Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00019/03 - Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/16/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Vital Lopes
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
FATURAS FALSAS
INDÍCIOS DE FALSIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:1. Em processo de impugnação judicial só é de conhecer incidentalmente da prescrição como pressuposto da decisão sobre a não manutenção de utilidade no prosseguimento da lide impugnatória e posto que do processo constem todos os elementos para tanto pertinentes.
2. Quando a AT desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT competindo-lhe fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios seguros e consistentes de que as operações constantes de determinadas facturas não reflectem operações económicas reais, só então passando a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova veracidade das operações tituladas por tais facturas;
3. Os indícios de falsidade recolhidos pela AT são insuficientes para abalar a presunção de veracidade da escrita do impugnante se nada de seguro e consistente vem relatado que permita estabelecer um nexo entre a actividade ilícita do emitente e as operações facturadas ao utilizador.
4. Tal é o caso se a AT refere como indício relevante a emissão de cheques pelo utilizador para pagamento das facturas (c/IVA incluído), seguido em momento próximo da emissão de cheques pelo emitente pelo valor da factura (s/IVA), mas não averigua se os cheques do emitente (ou o respectivo valor) tiveram por destino o utilizador ou qualquer outro beneficiário.
5. A desconsideração, para efeitos de dedutibilidade, de facturas reputadas falsas, consubstancia uma correcção de natureza técnica, não podendo a AT, partindo de indícios consistentes de falsidade relativamente a determinadas facturas de um dado emitente, presumir a falsidade de todas as restantes facturas desse emitente contabilizadas pelo utilizador, sabendo-se que um sujeito passivo pode dedicar-se regularmente, ou até principalmente, à emissão de facturas falsas e, simultaneamente, desenvolver uma actividade económica real e efectiva.
6. A actuação da AT nos termos enunciados no ponto anterior, mostra-se violadora do princípio da proporcionalidade a que está legalmente vinculada. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Soc. Construções..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

Sociedade de Construções…, Lda., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de IRC relativas aos exercícios de 1994 a 1997, no montante total de €164.549,08.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (fls.508).

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

1. Nos termos do artigo 48º da lei geral tributária, DL 398/98, de 17/12, a dívida prescreve ao fim de 8 anos, que já decorreram nesta data e na data da sentença. Pelo que devia/deve a impugnante ser absolvida.
2. Para poder exercer o seu poder de correcção do rendimento colectável é necessário primeiro que a Administração Tributária prove os pressupostos que legitimam o exercício de tal poder.
Não tendo a Administração Tributária durante a inspecção constatado factos ponderosos e objectivos fortemente indiciadores de que as facturas que titulam diversas transacções comerciais são falsas, isto é, apenas servem de instrumento formal para com elas se poder deduzir os custos nela referidos não cumpriu com o ónus da prova dos pressupostos, que lhe é exigida e por tal razão não abala a presunção de verdade de que goza a escrita formalmente organizada da impugnante nem determina a inversão do ónus da prova nos termos do artigo 74 da LGT.
3. A actuação correctiva da Administração nas circunstâncias referidas em 2. deve ter-se por ilegal e por ilegal também o acto administrativo da liquidação decorrente de tal procedimento.
4. Não tendo a AF carreado para os autos indícios objectivos e seguros de que determinadas facturas não titulam verdadeiras transacções não está legitimada a exercer o seu poder de correcção da matéria tributável por falta dos pressupostos.
Pois a qualidade dos emitentes desacompanhada de outros elementos factícios que revelem falsificação das facturas é manifestamente insuficiente de só por si ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade do contribuinte.

5. Se o TCAN não seguir a sua própria jurisprudência há violação dos princípios da segurança jurídica, certeza e igualdade, confiança legítima e violação dos artºs 1º e 2º e 13º da CRP e artº 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
6. É inconstitucional por violação dos princípios da segurança jurídica, da confiança e das garantias de defesa consagrados nos artigos 2° Constituição, a norma do artigo 74 da LGT e todas as outras mencionadas na douta sentença na interpretação que lhe foi dada.
7. Tal interpretação ofende os princípios da segurança e certeza jurídicas, e retira ao processo aqui em causa as características de um due process of law.
8. A douta sentença dá como provado tudo o que vem relatado nos documentos da administração fiscal, pondo em causa o depoimento das testemunhas, olvidando que compete ao Fisco provar o que alega, ver por exemplo pág. 6 logo no início e pág. 10, segundo parágrafo.
9. Na pág. 11 diz que a impugnante invocou, sem concretizar ou provar, que J... é uma pessoa viva. Ora, este mesmo foi testemunha e é arguido com a sociedade num processo em Barcelos, conforme consta dos autos. No segundo parágrafo da pág. 11 diz a douta sentença que a administração se alicerçou em indícios e que a impugnante “não logrou fazer prova no sentido de infirmar as presunções da administração fiscal”. Isto é o contrário da jurisprudência TCAN segunda a qual é ao Fisco que compete fazer a prova e não o contrário.
10. E se o tribunal tinha dúvidas, devia ouvir as testemunhas e marcar uma audiência. Dessa forma foi violado, mais uma vez, o artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
11. Deve dar-se como provado que a "Sociedade de Construções…, Lda", adjudicou as obras constantes das facturas a J… obras em Montesinho, Viseu e Águas Santas, o qual tinha vários empregados, factos confirmados por todas as testemunhas.
12. E que as facturas são verdadeiras.
13. Foram violadas as disposições do artigo 48º da lei geral tributária, DL 398/98, de 17/12 e 74º da LGT jurídica, bem como os princípios da certeza e igualdade, confiança legítima e houve ainda violação dos artºs 1º e 2º e 13º da CRP e artº 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
14. Pelo que deve a impugnante ser absolvida.

Justiça!»

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu mui douto parecer em que conclui pela verificação da alegada prescrição da dívida, devendo ser declarada a inutilidade superveniente da lide.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.
2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente (cf. artigos 635.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), são as seguintes as questões que importa conhecer: (i) prescrição da dívida; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento na apreciação e valoração da prova e quanto aos pressupostos da actuação correctiva da Administração tributária quando desconsidere custos titulados por facturas reputadas falsas.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual, o seguinte (numeração nossa):

1. A impugnante tem como actividade a construção civil, a que corresponde o CAE 45211.
2. Na sequência de uma acção de inspecção realizada pela Administração Fiscal, tendo como objectivo a análise das operações realizadas nos anos de 1994 a 1997, no âmbito da actividade desenvolvida de construção civil, foram efectuadas à impugnante liquidações adicionais em sede de Imposto sobre Rendimentos das Pessoas Colectivas (IRC), no montante total de €164.549,08.
3. O relatório final de acção inspectiva consta de fls. 282 a 295 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, concluindo que “(…) considerando o que acima se expôs, concluímos que as facturas emitidas por J… à firma Soc. Const…. foram emitidas em consequência de um acordo entre ambos (emitente e utilizador) no intuito de enganar terceiros, nomeadamente, a administração fiscal, uma vez que todas as análises conduzem a que as prestações de serviços não se realizaram.
Estamos assim perante uma situação de negócio simulado com a finalidade de empolamento de custos, os quais, não sendo comprovadamente necessários para a realização de proveitos, nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC, são de acrescer para efeitos de apuramento do lucro tributável de cada um dos anos, como a seguir se determina: (…)
Em termos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA refere expressamente que não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada. Assim, vai o mesmo IVA, indevidamente deduzido, ser objecto de liquidação adicional por período de imposto em que foi exercido o direito à dedução, conforme passamos a evidenciar. (…)”
4. O teor do relatório de inspecção e a decisão proposta de efectuar liquidações adicionais de IRC foram apropriados pelo despacho proferido, em 21/07/1999, pelo Chefe dos Serviços de Inspecção Tributária – cfr. fls. 282 do processo administrativo apenso aos autos.
5. As liquidações adicionais de IRC ora impugnadas, relativas aos exercícios de 1994, 1995 e 1996 tinham como data limite de pagamento o dia 20/12/1999 e a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 1997 tinha como data limite de pagamento o dia 10/11/1999 – cfr. fls. 13 a 17 dos presentes autos.
6. Em 04/02/2000, a impugnante deduziu impugnação judicial versando sobre os mesmos factos, mas referente às liquidações de IRC e IVA, dando origem ao processo n.º IMP53/01/12 – cfr. fls. 255 a 268 dos autos.
7. Neste processo realizou-se diligência de inquirição de testemunhas, cujo teor escrito dos respectivos depoimentos consta de certidão ínsita a fls. 269 a 272 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
8. Por sentença proferida em 23/01/2003, foi julgada procedente a excepção dilatória de cumulação ilegal de pedidos e, em consequência a Fazenda Pública foi absolvida da instância – cfr. fls. 273 a 276 dos autos.
9. A presente impugnação deu entrada em 19/02/2003 – cfr. carimbo aposto no rosto da petição inicial a fls. 2 dos autos.
10. Da factura n.º 114, emitida em 30/04/1995, por J... à ora impugnante, consta que se reporta a trabalhos executados em betão armado, vigas, lajes e pilares, relativos a obra do B.C.P. em Felgueiras – cfr. fls. 246 do processo administrativo apenso aos autos.
11. Da factura n.º 095, emitida em 28/02/1995, por J... à ora impugnante, consta que se reporta a trabalhos executados em cofragem de sapatas, relativos a obra em Vila Fria – Viana do Castelo – cfr. fls. 249 do processo administrativo apenso aos autos.
12. Da factura n.º 113, emitida em 30/04/1995, por J... à ora impugnante, consta que se reporta a trabalhos executados em betão armado, pilares, maciços e montagem de cofragem, relativos a obra em Vila Fria – Viana do Castelo – cfr. fls. 251 do processo administrativo apenso aos autos.
13. Da factura n.º 102, emitida em 31/03/1995, por J… à ora impugnante, consta que se reporta a trabalhos executados em betão armado, em sapatas e pilares, relativos a obra em Viana do Castelo (viaduto; Mazarefes) – cfr. fls. 253 do processo administrativo apenso aos autos.
14. J…, na qualidade de empresário da construção, entre 1992 e 1997, terá sub-empreitado (sub-contratado) algumas obras adjudicadas pela impugnante.

Dá-se, também, por integralmente reproduzido o teor do documento n.º 3 junto com a petição inicial, consubstanciado em letras, o teor dos documentos n.º 6 e 7 juntos com a petição inicial, integrando facturas, meios de pagamento e extractos bancários.
Dá-se, igualmente, por reproduzido o teor das declarações prestadas por J... – cfr. auto de fls. 240 e 241 do processo administrativo apenso aos autos.

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos juntos aos autos (que não foram impugnados), nos ínsitos no processo administrativo apenso aos mesmos e no depoimento prestado pelas testemunhas apresentadas pela impugnante no âmbito do processo n.º IMP53/01/12.
Efectivamente, a Fazenda Pública foi absolvida da instância no âmbito do processo n.º IMP53/01/12, mas foi intentada nova acção, os presentes autos, dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância. Por este motivo, são aproveitadas as provas produzidas no primeiro processo, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 289.º do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.

Não se logrou provar, com a segurança e certeza exigíveis, quais foram concretamente os trabalhos realizados por J… (e seus eventuais empregados ou sub-contratados) e em que obras, na medida em que este apenas se referiu genericamente a obras que lhe foram adjudicadas pela impugnante em Montesinho, Viseu e Águas Santas. Note-se que já no auto de declarações prestadas em 14/10/1997, na Repartição de Finanças de Barcelos, J… havia afirmado que os trabalhos constantes das facturas que emitiu para a ora impugnante correspondiam a serviços efectivos. No entanto, não conseguiu identificar a localidade onde parte das obras foi executada, nem o tipo de trabalhos executados, nem tão-pouco se foram realizadas em prédios de habitação, em escritórios, em pontes ou outro tipo de empreitada. Nessa altura, afirmou, ainda, não ter trabalhadores por sua conta e que os trabalhos que tinha que realizar acabava por os sub-empreitar, principalmente a José…, a quem pagava quase sempre em dinheiro.
De salientar que estas declarações estão em contradição com as prestadas em tribunal, em 14/11/2001, no âmbito do processo n.º 53/01/12, pois aqui disse expressamente ter sido empresário da construção civil, de 1992 a 1997, fazendo parte da sua equipa 2/3 empregados e, consoante as necessidades das obras, arranjava outros empregados (6/7). Acrescentando que apesar de nas obras adjudicadas pela impugnante trabalharem os seus funcionários, quem as fiscalizava eram funcionários da impugnante.
Contudo, os factos que decorrem deste depoimento não são consentâneos com os restantes ouvidos, descredibilizando-os. Na verdade, a testemunha, A…, com funções de encarregado na impugnante, desde 1992, afirmou ser normal J… estar nas obras com os seus 6/7 empregados, sendo ele que “mandava” nos empregados.
Assim, o tribunal não conseguiu formar convicção segura acerca dos empregados que J… eventualmente tinha (relembra-se que em declarações no serviço de finanças de Barcelos disse não ter trabalhadores por sua conta), nem tão-pouco, consequentemente, quem fiscalizava o seu trabalho.
Uma vez que, da articulação do conjunto da prova produzida nos autos, não se mostram concretizados os trabalhos que J… terá realizado em obras eventualmente adjudicadas a este, não é possível retirar a conclusão constante do artigo 6.º da petição inicial: “J… prestou serviços à impugnante e tinha capacidade e estrutura empresarial para executar os serviços facturados”.
De assinalar que, além dos elementos constantes do processo administrativo, nada se provou relativamente a José…, designadamente, os factos vertidos nos artigos 3.º e 5.º da petição inicial.
Não se mostrou, ainda, credível a explicação decorrente da prova testemunhal no que tange ao destino exacto das quantias constantes de cheques que J… emitiu e que se destinaram a levantamento pela impugnante (cheques n.º 543113729 e n.º 54313731). Não se mostra convincente tratar-se de uma situação esporádica, resultante de pedido de J… para efectuar os pagamentos devidos aos seus assalariados, já que este, por regra, o fazia a dinheiro e, por qualquer razão que neste momento não se recorda, não tinha oportunidade de, pessoalmente, se encarregar de tal tarefa».
***

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

No recurso vem, pela primeira vez, invocada a prescrição da dívida.

O Exmo. Senhor PGA doutamente entende que a mesma se verifica.

No entanto, indicam os autos que em resposta a solicitação do tribunal sobre o pagamento das dívidas de IRC impugnadas, informou o competente serviço de finanças que apenas não foram pagas as dívidas respeitantes às liquidações de IRC de 1995, 1996 e 1997 (cf. fls.463 a 468 dos autos, vol.III).

Ora, a presente impugnação tem objecto as liquidações de IRC desses anos e, ainda, a do anterior ano de 1994.

Como vem entendendo a jurisprudência do STA, sendo a prescrição uma causa de extinção da obrigação tributária, ela só pode ser conhecida no processo de impugnação judicial se o tributo liquidado que consubstancia o acto impugnado não tiver sido pago, pois, se já tiver sido efectuado o pagamento, a obrigação tributária já se extinguiu por esse facto, assim não se colocando, depois do pagamento, a possibilidade de invocação da prescrição no âmbito desta espécie processual.

Por outro lado, conforme jurisprudência estabilizada daquele alto tribunal e seguida neste TCAN em vários arestos, pode apreciar-se incidentalmente em processo de impugnação judicial do acto tributário da liquidação, a prescrição da obrigação tributária (posto que do processo constem todos os elementos para tanto pertinentes) como pressuposto da decisão sobre a não manutenção de utilidade no prosseguimento da lide impugnatória – nesse sentido, podem ver-se, entre muitos, os acórdãos do STA, de 30/04/2002, tirado no proc.º0145/02 e de 19/11/2014, tirado no proc.º0536/14; e o recente acórdão deste TCAN, de 24/11/2016, tirado no proc.º00278/07.9BEMDL.

Pois bem, abrangendo a competente informação de não pagamento apenas parte da dívida impugnada (anos de 1995, 1996 e 1997) e sendo os fundamentos do presente recurso transversais a todas as liquidações contestadas, manifestamente não é caso para se conhecer incidentalmente da prescrição da dívida pois a inutilidade superveniente da lide nunca poderia ocorrer com relação à dívida impugnada de IRC do ano de 1994.

De qualquer modo, mesmo em relação às dívidas de 1995, 1996 e 1997, não há nos autos elementos suficientes para julgar da prescrição, pois não constam dos autos quaisquer elementos do processo executivo reportados a momento posterior a 2008, não se sabendo que desenvolvimentos teve o processo desde então.

E em relação ao esclarecimento dessa factualidade pertinente para decidir da prescrição como questão suscitada apenas em sede de recurso, não há em processo de impugnação judicial qualquer dever de oficiosidade pois como referido no citado acórdão do STA, de 19/11/2014, não há obstáculo a que se conheça incidentalmente da prescrição na impugnação judicial posto que do processo constem todos os elementos para tanto pertinentes.

Assim, não há que conhecer desse segmento do recurso.

Passando ao conhecimento das demais questões do recurso, pretende a Recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento de facto, devendo «dar-se como provado que a “Sociedade de Construções…, Lda.” adjudicou as obras constantes das facturas a J…, obras em Montesinho, Viseu e Águas Santas, o qual tinha vários empregados» facto esse, a seu ver, confirmado por todas as testemunhas.

Todavia, analisados os elementos probatórios dos autos e, nomeadamente os depoimentos transcritos, não suportam diferente apreciação da que foi feita na sentença.

Com efeito, as testemunhas não foram confrontadas com concretas facturas cujo conteúdo tenham inequivocamente referenciado a obras concretas da impugnante; o emitente, J… refere a existência de 2/3 contratos de subempreitada celebrados com a impugnante, mas não foram juntos aos autos nem referenciados a quaisquer facturas por ele emitidas; contraditoriamente com seu depoimento, A…, encarregado da impugnante, diz nunca ter visto quaisquer contratos celebrados com o D..., o que José2…, director de serviços da impugnante, corrobora, sendo que estas duas testemunhas são aquelas que apresentam maior razão de ciência sobre a matéria.

Por outro lado, os referidos A… e José2… referem a existência de autos de medição, por eles assinados e pelo J…, mas não foram relacionados a concretas facturas, em termos de se poder verificar da conciliação do seu conteúdo.

Refere o J... que a impugnante lhe entregava, para pagamento das facturas que lhe emitia, cheques correspondentes ao valor total da factura, mas tal é contrariado pelo que se descreve no RIT, onde se identificam uma pluralidade de situações em que o pagamento é desdobrado em dois cheques, um pelo valor do serviço e outro pelo valor do correspondente IVA.

Refere o José Pires Morais Apolónia que era normal o J... subempreitar, mas este nada refere a propósito no seu depoimento, referindo que contava com 2/3 empregados e, consoante as necessidades do serviço, arranjava outros 6/7 empregados. Refere também o D... que lhe foram adjudicadas pela impugnante obras em Montesinho, Viseu e Águas Santas; outras testemunhas, nomeadamente, José Pires Morais Apolónia, identificam (ou identificam também) outras obras (Ponte da Pedra, Nevogilde…).

José…, irmão do sócio-gerente da sociedade impugnante e nesta exercendo funções de encarregado, refere que fiscalizou a obra de Águas Santas, onde trabalharam 15 empregados do D.... Este, no seu depoimento, com referência ao período da sua colaboração com a impugnante, nunca refere ter tido ao seu serviço tal número de empregados.

No mais, as testemunhas basicamente limitam-se a referir é que viram o D... e o seu pessoal nas obras da impugnante e que procederam ao levantamento de cheques do J..., para pagar ao pessoal deste.

Como se vê, a prova produzida não suporta uma diferente leitura dos factos, não se vendo que elementos probatórios permitem afirmar que a impugnante adjudicou as obras constantes das facturas em causa a J..., obras em Montesinho, Viseu e Águas Santas, não resultando, por outro lado, esclarecido se o D... tinha ao seu serviço o pessoal necessário para a realização dos trabalhos facturados à impugnante.

Improcede a impugnação da matéria de facto.

Avançando para as demais questões do recurso, não se conforma a Recorrente com o modo como a sentença perspectivou o ónus da prova na situação em apreço em que a Administração tributária não aceitou como custos dedutíveis os titulados por facturas emitidas por J..., que reputou falsas, isto é, como não reflectindo qualquer real transacção entre o emitente e o utilizador.

Nesta matéria, como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente por este Tribunal Central Administrativo Norte, quando a Administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do art.º74.º da Lei Geral Tributária, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios e credíveis de que as operações constantes das facturas não correspondem à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vd., entre muitos outros, os acórdãos do STA, de 20/11/2002, proc.º01483/02 e do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Salienta-se ainda, quanto à questão do ónus da prova e do seu cumprimento pela AT quando esteja em causa a não-aceitação da dedução do IVA mencionado nas facturas com apelo ao n.º3 do art.º19.º do CIVA, mas transponível para os autos em que está em causa a dedutibilidade fiscal dos custos representados por tais facturas, o recente acórdão do STA (Pleno do CT), de 17/02/2016, tirado no proc.º0591/15, em que se deixou consignado o seguinte: «Para que a AT, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 19º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende»; «Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução».

Assim sendo, importa desde logo analisar se a Administração tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante, aqui Recorrente, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Tenha-se em conta, como também é aceite pela jurisprudência, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).

Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – art.º75º, n.º1 da LGT.

Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por Saldanha Sanches, in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2ª edição, pág. 311.

Nesta tarefa e como é salientado no Acórdão deste TCA Norte, de 28/02/2013, proferido no proc.º00383/08.4BEBRG, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado, revelando-se até a fiscalização cruzada um procedimento crucial no combate à fraude e evasão fiscais.

Regressando aos autos, no RIT está descrita factualidade indiciária referenciada a elementos do emitente e à sua relação com o utilizador.

No que respeita à factualidade reportada ao emitente, refere-se no RIT: (i) o emitente possui na sua contabilidade facturas de José… e de outros sujeitos passivos com identificação fiscal inválida relativa a subcontratos de valor idêntico ao facturado à impugnante; (ii) se retirados os custos com subcontratos o emitente não possui estrutura empresarial para execução dos serviços facturados.

No que respeita a factualidade reportada à relação estabelecida com a impugnante, é apontado o seguinte: (i) as facturas são pagas por meio de cheque, tendo-se apurado que a impugnante emite um cheque pelo valor global da factura (incluindo IVA) e o emitente, em momento posterior, emite cheques nominativos ou ao portador pelo valor das facturas (sem IVA); (ii) em alguns casos, desdobramento dos cheques em dois, um correspondendo ao valor do serviço e outro ao do IVA; (iii) pagamento de facturas através de letras descontadas e posteriormente devolvidas.

Avançamos já que os indícios recolhidos pela AT não são suficientemente sólidos para formar um juízo consistente quanto á irrealidade das facturas emitidas (ou de todas elas).

Refere a AT que o emitente contava na sua contabilidade com facturas de falsos emitentes referenciadas a subcontratos de valor idêntico ao facturado à impugnante.

Ora, como se sabe, a contabilização de facturação fictícia tanto pode visar o aumento dos custos da empresa e a dedutibilidade ilícita do IVA não tendo subjacente qualquer realidade económica, como pode destinar-se à cobertura de operações reais de não emitentes, não se podendo descartar, na situação dos autos, a possibilidade de o emitente D... se ter socorrido da contratação de não emitentes para realização das operações económicas facturadas à impugnante, que depois tinha necessidade de cobrir com o recurso a facturação de falsos emitentes.

Por outro lado e quanto à referida emissão de cheques para pagamento do valor das facturas (incluindo o IVA) com posterior emissão de cheques pelo emitente agora pelo valor da factura sem IVA, não concretiza o RIT se os cheques emitidos pelo emitente D... tinham por destinatário a impugnante ou algum dos seus gerentes ou pessoa com eles relacionada.

Ou seja, não transparece da fundamentação vertida no RIT que a AT tenha feito qualquer averiguação no sentido de comprovar o retorno dos pagamentos dos valores facturados à posse ou contas bancárias da impugnante, seus gerentes ou terceiros com eles relacionados, realidade que no RIT se descreve como esquema de “troca de cheques” implementado por ambos os sujeitos passivos.

Com efeito, analisados os 21 cheques emitidos nessas condições pelo D... e relacionados como prova pela AT, constata-se que apenas dois deles (n.º54313729 e n.º54313763 – fls.58 e 94 do apenso instrutor) se destinaram efectivamente a ser levantados pelo gerente da impugnante, João… (cf. fls.21 do apenso), não tendo a impugnante esclarecido convincentemente o destino do dinheiro.

Mas esse facto, só por si, não podia comprometer a credibilidade presuntiva de toda a restante facturação contabilizada deste emitente (art.º75.º, n.º1 da LGT) e sobretudo deixa evidenciada a insuficiente fundamentação material das correcções levadas a efeito pela AT no que respeita ao destino do dinheiro correspondente aos cheques emitidos pelo D..., que a AT assumiu, sem apoiar-se em qualquer materialidade, que teriam retornado à posse da impugnante.

A desconsideração fiscal de facturas contabilizadas por alegadamente não terem subjacentes operações reais constitui uma correcção de natureza técnica e, nessa medida, mesmo quando provenientes de um mesmo e único emitente, se os indicadores de falsidade reportados ao relacionamento concreto com o utilizador só concorrem com relação a determinadas facturas desse emitente, só essas devem ser desconsideradas pela AT para efeitos de dedutibilidade, segundo um princípio de actuação proporcional (art.º55.º da LGT).

Os indicadores de falsidade colhem-se relativamente a facturas concretas e determinadas, não podendo a AT partindo de indicadores de falsidade relativos a duas ou três facturas de um certo emitente, concluir sem mais inquisitório (artigos 58.º da LGT e 5.º e 6.º do RCPIT, aprovado pelo DL n.º413/98, de 31 de Dezembro) pela falsidade de todas as facturas por ele emitidas a determinado utilizador, pois o emitente pode desenvolver uma real e efectiva actividade económica ainda que pontualmente, ou até regularmente, se dedique também à emissão de facturas fictícias.

No que respeita às letras de câmbio aceites pela impugnante e devolvidas, demonstra a impugnante que as mesmas foram reformadas, substituindo-se as letras vencidas e não pagas por outras de idêntico valor com novas datas de vencimento (cf. fls. 40 e ss. dos autos).

Não subsistem, assim, indicadores sérios e objectivos que consistentemente apontem para uma elevada probabilidade de serem falsas as operações facturadas pelo D... á impugnante, susceptíveis de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da contabilidade do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte.

E relembrando os considerandos de doutrina e jurisprudência acima feitos, não tendo a AT cumprido o ónus de prova que lhe incumbia na recolha de indícios fundados de falsidade das facturas ou de às mesmas não correspondem reais e efectivas operações económicas, a questão termina logo aqui, sendo irrelevante que a impugnante não tenha feito qualquer prova evidenciando a realidade das operações tituladas por tais facturas.

A sentença incorreu pois em erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica, assim se concedendo provimento ao recurso.

Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões do recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial.

Custas pela recorrida em 1.ª instância (não contra-alegou neste).
Porto, 16 de Março de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro