Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00305/09.5BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/13/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:EXCESSO DE PRONÚNCIA; DESPACHO DE REVERSÃO; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I – O excesso de pronúncia é um vício formal das decisões judiciais resultante do conhecimento pelo tribunal de questão que, não sendo do conhecimento oficioso, não lhe tenha sido colocada pelas partes (cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT e art. 660.º, n.º 2, do CPC), esse vício não pode resultar do conhecimento de uma questão suscitada pelas partes, ainda que decidida com argumentos diversos dos invocados.
II - O despacho de reversão que não inclua a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa, está ferido de falta de fundamentação de direito*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO
J..., contribuinte fiscal n.º 2…, residente no Lugar…, Amarante, na qualidade de responsável subsidiário, deduziu oposição à execução fiscal n.º 1759200501030493 e aps., a correr termos no serviço de finanças de Amarante, instaurado por dívidas relativas a IVA e Juros Compensatórios, em que é executada originária a sociedade “G... - Construções Unipessoal, Lda.”.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel foi proferida sentença, em 18.07.2013, que julgou procedente a oposição, decisão com que a Fazenda Pública não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição deduzida contra a reversão efectuada contra o aqui oponente nos autos de execução fiscal n.º 1759200501030493 e apensos, instaurado pelo serviço de finanças de Amarante para cobrança de dívidas de IRC dos anos de 2001 a 2003 e IVA dos anos de 2001 a 2004, em que é executada a devedora originária G... Construções Unipessoal Lda., NIPC 505697025.
B. Decidiu o Tribunal extinguir a execução em relação ao ora oponente com fundamento no vício de falta de fundamentação (arts. 77° da LGT, 125° e 135° CPA), decorrente, por um lado, da não indicação de qual das alíneas do art. 24°, n.° 1, da LGT, suportava a reversão efectuada, e, por outro lado, da falta de referência à culpa do oponente na insuficiência de bens da originária devedora.
C. Contudo, não pode a Fazenda Pública concordar com este entendimento, perfilhando a convicção que a sentença sob recurso incorre em nulidade por excesso de pronúncia, porquanto a meritíssima Juíza alicerçou a sua decisão numa causa de pedir não alegada pelo oponente, e, por outro lado, caso assim não se entenda, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de facto e de direito, uma vez que o despacho de reversão ora em causa se deve considerar como devidamente fundamentado, sem que para tal seja necessário a indicação de qual das alíneas do art. 24°, n.1, da LGT, está em aplicação na reversão em apreço, nem, em consequência, qualquer referência à culpa do oponente.
D. Perscrutando a PI apresentada, verifica-se que a revogação do despacho de reversão nela requerida não se fundamenta em vício de fundamentação pelo facto de nele não constar qual das alíneas do art. 24°, n.1, da LGT, está em aplicação na reversão efectuada.
E. As alegações de facto do oponente, vertida na douta PI, prendem-se, antes, por um lado, com a falta de fundamentação do despacho de reversão pelo facto de a AT não alegar, não fundamentar, nem provar a culpa do responsável subsidiário na insuficiência de património do devedor principal, assim como, no facto da prescrição não ser pressuposto da reversão por responsabilidade subsidiária, cft. artigo 15° e ss da PI, e, por outro lado, a falta de culpa do oponente nessa insuficiência de património, cfr. artigo 26° e ss da PI.
F. Pelo que, constata-se que a douta sentença sob recurso padece de nulidade, por excesso de pronúncia, porquanto prolata sobre questão que não devia conhecer, conforme o disposto na 2ª parte do no 2 do art.° 608°, na al. d) do n° 1 do art.° 615°, ambos do CPC e no art. 125° do CPPT.
G. A Meritíssima Juíza a quo colocada perante a omissão da indicação, no despacho de reversão, de qual das referidas alíneas do art. 24°, n.° 1, da LGT, estava em aplicação na reversão operada, decidiu que o mesmo padecia de falta de fundamentação.
H. Atenta à repartição do ónus da prova da culpa que resulta das duas alíneas do n.° 1 do art. 24° da LGT, revela-se fundamental que o gerente, responsável subsidiário, percepcione qual das duas alíneas está subjacente à reversão operada, uma vez que, no caso de estar em causa a ai. b), será sobre ele que impende o ónus de provar que a falta de pagamento não lhe é imputável.
I. Para tal desiderato importa que o despacho que ordena a reversão da execução esteja devidamente fundamentado, sem que, contudo, para tal seja imprescindível a indicação expressa de qual das alíneas do art. 24°, n.° 1, da LGT, está em aplicação.
J. O dever de fundamentação dever-se-á considerar cumprido quando o despacho de reversão contenha os pressupostos apurados pela AT que legitimam a que o gerente, responsável subsidiário, venha a ser executado, por reversão, para pagamento da dívida exequenda.
K. Deste modo, tem-se como devidamente fundamentado o acto que permite a um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto, fica em condições de conhecer o itinerário funcional cognoscitivo e valorativo do autor do acto.
L. O despacho que ordenou a reversão operada nos presentes autos permitiu ao oponente aperceber-se dos pressupostos com que a mesma foi efectivada, no que ao exercício da gerência diz respeito, isto é, se está a ser responsabilizado por ser o gerente da sociedade aquando do términos do prazo limite de pagamento das dívidas, recaindo, assim, sobre si o ónus de provar que a falta de pagamento não lhe é imputável, nos termos da al. b) do n.° 1. do art. 24° da LGT, ou, ao invés, se está a ser responsabilizado por ser o gerente da sociedade em período anterior ao términos do prazo limite de pagamento das dívidas, caso, em que, é sobre a AT que recai o ónus de provar que é por culpa da AT que o património da devedora originária se tornou insuficiente, nos termos da al. a) do n.° 1 do art. 24° da LGT.
M. Através do quadro fáctico exposto no despacho de reversão em crise o aqui oponente pôde conhecer os pressupostos da responsabilidade que se encontra subjacente à reversão operada, isto é, que é sobre si que recai o ónus da prova da falta de culpa.
N. Ao que não será alheio o facto de, perscrutando a douta PI, se verificar que o essencial do esforço despendido pelo oponente, apesar de infrutífero, visou, exactamente, cumprir com aquele ónus que sobre si impende, isto é, procurou o oponente tentar provar que não foi por sua culpa a falta de pagamento das dívidas exigidas nos presentes autos.
O. Razão pela qual dever-se-á ter como devidamente fundamentado o despacho de reversão aqui em crise, apesar de não indicar qual das alíneas do art. 24, n.° 1, al. a) da LGT, está a ser aplicada, na medida em que o mesmo permite conhecer a motivação que lhe subjaz, permitindo ao intérprete posicionar-se ante o seu conteúdo, aderindo ou rejeitando os seus fundamentos, tal como aliás demonstra o oponente na presente acção.
P. Posto isto, operando-se a reversão aqui em crise nos termos da al. b) do n.° 1 do art. 24° da LGT, e recaindo sobre o oponente o ónus da prova da falta de culpa pelo não pagamento das dívidas, também não pode ser apontado qualquer vício de falta de fundamentação ao despacho de reversão proferido com fundamento na falta de referência á culpa do oponente, porquanto, existindo presunção legal de culpa, nenhuma referência cabia fazer à AT quanto a esta matéria.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se a nulidade da douta decisão recorrida, ou, subsidiariamente, revogando-se a mesma, por verificação de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo que importa decidir:
- Se a sentença recorrida incorre em nulidade por excesso de pronúnca
- Se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de direito ao considerar não fundamentado o despacho de reversão.

III – FUNDAMENTAÇÃO
III -1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
1º. Foi instaurado pelo serviço de finanças de Amarante o processo de execução fiscal n.°1759200501030493 e aps., contra a firma “G... - Construções Unipessoal, Lda.”, por dívidas de IVA e IRC, no valor global de € 229.846,47.
2º. Em Novembro de 2005, o ora oponente entregou no serviço de finanças de Amarante um requerimento/exposição em que dava conhecimento que apresentara impugnação judicial, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel em 18.11.2005, contra as dívidas em relaxe no processo executivo em causa.
3º. O processo de impugnação ainda não foi devolvido ao serviço de finanças competente.
4º. Com fundamento na inexistência de património da sociedade executada, o órgão de execução fiscal procedeu á preparação dos processos para reversão contra o ora oponente.
5º. O ora oponente conta da Conservatória do Registo Comercial de Amarante como sendo o único gerente da sociedade executada, nos períodos a que respeitam as dívidas.
6º. Em cumprimento do despacho de 10.09.2007, do chefe do serviço de finanças de Amarante, o ora oponente foi notificado, para, querendo, exercer o direito de audição prévia com referência à reversão que se pretendia efectuar.
7º. Por despacho de 07.11.2007, do chefe do serviço de finanças de Amarante, foi mandado reverter a execução contra o ora oponente, na qualidade de responsável subsidiário, quanto ás dívidas elencadas a fls.184 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8º. O ora oponente foi citado da reversão em 09.11.2007.
9º. Em 10.12.2007 deduziu oposição, instaurada no serviço de finanças de Amarante com o n.°1759200909000208 - cf. teor da informação do serviço de finanças de Amarante a fls. 185 dos autos.
10º. Por despacho de 27.01.2009, do chefe do serviço de finanças de Amarante, foi revogado o despacho de reversão supra referido, em virtude de o órgão de execução fiscal ter considerado que, conforme alegado na oposição, naquele despacho não foram incluídos os fundamentos:
“Na oposição à reversão, o revertido J... alega que o despacho não contém os fundamentos da mesma.
Analisado o processo, verifica-se que no despacho não foram incluídos os fundamentos.
Assim revogo o despacho de reversão e dou novo despacho do seguinte teor:
Face ao disposto no artigo 24.° da Lei Geral Tributária, os gerentes das sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àqueles por todas as contribuições e impostos relativos ao período da sua gerência.
Nos termos do n.º 2 do artigo 153.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, os responsáveis subsidiários são chamados à execução na inexistência de bens penhoráveis ou na insuficiência do património do devedor para satisfação da dívida exequenda e acrescido.
Conforme consta do auto de diligências, não são conhecidos bens penhoráveis da executada G... - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA., e foi seu gerente no período a que respeitam as dívidas J..., residente em lugar … - Amarante.
Notificado para exercer, querendo, o direito de audição prévia, veio declarar que as liquidações tinham sido impugnadas e que ainda não havia decisão sobre essas impugnações. Mais invocou que não teve qualquer culpa na falta de património da sociedade. Conclui que deveria ser dado sem efeito o processo de reversão ou suspenso até decisão de impugnação.
Entendo que os factos invocados não são fundamento para dar sem efeito o processo de reversão ou para o suspender até à decisão da impugnação, pelo simples facto de a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produzir efeitos quanto a ele (responsável subsidiário), se não for citado até ao 5.° ano posterior ao da liquidação, conforme refere o n.º3 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária.
Pelas razões apontadas, reverte a execução contra o responsável subsidiário acima identificado, pela totalidade das dívidas (dívida exequenda de €229.846,47).
Notifique-se da revogação e, nos termos do n.º 1 do artigo 160.º do CPPT, proceda-se à citação pessoal do responsável referenciado.
(...)”- cf.doc. de fls.367 dos autos.
11º. Em 11.03.2009, o ora oponente foi notificado da revogação do referido despacho e citado novamente da reversão - cf. docs. de fls. 368 a 372 dos autos.
12º. A presente oposição deu entrada no serviço de finanças de Amarante em 08.04.2009.


Mais aí se consignou:
Com relevância para a decisão a proferir não resultam provados outros factos.

No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e que não foram objecto de impugnação, assim como, em parte dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cf. artigos 74° e 76° n.1 da LGT e artigos 362° e seguintes do Código Civil).”

III – 2. De Direito
O ora recorrido deduziu oposição à execução fiscal contra si revertida para cobrança de dívidas provenientes de IRC dos anos de 2001 a 2003 e IVA dos anos de 2001 a 2004, alegando: (i) da falta de fundamentação do despacho de reversão; (ii) da inexistência de alegação e prova de falta de bens da executada originária, ou de culpa por parte do gerente e oponente no não pagamento dos impostos à Administração Fiscal.

A sentença recorrida julgou procedente a oposição, com razão na falta de fundamentação do despacho de reversão, vício de forma que determina a sua anulação – art. 77º da LGT, 125º e 135º do CPA.

A Fazenda Pública discorda do julgamento efectuado, considerando que a sentença enferma de nulidade por excesso de pronúncia, ao ter apreciado e decidido da falta de fundamentação para além do que vinha alegado pelo recorrido, pois este havia cingido a falta de fundamentação pelo facto de AT não alegar, nem provar a culpa do responsável subsidiário na insuficiência de património do devedor principal, assim como, no facto da prescrição não ser pressuposto da reversão por responsabilidade subsidiária, e, por outro lado, a falta de culpa do oponente nessa insuficiência de património, e em erro de julgamento de direito, ao ter considerado do despacho de reversão não fundamentado.

Do excesso de pronúncia
Delimitado que se mostra o objecto do presente recurso, cumpre conhecer em primeiro lugar da nulidade assacada à sentença sob recurso, de excesso de pronúncia, por ter conhecido da falta de fundamentação do despacho de reversão para além daquilo que vinha peticionado.
Nos termos do preceituado no citado art. 668º, nº.1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma).
A referida nulidade reconduz-se a um incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.660, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).
Por outras palavras e em síntese, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, o que determina que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido.
A causa de pedir pode definir-se como o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, não bastando a indicação vaga ou genérica dos factos em que o autor fundamenta a sua pretensão para que se verifique o preenchimento de tal exigência legal [Cfr.Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª.edição, Coimbra Editora, 1985, pág.245; José Alberto dos Reis, Comentário ao C.P.Civil, II, Coimbra, 1945, pág.369 e seg.]. Por seu lado, o pedido pode definir-se como o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, ou seja, o efeito jurídico que quer obter com a acção, devendo o mesmo ser formulado na conclusão da p.i. e não bastando para a satisfação desta exigência legal que o pedido surja acidentalmente referido na parte narrativa da peça processual em questão [Cfr.Antunes Varela e outros, ob.cit., pág.245; José Alberto dos Reis, ob.cit., pág.360 e seg..].
Aplicando tais princípios será nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). Cumpre não olvidar, que uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões, reportando-se a omissão. [Cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37.].
No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no art. 125º, nº.1, do CPPT, in fine [cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.915]. Tendo por referência os dois grandes meios processuais que o legislador dotou o contribuinte para reagir contra o acto tributário, impugnação e oposição, cumpre termos presente que, enquanto o processo de impugnação tem por função apreciar a ilegalidade do acto tributário, visa a declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado ou a sua anulação, com fundamento em qualquer vício que afecte a validade do mesmo acto (cfr. art. 99º, do CPPT) o processo de oposição visa paralisar a eficácia do acto tributário corporizado no título executivo, visa a extinção da respectiva execução, com base em fundamentos supervenientes ou de ordem formal ou processual (cfr. art. 204º, do CPPT).
Tecidas estas considerações gerais, atenhamo-nos no caso “sub judice”, o oponente baseia a p.i. que originou a presente oposição tem duas causa de pedir, inexistência dos pressupostos legais para operar a reversão e falta de fundamentação do despacho de reversão, sendo este último fundamento aqueles que nos ocupa, na destrinça da falta de fundamentação formal e substancial.
Na sentença objecto do presente recurso, conforme mencionado supra, o Tribunal “a quo” julgou procedente a oposição que originou o presente processo, considerando queO despacho de reversão deveria estar fundamentado na alínea a) ou b), do art.24°, da LGT.
Deste modo, não se percebe, qual deles serve de fundamento ao despacho de reversão.
Nomeadamente não faz a administração fiscal referência à culpa do oponente, na insuficiência de bens da devedora principal.

Pelo que, o despacho de reversão se tem de julgar não fundamentado.
O despacho de reversão padece de falta de fundamentação, vício de forma que determina a sua anulação - arts.77°, da LGT, 125° e 135° do CPA). “




Ora assente que na p.i. que originou o presente processo o oponente invoca a falta de fundamentação, a mesma tem de ser enquadrada nas suas duas vertentes, pois que falta de concretização das questões a desenvolver no âmbito da falta de fundamentação, podem resultar em si da falta de percepção do acto, consequência do vício que enferma. É precisamente, essa a situação dos presentes autos, em que o oponente alegando a falta de fundamentação, assenta a sua alegação posterior induzido em erro pelo próprio acto, crente que a reversão terá ocorrido ao abrigo do art. 24º n.º 1 al. a) do CPPT, e a FP assenta a sua defesa pugnando por uma reversão ocorrida ao abrigo do art. 24º n.º 1 al. b) do CPPT.
O Tribunal recorrido, obrigado que estava a conhecer do vício de falta de fundamentação do despacho de reversão como um todo e não segmentado, não excede a análise da causa de pedir que lhe estava a cometida pelo oponente e que delimitava o âmbito do conhecimento do judicial da matéria dos autos.
Donde se conclui que a sentença não incorreu em pronúncia excessiva e, consequentemente, improcede este fundamento de recurso.

Da falta de fundamentação
Importa, agora, apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por nela se ter decidido no sentido da invalidade do despacho de reversão da execução fiscal decorrente da sua falta de fundamentação. Sendo que, foi este, pois, o único fundamento apreciado na sentença sob recurso, já que, aí se considerou prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
Sobre esta questão, e conforme resulta da sentença recorrida, o Tribunal “a quo” pronunciou-se nos seguintes termos que seguidamente, parcialmente, se reproduzem:
“…
A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria colectável (art.77°, n.°s 1 e 2, da LGT).
A fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu, como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
Relativamente à dívida exequenda rege a lei então vigente ao tempo da ocorrência dos respectivos factos tributários, ou sejam as normas dos art.°s 23.° e 24.° da LGT, que têm por pressupostos a falta ou insuficiência de bens do devedor originário, a gerência de direito e a correspondente imputação da gerência de facto e ainda, para os casos contemplados na alínea a) do n.°1 do art.° 24.°, que a administração tributária impute aos mesmos a insuficiência do património da sociedade originária para solver tais dívidas por culpa dos revertidos e que depois a venha provar, já que tal ónus, neste caso, lhe cabe, sendo que nesta alínea a) cabem os casos dos revertidos que à data do pagamento voluntário ou da entrega desses tributos, já não exerciam as correspondentes funções de gerência.
Para os casos da alínea b) do n.°1 do mesmo art. 24.° - dívidas cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo - existe um inversão legal do ónus da prova, sendo que cabe aos revertidos que não à administração tributária, a prova de que não lhes foi imputável a sua falta de pagamento, pelo que nestes casos nada cabe nesta matéria conter no despacho de reversão para que o mesmo se encontre devidamente fundamentado do ponto de vista formal, já que a alegação se encontra a cargo de quem, legalmente, tenha o ónus dessa prova e que não é a administração tributária, mas antes ao próprio revertido.
No caso dos autos, a Fazenda Pública não carreou para os autos prova do efectivo exercício da gerência de facto, bastando-se, quanto a este pressuposto, com a constatação de o oponente ter sido gerente da devedora originária, sendo patente que da gerência de direito presumiu a gerência de facto. E pouco, de facto, sendo, aliás, notório os termos manifestamente insuficientes em que o despacho de reversão surge formulado, limitando-se, quanto a este aspecto, a invocar a falta de bens penhoráveis da responsável originária e a qualidade de gerente do oponente, com menção aos artigos 153°, n.°2, do CPPT e art. 24° da LGT.
E o certo é que tal despacho não alude à aplicação, ao caso concreto, da alínea a) ou b) do art. 24° do CPPT.
Assim, porque a administração tributária se limitou a provar a inexistência de bens penhoráveis da devedora originária e a constatação de o oponente ter sido nomeado gerente de direito da executada originária, não incumbia ao oponente o ónus de afastar a gerência de facto daí decorrente.
O despacho de reversão deveria estar fundamentado na alínea a) ou b), do art.24°, da LGT.
Deste modo, não se percebe, qual deles serve de fundamento ao despacho de reversão.
Nomeadamente não faz a administração fiscal referência à culpa do oponente, na insuficiência de bens da devedora principal.
Pelo que, o despacho de reversão se tem de julgar não fundamentado.
O despacho de reversão padece de falta de fundamentação, vício de forma que determina a sua anulação - arts.77°, da LGT, 125° e 135° do CPA).”
Vejamos.
Neste particular cumpre aqui recuperar a mais recente Jurisprudência do Pleno da secção tributária do Supremo Tribunal Administrativo, acórdão de 16.20.2013, in recurso n.º 0458/13, que reza assim:
“De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).
Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário» (No mesmo sentido ver também o acórdão de 23/1/2013, processo nº 0953/12.) sendo que, em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT).”
Ora, é precisamente neste particular que incide a falta de fundamentação do acto recorrido, em termos de fundamentação temos que daquele despacho consta que “não são conhecidos bens penhoráveis da executadas….e foi o seu gerente no período a que respeitam as dívidas” , mas em momento algum do mesmo é concretizada a norma legal ao abrigo da qual opera a reversão, solução da qual resulta, de todo o modo, a ilegalidade do despacho de reversão por omissão da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao executado revertido [neste mesmo sentido confirmar o ac. do pleno do STA supra citado].
Sobre a mesma questão que aqui nos ocupa – fundamentação do despacho de reversão – já se pronunciou igualmente este Tribunal Central Administrativo, no acórdão de 08.03.2012, in proc. n.º 1449/07.3BEPRT, nos termos que seguidamente, e em parte, se transcrevem:
Vista tal fundamentação, fácil é concluir que a Administração Tributária não esclareceu suficientemente as razões de facto que levaram à reversão da execução contra o Recorrido, nem, por outro lado, fez qualquer referência às disposições legais, normas ou princípios jurídicos em que fez assentar a reversão.
De resto, o emprego da expressão “exercício de funções de gerência no período” é absolutamente ambíguo e insuficiente para determinar o possível enquadramento da situação numa das alíneas previstas no nº1 do artigo 24º da LGT, já que a responsabilidade subsidiária dos gerentes tanto pode respeitar às dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste (alínea a) do artigo 24º) ou pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo (alínea b) do artigo 24º). Ora, o enquadramento numa ou noutra alínea assume, como se sabe, enorme relevância pois que, neste último caso – alínea b) – é ao revertido que cabe provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento, ou seja, só neste caso a Administração Tributária beneficia de uma presunção legal de imputabilidade ao gerente da falta de pagamento da dívida.
(…) Aqui chegados, importa retomar o acórdão citado do TCAN, de 18 Fevereiro 2010, nos termos do qual: “a simples referência de que o Oponente foi «sócio-gerente» nada permite conhecer relativamente ao fundamento por que a AT entendeu responsabilizá-lo pelas dívidas exequendas. Note-se que não pode este Tribunal, sob pena de ilegal intromissão na actividade administrativa e de intolerável restrição dos direitos dos administrados, substituir-se à Administração na fundamentação do despacho que determinou que a execução fiscal revertesse contra o aqui Recorrente, procurando e elegendo agora, de entre as várias possibilidades que podem em abstracto justificar tal decisão, aquela que se lhe afigure mais ajustada à situação…” .

Face a tudo o que vem dito, há que concluir que não podia ter sido outra a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Penafiel, a qual, nos termos expostos, considerou ilegal, por falta de fundamentação, o despacho de reversão da execução fiscal contra o ora Recorrido, alterando-se no entanto oficiosamente a consequência ali determinada de extinção da execução quanto ao oponente [No caso de a oposição ser julgada procedente com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão, a decisão a proferir pelo tribunal deverá ser de anulação daquele acto e consequente absolvição do oponente da instância executiva por falta de legitimidade processual e não a extinção da execução quanto ao oponente (pois não foi feito qualquer juízo quanto ao mérito da matéria controvertida), de modo a não obviar à possibilidade do órgão de execução fiscal proferir um novo acto de reversão, expurgado do vício que determinou a anulação do anterior acto, possibilidade que lhe assiste em virtude do motivo determinante da anulação ser de carácter formal – cfr. Ac. do STA de 10.10.2012, in rec. 726/12] ..

IV – DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida que anulou por falta de fundamentação o despacho de reversão.

Custas pela Recorrente.


Porto, 13 de Março de 2014

Ass. Irene Neves

Ass. Nuno Bastos

Ass. Pedro Marques