Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00580/18.4BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/22/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA – FALECIMENTO DO AUTOR – IMPOSSIBILIDADE SUPERVIENTE DA LIDE
Sumário:I – Se em regra, o falecimento de uma das partes dá lugar à suspensão da instância, já o mesmo não ocorre quando tal implique impossível ou inútil a continuação da lide.

II – Prosseguindo o Autor um interesse pessoal e intransmissível, não se justifica a suspensão da instância com vista à habilitação processual de eventuais herdeiros, já que o falecimento deste, nos termos em que o foi, dá é lugar à extinção da instância, por impossibilidade da continuação da lide, esvaziada como ficou do seu conteúdo com o desaparecimento do “sujeito processual” Autor.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A,
Recorrido 1:Universidade de Coimbra
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Reclamação para Conferência
Decisão:Deferir a reclamação para a Conferência.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:N/A
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

J., com os sinais dos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra a presente Ação Administrativa contra a UNIVERSIDADE DE COIMBRA, também com os sinais dos autos, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser “(…) anulada a decisão de homologação com todas as legais consequências, condenando-se a Ré a determinar nova avaliação curricular e nova votação e a colocar o ora Autor em primeiro lugar no procedimento de concurso nos termos supra expostos, com todas as legais consequências (…)”.

Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 09 de abril de 2020, foi julgada “(…) presente ação administrativa parcialmente procedente e, em consequência, anula-se o ato administrativo impugnado, consubstanciado na decisão de homologação da lista de ordenação final dos candidatos proferida pelo Reitor da R. em 24/07/2018, no âmbito do concurso público para contratação de um Professor Catedrático para o Departamento de Engenharia Mecânica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), e condena-se a R. a retomar o concurso a partir da fase correspondente à reunião de 19/04/2018, mediante a realização de nova reunião do júri que tenha em vista a avaliação dos candidatos, através da aplicação dos critérios de seleção, seguida de ordenação final e culminando no projeto de decisão final, sem reincidir na ilegalidade procedimental verificada e aqui sancionada (…)”.

Discordando dessa decisão, veio o contrainteressado identificado nos autos, de seu A., deduzir recurso jurisdicional visando a revogação da decisão judicial “(…) mantendo-se na ordem jurídica a decisão de homologação da lista de ordenação final dos candidatos proferida pelo Reitor da R. em 24/07/2018, no âmbito do concurso público para contratação de um Professor Catedrático para o Departamento de Engenharia Mecânica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC). O que se requer, com as legais consequências (…)”.
No decurso do presente pleito recursivo, o identificado contrainteressado informou e documentou o falecimento do Autor, na esteira do que requereu a extinção da lide, por impossibilidade superveniente da lide.
Por decisão sumária do Relator, datada de 14 de setembro de 2021, foi declarada extinta a instância de recurso, por impossibilidade da lide, nos termos do disposto nos termos do art.º 277º, al. e) do C.P.C., aplicável ex vi do disposto no art.º 1º do C.P.T.A.
É desta decisão que vem interposta a presente Reclamação para a Conferência, para o que alegou o Reclamante A. nos seguintes termos: “(…)
a) quem faleceu foi o Autor, J., que é recorrido na instância de recurso, e não o recorrente (A.).
b) O falecido Autor / recorrido (J.) prosseguia no concurso ajuizado um interesse próprio e intransmissível, que desapareceu com o seu falecimento.
c) Os demais candidatos do concurso ajuizado aceitaram o resultado do mesmo, não o impugnando judicialmente.
d) Pelo que, sempre terá de ser mantida a classificação ali estabelecida quanto ao 1° lugar, ocupado pelo ora recorrente (A.).
e) Estamos inequivocamente perante a impossibilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no art° 277°, al. e), do CPC, aplicável ex vi art.° 1° do CPTA.
f) Assim, nestes termos e nos mais de direito, cujo douto suprimento, expressamente, se invoca, requer-se que sobre a matéria da decisão singular recaia um acórdão a ser proferido em conferência, revogando-se a decisão singular e julgando-se a ação - e não a instância de recurso - extinta, com as legais consequências (…)”.
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Regularmente notificado, o Ilustre Mandatário do Autor pronunciou-se no sentido da determinação da suspensão da instância.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – DE FACTO
A matéria de facto considerada como pertinente na decisão judicial reclamada não se mostra impugnada e tão pouco se vislumbra necessidade de proceder à sua alteração, considerando a respetiva suficiência para apreciar a vertente reclamação.
Assim, limitamo-nos a remeter, e dar por totalmente reproduzida, a decisão reclamada nesta parte.
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II.2 - DO DIREITO
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A questão decidenda traduz-se em determinar se a decisão sumária objeto de reclamação enferma de erro de julgamento de direito quanto à decidida extinção da instância de recurso, por impossibilidade superveniente da lide.
Realmente, o Reclamante perfilha o entendimento de quem faleceu foi o Autor J., que é recorrido na instância de recurso, e não o Recorrente, aqui Reclamante, o qual prosseguia um interesse próprio e intransmissível, que desapareceu com o seu falecimento, pelo que, na ausência de impugnação do resultado concurso pelos demais candidatos, deverá ser declarada a extinção da instância da ação e não do recurso, aqui residindo a crítica apontada à decisão judicial recorrida.
Ora, é nosso entendimento que a presente Reclamação para a Conferência se mostra totalmente provida de fundamento.
Na verdade, e quanto ao particular conspecto da identificação do sujeito processual falecido, é de elementar justiça reconhecer que quem faleceu foi, efectivamente, o Autor J., que é recorrido na instância de recurso, e não o Recorrente, aqui Reclamante.
Ora, este reconhecimento contende com os termos da realidade equacionada na decisão sumária aqui posta em crise, o que altera substancialmente o desfecho da decisão a proferir.
De facto, o Autor, por intermédio da presente ação, pretende obter a anulação da “(…) Decisão de homologação da lista de ordenação final dos candidatos proferida pelo Ex.mo Senhor Reitor da Universidade de Coimbra a 24 de julho de 2018 no âmbito do Concurso público para contratação de um Professor Catedrático para o Departamento de Engenharia Mecânica (Referência do Concurso: P053-17-4769) (…)”, impetrando-lhe, para o efeito, diversas causas de invalidade, melhor elencadas no libelo inicial.
A par do pedido anulatório, o Autor peticiona também a condenação da Ré “(…) a determinar nova avaliação curricular e nova votação e a colocar o ora Autor em primeiro lugar no procedimento de concurso nos termos supra expostos, com todas as legais consequências (…)”.
Atendendo ao objeto da lide, definido pela causa de pedir e pelos pedidos formulados, estamos em presença de uma ação administrativa especial de condenação à prática de acto devido no âmbito da qual o Autor cumulou um pedido de declaração de ilegalidade de acto administrativo.
Como é sabido, neste tipo de ações, o objeto do processo não é o acto de indeferimento, mas a pretensão material que o Autor pretende fazer valer na ação, sendo, por isso, irrelevantes os vícios imputados ao acto de indeferimento, pelo que ao Tribunal não compete apreciá-los com vista a eventual anulação ou declaração de nulidade do acto, sendo que a eliminação desses atos da ordem jurídica decorre da pronúncia condenatória de prática do acto devido.
Assim, na ação administrativa especial de condenação à prática de acto devido, o Tribunal deve pronunciar-se sobre a pretensão material formulada pelo Autor, rejeitando-se, neste tipo de ações, a prolação de sentenças de anulação ou declaração de nulidade de atos administrativos.
No sentido da irrelevância do pedido impugnatório formulado e de que o Tribunal deve limitar-se a conhecer da pretensão material do Autor pronunciou-se já o S.T.A., [cfr. acórdão de 28.09.2010, prolatado no âmbito do Proc. n.º 0266/99], no seguinte sentido: “ (…) o facto da Autora ter instaurado um processo impugnatório, com cumulação do pedido de condenação à prática do acto devido (artº47º, nº2 a) do CPTA), não justifica, porém, o convite previsto no artº51º, nº4 do referido diploma, já que, nesse caso, o tribunal limitar-se-á a conhecer da pretensão material da Autora a ser admitida ao concurso, pois é esse o objeto da ação e não o acto impugnado, tornando-se, pois, irrelevante o pedido impugnatório”.
Sendo assim, no caso concreto, a questão decidenda eleita consubstancia[va]-se em saber se assiste o direito ao Autor a ver a Ré condenada, em última análise, em colocar o ora Autor em primeiro lugar no procedimento de concurso.
Quer isto tanto significar que o Autor prossegue um interesse próprio, traduzido na obtenção de “triunfo pleno” na adjudicação do Concurso público para contratação de um Professor Catedrático para o Departamento de Engenharia Mecânica.
Ora, um eventual ganho de causa nunca importará qualquer reflexo na esfera jurídica de eventuais herdeiros habilitados, pois que não há como conceber a possibilidade de adjudicação da contratação de um Professor Catedrático para o Departamento de Engenharia Mecânica por quem não é o seu respetivo originário candidato.
O que serve para concluir que o Autor, na presente instância, prossegue um interesse pessoal e intransmissível.
No quadro em apreço, assoma evidente que não se justifica a suspensão da instância com vista à habilitação processual de eventuais herdeiros, já que o falecimento deste, nos termos em que o foi, dá é lugar à extinção da instância, por impossibilidade da continuação da lide, esvaziada como ficou do seu conteúdo com o desaparecimento do “sujeito processual” Autor.
De facto, a impossibilidade da lide tem sido equiparada à impossibilidade da relação jurídica substancial.
Esta cessa quando desaparece um dos seus elementos essenciais [sujeito, objeto ou causa] e não se pode operar a substituição dele por outro.
Assim, a impossibilidade da relação jurídica substancial por extinção do sujeito ocorre quando estão em causa relações jurídicas estritamente pessoais ou subjetivamente infungíveis que se extinguem com a morte ou extinção do sujeito processual.
Quer dizer: a instância extingue-se ou finda de modo anormal, todas as vezes que, por motivo atinente ao sujeito, a respetiva relação jurídica substancial se torne impossível, isto é, não possa continuar [cfr. A. Reis, Comentário ao CPC, vol. 3°, p. 371].
É este seguramente o caso dos presentes autos.
Deste modo, é mandatório concluir que não se justifica a manutenção da presente lide [aqui entendida como reportada à ação e não à lide recursiva], pelo que deve a instância extinguir-se, por impossibilidade superveniente da lide.

Assim, considerando tudo o quanto ficou exposto, deverá ser julgada procedente a presente Reclamação para a Conferência, e, consequentemente, revogada a decisão judicial reclamada e, bem assim, declarada extinta a presente ação - aqui entendida como reportada à ação no seu todo e não apenas à lide recursiva -, por inutilidade superveniente da lide
Ao que se provirá no dispositivo.
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III – DISPOSITIVO
Nestes termos, e pelas razões expostas, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em DEFERIR a reclamação apresentada e, em consequência, revogar a decisão judicial reclamada, e, bem assim, declarar extinta a presente ação - aqui entendida como reportada à ação no seu todo e não apenas à lide recursiva -, por inutilidade superveniente da lide.
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Custas a cargo do Autor.
Notifique e registe.
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Porto, 22 de outubro de 2021,

Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Luís Migueis Garcia