, in obra citada, vol. V, pág. 140.
Em suma, tal nulidade só ocorre quando falte em absoluto a fundamentação, e não já quando se verifique a sua deficiência ou incongruência e, muito menos, quando haja erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta. Isto é, só se verificará quando a fundamentação não exterioriza minimamente as razões (factuais e jurídicas) que levaram o julgador a decidir naquele sentido e não noutro qualquer, ou quando a fundamentação aduzida é ininteligível ou não tem relação perceptível com o julgado, situação em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Ainda que a Recorrente na sua investida contra a sentença a quo invoque que esta enferma de nulidade por falta de fundamentação, ancorada numa alegação genérica, é manifesto que da sua respectiva leitura, se constata que ela encerra a motivação factual e jurídica que levou o Mmº Juiz a julgar no sentido em que o fez. Perscrutado o probatório e a fundamentação expendida, é patente que na decisão recorrida estão ampla e profusamente explicitados os fundamentos de facto e de direito que se julgaram relevantes para a decisão proferida e que, por ponderados, conduziram o tribunal a quo a decidir no sentido da improcedência da pretensão da Impugnante.
Ademais, e mesmo que assim não se considerasse, como já referimos a falta de fundamentação suscetível de integrar a nulidade prevista no artigo 125º nº 1 do CPPT (bem como no artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC) é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos (quer referentes aos factos quer ao direito), que não uma fundamentação escassa e, ou deficiente [vide neste sentido Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p.687, Fernando Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, p.55], sendo que quando a justificação seja deficiente e/ou insuficiente, a sua apreciação poderá, eventualmente, recair em sede de erro de julgamento de facto ou de direito.
O que, é perentório não ocorrer in casu, pois que, relativamente aos vícios que conheceu, o tribunal a quo referenciou as diversas normas legais (que, em alguns casos, até transcreveu) aplicadas, concretizou as mesmas com referências doutrinais e jurisprudenciais, e efetuou a respetiva subsunção ao caso, sustentando de forma perfeitamente percetível, a sua decisão.
Assim sendo, sem curar, por ora, da bondade, da fundamentação em que ancora a respectiva decisão, urge considerar que o tribunal a quo satisfez a exigência de fundamentação que lhe estava adstrita, e nessa medida, não se verifica a arguida nulidade, sendo que na decisão recorrida foi analisado o articulado inicial e feito o necessário enquadramento jurídico em termos que permitiram à ora Recorrente apreender à luz de que preceitos jurídicos foi encontrada a solução de direito aplicada no caso concreto, tal como o presente recurso, através das suas alegações e conclusões, bem evidencia.
Termos, em que, improcede a arguida nulidade por falta de fundamentação.
2.2.3. Da violação dos princípios do contraditório, da igualdade das partes e do inquisitório
Objecta ainda a Recorrente contra a sentença a quo a alegação, em jeito de sinopse, que “… vigorando o princípio do inquisitório pleno, deveria o Juiz do Tribunal a quo ter ordenado oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurassem úteis para conhecer a verdade relativa aos factos alegados ou de que oficiosamente pudesse conhecer, o que não fez.” (vide conclusão 29) e 30)) pelo que “… a Sentença recorrida ao julgar improcedente a Impugnação Judicial, com base no ónus da prova, sem que a Autoridade Tributária tivesse demonstrado a existência de indícios sérios e provas concretas relativamente a cada uma das faturas em causa, afronta, clamorosamente, o princípio do Inquisitório pleno” (conclusão 73)) e, pela AT pois “… não foi realizado um controlo quantitativo das mercadorias e consumo das matérias primas nos exercícios de 2013 à actividade da recorrente, não se mostra conforme aos deveres legais de investigação da verdade material que incidem sobre a administração tributária.” (conclusão 78)), quanto aos demais princípios, de que “… foi violado o Princípio da Igualdade previsto nos artigos 55º e 98º da Lei Geral Tributária e artigos 13º e 20º da Constituição da Republica Portuguesa.” argumentando que “… os Relatórios da Inspeção Tributária relativos aos emitentes das faturas, por virtude do Princípio do Contraditório consignado no artigo 45º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 8º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, tinham que ser integralmente notificados à impugnante, aqui recorrente / para que esta pudesse exercer adequadamente o seu Direito do Contraditório / tinha a impugnante o Direito de ser notificada, não de uma alegada transcrição apenas de partes dos alegados Relatórios dos emitentes em causa, mas sim da totalidade integral de tais Relatórios, para que lhe fosse possível exercer adequadamente a sua defesa- o respetivo direito do contraditório.” (vide nomeadamente as conclusões 39) a 43)).
Se atentarmos as alegações e às conclusões de recurso, parece poder concluir-se que a Recorrente pretende invocar a violação do princípio do inquisitório e, bem assim, o princípio do contraditório e do princípio da igualdade.
Ora, antes de mais, importa clarificar que as nulidades a que se refere o artigo 98º do CPPT que a Recorrente aclama na sua conclusão 39), 59) e 68), são as nulidades ocorridas no processo judicial, e não no procedimento administrativo e, como tal, eventuais irregularidades ocorridas nesse procedimento inspetivo nunca poderiam ser enquadradas no invocado preceito legal.
No que concerne à questão da alegada falta de notificação dos relatórios de inspeção respeitantes aos emitentes das faturas em questão (conclusões 39) a 43)), importa salientar, que a sentença sob recurso pronunciou-se concretamente sobre a questão, pelo que a ocorrer qualquer violação do princípio do contraditório dai decorrente, o mesmo deveria vir alegado em sede de erro de julgamento de direito, o que manifestamente não é o caso, pelo que seguramente estaríamos legitimados a afirmar que a questão não tendo sido alvo de recurso, por via do seu ataque concreto, transitou.
Contudo, recuperemos nesta sede o que na sentença sob recurso ficou explanado e decidido sobre a questão:
«… a circunstância de a Impugnante não ter sido notificada do teor integral dos Relatórios das Inspeções Tributárias realizadas aos emitentes das faturas – o que, no entendimento da mesma, configura uma preterição de formalidade legal e a violação do princípio do contraditório –, porquanto, como resulta da matéria de facto provada, a Impugnante foi notificada para exercício do direito de audição sobre o projeto de relatório de inspeção e, no exercício desse direito e à semelhança da posição assumida nos presentes autos, nem sequer esboçou um quadro factual apto a contrariar os indícios de simulação recolhidos pela administração.
Por outro lado, resultou igualmente provado que a Impugnante foi notificada do teor do relatório final da ação inspetiva, no qual são explicitados os elementos relevantes recolhidos nas ações inspetivas realizadas às entidades emitentes das faturas.
Nesta medida, foi disponibilizada à Impugnante a totalidade da matéria de facto, e dos respetivos elementos de prova, na qual a administração se suportou para efetuar as correções em sede de IRS e emitir a liquidação impugnada.
Assim, para efeitos de exercício do direito ao contraditório e do direito de defesa, mostrar-se-ia irrelevante notificar a Impugnante do teor integral dos Relatórios das Inspeções Tributárias realizadas aos emitentes das faturas, uma vez que daí não decorreria qualquer acréscimo para o exercício do direito de defesa por parte da Impugnante.
Em suma, uma vez que a Impugnante foi notificada para o exercício do direito de audição, bem como do teor do relatório final, o qual inclui a integralidade dos fundamentos de facto e de direito que suportaram a liquidação impugnada, verifica-se que a administração cumpriu com as formalidades legalmente exigíveis e, assim, respeitou o princípio do contraditório, razão pela qual, também nesta questão, não assiste razão à Impugnante.» (fim de transcrição)
Vejamos.
Não podemos deixar de concordar com o explanado sobre este ponto na sentença sob recurso. Efectivamente, o princípio do contraditório, no âmbito do procedimento de inspeção tributária impõe à Administração tributária a obrigação de conceder ao sujeito passivo inspecionado a possibilidade de se pronunciar livremente e em prazo razoável, sobre os factos que lhe digam respeito ou que lhe sejam imputados.
É consabido que o art.º 8.º do RCPIT estabelece que o procedimento inspetivo segue o princípio do contraditório.
Em anotação ao preceito referem Freitas Rocha e João Caldeira [RCPIT Anotado e Comentado, p. 56 e ss.]:
O princípio do contraditório como código enformador do procedimento de inspeção encontra-se ligado ao princípio da participação, do qual constituirá uma dimensão essencial. Com efeito, contraditório e participação não são uma e a mesma coisa, sendo o primeiro um dos possíveis modos de manifestação desta última. Por outras palavras, a participação constitui um princípio essencial do procedimento tributário, nos termos do qual os destinatários das atuações públicas, máxime administrativas, devem ser chamados a participar no iter conducente à decisão, não podendo ser negligenciados, esquecidos ou alheados, e esse chamamento pode ser efetuado de várias formas, das quais o contraditório é uma das mais visíveis (a par, por exemplo, do direito a ser ouvido ou do direito de apresentação de elementos ou dados relevantes). A exigência do contraditório, enquanto manifestação de um princípio geral de Direito, não carece de consagração expressa na lei, sendo um momento essencial do procedimento administrativo, um princípio de “ética jurídica” e considerado uma norma de “direito natural administrativo”.
Em termos mais específicos, o princípio do contraditório, no âmbito do procedimento de inspeção tributária impõe à Administração tributária a obrigação de conceder ao sujeito passivo inspecionado a possibilidade de se pronunciar livremente e em prazo razoável, sobre os factos que lhe digam respeito ou que lhe sejam imputados, confirmando-os ou refutando- os, compreendendo-se assim que o princípio do contraditório (dimensão objetiva) dê origem a um direito ao contraditório (dimensão subjetiva).
O princípio do contraditório, seja no âmbito de procedimentos administrativos, seja no âmbito de processos judiciais, é hoje entendido como um direito de participação efetiva das partes no desenvolvimento do objeto do procedimento e/ou processo, mediante a possibilidade de influenciarem a respetiva tramitação e contribuírem para a formação da decisão mediante a aquisição processual dos factos tidos por potencialmente pertinentes para esta.
Diremos apenas, que como decorre do exarado no relatório inspetivo, à Impugnante foi dada a oportunidade de se pronunciar sobre os indícios carreados para o procedimento inspetivo pela Inspecção Tributária que lhe permitiam concluir pela não realização das operações económicas nos termos relevados pelas faturas aqui em crise. Nessa medida e em sede de audição prévia foi facultada a possibilidade de exercício do contraditório à Impugnante, ora Recorrente, pela via do qual poderia juntar os documentos que entendesse por pertinentes e requerer as diligências complementares que tivesse por adequadas.
Entende a Recorrente, que a transcrição no relatório final de partes dos relatórios respeitantes aos emitentes viola o “princípio de igualdade” das partes.
Ora, a Recorrente não concretiza em que medida e por que razão a omissão da notificação integral daqueles relatórios prejudica a sua defesa, nem se vislumbra de que modo tal poderia ocorrer na medida em que aqueles factos poderiam, em abstrato, ser contraditados mesmo sem os mesmos.
A título meramente exemplificativo, poderia a Impugnante/Recorrente, quer em sede de audição prévia antes do relatório final ou mesmo em sede da Impugnação, alegar e demonstrar que qualquer daqueles emitentes das facturas tinham instalações que a AT desconhecia, identificando-as, concretizar os meios de transporte das mercadorias efectivamente utilizado, meios de pagamentos, de modo a contraditar as conclusões aduzidas pela inspeção tributária e que efectivamente foram do seu conhecimento, aliás como assertivamente o tribunal a quo referenciou e no corpo do recurso a Recorrente não alude .
Acresce que, sobre a AT impende um dever de sigilo relativamente à situação tributária dos contribuintes, de harmonia com o previsto no art.º 64.º da LGT, dever esse que apenas nos casos legalmente previstos se permite que seja afastado. (neste sentido entre outros vide acórdãos do TCA Norte de 22.10.2020, in proc. n.º 984/16.7BEAVR, de 03.03.2021, in proc. 986/16.3BEAVR e 16.09.2021, in proc. 474/16.8BEAVR).
Quanto ao principio do inquisitório, cumpre referir que estamos perante um dos princípios estruturantes do processo tributário, que consiste no poder de o juiz ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade material. Com efeito, nos termos que decorrem dos normativos legais contidos nos artigos 13º do CPPT e 99º, nº 1 da LGT, os juízes dos tribunais tributários devem realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.
Assim, sobre a factualidade relevante para a decisão deve incidir a atividade instrutória necessária de modo a que o tribunal possa dar resposta às questões que lhe são colocadas, nomeadamente através da explicitação dos factos que considera provados e não provados. E no caso de não ser realizada essa atividade instrutória, a sentença pode ser (mesmo oficiosamente) anulada e ordenada a baixa dos autos ao tribunal a quo para esse efeito.
Ora, no caso dos autos, a Recorrente apenas refere que “o Juiz do Tribunal “a quo” deveria ter ordenado as diligências que se lhe afigurassem úteis para conhecer a verdade relativa aos factos alegados ou de que oficiosamente pudesse conhecer, o que não fez ", não concretizando a factualidade alegada que impunha tais diligências e, como lhe era exigido, o que pretendia que o tribunal a quo desse como provado e em que medida ficou prejudicado o conhecimento do por si alegado em sede de petição, pelo que não vislumbramos que tenha ocorrido violação do princípio do inquisitório neste domínio.
Por último, no que concerne ao princípio do inquisitório em sede de procedimento, alega a Recorrente que a Inspeção Tributária não desenvolveu as diligências necessárias com vista ao apuramento da verdadeira situação tributária do contribuinte, designadamente através de um controlo quantitativo das mercadorias e das matérias-primas no exercício de 2013 (vide entre outras a conclusão 78).
Mais uma vez se refira, que do cotejo do relatório inspetivo emerge o desacerto da alegação. Sendo que no mesmo é referenciado o facto de ter sido realizado controlo aos artigos titulados pelas faturas em causa e se verificou da dispensabilidade desses concretos gastos e mesmo que tais mercadorias não constavam dos inventários das existências no final do ano , por último, de que não era viável que pudessem ter sido transformadas em produtos acabados antes do final do ano. Importa salientar, ainda, que a Impugnante não imputa nem demonstra qualquer erro ao julgamento de facto sobre os inventários e mercadorias.
Assim sendo, contrariamente ao alegado está demonstrado que o SIT procedeu a um controlo das existências ao contrário do alegado.
Improcede o recurso quanto a estas questões.

2.2.4. Do erro de julgamento da matéria de facto
Da leitura conjugada das alegações e das conclusões de recurso verificamos que a Recorrente parece manifestar discordância quanto ao julgamento sobre a matéria de facto efetuado pelo tribunal recorrido, sobretudo contra a valoração dos elementos probatórios recolhidos em sede de procedimento e, no âmbito do processo judicial (sendo que não foi realizada a inquirição de testemunhas arroladas pelas partes, conforme despacho de fls. 459 – 460 SITAF). Refere por um lado, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto, porquanto considerou como provados os factos constantes no ponto 1. a 15. da matéria de facto dada como provada (págs. 4 a 80 da sentença), nomeadamente considerando como verdadeiro tudo o que vem alegado no Relatório Final pelo Inspetor Tributário relativamente aos Relatórios Finais elaborados aos fornecedores emitentes das Faturas em causa. Mais alude que do Relatório Final (RIT) elaborado à Impugnante, apenas constam alguns "excertos" dos alegados Relatórios Finas das inspecções realizadas aos emitentes das facturas, sendo que a Impugnante, logo na sua Petição Inicial questionou a sua existência, porque os mesmos nunca foram juntos ao RIT, nem ao processo Administrativo, não poderia ser relevado o que deles consta. Que o Juiz do tribunal a quo considerou como provados os factos constantes nas paginas 4 a 80 da sentença, transpondo para a matéria de facto dada como provada tudo o que vem alegado no RIT sob o ponto III, ou seja, dá como assente e provado tudo o que a contraparte (AT) nestes autos alega, fazendo um "copy past" das páginas do Relatório da Autoridade Tributária e Aduaneira (vide conclusões 5. e 57.).
Vejamos.
Como é sabido, a alteração pelo TCA da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artigo 640 º nº1 alínea a) e b) do CPC).
Com efeito, só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior.
Importa, assinalar, que na decisão sobre a matéria de facto o Juiz a quo aprecia livremente as provas, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada. É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na respetiva apreciação.
Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05.05.11 (processo 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os arts 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”
Assim, posta em causa a matéria de facto controvertida e julgada, o tribunal de recurso pode alterá-la desde que os elementos de prova produzidos e indicados pela Recorrente como mal ou incorretamente apreciados, imponham forçosamente, isto é, num juízo de certeza, outra decisão. Com efeito, só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro de apreciação das provas, legitimador da respetiva correção pelo Tribunal Superior.
No caso concreto, se bem interpretamos as conclusões do recurso, tarefa árdua diga-se, o que a Recorrente efetivamente pretende é discutir a convicção do julgador que fundamentou a decisão, ou seja, a impetrante mais não faz do que retirar da prova produzida ilações distintas das que o Mmº Juiz a quo percepcionou e amplamente explicitou na respetiva fundamentação da sentença recorrida, onde se vê que o tribunal a quo especificou, identificou e desenvolveu os meios de prova que serviram de suporte à concreta decisão sobre a factualidade dada como assente e não assente, tendo fundamentado de forma suficiente a sua convicção.
Para além do mais, se a Recorrente pretende com estas alegações, que o tribunal ad quem proceda à alteração da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os meios de prova que impunham decisão divergente da adoptada.
Pois que, quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o artigo 640.º, n.º 1, do CPC, exige que o recorrente especifique:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Ora, analisando as alegações de recurso, adiantamos desde já que tal ónus não foi cumprido, limitando-se a Recorrente a discordar da factualidade assente, e quanto à matéria de facto dada como não provada, reconduz-se a alusão genérica de que dos documentos e elementos juntos, decorre a materialidade das operações e que as facturas correspondem a verdadeiras transações, o que redunda numa menção meramente conclusiva, por se tratar de ilação(s) a retirar de factos concretos que não elenca e não reconduz aos documentos e/ou elementos constantes dos autos e/ou Processo Administrativo apenso que permitam a este tribunal ad quem proceder a qualquer sindicância.
Note-se, que relativamente à factualidade mencionada no ponto 14) do probatório (pág. 19 a 56 da sentença), é feita efetivamente referência ao relatório da inspeção, bem como aos documentos que sustentaram a fundamentação lá aduzida, cujos extratos o Mmº Juiz a quo se limitou a reproduzir.
Contudo, perscrutada a sentença em apreço verifica-se que o Meritíssimo Juiz a quo não deu como provados os factos vertidos no RIT, o que consignou no probatório foi o teor do relatório inspectivo, uma vez que é neste que reside toda a factualidade que consubstancia a declaração fundamentadora da liquidação posta em crise, sendo que é essencial conhecer-se a motivação do acto impugnado, de modo a que o tribunal a possa sindicar, razão pela qual tal fundamentação pode (e deve) integrar o probatório, uma vez que é à luz dessa fundamentação (lembre-se, vertida no RIT) que o tribunal ad quem tem de sindicar se a AT demonstrou os pressupostos que legitimam a sua actuação, ou melhor, a legitimam a proceder às correcções à matéria tributável que estão na génese das liquidações questionadas.
Na verdade, as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando devidamente fundamentadas e se sustentam em critérios objetivos (artigo 76º, nº 1 da LGT). O que significa, desde logo, que a Fazenda Pública não tem que repetir em juízo o esforço instrutório e probatório que desenvolveu em sede de procedimento administrativo. Ou seja, por força do disposto no artigo 76º, nº 1 da LGT a Fazenda Pública pode valer-se em sede judicial da factualidade que apurou no procedimento administrativo, sem ter de reproduzir essa prova em tribunal.
Contudo, isto não significa que se os factos aí afirmados (RIT) forem impugnados na petição inicial (nomeadamente por desconhecimento ou por oposição), o tribunal esteja dispensado de valorar a respetiva prova (é que uma coisa é dar como provado que a administração tributária realizou os actos de inspeção descritos no probatório e recolheu as informações aí referidas e outra, distinta, é dar como provado o que aquela concluiu). O facto de os fundamentos aduzidos no relatório de inspeção tributária constarem do probatório em nada colide com a eventual prova que a Impugnante possa fazer nos autos, em sentido contrário àqueles.
Em regra, o local apropriado para se efetuar tal juízo será na subsunção dos factos ao direito em que o Juiz (depois de dar como assente, na resposta à matéria de facto, que a administração tributária concluiu o que concluiu) aprecia a qualidade do respetivo discurso fundamentador e confirma se houve ou não erro sobre a suficiência dos pressupostos de facto da tributação. Quando a impugnação do facto afirmado for feita por oposição, “o juízo sobre a ocorrência do facto afirmado pelos serviços de inspeção tributária depende da prova que for feita dos factos materiais que forem alegados pelo impugnante e da sua idoneidade para abalar os juízos de facto que o relatório ou as suas conclusões exprimam. Sendo tais factos alegados na petição e relevantes para a decisão, deve o juiz formular o juízo sobre a sua existência na resposta à matéria de facto e sobre a sua idoneidade na aplicação do direito aos factos” (cf. acórdão, ainda inédito, deste TCAN de 6/6/2012, Processo 79/04.6 BEPNF).
Nem se diga, como faz a recorrente que é processualmente inconcebível que todos os alegados indícios dados por apurados pela Autoridade Tributária e Aduaneira se sustentem em "partes" de Relatórios de outros contribuintes, in casu dos emitentes, e só constam do Relatório da Impugnante "extratos" que o Senhor Inspetor Tributário "escolheu" para transcrever no Relatório Final da impugnante, porquanto, nada obsta a que a AT, na sua actividade inspectiva, acolha fundadamente os elementos apurados no âmbito de outros procedimentos de fiscalização realizados a terceiros com quem a Impugnante se relacionou, proceda a uma análise comparativa e, numa leitura conjunta de tais dados com os elementos colhidos ex novo junto a entidade inspeccionada, retire as conclusões que entenda pertinentes, tanto mais que, na situação dos autos, apurou-se, na esfera dos emitentes, factualidade que contraria a dimensão da relação comercial espelhada na contabilidade da Recorrente.(Neste sentido vide acórdão do TCAN de 28.01.2021, proferido in Rec.3157/12.4BEPRT pela ora 1ª adjunta).
E assim sendo, resta concluir que nada há apontar ao probatório da sentença recorrida pelo facto de na mesma constar extratos do RIT, quer quanto à Recorrente, quer quanto aos emitentes das faturas.
Assim, e pelo exposto se conclui que, ao relevar a factualidade que consta do relatório de inspeção tributária (e em que se fundamenta a liquidação impugnada) nos termos que constam da sentença recorrida, e independentemente da demais prova produzida nos autos, não incorreu o tribunal a quo no erro de julgamento que lhe vem imputado.
Por todo o exposto, em sede de matéria de facto, improcedem todas as considerações tecidas, ao julgamento de facto, apontadas nas conclusões de recurso.

2.2.5. Do Erro de Julgamento de Direito
Recapitulando, está em causa a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida pela ora Recorrente contra a liquidação adicional de IRS, decorrente da desconsideração das faturas emitidas por “TJ...; B..., Lda. e BB...”, no período de 2013 que no entender da Administração Tributária não reflectem as operações lá mencionadas e, como tal, não lhe assiste o direito à dedução de custos no apuramento do lucro tributável.
Para assim decidir, o tribunal a quo considerou que AT carreou para os autos indícios objetivos e claros de que os documentos em causa não titulam efetivas operações económicas, não tendo a Recorrente logrado demonstrar a materialidade das mesmas.
Ora, é contra este entendimento que a Recorrente se insurge, alegando, em suma, que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quer no tocante à apreciação que fez da matéria de facto, quer na aplicação do direito, argumentando que a AT não provou que as facturas, eram falsas e que não permitiam suportar as operações contabilísticas que tiveram lugar, não podem ser dadas como provadas as conclusões inscritas no Relatório da Inspecção Tributária (RIT), uma vez que estas foram, alegadamente, contrariadas pela sua contabilidade, o que, aliada às regras da experiência do sector da cortiça apontam em sentido diametralmente oposto àquele em que se fundou a sentença recorrida.
Assim, estabilizada que se encontra a matéria de facto, importa agora decidir nesta sede se o tribunal a quo errou ao sufragar o entendimento de que a AT fez prova, como lhe competia, da existência de indícios sérios e consistentes susceptíveis de permitir a conclusão de que as facturas contabilizadas pelo sujeito passivo não correspondem a reais operações, o que a Impugnante não logrou infirmar. Ou seja, impõe-se determinar, se a AT actuou em conformidade com a lei ao desconsiderar as facturas emitidas pelos fornecedores da Recorrente, a saber ”TJ...; B..., Lda. e BB...”, por entender que tais facturas não correspondiam a efectivas transacções comerciais, facturas essas que a Impugnante contabilizou e cujos custos deduziu.
E, desde já se diga, que quanto aos documentos juntos aos autos que suportam a alegação de uma contabilidade ¯sem mácula, a sua aparente regularidade formal, por si só, não basta, para suportar a tese da Recorrente, pois, como a jurisprudência tem considerado reiteradamente, a própria regularidade da contabilidade, em utilizadores de facturação falsa, constitui um dos indícios da falta de materialidade das operações, pela necessidade de regularização formal face à não efectivação das transacções.
Ainda que ressalte manifesto que o esforço expositivo da Recorrente se dirige a fazer vingar a alegação da veracidade do por si declarado, assente na regularidade formal das transacções tituladas pelas facturas desconsideradas, temos por assente que, por si só, desacompanhada de demais provas, não logra contrariar os índicos recolhidos em sede inspectiva e, consequentemente, mostra-se imprestável para infirmar as conclusões extraídas pela AT.
É que, nos casos da denominada ¯facturação falsa, não está em causa a correcção formal da contabilidade, mas sim a substancial. A circunstância de as operações se encontrarem documentadas (factura, comprovativo dos meios de pagamento, etc.) e terem sido devidamente inscritas na contabilidade faz presumir a existência da operação, todavia, tal presunção deixa de se verificar, nomeadamente, quando a contabilidade ou escrita do contribuinte revelar indícios fundados de que não reflecte ou impede o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (artigo 75º, nº 1 da Lei Geral Tributária).
Como tal, se a AT recolher indícios sérios, e objectivos de que os documentos de suporte, ainda que formalmente correctos não reflectem uma verdadeira transacção (seja relativamente aos sujeitos, objecto, datas, valores, meios de transporte utilizados, etc.), cessa a presunção de veracidade das operações constantes de tais documentos.
Importa, contudo, atentar que a AT não tem de fazer a prova directa da simulação, a prova dos pressupostos exigidos pela lei civil para que se verifique a simulação (cf. artigo 240º do Código Civil), sendo suficiente a prova indirecta, ou seja, a prova de “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova.” (cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Coimbra, 1972, pág. 154). Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por José Luís Saldanha Sanches, in A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág. 311.
In casu, estão correcções de IRS, por desconsideração dos custos suportados em facturas que a AT reputou de falsas.
Dispõe o n.º 1 do art.º 17.º do CIRC que ”O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
Por sua vez, nos termos da alínea a) do art.º 23.º do CIRC (na redacção em vigor até 31.12.2013) , aplicável por remissão do artigo 32.º do CIRS, de que consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação.
Da leitura conjugada dos preceitos citados resulta que o lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas deduzidos os gastos ou perdas que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Logo, quando as faturas têm subjacentes operações simuladas, não é admissível a contabilização de tais documentos para efeitos de apuramento do lucro tributável, nos termos do n.º 1 do art.º 23° do CIRC.
Assim, se a Administração Tributária recolher indícios sérios e credíveis da falsidade das facturas que o sujeito passivo relevou na sua contabilidade, compete a este o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos fiscais declarados na determinação da respectiva matéria tributável, nos termos que decorrem dos arts. 17º, nº 1 e 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso a norma do artigo 100.º do CPPT não tem aplicação
No caso vertente esgrime, a Recorrente, em defesa da sua tese, o argumento de que a Administração Fiscal não logrou enunciar factos susceptíveis de abalar a presunção de veracidade dos elementos constantes da escrita da contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, não tendo, desta forma, demonstrado cabalmente os factos que sustentam a liquidação impugnada.
Como vem sendo repetidamente e maioritariamente afirmado pela doutrina e pela jurisprudência (Cf., entre outros, os acórdãos deste TCA de 27.01.04, no Proc. nº 6646/02 e de 11.03.03, no Proc. nº 6915/02 e os acórdão do STA de 24.04.02, no Proc. nº 102/02, de 17.04.02, no Proc. nº 26.635, de 09.10.02, no Proc. nº 871/02 e 20.04.03 no Proc. nº 241/03) é à AT que cabe o ónus de prova da existência dos pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente, a prova da verificação dos pressupostos que a legitimaram a efectuar as correcções técnicas que a suportam. Daí que a AT tenha o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a desconsiderar as facturas contabilizadas (in casu, o que a levou a considerar determinadas aquisições de bens como não correspondendo a operações reais), factualidade essa que tem de ser susceptível de afastar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente em sede tributária), só, então, passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações comerciais se realizaram.
Ora, tais indícios podem colher-se não só junto da escrita e contabilidade de quem arquivou e relevou contabilisticamente os documentos em causa, como colher-se junto de elementos externos à mesma, nomeadamente mediante cruzamento de informação, sendo que, só perante esses concretos indícios, essa elevada probabilidade, cessa a presunção de veracidade da escrita do sujeito passivo, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que as transacções/operações ali descritas efectivamente se realizaram.
No caso que nos ocupa, os “factos-índice” que levaram a AT a concluir que as facturas emitidas por alguns dos fornecedores da Impugnante não titulavam operações reais, encontram-se claramente enunciados no probatório e amplamente concretizados no RIT, do qual ressalta manifesto que a AT partiu do conhecimento dos emitentes das facturas e com recurso à fiscalização cruzada na pessoa da Impugnante, apurou uma série de circunstâncias indiciadoras de que, no caso em apreço, não estamos perante transacções reais, nomeadamente, por via das diligências realizadas pelos Serviços Inspectivos da AT junto dos emitentes das facturas, bem como, dos elementos recolhidos junto da Impugnante. Das diligências realizadas em sede dos emitentes das facturas, uma referência às prolixas diligências realizadas para apurar da existência e condições das instalações, tentativas várias de contactos pessoais e, outros, junto das pessoas físicas indicadas como gerentes das mesmas, levantamento dos meios de transporte detidos pelos emitentes e que figuravam nas facturas, fornecedores, capacidade de armazenamento e de transformação do produto, etc.
Porém, entende a Recorrente que da factualidade apurada junto dos emitentes não podia a Administração Fiscal concluir pela simulação das transacções a que se reportam as facturas desconsideradas, argumentado que face aos valores por si declarados, espelhado na sua contabilidade, assente na premissa de que “se vendeu é porque adquiriu”.
Ora, a origem da emissão das questionadas facturas no outrém com quem o sujeito passivo alvo de inspecção se relacionou comercialmente, tem, inevitavelmente e logicamente, que recair sobre os concretos termos em que o emitente das facturas actuou, procurando conferir a veracidade das operações que aquelas traduzem, não se vislumbrando qualquer outra metodologia num primeiro patamar disponível aos Serviços de Inspecção, pois que, colocando-se na veste do sujeito passivo sujeito a fiscalização, os elementos integrantes da sua contabilidade e vertidos nas competentes declarações tributárias gozam de uma “presunção de veracidade”, pelo que só actuação dos respectivos fornecedores permite o seu ataque e determinar a realização de diligências na esfera do inspeccionado.
Assim, se da avaliação da situação do emitente das facturas resultar a recolha de indícios fortes da ocorrência de transações fictícias, essa informação não pode ser tida por irrelevante e desprezível com o singelo argumento que se trata da conduta de terceiro, e por isso totalmente alheia à Impugnante, uma vez que tais situações, ainda que tenham a sua génese no comportamento assumido por aquele, ocorrem sempre e necessariamente, com a complacência do receptor das faturas (neste sentido vide o acórdão do TCA Norte, de 01.03.2007, in rec. 00027/00).
Em suma, cumpre não olvidar, como já se referiu, que a AT não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (neste sentido, entre outros, acórdão do STA de 27.10.2004, proferido no processo n.º 810/04), invocando factos-índice que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, pois, de contrário, seria praticamente impossível atingir o objectivo legal de tributação do rendimento real e de combate à fraude fiscal. Que a AT, nesta ingrata, mas essencial tarefa, não se pode limitar a uma fundamentação meramente formal do juízo que formula quanto à indevida dedução dos custos fiscalmente relevantes, exige-se-lhe, ademais, que demonstre o bem fundado desse juízo, provando os indícios que o sustentam, dessa forma possibilitando a conclusão de ser correcta a sua fundamentação material (neste sentido vide o acórdão do TCA Norte de 24.01.2008 proferido no recurso 01834/04). Alcançada essa prova pela AT, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a relevar custos, nos termos que decorrem do artigo 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois, neste caso, o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação.
É que, o ónus consagrado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, contra a AT (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação das transacções cujos custos alega ter suportado e que pretende ver reflectidos na sua contabilidade (neste sentido vide, acórdãos do TCA Norte de 24.01.2008, proferido no Processo 01834/04, e de 24.01.2008, proferido no Processo 2887/04, acórdãos do STA de 17.04. 2002, proferido no Processo 26635 e do Pleno de 07.05.2003, proferido no Processo 1026/02).
Perante tal enquadramento jurídico, atentemos nos elementos recolhidos em sede inspectiva, de molde a determinar se, in casu, AT logrou reunir, como sobre ela impendia, indicadores suficientes e demonstrativos de que às facturas contabilizadas pela Impugnante emitidas por aqueles seus fornecedores identificados pela AT, não subjazem as operações que nelas se descrevem, ou seja , se os elementos indiciários apontados pela AT permitem inferir, com um grau de probabilidade elevada, a simulação das operações subjacentes à respectiva emissão ou se o juízo formulado pelo tribunal a quo, no que concerne à falta de veracidade das facturas merece a censura que lhe é desferida.
A sentença recorrida não reconheceu razão à Impugnante, sendo que para assim concluir, o Mmº Juiz a quo alinhou o seguinte discurso argumentativo que, no segmento relevante à matéria em discussão, se transcreve:
«Retomando o caso dos autos, importa, em primeiro lugar, averiguar se a administração tributária reuniu indícios sérios e consistentes para sustentar que as operações tituladas pelas faturas não correspondem a operações efetivamente realizadas, afastando, assim, a presunção de veracidade das declarações apresentadas e da contabilidade exibida pela Impugnante.
Ora, para fundamentar a desconsideração, para efeitos de dedução, do montante dos gastos suportados nas faturas timbradas em nome de TJ..., B..., Lda e BB..., contabilizadas pela Impugnante durante o exercício de 2013, a administração tributária explicitou um conjunto de elementos relativos quer à própria Impugnante quer às entidades emitentes das faturas.
No que respeita à Impugnante, os elementos recolhidos pela administração reportam-se ao excesso de compras realizadas, em função do volume de vendas declaradas, à incoerência da estrutura de custos e à constatação de uma situação reiterada de crédito de IVA, inconsistente com a inexistência de operações ativas isentas de imposto, com o reduzido valor do IVA referente à aquisição de bens do ativo fixo tangível, bem como à natureza da atividade que implica a existência de um elevado valor acrescentado.
Acresce que a análise realizada revela a ausência de indícios da ocorrência de transportes das mercadorias faturadas, designadamente quanto à inexistência ou incorreção das respetivas guias de remessa e às características dos veículos alegadamente utilizados para o efeito, conjugadas com a distância geográfica e frequência das deslocações.
Por outro lado, a Impugnante revelou desconhecimento dos termos em que os alegados negócios foram realizados, incluindo acerca das concretas pessoas com quem teria contactado para o efeito.
Por fim, valorizou-se a incoerência da realização de pagamentos em numerário e do diferimento temporal dos mesmos, comparativamente à prática revelada relativamente a outros fornecedores.
Por seu lado, no que respeita ao emitente TJ..., os elementos recolhidos respeitam essencialmente à ausência de evidência contabilística e financeira do exercício da atividade declarada, bem como à inexistência de condições para exercício da atividade compatíveis com o volume de faturação.
Quanto à sociedade emitente B..., Lda., foram recolhidos elementos referentes a: a) inexistência de estrutura empresarial e capacidade produtiva apta ao fornecimento da mercadoria faturada; e b) participação desta sociedade, bem como dos seus sócios, em esquemas de faturação falsa.
Por fim, quanto ao emitente BB... consideraram-se: a) as incongruências no que respeita ao transporte da mercadoria; b) ausência de evidência de aquisição de cortiça; c) inexistência de local com condições para o exercício da alegada atividade ou para armazenamento da quantidade de mercadoria faturada.
Sublinhe-se que os elementos relativos às entidades emitentes das faturas foram recolhidos no âmbito de distintas ações de fiscalização realizadas a essas mesmas entidades e que as conclusões constantes do Relatório de Inspeção sobre a Impugnante resultam do cruzamento das inspeções realizadas a todos os contribuintes em causa.
Sobre este aspeto, adiante-se que, ao contrário do que vem alegado pela Impugnante, a administração tributária pode socorrer-se de elementos de prova recolhidos com recurso a fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, que não do próprio contribuinte fiscalizado, como se deixou expresso no já citado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28.02.2013, proferido no processo n.º 00383/08.4BEBRG.
Assim, analisados os fundamentos invocados no relatório da inspeção, constata-se que a administração tributária começou por verificar e recolher factos na esfera dos emitentes das faturas, mormente que os mesmos não exerciam uma atividade compatível com a quantidade de mercadoria faturada.
No entanto, a administração tributária não se ficou por estas diligências de recolha de elementos junto das entidades emitentes, realizando também junto da própria Impugnante as diligências necessárias para confirmar ou infirmar a verificação de indícios de simulação, nos termos já explicitados.
Assim, com base nos referidos elementos, a administração tributária veio a concluir pela existência de indícios suficientes para sustentar o juízo de que estariam em causa operações simuladas.
Realce-se que, partindo dos referidos indícios recolhidos pela administração, pode formar-se um juízo sério e consistente sobre a probabilidade de estarem em causa operações simuladas, sendo que à administração tributária cabia precisamente fazer esta prova — e não a prova de que as operações eram, com toda a certeza, simuladas.
Ou seja, a administração logrou cumprir, de modo sustentado e fundamentado, o ónus da prova que lhe competia.
Afigura-se, pois, que a administração tributária recolheu indícios suficientemente sérios e consistentes para sustentar o juízo de que, com elevado grau de probabilidade, as faturas contabilizadas não têm aderência a operações efetivamente realizadas e, consequentemente, para abalar a presunção de veracidade das mesmas e da subsequente declaração de IRS entregue pela Impugnante.
Dado esse passo — ou seja, cumprido o referido ónus da prova por parte da administração —, recai sobre a própria Impugnante o ónus da prova da veracidade das operações.
A administração tributária, como lhe competia, deu oportunidade à Impugnante de realizar essa prova, quer mediante diligências para prestar os esclarecimentos necessários — cabendo aqui destacar que a Impugnante, no esclarecimento por escrito apresentado no âmbito do procedimento inspetivo, nada de concreto esclareceu, limitando-se a invocar, de modo conclusivo, que todas as faturas contabilizadas correspondem a transações reais —, quer mediante notificação para exercício do direito de audição — que a Impugnante efetivamente exerceu, mas, uma vez mais, sem juntar quaisquer elementos de prova, ou sequer alegar factos concretos relativos à efetiva realização das operações em causa.
Na sequência do encerramento do procedimento inspetivo e da emissão das correspondentes liquidações, a Impugnante lançou mão, como é seu direito, do presente meio impugnatório, no qual poderia, ainda, demonstrar a veracidade das operações em causa.
No entanto, adianta-se desde já, não logrou fazê-lo.
Sublinhe-se que recaía sobre a Impugnante o ónus de alegar factos e carrear os respetivos elementos de prova a partir dos quais se pudesse concluir que as faturas refletem operações efetivamente realizadas.
Sucede que a Impugnante, nem no âmbito do procedimento inspetivo, nem na presente ação, logrou sequer alegar factos concretos aptos a, caso fossem acompanhados da prova adequada, demonstrar com suficiente consistência que as operações ocorreram nos termos titulados pelas faturas.
Em termos de matéria de facto, a Impugnante centrou as suas alegações na circunstância de as respetivas aquisições estarem devidamente documentados.
Note-se, a este propósito, que a administração tributária não coloca em causa que a Impugnante possuía contabilidade devidamente organizada nem que ocorreram os registos contabilísticos das aquisições e os movimentos financeiros em relação aos emitentes das faturas; porém, e como já se explicitou, recolheu indícios suficientes de que tais faturas não correspondem a operações reais.
Ou seja, o que está em causa não é o registo contabilístico, na sua vertente formal, mas sim se o mesmo tem aderência à realidade, na parte relativa à mercadoria constante das faturas timbradas em nome das mencionadas entidades.
Com efeito, os pressupostos legais das liquidações impugnadas não são o cumprimento ou ausência de cumprimento das obrigações contabilísticas legalmente impostas, mas sim se as operações tituladas por determinadas faturas foram ou não operações simuladas.
Quanto às restantes alegações, a Impugnante limitou-se a invocar o vício de falta de fundamentação – que, como já se apreciou, não se verifica –, bem como a ausência da prova quanto aos indícios de que as operações tituladas pelas faturas não correspondem a operações efetivamente realizadas – aspeto em relação ao qual também já se explicitou não lhe assistir razão –, acrescentando uma alegação de natureza meramente conclusiva – “todas as faturas são verdadeiras” –, sem sequer se esforçar por enunciar factos relacionados com as transmissões de bens alegadamente tituladas pelas faturas.
Ou seja, apesar de lhe caber demonstrar que efetivamente adquiriu os bens tituladas pelas faturas – nos termos nelas constantes, incluindo a correspondência entre preço faturado e preço real –, a Impugnante nem sequer se esforçou por traçar um itinerário lógico-argumentativo apto a sustentar a realidade das operações.
Foi, aliás, essa total ausência de alegação de factos concretos, de cuja demonstração pudesse retirar-se a referida conclusão formulada pela Impugnante, e sobre os quais as testemunhas pudessem revelar conhecimento pessoal e direto sobre a sua efetiva ocorrência, que motivou a decisão de não proceder à realização da diligência de inquirição de testemunhas.
Recorde-se, também, que, feita a prova dos indícios da simulação, a manutenção da dúvida sobre a realidade das operações é valorada contra a Impugnante.
Fica, assim, demonstrado o pressuposto da desconsideração dos gastos para efeitos da determinação do lucro tributável em sede de IRS.» (fim de transcrição; negritos nossa autoria)
Mais uma vez nos permitimos adiantar que concordamos com o assim decidido.
Efectivamente, ainda que apreciados isoladamente cada um dos elementos reunidos pelos Serviços Inspectivos, estes não lograssem traduzir por si só, indícios da falta de materialidade das transacções tituladas pelas facturas em apreço, contudo, conjugados entre si e “lidos” à luz das regras da experiência comum, evidenciam a elevada probabilidade de as transações em causa não titularem operações reais, representando indícios sérios e credíveis da simulação aventada pela Administração Tributária, revelando-se fulcrais, as diligências encetadas por esta, quer junto da Impugnante, dos emitentes, quer de eventuais terceiros com quem estes se relacionavam.
Atentos os factos apurados em sede inspectiva, os quais revelam indícios sólidos da falta de materialidade subjacente às facturas emitidas, recaia agora sobre a Impugnante o ónus da prova do contrário, isto é, de que efectivamente e, não obstante esses factos-índice, as transacções/operações foram realmente concretizadas, nos termos constantes nos documentos que as titulam. Impendia, pois, sobre a impetrante o ónus de demonstrar a existência dos factos que invoca, como esteio do seu direito à dedução dos custos alegadamente suportados. A título meramente exemplificativo, refira-se que cumpria à Recorrente, contrariamente ao por si alegado em sede de recurso, apresentar prova documental e testemunhal conducente a apurar-se que as mercadorias constantes das facturas em causa tinham dado entrada nas suas instalações, que estas existiam, como se processavam as encomendas das mercadorias e o respectivo circuito, se os fornecimentos a que aludem as faturas têm ou não correspondência com o seu volume de negócios que decorre da contabilidade, a relação entre estes custos e os proveitos obtidos, das relações comerciais existentes entre sociedades emitente e utilizadora, sobre os meios de pagamento utilizados, etc.
O que a Recorrente efectivamente não logrou fazer, porquanto, tal como já referido supra, não lhe bastava criar a dúvida relativamente à actuação da AT, impunha-se-lhe, ademais, um rigoroso esforço probatório no sentido de demonstrar que as transacções que subjazem aos documentos que relevou na sua contabilidade efectivamente se realizaram.
Concluindo, o contribuinte não logra, no caso concreto, demonstrar a veracidade das operações tituladas pelas faturas em causa, pelo que também não pode ver refletidos os respetivos hipotéticos custos na determinação da matéria coletável. Desta forma, não pode a Impugnante, ora Recorrente beneficiar da aplicação do regime do artigo 23.º do Código do IRC, uma vez que não suportou esses alegados custos para o exercício da sua atividade, pelo que não devem ser tidos em consideração na formação do ato tributário em sede de IRS. Consequentemente, as operações simuladas não podem ser valoradas em sede de IRS como variação patrimonial negativa para o resultado do exercício, nem como custos para a manutenção da fonte produtora.
Ora, não tendo Impugnante, ora Recorrente, logrado afastar o pendão de falsidade que recaia sobre as facturas desconsideradas pela AT, prova esta que se lhe exigia, bem andou a sentença recorrida ao decidir manter a liquidação impugnada.
Termos em que improcede este fundamento do recurso.

2.2.5.1. Da falta de fundamentação
Alega a Recorrente [conclusões 48. a 53. e 74.] que «… tais considerações subjectivas do Senhor Inspector não consubstanciam uma correta fundamentação, sendo, portanto, a pretendida tributação totalmente ilegal, por manifesta insuficiência, obscuridade da fundamentação, na mais completa violação do artigo 268º, nº 3 da Constituição da Republica Portuguesa e 153º do Código de Procedimento Administrativo.» e, prosseguindo «… analisando todas as faturas em causa constata se que as mesmas são verdadeiras e reúnem os requisitos enunciados no artigo 36º do Código do IVA, pelo que, todas as considerações tecidas no Relatório, constituem meras conclusões pessoais do Inspetor (...), sem qualquer fundamentação de facto e de direito.» mais refere que « a indicação de que existem indícios, contudo, sem indicar concretamente quais, consubstancia, também, falta de fundamentação/ Perante o que se conclui que o Relatório Final da Inspeção Tributária não indica concretamente, quer os elementos de facto, quer de direito, que determinaram a liquidação adicional de IRS, que se impugna e cuja anulação se requer.», concluindo que «a Autoridade Tributária e Aduaneira não explica e não demonstra como é possível a impugnante vender quando as suas compras são imputadas de falsas pela Inspeção Tributária ???!! Pois, é notório que só será materialmente possível à Impugnante, aqui recorrente, vender se as suas compras forem verdadeiras.»
Vejamos.
Por imperativo constitucional, artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legitimamente protegidos, pelo que a decisão de correção da matéria tributável não pode deixar de se mostrar acompanhada da correspondente fundamentação.
Os contornos dessa fundamentação recolhem-se na lei ordinária, artigo 77.º da LGT que determina que ela se revista de uma sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Importa, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.
Distinguindo a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação, Vieira de Andrade, in “O dever de fundamentação expressa de actos administrativos”, Almedina, 2003, pág. 231, refere que a diferença está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».
Estamos ainda cientes, de que a fundamentação dos atos administrativos visa, além do mais, dar a conhecer as razões por que foi decidido de uma maneira e não de outra, de molde a permitir aos seus destinatários uma opção consciente entre a sua aceitação e a sua impugnação contenciosa. É, conforme jurisprudência unânime do STA, um conceito relativo, que varia em função do tipo legal de acto, dos seus antecedentes e de todas as circunstâncias com ele relacionadas, designadamente as típicas condutas administrativas, que permitam dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo que levou a que fosse decidido dessa maneira e não de outra, estando suficientemente fundamentado quando um destinatário normal se aperceba das razões de ser da decisão.
Para se atingir aquele objetivo basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, suficiente, congruente e que se mostre contextual.
Note-se que a fundamentação do acto administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
Ora, atento o acima descrito e o exarado na sentença recorrida, adianta-se desde já e no que concerne a esta matéria, que não assiste qualquer razão à Recorrente.
Com efeito, e como bem salienta o Tribunal a quo, «(…) Em matéria tributária, a fundamentação dos atos, cuja obrigação está consagrada no artigo 77.º da Lei Geral Tributária, pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (artigo 77.º n.º 2 da Lei Geral Tributária).
Acresce que, no caso de o destinatário do ato não se considerar devidamente esclarecido acerca da sua fundamentação, deverá fazer uso do dispositivo constante do artigo 37.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário – “Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, [...] pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento”.
No caso dos autos, analisado o teor do Relatório final de inspeção, no qual se fundou o ato impugnado, verifica-se que foi explicitado o seguinte itinerário cognoscitivo e valorativo:
I) Foram propostas correções ao lucro tributável em sede de IRS do ano de 2013 com referência a um conjunto de faturas timbradas em nome de TJ..., B..., Lda e BB..., por existirem indícios de não titularem reais operações de aquisições de bens;
II) As faturas em causa totalizam a importância de € 50.142,00, acrescida de IVA;
III) Os indícios de simulação reportam-se a elementos recolhidos quer aos referidos emitentes das faturas quer diretamente à Impugnante;
IV) No que respeita à Impugnante, os elementos reportam-se à análise dos registos contabilísticos e respetivos documentos de suporte, mormente à estrutura de vendas e compras, à ausência de indícios da ocorrência dos transportes da mercadoria em causa, bem como à incoerência da prática de realizar pagamentos em numerário e ao desconhecimento dos termos dos negócios em causa e até dos alegados fornecedores;
V) Quanto aos emitentes das faturas, os elementos recolhidos pela administração tributária respeitam à sua inserção em circuitos de faturação falsa, à ausência de evidência contabilística e de utilização de contas bancárias referentes à atividade, bem como à inexistência de estrutura empresarial apta ao exercício da mesma, nas quantidades alegadamente praticadas e nos locais indicados;
VI) A Impugnante não demonstrou que as transações em causa ocorreram efetivamente, nos termos e condições expressos nas faturas.
Conclui-se deste itinerário que a administração tributária valorou os indícios de simulação resultantes do cruzamento de elementos recolhidos da própria Impugnante e dos sujeitos passivos emitentes das faturas em causa, bem como a ausência de prova, por parte da Impugnante, quanto à aderência à realidade das operações tituladas pelas faturas.
Tal valoração ficou expressa no Relatório da Inspeção, de modo suficientemente claro, congruente e densificado, possibilitando, assim, a qualquer destinatário normalmente diligente, colocado na situação concreta da Impugnante, a perceção da motivação e percurso cognitivo que conduziram à decisão final.
Por outro lado, a própria Impugnante revela, na sua petição inicial, ter conhecimento adequado e suficiente do referido itinerário cognitivo e valorativo, o que lhe permitiu alegar, designadamente, a inexistência de prova quanto aos indícios de simulação.
Assim sendo, conclui-se que a administração tributária expressou com suficiente clareza e adequação os fundamentos das correções propostas e, consequentemente, da emissão da liquidação ora impugnada, circunstância que conduz necessariamente ao juízo de não verificação do invocado vício de falta de fundamentação...» (fim de transcrição)
Aderindo ao ali decidido, somos de concluir que do relatório elaborado pelo SIT, resulta claro as razões de facto e de direito que levaram à não aceitação da contabilização das faturas supra identificadas como gastos.
É que, resulta bem explicitado, no aludido relatório, que no exercício de 2013 se encontram contabilizados valores, que após a realização de múltiplas diligências, designadamente junto dos emitentes das faturas, se concluiu não corresponderem a verdadeiras transações comerciais. E quanto a não ter sido dada resposta directa sobre “como é possível vender mercadorias sem as comprar”, diga-se que a mesma não tinha que ter resposta directa por parte do SIT, atento o trabalho meticuloso que foi feito questionando-se como poderia a Recorrente vender sem apresentar elementos imprescindíveis como mão de obra (própria ou subcontratada) e equipamento produtivo (ou serviços subcontratados) os quais conforme consta do RIT foram alvo de apreciação meticulosa por parte do SIT assente na contabilidade da Recorrente, em resposta a Recorrente devolvemos com a pergunta que se fez AT como se transforma a cortiça comprada em rolhas sem esses elementos, tendo bem assim procedido análise da natureza da mercadoria comprada declarada em contraposição com as vendas declaradas, diligências estas todas concretizadas em sede do sujeito passivo.
Questão distinta é a que contende com a questão do ónus da prova, nomeadamente no que concerne aos indícios de que não estamos perante verdadeiras operações materiais, mas esta matéria, já foi apreciada supra.
Assim, atento o descrito, resta, pois, concluir que a fundamentação do acto existe, sendo percetível as razões de facto e de direito que levaram a AT a não aceitar os valores das faturas em causa como gastos.
Assim, e no que concerne a esta matéria nenhuma censura merece a sentença recorrida.
2.2.5.2. Da preterição de formalidade legal
Por último, cumpre apreciar e decidir do erro de julgamento de direito, que discorre das conclusões 45. a 47., as quais se bem percecionamos os argumentos apresentados, se reconduz a afirmação de que ao mencionar a AT na página 71 do RIT mencionado a realização de testes com base em informação recolhida em site de uma outra empresa do ramo, não o podia fazer, referindo que «…não cumpriu o disposto no nº 7 do artigo 56º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, ou seja, não lavrou o respetivo termo, nos termos dos nºs 4 a 6 do referido artigo 56º do mesmo Diploma legal, o que constitui preterição de formalidade legal.
Vejamos o que nesta sede foi considerado pelo tribunal a quo: «A Impugnante alega, por fim a preterição de formalidade legal em resultado de a Inspeção Tributária não ter lavrado termo dos testes realizados no procedimento inspetivo.
A Impugnante refere-se, em concreto à operação, explicitada a fls. 71 do Relatório de Inspeção, mediante a qual se procedeu à conversão em quilogramas das quantidades de cortiça evidenciadas no inventário final.
Por outro lado, a Impugnante pretende subsumir esta operação à previsão do artigo 56.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, no qual, sob a epígrafe “Procedimento de recolha de elementos” e na parte que para aqui releva, se consagra o seguinte:
“[...]
3 - Dos inventários e contagens físicas será lavrado o correspondente termo.
4 - O termo referido no número anterior será assinado pelo sujeito passivo ou obrigado tributário ou seu representante, que declarará ser ou não o mesmo conforme ao total das existências, e poderá acrescentar as observações que entender convenientes.
5 - Quando o sujeito passivo ou obrigado tributário ou seu representante se recusarem a assinar, será o termo assinado por duas testemunhas.
6 - Na impossibilidade de os serviços de inspeção tributária colherem assinatura das testemunhas, constará o facto do termo, do qual será entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário.
7 - Sempre que os testes de amostragem não consistirem no mero confronto de documentos, será igualmente lavrado o respetivo termo, aplicando-se o disposto nos n.ºs 4 a 6 do presente artigo, com as necessárias adaptações.”
Ora, resulta do próprio teor do Relatório de Inspeção que não está em causa qualquer teste de amostragem, mas sim de uma mera operação de conversão com base nos valores constantes do próprio inventário da Impugnante.
Nesta medida, é manifesto que também neste aspeto não assiste razão à Impugnante.» (fim de transcrição)
Que dizer?
Que nenhum reparo se nos oferece o assim decidido, nada mais se nos oferecendo acrescentar perante o alegado em sede de recurso, pois que neste particular limita-se a repristinar o já por si alegado em sede de p.i., não atacando em concreto a decisão que decorre da sentença sob recurso.
Assim, por todo o exposto, dando-se aqui por prejudicado o demais alegado ex novo nesta sede, nomeadamente o que se afere das conclusões 14. e 15. sobre a extensão da inspecção realizada ao emitente de facturas “TJ...”, somos de concluir que a sentença não incorreu em erro de julgamento ao decidir como decidiu, pelo que o recurso não merece provimento.

2.3. Conclusões
I. A nulidade por omissão de pronúncia, prevista na al. d) do nº 1 do artigo 668º do CPC, não se verifica quando a sentença aprecia todas as questões suscitadas, directamente ou por remissão para outras decisões ou doutrina, embora não tenha em conta todos os argumentos apresentados pelas partes.
II. Nulidade por falta de fundamentação da sentença só se verifica perante a falta absoluta de fundamentação, dela se subtraindo as situações de fundamentação insuficiente, medíocre ou errada, quer a nível factual, quer jurídico.
III. Da transcrição parcial de Relatórios Finais de inspecções realizadas aos emitentes das facturas para o Relatório Final da Impugnante não decorre a violação do princípio do contraditório e da igualdade de armas.
IV. Não cumpre a Recorrente o ónus de impugnação da decisão da matéria de facto imposto pela al. b), do nº1, do artigo. 640º, do CPC, quando se limita a impugnar factos e a remeter em bloco para a documentação apresentada, sem a concreta especificação dos meios probatórios e análise crítica dos mesmos.
V. Administração Fiscal tem o ónus de provar a factualidade que a levou a desconsiderar um custo, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte.
VI. Logrando a administração Tributária demonstrar os factos-índice em que se baseia para afirmar que as operações tituladas pelas facturas não correspondem a verdadeiras e reais transações comerciais, passa a impender sobre o contribuinte o ónus da prova da efectiva realização dessas operações materiais.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


Porto, 30 de junho de 2022

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis