Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02171/09.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/05/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PRINCÍPIO APROVEITAMENTO ACTO
OMISSÃO DE PRONUNCIA;
AIA (AVALIAÇÃO DE IMPACTE AMBIENTAL),
Sumário:1 - O princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, princípio que também tem merecido outras formulações e designações (como a de princípio da inoperância dos vícios, a de princípio anti formalista, a de princípio da economia dos atos públicos e a de princípio do aproveitamento do ato administrativo), vem sendo reconhecido quanto à sua existência e valia/relevância pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, admitindo-se o seu operar em certas e determinadas circunstâncias.
2 - Tal princípio habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas (efetuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato [v.g., derivados da natureza vinculada dos atos praticados conforme à lei], ou seja ainda porque inexiste em concreto utilidade prática e efetiva para o impugnante do operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M..., SA
Recorrido 1:Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (MAOTDR)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
M..., SA, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (MAOTDR), tendente, em síntese, à anulação dos atos que determinaram o encerramento dos procedimentos de AIA, conexo com pedido de exploração de depósitos minerais de areias, cascalhos e outros agregados do leito e subsolo marinhos, sobre áreas delimitadas junto à cota de Q... e VRSA..., inconformada com o Acórdão proferido em 16 de Janeiro de 2014 (Cfr. fls. 302 a 316 Procº físico) que julgou improcedente a Ação, veio, em 6 de Março de 2014, interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Formula a aqui Recorrente nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 333 a 380 Procº físico):

“Quanto às nulidades da sentença recorrida:

1º Nos presentes autos, a ora Recorrente impugnou cumulativamente dois atos administrativos do Diretor Geral da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), pelos quais foram declarados extintos, por impossibilidade do objeto, dois procedimentos de avaliação de impacte ambiental (AIA).

2º Os procedimentos em causa tinham por objeto dois projetos de exploração de depósitos minerais de areias, cascalhos e outros agregados marinhos do leito e subsolo do mar territorial e plataforma continental, desenvolvidos pela Recorrente no quadro do mesmo contrato celebrado com o Estado Português, mas que tinham por objeto os depósitos minerais revelados em áreas geográficas distintas, a saber, a “Área 2: Q...” e a “Área 3: VRSA...”.

3º Na sentença recorrida, porém, o Tribunal a quo pronuncia-se sobre o objeto da ação no singular, apenas verificando, erroneamente, a existência de um estudo de impacte ambiental, um procedimento e um ato administrativo impugnado.

4º Pela sentença recorrida, é possível verificar, de resto, que o Tribunal a quo considerou, erroneamente, que a Entidade Demandada, através de um só ato administrativo teria definido as situações jurídicas que, na verdade, foram reguladas através dos dois atos impugnados.

5º O Tribunal a quo concluiu a apreciação da causa, julgando improcedente a ação e mantendo na ordem jurídica o ato impugnado.

6º No ponto 5 do elenco de factos provados constante da sentença recorrida, o tribunal a quo identifica o único ato sobre o qual se pronuncia. Pelo excerto do respetivo teor que aí é reproduzido, é possível verificar que o Tribunal, ao longo da sentença recorrida, se pronuncia sobre o ato administrativo proferido no âmbito do procedimento referente ao projeto a desenvolver na área “Área 2: Q...” (embora equivocado quanto à extensão do objeto do referido ato e do procedimento administrativo).

7º A final, no segmento dispositivo da sentença, o Tribunal a quo declarou genericamente, a absolvição do Réu dos “pedidos formulados”, naquela que é a única menção efetuada no plural sobre o objeto da ação.

8º Tendo o Tribunal a quo, ao longo de toda a sentença, aludido apenas a um único ato administrativo (ainda que equivocado quanto à extensão do seu objeto), e tendo apenas apreciado, por conseguinte, a fundabilidade da causa de pedir associada ao pedido anulatório de tal ato, não é possível interpretar a genérica declaração final de improcedência dos pedidos como uma tomada de posição sobre a manutenção ou afastamento da ordem jurídica das duas diferentes decisões da Entidade Demandada que a Recorrente colocou em crise.

9º Nos termos do nº 1 do artº 95º do C.P.T.A., cumpre ao Tribunal decidir todas as questões que as partes tenham suscitado, devendo pronunciar-se sobre os diversos pontos de facto ou de direito que relevem para a procedência ou improcedência da causa de pedir ou das exceções e, necessariamente, tomar posição sobre a pretensão formulada.

10º Nos termos do artº 205º da Constituição, a pronúncia do Tribunal sobre as questões a conhecer deve ser fundamentada, permitindo às partes conhecer as razões que conduziram ao sentido da decisão e, caso com elas não se conformem, apresentar o competente recurso.

11º Verificando-se no processo uma situação de cumulação objetiva, o conhecimento de todas as questões pelo Tribunal pressupõe a apreciação fundamentada dos múltiplos pedidos e causas de pedir.

12º No caso presente, atenta a conexão entre o ato administrativo apreciado na sentença recorrida e o segundo ato impugnado (cujos pedidos anulatórios têm de ser apreciados à luz de factos idênticos e das mesmas regras de direito), caso o Tribunal a quo houvesse proferido decisão sobre este segundo ato, poderia até ser previsível que se mantivesse o sentido da decisão.

13º No entanto, de facto, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre eventuais causas de invalidade do ato impugnado referente ao projeto da “Área 3: VRSA...”, nem tomou posição inteligível sobre o pedido anulatório que recaía sobre o mesmo.

14º Sendo o recurso uma forma de impugnação de decisões judiciais, não pode a Recorrente, junto do Tribunal ad quem, presumir qual seria o sentido de uma hipotética decisão que o Tribunal a quo não tomou, nem tão pouco sindicá-la, pois, nesse caso, o recurso estaria parcialmente privado de objeto.

15º Por outro lado, uma vez que ao longo da sentença recorrida apenas se fez referência a um único ato e a uma única pretensão anulatória, ainda que se entenda que o Tribunal a quo possa ter proferido decisão sobre os dois atos administrativos impugnados, não pode exigir-se à Recorrente, da mesma forma, que presuma a fundamentação de tal decisão.

16º Não tendo o Tribunal a quo emitido pronúncia expressa, direta e inteligível sobre o pedido anulatório do ato impugnado que extingue, por impossibilidade do objeto, o procedimento de AIA referente ao projeto da “Área 3: VRSA...”, vem a Recorrente arguir a nulidade prevista na primeira parte da alínea c) do artº 615º do C.P.Civil (ex vi artº 1º do C.P.T.A.).

17º Caso se entenda que o Tribunal a quo emitiu pronúncia e indeferiu tal pedido anulatório (o que não se admite), não se encontrando explicitadas as razões de facto e de direito conducentes à decisão sobre esse concreto pedido, vem a Recorrente arguir a nulidade prevista na alínea b) do artº 615º do C.P.Civil (ex vi artº 1º do C.P.T.A.).

Caso assim não se entenda, quanto ao erro de julgamento:

18º Através da decisão recorrida, considerou o Tribunal a quo que os atos impugnados padecem de vício de incompetência e que o objeto dos procedimentos era jurídica e materialmente possível (pelo que estes não poderia ter sido extintos, como foram, com fundamento em impossibilidade).

19º Não obstante reconhecer a invalidade dos atos, o Tribunal a quo negou provimento à pretensão impugnatória da Recorrente, invocando, por apelo ao princípio do aproveitamento dos atos administrativos, que a hipotética decisão de mérito dos procedimentos sempre teria de ser desfavorável à Recorrente.

20º A Recorrente entende que o Tribunal a quo ajuizou de forma errónea e/ou insuficiente (i) o mérito das pretensões apresentadas pela Recorrente ao órgão administrativo cuja alegada inviabilidade justificaria a manutenção dos atos inválidos na ordem jurídica e, bem assim, (ii) os limites impostos ao âmbito do conhecimento e ao objeto das ponderações e valorações a efetuar pelo órgão competente no procedimento de AIA.

21º Tal juízo do tribunal a quo determinou uma errónea reconstrução hipotética do que viria a ser o conteúdo dos atos administrativos proferidos pela Entidade Demandada, ora Recorrida, caso não se tivessem verificado os vícios invalidantes.

Quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

22º Conhecida no acórdão recorrido a materialidade em que o tribunal a quo suportou a sua decisão, entende a Recorrente que a mesma padece de deficiência;

23º O erro no julgamento sobre a matéria de facto pode decorrer, não apenas de uma desadequada apreciação da prova, como igualmente de uma deficiente seleção da matéria de facto considerada relevante.

24º Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que, no caso concreto, se verifica erro de julgamento do Tribunal a quo nos dois aspetos da decisão sobre a matéria de facto.

25º Através do presente recurso, a Recorrente vem assim suscitar ao conhecimento do Tribunal ad quem, por um lado, a desadequação da apreciação da prova em alguns pontos de facto e, por outro, a deficiência na seleção da materialidade relevante

26º Como até à notificação da decisão final, a Recorrente não pôde reclamar ou recorrer autonomamente da decisão de seleção da matéria de facto, (porque esta inexistia), a insuficiente seleção da materialidade considerada relevante só agora pode, e deve, ser sindicada

27º Como decorre do que se expôs aquando da arguição das nulidades da sentença, o Tribunal a quo terá aprendido erroneamente quais os atos impugnados, respetivo teor, objeto e procedimento em que se inserem.

28º Tal circunstância reflete-se no julgamento dos pontos de facto 3, 4 e 5 da sentença recorrida, cuja descrição padece de deficiência.

29º Pelos elementos juntos aos autos, ficou demonstrado que (i) foram desenvolvidos, não um, mas dois procedimentos administrativos; (ii) a Recorrente não apresentou qualquer Estudo de Impacte Ambiental referente a um projeto de exploração comum às áreas de “2: Q...” (decerto por lapso indicada na sentença como V...) e “3: VRSA...”; (iii) a Recorrente apresentou, sim, dois Estudos de Impacte Ambiental autónomos, um referente ao projeto a desenvolver na área “2: Q...”, e outro na área “3: VRSA...”, que impulsionaram, respetivamente, os procedimentos que a Autoridade de AIA identificou como Processo de Avaliação de Impacte Ambiental nº 2018 e 2019.

30º Para aferir tais factos, contribuem: os próprios Estudos de Impacte Ambiental, que, na página I-1 do Volume 2 – Relatório Síntese, identificam o objeto de cada um dos dois projetos da Recorrente e a localização da área de intervenção de cada um. (Cfr. volumes juntos ao processo administrativo); os requerimentos de concessão de exploração dos depósitos minerais revelados, durante a fase de prospeção e pesquisa nas duas áreas contratuais (Cfr. fls. 297/298 do volume integrado no processo administrativo em pasta branca identificada com o número de processo de AIA 2018 e fls. 379/380 do volume integrado no processo administrativo numa outra pasta branca, identificada com o número de processo de AIA 2019); os ofícios pelos quais a Direção Geral de Energia e Geologia remeteu para a Agência Portuguesa do Ambiente os dois estudos de impacte ambiental apresentados pela Recorrente (Cfr. fls 294 do volume integrado no processo administrativo em pasta branca identificada com o número de processo de AIA 2018 e fls 376 do volume integrado no processo administrativo na pasta branca identificada com o número de processo de AIA 2019); todos os restantes elementos integrados no processo administrativo apenso, que documentam a tramitação de dois procedimentos administrativos distintos.

31º Em consequência da existência de dois procedimentos autónomos, ficou ainda demonstrado que foram proferidos pela Entidade Demandada dois projetos de decisão distintos e dois atos administrativos, um relativo ao projeto desenvolver na área “2: Q...”, e outro relativo ao projeto a desenvolver na área “3: VRSA...” – Cfr. documentos juntos como Docs. 1, 2, 8 e 9 da Petição Inicial, a fls. __, que também se encontram integrados no processo administrativo a fls. 325/326 e 343 do volume arquivado em pasta branca identificada com o número de processo de AIA 2018 e a fls. 404/405 e 424 do volume arquivado em pasta branca identificada com o número de processo de AIA 2019;

32º No entendimento da Recorrente, a correta apreciação da prova documental supra indicada, deveria ter conduzido à prolação de decisão sobre a matéria de facto, que não contemplasse os factos provados sob os nº 3, 4 e 5 e que, pelo contrário, considerasse provado que:

I) Em 2008, a A. apresentou ao Ministro da Economia e Inovação dois requerimentos tendentes à obtenção da concessão da exploração de depósitos minerais relativos, respetivamente, às áreas “2: Q...” e “3: VRSA...”, tendo apresentado, para o efeito, na Direção Geral de Energia e Geologia, o estudo de impacte ambiental referente a cada um dos pedidos.

II) Por ofício de 20/01/2009, com a Referência 49/09/GAIA, a APA notificou a Recorrente de projeto de encerramento do procedimento administrativo identificado como “Processo de Impacte Ambiental nº 2018”, referente ao projeto por esta apresentado de exploração de depósitos minerais na área “2: Q...”, comunicando o seguinte: «…considera-se que face à incompatibilidade do Projeto com os referidos instrumentos legais em vigor [Lei 58/2005, DL 226-A/2007 e POOC V...-VRSA...], e considerando o artº 112º do Código do Procedimento Administrativo… comunica-se que… se procedeu ao encerramento do procedimento de AIA»…

III) Por ofício de 20/01/2009, com a Referência 50/09/GAIA, a APA notificou a Recorrente de projeto de encerramento do procedimento administrativo identificado como “Processo de Impacte Ambiental nº 2019”, referente ao projeto por esta apresentado de exploração de depósitos minerais na área “3: VRSA...”, comunicando o seguinte: «…considera-se que face à incompatibilidade do Projeto com os referidos instrumentos legais em vigor [Lei 58/2005, DL 226-A/2007 e POOC V...-VRSA...], e considerando o artº 112º do Código do Procedimento Administrativo… comunica-se que… se procedeu ao encerramento do procedimento de AIA»…

IV) Após a audiência prévia, a APA, através do ofício de 28 de Maio de 2009, com a Referência AIA2019/983/09/GAIA notificou a Recorrente da decisão final proferida no procedimento administrativo identificado como “Processo de Impacte Ambiental nº 2019”, referente ao projeto por esta apresentado de exploração de depósitos minerais na área “2: Q...”, comunicando o seguinte: «uma parte da área que a M...…pretende explorar está abrangida pelo Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) V...-VRSA..., aprovado em RCM nº 103/2005, de 27 de Junho”. (…) Assim a proposta de decisão da APA de encerramento do procedimento AIA por impossibilidade do seu objeto mantém-se…”

V) Após a audiência prévia, a APA, através do ofício de 28 de Maio de 2009, com a Referência AIA2018/981/09/GAIA, notificou a Recorrente da decisão final proferida no procedimento administrativo identificado como “Processo de Impacte Ambiental nº 2019”, referente ao projeto por esta apresentado de exploração de depósitos minerais na área “3: VRSA..., comunicando o seguinte: «uma parte da área que a M... pretende explorar está abrangida pelo Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Ovar-Marinha Grande, aprovado em RCM nº 142/2000 [menção que padece de notório erro de escrita, até tendo em atenção o teor do projeto de decisão, pretendendo a Entidade Demandada reportar-se ao POOC V...-VRSA..., aprovado em RCM nº 103/2005, de 27 de Junho] (…)

Assim a proposta de decisão da APA de encerramento do procedimento AIA por impossibilidade do seu objeto mantém-se…”

33º Embora o Tribunal a quo tenha, expressamente, elevado a fundamento da decisão a situação geográfica da área de desenvolvimento do projeto da Recorrente (associada às limitações de uso impostas pelos instrumentos de gestão territorial aí aplicáveis), no acórdão recorrido, não foram selecionados como relevantes quaisquer factos sobre tal situação geográfica;

34º Tendo presente que o artº 17º do DL 69/2000 previa expressamente a possibilidade de a decisão favorável ser objeto de condição, a Recorrente sempre defendeu que os seus projetos poderiam merecer DIA favoráveis, condicionadas (i) ao respeito pelas restrições de uso previstas no atual POOC V...-VRSA; ou (ii) à limitação da sua implementação em área não abrangida no âmbito de aplicação do POOC V...-VRSA.

35º Para que a Recorrente pudesse fazer valer este argumento (que não apenas nega a possibilidade de aproveitamento dos atos inválidos, mas também acresce aos motivos por que os atos se devem considerar inválidos), o Tribunal a quo deveria admitir a demonstração da factualidade em que o mesmo se encontrava suportado, através da sua seleção para a matéria de facto relevante.

36º A Recorrente considera, pois, que os seguintes factos por si alegados deveriam ter sido selecionados como relevantes:

- O projeto referente à área 2: Q... incide, em parte, sobre área não abrangida por qualquer instrumento de gestão territorial” – Cfr. artº 45º da Petição Inicial;

- O POOC V...-VRSA (aprovado pela RCM 103/2005) … não classificou, nem impôs qualquer regulação aos espaços situados para além da batimétrica dos -30” – Cfr. artº 47º e 48º da Petição Inicial

- Os trabalhos a desenvolver pela Autora, no âmbito do projeto referente à área 2: Q..., terão lugar em área delimitada entre as batimétricas -20 e -31” – Cfr. artº 49º da Petição Inicial;

37º Selecionados tais factos, os mesmos deveriam, na sequência, ser considerados como provados, por referência (i) à planta de síntese e demais peças desenhadas do POOC V...-VRSA, que constituem um anexo à Resolução do Conselho de Ministros 103/2005; (ii) ao teor do próprio ato impugnado, junto como Doc. 1 da Petição Inicial, a fls. __ e a fls. 343 do volume arquivado em pasta branca identificada com o número de processo de AIA 2018; (iii) à exposição efetuada pela Recorrente no seu Estudo de Impacte Ambiental, designadamente, a fls. V-44 do Relatório Síntese (Volume II integrado do processo administrativo, nas pastas identificadas com o número de processo de AIA 2018)

38º Embora a Recorrente considere que estes meios de prova se revelam esclarecedores dos factos em questão, atenta a necessidade de interpretação de peças desenhadas, propôs-se produzir prova testemunhal, junto do Tribunal a quo, através dos depoimentos dos técnicos que colaboraram na elaboração do projeto.

39º Por despacho de fls. 193, que a Recorrente ora impugna nos termos do nº 3 do artº 644º do C.P.Civil, o Tribunal a quo negou a abertura de uma fase de instrução, considerando que inexistiam factos relevantes controvertidos.

40º Em face do nº 2 do artº 149º do C.P.T.A., a produção de prova junto do Tribunal ad quem, a final, a Recorrente reiterará o pedido de inquirição de testemunhas, apenas com a finalidade de acautelar entendimento do Tribunal ad quem no sentido da insuficiência da prova documental para demonstrar os acima identificados pontos de facto.

Quanto à apreciação jurídica da causa:

41º No acórdão recorrido, o Tribunal a quo conclui pela anulabilidade dos atos impugnados, com fundamento em incompetência e violação de lei, mas não os anulou, por considerar que, apesar das causas de invalidade verificadas, o procedimento de AIA sempre terminaria com a adoção de declarações de impacte ambiental desfavoráveis.

42º A Recorrente não ignora que, não obstante a falta de uma regra habilitadora expressa (como a prevista no projeto de revisão do C.P.A.), a jurisprudência vêm admitindo a não anulação de atos administrativos inválidos, em especial desde a reforma do contencioso administrativo para uma matriz subjetivista.

43º Esta constitui, porém, uma exceção à regra segundo a qual os atos anuláveis, uma vez impugnados, devem ser anulados pelos tribunais.

44º O aproveitamento dos atos administrativos inválidos obedece a requisitos estreitos e apenas pode ser determinado quando não resultem prejudicados os princípios que, com tal procedimento, se visam prosseguir – o que, no caso, não ocorreu.

45º O aproveitamento do ato administrativo é usualmente justificado pela verificação de uma situação de colisão entre o princípio da legalidade e princípios como os da celeridade, eficácia, anti formalista ou da economia de atos públicos.

46º A prevalência destes últimos sobre o princípio da legalidade (fundamento e limite da atividade administrativa) apenas pode ser sequer ponderada nos casos em que, pese embora a verificação de um vício invalidante, o conteúdo do ato anulável não poderia ter sido outro.

47º Nesses casos, a existência do vício não se traduz numa concreta lesão para o particular cuja proteção é visada pela norma violada (seja esta uma norma procedimental, de competência, ou definidora dos pressupostos para o deferimento da sua pretensão), pois, ainda que o ato impugnado fosse anulado e o procedimento retomasse a sua tramitação em termos válidos, o sucesso da pretensão do particular não seria alterado.

48º Nesses casos, fica até colocado em causa o próprio interesse processual do particular em sindicar uma ilegalidade que, afinal, atento o que seria o conteúdo do ato válido, não lhe causou qualquer lesão.

49º O aproveitamento judicial dos atos inválidos só pode ser determinado se, à luz da lei aplicável, o conteúdo de ato válido que pudesse vir a substituir o ato impugnado fosse necessariamente igual ao deste.

50º Por forma a determinar se um ato inválido pode, ou não, ser aproveitado, o tribunal terá de concluir que detém um conhecimento da situação de facto tão completo, que lhe permita avaliar da influência do vício invalidante no sentido material da decisão contida no referido ato.

51º Após, terá de proceder a uma reconstrução hipotética do comportamento que o órgão administrativo adotaria num procedimento isento de vícios e concluir, sem qualquer dúvida, que o ato a praticar em tais circunstâncias conduziria ao resultado historicamente verificado no ato inválido.

52º A verificação dos pressupostos para o aproveitamento dos atos inválidos depende de um juízo judicial de natureza semelhante ao que determina o comando de condenação à prática de um ato devido, no tipo de ação com o mesmo nome.

53º No caso concreto do acórdão recorrido, o tribunal a quo errou na formulação de tal juízo, pois o conteúdo legal dos atos válidos que viessem a substituir os atos anuláveis não é correspondente, necessariamente, a declaração de impacte ambiental desfavorável;

54º Tendo presente os factos supra enunciados que a Recorrente pretende ver selecionados, verifica-se que os instrumentos legais e regulamentares invocados pela Recorrida, no caso do projeto referente à “Área 2: Q...” não impõem qualquer constrangimento de uso sobre uma parte da área em que a aquela projetava explorar depósitos minerais.

55º Sendo apenas parcial o (pretenso) impedimento invocado pela Recorrida, no raciocínio formulado sobre a hipotética decisão de mérito que viesse a ser tomada naquele procedimento de AIA, não pode concluir-se que a declaração de impacte ambiental desfavorável era a única decisão possível.

56º É o próprio artigo 17º do DL. 69/2000 que prevê a possibilidade de ser proferida declaração de impacte ambiental condicionalmente favorável.

57º A alteração da extensão da área de desenvolvimento do projeto é, por falta de norma em contrário, um dos elementos a que a prolação de DIA favorável poderá ser condicionada.

58º É reconhecidamente rotineiro na prática administrativa o condicionamento da declaração de impacte ambiental à introdução de ajustes à localização do projeto ou mesmo à relocalização de instalações determinadas daquele.

59º A Recorrente entende que, com os elementos juntos aos autos, seria possível ao Tribunal concluir que a obtenção de declaração de impacte ambiental desfavorável não seria a única conclusão possível daquele procedimento de AIA

60º Seria possível ao Tribunal a quo concluir, num raciocínio extrajurídico mas ainda contido na experiência comum, que o projeto em causa, pelas suas características e natureza (exploração de depósitos minerais), poderia ser viável.

61º Seria possível ao Tribunal, pois, concluir que a obtenção de declaração de impacte ambiental desfavorável não seria a única conclusão possível do procedimento de AIA referente à “Área 2: Q...”

62º Não obstante, se não pretendesse ou lograsse efetuar este raciocínio extrajurídico sobre a exequibilidade do projeto (viabilizado por uma DIA condicionalmente favorável), o Tribunal a quo teria de concluir não deter “um conhecimento da situação de facto suficientemente completo” e, bem assim, não lhe ser “possível avaliar da influência do erro no ato administrativo final”;

63º Teria, nesse caso, de conceber como abstratamente possível uma decisão diferente da DIA desfavorável, anular o ato impugnado e determinar a Ré à prática de uma decisão de mérito e não proceder, como fez, ao aproveitamento do ato administrativo inválido.

64º O acórdão recorrido violou assim as normas conjugadas do artº 135º do C.P.A., nº 1 do artº 20º e nº 4 do artº 268º da Constituição;

65º Tais normas, no entendimento da Recorrente, determinam que os atos inválidos prejudiciais aos seus direitos e interesses protegidos, quando impugnados, sejam efetivamente anulados pelo tribunais. Acresce e sem prescindir,

66º Num raciocínio hipotético ex post, não é possível concluir pela inviabilidade da avaliação ambiental favorável, mesmo na parte em que dois projetos incidem sobre o âmbito de aplicação do POOC V...-VRSA.

67º Afirma o Tribunal a quo, no acórdão recorrido, que “…o certo é que uma parte da pretensão exploratória da A. estaria sempre sujeita ao indeferimento, atendendo à interdição da extração de inertes que foi ditada pelo POOC e cuja violação fulminaria de nulidade qualquer DIA de sentido favorável (Cf. Os artigos 42º, nº 3, e 103º do DL 380/99, de 22/09…)”

68º É certo que o Plano de Ordenamento da Orla Costeira é um instrumento de gestão territorial heterovinculativo e que a sua violação fere de nulidade o ato que a consubstancia (Artº 103º do DL 380/99).

69º No entanto, a Declaração de Impacte Ambiental, pela sua natureza, não é apta a violar as disposições de qualquer plano de ordenamento do território.

70º Nos termos do artº 2º do DL 309/93, os POOC definem os condicionamentos, vocações e usos dominantes e a localização de infraestruturas de apoio a esses usos e orientam o desenvolvimento das atividades conexas. E, nesse sentido, o Regulamento do POOC V...-VRSA proibiu, no artº 11º, alínea b), o desenvolvimento da atividade de extração de materiais inertes nos locais situados dentro do respetivo âmbito de aplicação.

71º A norma do POOC V...-VRSA que proíbe a realização de tal atividade apenas pode ser violada por um ato permissivo em sentido contrário – de que são exemplos, a autorização ou a licença.

72º A Declaração de Impacte Ambiental, porém, não é um ato permissivo para o desenvolvimento de uma atividade – pelo que nunca poderá resultar ferida de nulidade nos termos do artº 103º do DL 380/99.

73º Não obstante a DIA favorável seja pressuposto para a prática do ato permissivo, a sua prolação não confere, de per se, quaisquer direitos ao particular.

74º Na verdade, a Declaração de Impacte Ambiental é um ato preliminar ao ato permissivo, praticado num sub-procedimento específico com objetivos próprios, definidos no artº 4º do DL 69/2000 (hoje revogado, mas aplicável à data dos factos);

75º À luz dos objetivos da AIA, verifica-se que o procedimento se encontra orientado para a análise concreta, e exaustiva, dos riscos ambientais dos projetos apresentados pelos particulares.

76º Não é objetivo do ato final do procedimento de AIA aferir se o projeto submetido se encontra em condições de ser imediatamente aprovado, mas apenas atestar se as alterações resultantes da realização do projeto, eventualmente mitigadas com medidas próprias, são ou não, em concreto, toleráveis.

77º Através do procedimento de AIA, são analisados os impactes que os projetos previsivelmente causarão ao longo de toda a sua vida útil e não apenas num determinado momento histórico.

78º Os objetivos do procedimento de AIA necessariamente limitam o âmbito do conhecimento da autoridade de AIA, bem como as ponderações e valorações que esta deve efetuar.

79º No acórdão recorrido, o Tribunal a quo refere que “a A. sustentou que a R. deveria ter ponderado futura norma de alteração do plano de ordenamento do espaço marítimo” e que “o R. apenas estava obrigado a ponderar os factos e as normas legais e regulamentares vigentes ao tempo da prolação do ato”

80º No entanto, o argumento sustentado pela Recorrente foi diferente do referido pelo Tribunal a quo.

81º A Recorrente não ignora o princípio tempus regit actum, nem que, como consequência do mesmo, a validade dos atos é determinada pelas normas em vigor à data da respetiva prática.

82º O que a Recorrente sustenta é que, na determinação do sentido favorável ou desfavorável da declaração de impacte ambiental, o órgão competente não deve relevar a conformidade ou desconformidade com as atuais soluções legislativas ou de planeamento, atendendo (conjugadamente) a que: (i) o procedimento de AIA visa a análise, em concreto, de impactes ambientais; (ii) pelo procedimento de AIA é efetuada a avaliação ambiental de projetos com prazos longos de implementação; (iii) a sequência do procedimento de AIA, o órgão competente para praticar autorizar, licenciar ou concessionar a atividade cujos impactes ambientais foram analisados, sempre terá de aferir da sua compatibilidade com os regimes legais e planos em vigor; (iv) o termo do procedimento de autorização, licença ou concessão pode ocorrer muito tempo após o termo do (sub)procedimento de AIA; (v) as soluções legislativas ou de planeamento em matéria ambiental e de ordenamento do território são, por natureza, mutáveis e dependentes do estado atual da ciência e das condições ambientais, económicas e sociais em cada momento existentes; (vi) através do procedimento de AIA, podem os particulares dar a conhecer à Administração Ambiental projetos inovadores, não ponderados aquando da definição das soluções legislativas ou de planeamento, e que demonstrem uma alteração do estado da ciência, ou das condições ambientais, económicas e sociais; (vii) os POOC, como instrumentos de gestão territorial que são, podem ser objeto de alteração, retificação, revisão e suspensão (artº 93º do DL 380/99), do mesmo modo como os atos legislativos podem ser revogados por leis posteriores;

83º A Recorrente não sustenta que, no momento em que o ato é praticado, a Administração Ambiental deva levar em consideração normas que não se encontrem em vigor.

84º A Recorrente apenas sustenta que (i) o reconhecimento da natureza mutável das soluções de planeamento (e mesmo legislativas), associado às (ii) finalidades do procedimento de AIA e (iii) ao facto de, num momento subsequente do procedimento autorizativo, caber a outros órgãos aferir da conformidade do projeto com a lei e planos em vigor, devem determinar o entendimento que a ponderação da legalidade de um futuro ato de aprovação do projeto não cabe no âmbito das valorações a efetuar pela Administração Ambiental no procedimento de AIA.

85º Atualmente, o entendimento propugnado pela Recorrente encontra acolhimento legislativo expresso no nº 6 do artº 18º do DL 151-B/2013, (diploma que veio revogar o DL 69/2000), norma que esclarece, agora de forma categórica, o que já resultava da boa hermenêutica jurídica (“A desconformidade do projeto com os instrumentos de gestão territorial aplicáveis não condiciona o sentido da decisão da DIA” )

86º Uma vez mais, a Recorrente deve aludir à possibilidade legal, consagrada no artº 17º do DL 69/2000, de ser proferida declaração de impacte ambiental condicionalmente favorável.

87º A alteração do quadro legal que admite ou limita o desenvolvimento de uma determinada atividade pode também, deste modo, vir a ser estabelecida como a condição à prolação de DIA favorável.

88º Uma condição desta natureza foi já expressamente reconhecida como válida pelo Tribunal Central Administrativo Sul no Ac. TCAS de 10-07-2008, proc. 7075/03 (disponível em www.dgsi.pt),

89º Quer se considere (como a Recorrente) que, em sede dos procedimentos de AIA, não cabia à Administração Ambiental aferir da conformidade dos projetos com a lei e planos em vigor, quer se considere que poderia a Administração Ambiental avaliar favoravelmente os projetos, com a condição de a Recorrente respeitar as normas legais e regulamentares em cada momento em vigor, sempre teria o Tribunal a quo de conceber como abstratamente possível que os hipotéticos atos alternativos aos atos impugnados não fossem declarações de impacte ambiental desfavoráveis.

90º Cumpria, assim, ao acórdão recorrido, proceder à anulação dos atos impugnados e determinar a Ré à prática de uma decisão de mérito.

91º Ao determinar o aproveitamento dos atos administrativos inválidos, o acórdão recorrido violou assim as normas conjugadas do artº 135º do C.P.A., nº 1 do artº 20º e nº 4 do artº 268º da Constituição, normas que, no entendimento da Recorrente, determinam que os atos inválidos prejudiciais aos seus direitos e interesses protegidos, quando impugnados, sejam efetivamente anulados pelo tribunais.

Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis, deverá o presente recurso de apelação ser julgado procedente, por provado e fundado e, em consequência, ser:

a) Revogado o acórdão proferido pelo Tribunal a quo, que julga improcedente a ação e mantém na ordem jurídica os dois atos impugnados;

b) Substituída a decisão recorrida por acórdão que, mantendo o juízo de invalidade sobre os atos administrativos impugnados, determine agora a sua efetiva anulação, abstendo-se de impor o respetivo aproveitamento.”

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 14 de Março de 2014 (Cfr. fls. 389 Procº físico).

O aqui Recorrido/Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (MAOTDR) não veio apresentar contra-alegações de Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado em 1 de Setembro de 2014 (Cfr. Fls. 400 Procº físico), veio e emitir Parecer em 4 de Setembro de 2014, pronunciando-se, a final, no sentido da improcedência do Recurso (Cfr. Fls. 401 a 403 Procº físico).

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, a invocada violação dos Artº 135º do CPA, e 20º, nº 1 e 268º nº 4 da CRP.

III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, entendendo-se aceitar a mesma, completando-a, nos termos do Artº 662º do CPC:

1. Em 22/11/2005, foi outorgado entre o Estado Português e a “D... - Sociedade de Dragagens, Lda.” o “CONTRATO PARA ATRIBUIÇÃO DE DIREITOS DE PROSPECÇÃO E PESQUISA DE DEPÓSITOS MINERAIS DE AREIAS, CASCALHOS E OUTROS AGREGADOS DO LEITO E SUBSOLO MARINHOS” do mar territorial e plataforma continental (cf. fls. 45 a 65 dos autos);

2. Em 08/02/2007, a A. assumiu a posição da “D... - Sociedade de Dragagens, Lda.” no contrato supra (cf. fls. 81 a 86 dos autos).

3. Em 2008, a A. requereu ao Ministro da Economia e Inovação a concessão de exploração de depósitos minerais relativamente às áreas 2 e 3, Q... e VRSA..., respetivamente, tendo apresentado, para o efeito, nos serviços do R., o respetivo estudo de impacte ambiental relativo a tal pedido.

4. Pelo ofício de 15/01/2009, a APA notificou a A., em sede de audiência prévia, quanto ao projeto de decisão sobre o “Processo de Avaliação de Impacte Ambiental” requerido pela A. Relativamente ao Processo de AIA nº 2018/Q..., do seguinte: (por excerto) «…considera-se que face à incompatibilidade do Projeto com os referidos instrumentos legais em vigor, e considerando o art. 112.º do Código de Procedimento Administrativo…comunica-se…que…se procedeu ao encerramento do procedimento de AIA (…)» - (cf. doc. 8 PI que aqui se dão por integralmente reproduzidos);

4A. Pelo ofício de 15/01/2009, a APA notificou a A., em sede de audiência prévia, quanto ao projeto de decisão sobre o “Processo de Avaliação de Impacte Ambiental” requerido pela A. Relativamente ao Processo de AIA nº 2019/VRSA..., do seguinte: (por excerto) «…considera-se que face à incompatibilidade do Projeto com os referidos instrumentos legais em vigor, e considerando o art. 112.º do Código de Procedimento Administrativo…comunica-se…que…se procedeu ao encerramento do procedimento de AIA (…)» - (cf. doc. 9 PI que aqui se dão por integralmente reproduzidos);

5. Após a audiência prévia, a APA, por intermédio do ofício de 28/05/2009 – Q... -, notificou a A. do seguinte (por excerto): «…uma parte da área que a M...…pretende explorar está abrangida pelo Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) V...-VRSA..., aprovado em RCM n.º 103/2005, de 27 de Junho”. (…) Assim, a proposta de decisão da APA de encerramento do procedimento AIA por impossibilidade do seu objeto mantém-se (…)» (cf. docs. 1 que aqui se dão por integralmente reproduzidos)

5A. Após a audiência prévia, a APA, por intermédio do ofício de 28/05/2009 – VRSA..., notificou o A. em termos idênticos ao facto precedente, ainda que com alguns lapsos (POOC Ovar – Marinha Grande) -, (…) Assim, a proposta de decisão da APA de encerramento do procedimento AIA por impossibilidade do seu objeto mantém-se (…)» (cf. docs. 2 que aqui se dão por integralmente reproduzidos)

IV – Do Direito

Analisemos então o suscitado:
Veio suscitada a Nulidade da Sentença Recorrida em virtude de terem sido impugnados dois atos distintos, sendo que reiteradamente o Acórdão Recorrido se reportar a “ato”, no singular.

Efetivamente, na factualidade dada como provada apenas se referencia um dos atos.

Esta situação não ficou ultrapassada com o Despacho do Juiz Relator do Tribunal a quo, de 7 de Maio de 2014 (Cfr. Fls. 393 Procº físico), ao afirmar que se tratou de um “erro de escrita”, e que “quando se referiu a ato (singular), o tribunal queria dizer atos (plural)”, uma vez que o singular é usado repetidamente, constando, inclusivamente, dos “factos provados” apenas um dos atos impugnados.

Esta situação ficou, em qualquer caso, sanada no presente Acórdão, com a correção feita nos “factos provados”, nos termos do Artº 662º nº 1 CPC, com a introdução dos factos 4A e 5A o que não invalidará que o Acórdão recorrido tenha de ser declarado nulo, decidindo-se, por substituição, nos termos do Artº 149º CPTA.

Efetivamente, uma vez que ambos os atos originariamente objeto de impugnação são rigorosamente iguais, reportando-se apenas a locais distintos (Q... e VRSA...), a argumentação aduzida valerá para ambas as situações.

* * *
Quanto ao objeto do Recurso, afirma, em síntese, a Recorrente que, “quer se considere … que, em sede dos procedimentos de AIA, não cabia à Administração Ambiental aferir da conformidade dos projetos com a lei e planos em vigor, quer se considere que poderia a Administração Ambiental avaliar favoravelmente os projetos, com a condição de a Recorrente respeitar as normas legais e regulamentares em cada momento em vigor, sempre teria o Tribunal a quo de conceber como abstratamente possível que os hipotéticos atos alternativos aos atos impugnados não fossem declarações de impacte ambiental desfavoráveis.
Cumpria, assim, ao acórdão recorrido, proceder à anulação dos atos impugnados e determinar a Ré à prática de uma decisão de mérito.
Ao determinar o aproveitamento dos atos administrativos inválidos, o acórdão recorrido violou assim as normas conjugadas do artº 135º do C.P.A., nº 1 do artº 20º e nº 4 do artº 268º da Constituição, normas que, no entendimento da Recorrente, determinam que os atos inválidos prejudiciais aos seus direitos e interesses protegidos, quando impugnados, sejam efetivamente anulados pelos tribunais.”

Vejamos:
Em relação ao suscitado vício de incompetência, assiste razão ao Recorrente, uma vez que o ato aqui em causa extinguiu o procedimento de AIA por impossibilidade do seu objeto, através de ato proferido indevidamente pelo Diretor-Geral da APA.

Ora artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e b), do DL n.º 69/2000, de 3/5, na versão que lhe foi conferida pelo DL n.º 197/2005, de 8/11, que aprovou o Regime Jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental, prevê que o Instituto do Ambiente e as CCDR são as autoridades intervenientes na AIA.

No entanto, não resulta de qualquer das alíneas do n.º 2, do referido normativo, a competência das autoridades de AIA para decretar a extinção do procedimento.

Efetivamente, da alínea a), resulta a competência para “coordenar e gerir administrativamente o procedimento de AIA”, sendo que da alínea j), resulta a competência para “Fazer a proposta da DIA ao ministro responsável pela área do ambiente”, o que entronca no artigo 18.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, que atribui a competência para a prolação da DIA ao ministro.

Por outro lado, do Decreto-Regulamentar n.º 53/2007, de 27/04, que aprovou a orgânica da APA, verifica-se que esta resultou da fusão entre o Instituto do Ambiente e o Instituto de Resíduos, de cujas atribuições e competências não consta qualquer menção à competência da APA para fazer extinguir procedimentos de AIA, mas tão-só para “propor, desenvolver e acompanhar a execução de políticas de ambiente, nomeadamente no âmbito…da avaliação de impacte ambiental”.

Correspondentemente, a APA tem apenas por missão preparar/instruir o procedimento de AIA e propor a respetiva decisão ao ministro competente, mas já não a competência para ser ela própria a ditar o desfecho do referido procedimento.

Por outro lado, o artigo 112.º, n.º 1, do CPA, exige que a verificação da causa extintiva do procedimento seja feita pelo “órgão competente para a decisão”, o que, no caso, significa que a APA apenas poderia propor ao ministro competente a emissão do ato extintivo.
* * *
No que concerne à suscitada violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, fruto da compatibilidade entre os projetos da Recorrente e o POOC, refira-se o seguinte:

O ato impugnado assentou a decisão de extinção do procedimento de AIA com base, no entendimento segundo o qual “uma parte da área que a M...…pretende explorar está abrangida pelo Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) V...-VRSA..., aprovado em RCM n.º 103/2005, de 27 de Junho”.
O que está insofismavelmente em causa é, em qualquer caso, a circunstância os projetos da Recorrente se situarem, parcialmente, em área interdita à pretendida intervenção, facto que se mostra inultrapassável, por se inserir em abrangida pelo POOC.

Refere-se na aludida regulamentação, no art.º 10º, com a epígrafe “Zona marítima de proteção” que “A zona marítima de proteção corresponde à faixa das águas marítimas costeiras delimitada pela batimétrica dos 30 m.”

Mais se refere no art.º 11º, com a epígrafe “Atividades interditas” que “Na área de intervenção do POOC são interditas as seguintes atividades:
(…)
b) Extração de materiais inertes para venda ou comercialização;
c) Utilização de materiais dragados, suscetíveis de serem classificados como areias, para outros fins que não a proteção costeira, nos termos do presente Regulamento;
(…)”

Inserindo-se parcial e confessadamente a área a explorar, numa zona interdita à pretendida intervenção, independentemente da argumentação que pudesse ser aduzida, sempre a mesma estaria impedida.

Importa, em qualquer caso, verificar se o mecanismo da extinção do procedimento administrativo de AIA por impossibilidade do objeto foi devidamente adotado, atento o artigo 112.º, n.º 1, do CPA.

Refere o aludido artigo 112.º, n.º 1, do CPA, que «o procedimento extingue-se quando o órgão competente para a decisão verificar que a finalidade a que ele se destinava ou o objeto da decisão se tornaram impossíveis ou inúteis.».

Como se referiu em 1ª Instância, do ponto de vista material, continua a ser possível a prolação de uma decisão no âmbito do procedimento de AIA, na medida em que fisicamente tal se mostra viável.

Assim, sempre o procedimento de AIA poderia culminado com uma decisão substancial e material e não com a mera extinção do procedimento, o que só por si constitui um vício procedimental.

Em face de tudo quanto precedentemente ficou expendido, mostra-se que o originário ato impugnado, padece de vícios que potencialmente poderiam determinar a sua anulação e consequente emissão de novo ato em sua substituição.

Em qualquer caso, independentemente dos referidos vícios, sempre a decisão final teria de ser a mesma, pois que qualquer que fosse o órgão a praticar o controvertido ato, ou a via processual e procedimental adotada, a decisão final passaria necessariamente pelo indeferimento, atendendo à interdição da extração de materiais inertes imposto pelo POOC, cuja violação determinaria a nulidade qualquer DIA de sentido favorável (cf. os artigos 42.º, n.º 3, e 103.º do DL n.º 380/99, de 22/09, que estabeleceu o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial).

Importa agora verificar das consequências e ilações a tirar do facto do ato originariamente objeto de impugnação estar ferido do vício de incompetência e vícios procedimentais.

O Vicio de incompetência resulta reconhecidamente da violação das regras de repartição de poderes dentro da mesma pessoa coletiva, no caso do ministério, traduzindo-se, em concreto, na falta de poderes do órgão que praticou o ato para o fazer, uma vez que quem praticou o ato, embora tutelado pelo Ministro competente, não estava habilitado para o fazer.

Como sublinha o Ministério Público, a doutrina distingue a incompetência territorial, vício mais grave que pode originar a nulidade do ato administrativo, nomeadamente quando são violados os limites territoriais de atuação dentro da pessoa coletiva Estado, dos restantes casos de incompetência, subsumíveis no vício de incompetência material, que originarão a anulabilidade do ato, situação aqui em análise.

Relativamente ao segundo vicio reconhecido, resulta o mesmo da errada escolha do instituto jurídico que pôs termo ao procedimento, errando nos contornos jurídicos que envolveram a decisão impugnada.

Em qualquer caso, os referidos vícios não foram entendidos como determinantes da invalidade da decisão impugnada, não tendo originado a condenação do Réu à emissão de ato substitutivo.

Efetivamente, como resulta da análise feita, a pretensão da recorrente estaria sempre condenada ao indeferimento, atendendo à inultrapassável interdição da extração de materiais inertes imposta pelo POOC (cfr. os artigos 42°, n° 3 e 103° do DL n.° 380/99, de 22/09), o qual estabeleceu o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial.

Na realidade, mesmo que a decisão tivesse sido proferida pelo órgão competente (ministro respetivo), a solução sempre teria de ser a mesma, no sentido de uma decisão desfavorável, uma vez que a pretensão da recorrente incide sobre uma área que se encontra parcialmente em território abrangido pelo referido POOC, que proíbe expressamente a extração de inertes.

Assim, atento o princípio do aproveitamento do ato administrativo, e sendo possível a ratificação do ato nos termos do art° 137°, nos 1 e 3 do CPA, admite-se como legitima a decisão não determinante da anulação da decisão impugnada.

Não está em causa sanar os vícios detetados, mas tão-só tornar inoperante a força invalidante dos mesmos, em resultado da verificada inutilidade da anulação resultante do juízo de evidência quanto à conformidade material do ato com a ordem jurídica, uma vez que a anulação do ato não traduz vantagem real ou alcance prático para o impugnante (cfr. Acórdão do TCAN, de 22/06/2011, proferido no processo n.° 00462/2000-Coimbra).

Como resulta, igualmente, dos acórdãos do Colendo STA nº 0888/06, de 22.11.2006 e nº 249/03 de 12.3.03 «Se, não obstante a verificação de vício anulatório do ato recorrido, se concluir que tal anulação não traria qualquer vantagem para o recorrente, deixando-o na mesma posição …, a existência de tal vício não deve conduzir à anulação, por aplicação do princípio da inoperância dos vícios ou utile per inutile non vitiatur».

Mais se refere no acórdão do Pleno do Colendo STA, de 12.11.03, no recurso nº 41291, com relevância para a questão aqui em apreciação, que «... nos casos em que se apura, em concreto, com segurança, atentas as específicas circunstâncias do caso, que não ocorreu uma lesão efetiva dos direitos dos interessados, não se justificará a anulação do ato mesmo que se esteja perante qualquer erro de apreciação da lei» …”.

Tendo-se em conta que a repetição do ato que aqui porventura se anularia, com base na procedência dos verificados vícios, conduziria a que se praticasse necessariamente um novo ato, nos termos do qual a pretensão da recorrente continuaria indeferida, impõe-se pois a prolação de decisão como a aqui recorrida que, em razão e fundamento no princípio em referência, declarasse a inoperância das ilegalidades verificadas e, consequentemente, mantivesse o ato administrativo recorrido na ordem jurídica apesar da sua ilegalidade.

Estamos pois, como se disse já, em presença da aplicação do princípio sintetizado no brocardo latino “utile per inutile non vitiatur”.

Como se refere no já referenciado Acórdão deste TCAN nº 00462/2000-Coimbra, de 22-06-2011 “Tal princípio habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas (efetuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato [v.g., derivados da natureza vinculada dos atos praticados conforme à lei], ou seja ainda porque inexiste em concreto utilidade prática e efetiva para o impugnante do operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance.”

A fundamentação do ato administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em declarar a nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia, decidindo-se em substituição, julgar improcedente a presente ação, absolvendo-se o Réu dos pedidos formulados.
Custas pela Recorrente.
Porto, 5 de Dezembro de 2014
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia (em substituição)