Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01074/13.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/03/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL. NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA. JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO. REVERSÃO. ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO.
Sumário:
I) Em termos de omissão de pronúncia, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
II) No que concerne à invocada oposição entre a decisão e os fundamentos, tal nulidade constitui vício da estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão: os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam, isso sim, a resultado oposto; há, pois, um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.
III) A lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
IV) Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
V) Quando se analisa a certidão da conservatória do registo comercial, fica-se, sem esforço, a saber que o Recorrente nunca foi nomeado gerente da sociedade devedora originária, o que significa que o exposto sobre esta matéria no despacho de reversão não tem correspondência com a realidade, ficando sem suporte a afirmação deste elemento no citado despacho, porquanto, se é verdade que a jurisprudência firmou-se no sentido de que o despacho de reversão não tem de conter os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, não deixa de ser necessário a indicação do pressuposto em causa, o que significa que o despacho de reversão não contém um dos elementos de que depende a reversão, não se tratando de falta de fundamentação, mas sim de falta de direito, dado que, sendo claro que um dos pressupostos descritos não tem suporte factual, não existem condições para fazer operar a reversão. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:JAGMP
Recorrido 1:Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Julgar procedente a Oposição
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
JAGMP, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 29-09-2015, que julgou improcedente a OPOSIÇÃO pelo mesmo deduzida enquanto responsável subsidiário, em relação ao Processo de Execução nº 0301200501003976, instaurado pelo “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.” contra “Massa Insolvente de JMP & CA., Lda.”, Contribuinte Fiscal nº 5…84, com vista à cobrança de Contribuições para a Segurança Social referentes aos períodos 2001/01 a 2003/08, no montante de € 821.302,48 e acrescido computado em € 466.376,89, que ascende ao montante global de € 1.287.679,37.
*
Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 315-359), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1) O recorrente não concorda com a douta sentença recorrida, porquanto, entende ter existido um erro de julgamento por parte do Tribunal na valoração das provas, uma incorreta e inadequada ponderação dos factos, e uma incorreta aplicação do Direito, visto que a prova produzida nos autos e em sede de audiência de julgamento impunha claramente uma decisão diversa da proferida.
2) Verifica-se uma contradição insanável entre a prova produzida nos autos e a douta decisão, assim como o facto da fundamentação expendida para alicerçar a presente decisão, estar envolta em contradições, falácias de raciocínio, hesitações e incertezas que não conseguem por isso sustentar devidamente a improcedência da oposição judicial, sem que aqui possa atender-se tão pouco ao princípio da livre apreciação da prova, francamente violado, vícios que importam a NULIDADE da sentença recorrida. (art.º 615º n.º 1 al. “c” e “d”; art.º 639º n.º 2 al. “a” e art.º 640º todos do C.P.C.)
3) O recorrente nunca foi nomeado gerente e não existe qualquer deliberação da Assembleia Geral a nomear o recorrente como gerente, logo também nunca tal registo dessa (inexistente) nomeação constou da Conservatória do Registo Comercial.
4) Consta do fato provado n.º 18 da sentença, que na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães, o recorrente somente constava como sócio da sociedade comercial “JMP, & Ca, Lda”, com uma quota, da qual era aliás usufrutuário o seu pai JJMP, este sim sócio gerente da empresa.
5) Não obstante, ainda que provada a gerência de direito do recorrente, que seguramente nunca existiu, continua a caber à entidade exequente provar que à designação, correspondeu o efetivo exercício da função, pois a lei é clara e não se basta, para responsabilizar o oponente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
6) A responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores pelas dívidas das sociedades tem como pressuposto o exercício efetivo da gerência, não apenas de direito, mas também de facto, pelo que, para que o aqui recorrente fosse efetivamente responsabilizado por tais dívidas à segurança social, necessário seria que a administração tributária tivesse feito prova daquela gerência de facto, como facto constitutivo do seu direito e não penas da existência de uma mera gerência de direito, que também nunca existiu.
7) Com todo o devido respeito, causa aliás enorme estranheza o facto do Tribunal “a quo” ter proferido a decisão recorrida no pressuposto da existência de uma presunção legal de gerência de fato sobre o recorrente, quando a jurisprudência largamente conhecida e maioritária aponta precisamente em sentido diverso. (a titulo de exemplo: Ac. do TCAN de 26-02-2015, processo n.º 00537/07.0BEPRT; Ac. do STA de 28.02.2007 processo n. 1132/06; Ac. do TCAN de 14/1/2010, Processo 00787/06; Ac. do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 08-04-2008, processo n.º 02334/08, Acórdão do STA de 21-09-2011, proc. n.º 0780/11, Ac. do STA de 11-03-2009, proc. n.º 0709/08, e Acórdão do TCA Norte de 14-01-2010, proc. n.º 00565/06.3BEBRG, todos disponíveis in www.dgsi.pt)
8) Motivo pelo qual o Tribunal “a quo” faz uma errada interpretação da lei e do Direito, violando o disposto nos art.º 23 e 24º da LGT.
9) Era assim à Segurança Social, a quem competia o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do recorrente, em face da inexistência de presunção legal nesse sentido e a verdade, é que esta entidade nada alegou ou provou quanto ao efectivo exercício da gerência de facto, pelo que sempre contra si teria de ser valorada a falta de prova sobre tal matéria.
10) É obrigatório que conste do despacho de reversão os factos concretos nos quais a exequente fundamenta a sua alegação relativa ao exercício efetivo do cargo de gerente, o que não se verificou “in casu” tendo a entidade exequente se limitado a alegar falsamente que a nomeação de gerência se encontra registada, pelo que esse registo constituiu presunção legal de que a situação jurídica existe. (cfr. conclusão n.º 3 quanto à inexistência de registo de nomeação do recorrente como gerente).
11) A S. Social não referiu, ainda que minimamente, os motivos por que não relevou os argumentos aduzidos pelo oponente em sede de audição prévia, pelo que ficamos sem saber quais os motivos que a determinaram, ou sequer, se considerou tais argumentos, nomeadamente quanto à inexistência de uma gerência e direito e de facto por parte do oponente, quanto à existência de bens suficientes na massa falida da devedora principal, e à sua absolvição no processo-crime n.º 5101/2004, factos que foram amplamente alegados em sede de audição prévia.
12) Limitou-se a S. Social a alegar no despacho de reversão junto aos autos que: “… Foi possível apurar que é responsável subsidiário da executada, tendo desenvolvido actividade de gerente, no período a que respeita a divida exequenda”
13) É pois evidente a manifesta insuficiência de fundamentação daquele despacho, equiparada à falta de fundamentação, tendo as mesmas consequências que esta: a Anulação do Acto (vide art. 125º/2 e 135º do CPA e Ac. TCA Norte de 27.03.2008, proc. n.º 101884/04 – Porto in www.dgsi.pt)
14) Baseou-se a douta sentença na “matéria alegada e não contestada, da prova documental junta aos autos referida no probatório e outra de conhecimento oficioso do Tribunal… bem como da análise crítica do depoimento das testemunhas inquiridas”.
15) Com todo o devido respeito, que é muito, se o Tribunal “a quo” refere ter-se baseado quer na prova documental, quer na prova testemunhal produzida, então não se compreende como pôde ter sido proferida a decisão aqui recorrida, pois nenhuma das testemunhas inquiridas, referiu que o recorrente fosse o gerente e/ou administrador da empresa e muito menos que os atos próprios inerentes á gerência lhe estivessem atribuídos ou fossem por ele praticados. (audiência de julgamento de 05-06-2015: JC (00:00:00 a 00:10:14; JNFO (00:11:10 a 00:40:56); JOMC (0 0:41:00 a 01:10:55); ARG (01:11:20 a 01:27:46); JOF (01:28:00 a 01:39:17); AAFC (01:39:50 a 01:50:22)
16) Todas as testemunhas inquiridas foram aliás peremtórias ao afirmar que o verdadeiro “patrão” da JMP & Ca, Lda sempre foi o pai do recorrente e não este que viam como um mero funcionário da empresa.
17) Nenhuma testemunha referiu que era o recorrente que dava “ordens para compra de bens para aquela sociedade e para se efetuarem pagamentos” pelo que mal andou o Tribunal “a quo” ao dar como provado o facto n.º 28 da sentença.
18) Não se compreende com base em que depoimentos é que o Tribunal “a quo” retirou tal ilação!!!
19) Invoca o Tribunal “a quo” que a remuneração mensal do recorrente (€ 2.493,99) não se coaduna com as funções de um mero trabalhador, que auferia cerca de € 400,00, motivo pelo qual, tal remuneração correspondia ao exercício de funções de gerência. (cfr. pág. 13/14 da sentença)
20) Com o devido respeito, é por mais descabido tal argumento, pois as regras da experiência dizem-nos que no seio empresarial, não é de todo anómalo a existência de funcionários que auferem remunerações na ordem do montante recebido pelo recorrente (chefes de produção; chefes de recursos humanos e outros cargos de chefia) sendo que o recorrente não era “serralheiro”, nem “trabalhador de escritório”, nem “encarregado da tecelagem”, mas era o chefe de produção de uma empresa de grandes dimensões e como tal, não seria expectável que auferisse um vencimento de € 400,00 semelhante ao que era pago aos seus subordinados. (cfr. depoimento da testemunha JNO – Min: 34:20 a 35:03)
21) E tal vencimento não faz obviamente destes funcionários gerentes das empresas, pois a ser assim, então qualquer funcionário que aufira um salário acima da média, será conotado de “gerente de fato” da empresa.
22) Questionamos pois que remuneração corresponde afinal ao exercício de um cargo de gerente de facto?
23) Pela Procuração outorgada a 07-03-1994 junta aos autos (cfr. facto provado n.º 22) pretendeu o único sócio gerente da firma executada, JJMP (pai do agora recorrente), constituir seus bastantes procuradores os restantes sócios da empresa, (mas não gerentes), entre eles o recorrente, para efeitos de exercício da gerência meramente comercial, que compreendesse apenas e só atos relativos ao giro comercial do dia-a-dia da empresa e não atos representativos e/ou vinculativos da mesma.
24) Mal andou o Tribunal “a quo” ao concluir que tal documento só fazia sentido para o oponente desempenhar de facto funções de gerente, pois resultou da prova testemunhal produzida que a mesma se destinava apenas e só a permitir ao recorrente assinar documentos de “trabalho administrativo do dia-a-dia” (cfr . depoimento JNO – TOC da empresa - Min: 39:02).
25) Os poderes de gerência não podem sequer ser transmitidos por mera procuração. (art.º 252º n.º 5 e 6 do Código das Sociedades Comerciais), encontrando-se consagrados os princípios da pessoalidade do exercício do cargo de gerente (art.º 252º, nº5) e da intransmissibilidade da gerência (art.º 252º, nº4). (cfr.Ac. do TRP de 20-04-2009 processo n.º 16/08.9TBOAZ, disponível in www.dgsi.pt)
26) A nomeação de mandatários ou procuradores só é assim válida se se reportar “à prática de determinados actos ou categorias de actos”, o que exclui um mandato geral, tal como sucedeu no caso concreto, destinando-se a mesma a atos meramente comerciais.
27) A referida procuração nunca visou, nem poderia visar a transferência da gerência para o recorrente sob pena de enfermar de nulidade, motivo pelo qual, ao ter concluído nos termos em que o fez, o Tribunal “a quo” quo” baseou-se então em prova manifestamente NULA, que não pode servir de base à decisão proferida!
28) Nenhum sentido faz aliás, em face de toda a prova produzida e da qual resulta que o pai do recorrente, era uma pessoa autoritária, que geria de forma escrupulosa a gerência da empresa, que todos tinham como o verdadeiro “patrão” que não ousavam contrariar, e que detinha o poder decisório em todas as matérias, que este pretendesse transferir pura e simplesmente a gerência a empresa para o recorrente no ano de 1994, mas continuasse a exercer tal cargo até ao fecho da empresa, sem que nada se tivesse alterado por força de tal documento.
29) É do senso comum, que faz parte do giro comercial de milhares de empresas, a outorga de procurações para a prática - por não gerentes -, de atos comerciais, essenciais ao movimento quotidiano da empresa (documentos bancários; documentos da EDP, etc) sem que no entanto resulte de tais procurações, uma verdadeira transmissão da gerência da sociedade.
30) Ainda que se entendesse que era ao recorrente que cumpria fazer prova de que não detinha a gerência efetiva da sociedade devedora e que a falta de pagamento à segurança social não se lhe podia imputar, – o que obviamente só por mera hipótese de raciocínio se admite – a verdade é que o recorrente, ainda assim provou que a) nunca figurou nos órgãos sociais da empresa executada, pois era meramente detentor da raiz ou nua propriedade da quota, b) nunca praticou qualquer acto de administração, nomeadamente na área da gestão financeira, administrativa e fiscal, pois não só não tinha o poder de gerência da empresa como nem sequer detinha a administração da quota que integrava o capital, c) nunca celebrou qualquer tipo de contrato em nome da sociedade devedora, d) nunca participou nas decisões estratégicas, e) nunca comprou ou vendeu mercadoria, seleccionou ou contratou pessoal, negociou o pagamento de débitos, negociou a cobrança de créditos ou administrou directa ou indirectamente a sociedade executada, f) permanecia na empresa exclusivamente nas seções de produção e não conhecia os problemas da administração corrente, g) nunca deu qualquer instrução ou participou em qualquer deliberação que determinasse a não entrega dos tributos devidos, nomeadamente aqueles que constam do presente despacho de reversão, h) não estava em condições de se pronunciar sobre os negócios ou os contratos a celebrar, os empréstimos a contrair, os pagamentos a efectuar, tendo-se se limitado a assinar os documentos que o seu pai lhe apresentava, i) não controlava a contabilidade da empresa nem a sua gestão financeira.
31) Todas as referidas competências e as demais inerentes à realização do objeto social da empresa eram exercidas em exclusivo pelo sócio gerente JJMP (pai do recorrente), que foi quem tomou a decisão de não pagamento à segurança social, tido por todas as testemunhas inquiridas, como o gerente daquela empresa, o verdadeiro “patrão”, pessoa “autoritária” que ninguém ousava contradizer. (cfr. depoimentos das testemunhas JOC e JNO).
32) O Tribunal “a quo” não valorou o facto de o recorrente ter sido já absolvido da prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, p. e p. pelos art. 6º/1, 105º/1,2,4 da Lei 15º/2001 de 05/06 (RGIT) e de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelos artº 6/1, 107º/1 da Lei 15/2001 de 5 de Junho (RGIT),por decisão transitada em julgado, proferida no âmbito do processo-crime n.º 5101/04.3TDLSB que correu termos no Tribunal Judicial de Guimarães.
33) Tal absolvição não resultou de quaisquer “vicissitudes processuais ou probatórias ”, (cfr. fls. 24/25 da sentença) mas fundou-se quer no facto de se ter provado que o recorrente durante o período em causa nos autos, era apenas o responsável pelo sector de produção e que há época dos factos, não fazia a contabilidade da empresa “JMP, Lda”, pois esta empresa tinha um contabilista que trabalhava em exclusivo para si, a testemunha N… (também testemunha nestes autos de oposição), quer no facto de não se ter provado que tenha sido por decisão do ali arguido (aqui recorrente) que a sociedade não procedeu à entrega das quantias supra referidas nos Cofres do Estado, até à data limite de entrega, ou que o arguido tenha agido de forma livre, voluntária e consciente, e bem assim, em conjugação de esforços, com o sócio gerente JJMP e com a intenção de não entregar tais quantias.
34) O Tribunal “a quo” não se pronunciou ainda na douta sentença, quanto à anulação de um outro projeto de reversão instaurado contra o aqui recorrente, no PEF n.º 3476200501003321, facto que se considera extremamente relevante, por ter sido a própria autoridade tributária (AT) a considerar ficar demonstrado relativamente ao recorrente que “… os mesmos não exerceram a gerência de direito e de facto na devedora originária”
35) Padece assim a sentença do vício de omissão de pronúncia (art.º 615º n.º 1 al. “d” do C.P.C., o que geram uma vez mais a sua nulidade.
36) Todos os factos em discussão nos presentes autos de oposição, respeitantes à responsabilidade do recorrente por actos da gerência da sociedade executada que se tenham consubstanciado na não entrega das devidas cotizações à Segurança Social, foram assim já devidamente apreciados quer em sede judicial, quer em sede administrativa, o que faz com que a douta sentença de que agora se recorre esteja em manifesta oposição com anteriores decisões que absolveram o recorrente.
37) A Segurança Social reclamou o seu crédito no processo de insolvência da sociedade devedora, e sempre teve conhecimento, a existência de ativos suficientes ao pagamento da divida, uma vez que há data da saída do recorrente da firma executada (em 2003), o valor patrimonial da mesma ascendia a € 3.250,000 (três milhões, duzentos e cinquenta mil euros), (cfr. documentos n.º 3 e 4 juntos em sede de oposição).
38) Tal suficiência de património foi ainda corroborada pela prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento (cfr. depoimentos acima transcritos).
39) Reportando-se a dívida exequenda aos períodos compreendidos entre 2001/01 e 2003/08 e tendo o oponente deixado a firma sociedade executada em finais de 2003, (cfr. 1.º parte do facto provado n.º 28) tal significa, que à data, existia património mais do que suficiente para se fazer face à divida exequenda,
40) Não só não se pode falar da alegada insuficiência de bens”, como não se verifica no caso concreto o requisito da “culpa” do oponente, na dissipação e/ou insuficiência do património da pessoa colectiva, condições que eram essenciais existir, para que se considerasse preenchido o disposto no art.º 24º/1 da LGT e consequentemente se pudesse falar de responsabilidade subsidiária do oponente.
41) Por parecer devidamente fundamentado, o próprio Ministério Público considerou que devia a oposição “…ser julgada procedente, considerando-se o oponente parte ilegítima na execução e não responsável pelo pagamento das dívidas exequendas”. pois “Não obstante o depoimento das testemunhas em sede de procedimento de reversão, dos elementos juntos aos presentes autos, não se pode afirmar com um mínimo de segurança se, efetivamente, o oponente tinha funções de gestão na sociedade devedora, já que todos os elementos conduzem a que as mesmas eram cometidas era a JJMP.” (sublinhado nosso)
42) Tão pouco podia o “Tribunal “a quo” socorrer-se do Principio da Livre apreciação da Prova, porquanto o mesmo não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – de toda a prova produzida.
43) A apreciação da prova é discricionária, mas tal discricionariedade tem evidentemente os seus limites, possibilitando-se ao juiz uma discricionariedade assente num modelo racionalizado, que tenha um mínimo de suporte ao nível da prova produzida, pois a não ser assim, então de nada valeria a prova produzida, e as decisões anteriores já existentes e que constam dos autos, sendo suficiente apenas e só o livre arbítrio do julgador.
44) No caso sub judice, não podia o Tribunal “a quo” dar como provado o facto n.º 28 da douta sentença, e não podia dar como não provado que o oponente era um mero empregado da sociedade, que não celebrou qualquer tipo de contrato, nem participou em decisões estratégicas, nem participou em deliberações da sociedade.
45) Não tendo sido feita qualquer prova de que o Recorrente, exerceu a gerência (de facto e de direito) da sociedade devedora, praticando os actos próprios e típicos da mesma no período entre 2001/01 e 2003/08, e que tenha existido insuficiência de bens no património da pessoa coletiva por culpa do oponente, não pode este ser responsabilizado, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas, sendo, por isso, parte ilegítima na presente execução fiscal.
46) Incorreu o Tribunal “a quo” em manifesto erro de julgamento, devendo a decisão proferida ser revogada, por manifestamente NULA.
Termos em que se requer que seja dado integral provimento ao recurso ora interposto e consequentemente seja revogada a douta sentença proferida, assim se fazendo, JUSTIÇA”
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Não houve contra-alegações.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso - cfr. fls. 378 dos autos.
*
Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em indagar da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia e por oposição entre os fundamentos e a decisão, analisar o suscitado erro de julgamento ao nível da matéria de facto e bem assim apreciar se o ora Recorrente exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)
1- O “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.”, em 7/3/2005, instaurou o Processo de Execução nº 0301200501003976 contra a sociedade comercial “JMP e CA., Lda.”, Contribuinte Fiscal nº 5…84, com vista à cobrança coerciva de créditos provenientes de Contribuições para a Segurança Social, referentes aos períodos 2001/01 a 2003/08, no montante global de 1.287.679,37, sendo € 821.302,48 de quantia exequenda, e € 466.376,89 de acrescido.
2- O “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.” remeteu à sociedade comercial “JMP e CA., Lda.”, Contribuinte Fiscal nº 5…84, carta registada com aviso de recepção datada de 7/3/2005, com vista à citação desta sociedade como executada no processo de execução identificado em 1, acompanhada da certidão nº 1366 que se encontra a fls. 12/15 do processo administrativo, extraída em 7/3/2005, referente a contribuições relativas aos períodos 2001-01 a 2003-08 e correspondentes juros de mora, no montante global de € 1.103.261,74, documentação que se dá por reproduzida.
3- No processo de execução identificado em 1, em 23/11/2005, foi lavrado o despacho que se encontra a fls. 18 e se dá por reproduzido, com vista à reclamação de créditos no Processo Especial de Recuperação de Empresa nº 640/2002, a correr termos no Tribunal Judicial de Guimarães.
4- A sociedade comercial “JMP e CA., Lda.” foi declarada insolvente no Processo nº 6415/05.0TBGMR-I, que correu termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, por sentença proferida em 1/2/2006, transitada em julgado em 6/3/2006, conforme documentação de fls. 20/32 que se dá por reproduzida.
5- No processo de execução identificado em 1, em 4/6/2008, foi lavrado o despacho que consta a fls. 21 do processo apenso e se dá por reproduzido, e determinada a notificação do ora Oponente, JAGMP, para exercer o direito de audição prévia em relação ao projecto de reversão da execução.
6- O “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.”, remeteu ao Oponente, sob registo postal, o ofício que consta a fls. 24 do processo apenso e se dá por reproduzido, datado de 23/6/2008, com vista à notificação para exercício do direito de audição em relação ao projecto de reversão.
7- O aviso de recepção referente ao ofício aludido em 6 foi assinado em 24/10/2008.
8- O Oponente, em 4/11/2008, apresentou na Segurança Social o requerimento que consta a fls. 51/54 do processo apenso e se dá por reproduzido, no exercício do direito de audição prévia, no qual alegou que era um mero trabalhador e nunca exerceu a gerência da sociedade, que o património social não estava esgotado, e que a Segurança Social reclamou créditos no processo de insolvência prevendo-se que a venda dos activos seria suficiente para pagamento daqueles créditos.
9- Em 13/4/2011, foi lavrado o despacho de reversão que consta a fls. 65/67 do processo apenso e se dá por reproduzido, e determinada a citação do Oponente enquanto revertido, despacho do qual se extracta, “(…) uma vez que a nomeação da gerência se encontra registada, esse registo constitui presunção legal de que a situação jurídica existe (…) dos documentos juntos aos autos não se pode concluir que o responsável subsidiário não exerceu a gerência de facto. (…) Entende o legislador que não é hoje necessária a prévia excussão do património do devedor originário para que seja possível a reversão. Basta essa fundada insuficiência. Sem prescindir, o executado/revertido alega a existência de activos na contabilidade da sociedade, no entanto, a prova dos mesmos afigura-se insuficiente, apenas enuncia factos genéricos, sem qualquer suporte documental, nomeadamente documentos contabilísticos, ou outros meios de prova. Pelo exposto, nos termos do artº 24º da L.G.T. encontram-se preenchidos os requisitos exigidos no nº 2, do artº 23, da L.G.T., em conjugação com o artº 153º, do CPPT e 159º do CPPT.
Nessa conformidade, determino a citação do responsável subsidiário JAGMP, nos termos do disposto no artº 160º do CPPT, devendo o processo de execução fiscal seguir os seus ulteriores termos em sede de reversão.”.
10- O “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.” remeteu ao Oponente e ao seu mandatário, sob registo postal, os ofícios que constam a fls. 68/72 do processo apenso, datados de 5/7/2011,com vista à notificação do despacho identificado em 9.
11- O “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.”, em 23/2/2006, reclamou créditos no Processo de Insolvência nº 6415/05.0TBGMR, que correu termos no Tribunal Judicial de Guimarães, nos termos e com os fundamentos exarados no documento de fls. 83/86 do processo apenso, que se dá por reproduzido.
12- Dá-se por reproduzido o documento de fls. 118/119 dos autos (fls. 132 do processo apenso) que consubstancia cópia do extracto de remunerações do Oponente na qualidade de Membro de Órgão Estatutário de “Massa Insolvente de JMP & CA., Lda.”, desde 2003/04 a 2003/13, com o valor mensal de € 2.493,99, e equivalência por período de doença em 2003/01, 2004/01 e 2004/02.
13- Dá-se por reproduzido o documento de fls. 148 do processo apenso que constitui cópia do auto de declarações prestadas por JOF nos Serviços da Segurança Social, em 15/11/2012, que declarou ter sido trabalhador da devedora originária, do qual se extracta, “(…) que era encarregado geral e recebia ordens do Srª MH e do Sr. JA. (…) O Sr. JA estava mais ligado às compras e produção.”.
14- Dá-se por reproduzido o documento de fls. 151 do processo apenso que constitui cópia do auto de declarações prestadas por AAFC nos Serviços da Segurança Social, em 7/11/2012, que declarou ter sido trabalhador da devedora originária, do qual se extracta, “(…) recebia ordens dos encarregados de produção que comunicava as ordens feitas pela gerência que por sua vez era constituída pela Srª MHGMPBF pelo pai e pelo Sr. JAGMP, que se encontrava mais na parte da produção.”.
15- Dá-se por reproduzido o documento de fls. 154/155 do processo apenso que constitui cópia do auto de declarações prestadas por JNFO nos Serviços da Segurança Social, em 7/11/2012, que declarou ter sido trabalhador da devedora originária, do qual se extracta, “(…) recebia ordens do Sr. JAGMP e a Srª MHGMPBF (…) assinaram documentos em conjunto. (…) Mais referiu que as decisões eram feitas semanalmente e que o Sr. JAGMP e a Srª MHGMPBF tomavam em conjunto com o seu pai as referidas decisões.”.
16- Na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães, pela Ap. 2/570924, foi registado o contrato de constituição da sociedade comercial “JMP & CA., Lda.”, Contribuinte Fiscal nº 5…84.
17- Na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães, pela Ap. 33/890321, foi registada a alteração parcial do pacto social da sociedade comercial “JMP & CA., Lda.”, Contribuinte Fiscal nº 5…84, passando a figurar entre outros, como sócio, JAGMP, ora Oponente, com uma quota com o valor nominal de 50.000.000$00.
18- Na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães, pela Ap. 40/20020628, foi registada a redenominação do capital para euros, constando entre os sócios da sociedade comercial “JMP & CA., Lda.” o ora Oponente, JAGMP, com uma quota com o valor nominal de € 361.628,48, de que é usufrutuário JJMP.
19- Na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães, pela Ap. 25/20020821, foi registada a acção especial de recuperação de empresa da sociedade comercial “JMP & CA., Lda.”, Contribuinte Fiscal nº 5…84.
20- Na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães, pela Ap. 51/20040211, foi registada a deliberação da Assembleia de Credores e a síntese das medidas adoptadas para gestão controlada da sociedade comercial “JMP & CA., Lda.”, Contribuinte Fiscal nº 5…84.
21- Dá-se por reproduzido o documento de fls. 17 constituído por cópia de uma nota de culpa datada de 4/2/2004, remetida ao ora Oponente pela sociedade comercial “JMP & CA., Lda.”, Contribuinte Fiscal nº 5…84, a dar conta da intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa.
22- No dia 7/3/1994, na Secretaria Notarial de Guimarães, JJMP declarou ser sócio e gerente da sociedade comercial “JMP & CA., Lda.”, e usando da faculdade prevista no artigo 7º do respectivo pacto social, constituiu procuradores os quatro sócios daquela sociedade: MHGMP, MJGM, JAGMP e RMGMP, nos termos exarados no documento de fls. 18/19 que se dá por reproduzido.
23- Dá-se por reproduzido o documento de fls. 20/32 constituído por cópia de uma certidão extraída do Processo de Insolvência nº 6415/05.0TBGMR-I que correu termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, teve por objecto a sociedade comercial “JMP & CA., Lda.”, e da qual consta um auto de apreensão de bens móveis com o valor de € 268.590,00, e bens imóveis com valores compreendidos entre € 6,53 e € 119.519,00.
24- Dá-se por reproduzido o documento de fls. 33/51 constituído por cópia de uma certidão extraída do Processo nº 5101/04.3TDLSB que correu termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, no qual figuraram como arguidos a sociedade comercial “JMP & CA., Lda.”, JAGMP e MHGMPBF, e respectiva sentença que concluiu pela condenação da sociedade comercial e pela absolvição dos restantes arguidos.
25- Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 52 e 53 constituída pela cópia da acta da reunião do órgão de fiscalização com o administrador único da sociedade comercial “JMP & CA., Lda.”, relativa à aceitação da proposta de venda do seu estabelecimento por € 2.600.005,00, e correspondente anúncio pelo valor mínimo de € 3.250.000,00, no Processo nº 640/2002, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Guimarães.
26- Dá-se por reproduzido o documento de fls. 120/123 constituído por um extracto emitido pela Segurança Social em 27/9/2013, referente à “Notificação de Valores em Dívida” da “Massa Insolvente de JMP & CA., Lda.”.
27- Dá-se por reproduzido o documento de fls. 147/161 que consubstancia cópia de um Processo de Inquérito dos Serviços do Ministério Público do Tribunal de Guimarães no qual, entre outros, se imputou ao ora Oponente a prática de um crime de abuso de confiança fiscal e um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, ambos na forma continuada.
28- O Oponente, enquanto desempenhou funções na sociedade comercial “JMP & CA., Lda.”, designadamente no período compreendido entre Janeiro de 2001 e Agosto de 2003, deu ordens aos trabalhadores dos sectores de produção, ordens para compra de bens para aquela sociedade e para se efectuarem pagamentos, assinou documentos para a EDP e entidades bancárias, sendo considerado pelos trabalhadores como “patrão”.
29- A irmã do Oponente, MHGMPBF, sócia da sociedade comercial “JMP & CA., Lda.”, desempenhou funções naquela sociedade, incumbindo-lhe estabelecer contactos com clientes, aceitar e efectuar encomendas em representação da sociedade comercial “JMP & CA., Lda.”.
30- A presente oposição foi apresentada em 17/10/2011.
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FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir, designadamente não se provou que o Oponente fosse um mero empregado da sociedade em causa, que nunca celebrou qualquer tipo de contrato em nome da sociedade, nem participou em decisões estratégicas, nem participou em qualquer deliberação da sociedade.
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A factualidade provada resultou da matéria alegada e não contestada, da prova documental junta aos autos referida no probatório, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 412º Código de Processo Civil, bem como da análise crítica do depoimento das testemunhas inquiridas.
A testemunha JC declarou ter fornecido máquinas para a devedora originária, e que sempre tratou desses negócios com o Sr. MP, no escritório da sociedade, que lhe pagava em cheque ou por transferência bancária. Esclareceu que só por duas vezes entrou na tecelagem, e que o Oponente só aparecia quando havia avarias, mas “quem o chamava” era o pai do Oponente. Curiosamente declarou não saber o que o Oponente fazia naquela fábrica, o que se estranha e retira credibilidade ao seu depoimento.
Por outro lado, reforça a ideia de que o Oponente era sócio e gerente da sociedade pois embora estivesse diariamente nas instalações da devedora originária a testemunha não logrou apontar-lhe uma categoria laboral definida. O seu depoimento não mereceu crédito.
A testemunha JNFO foi trabalhador da devedora originária e declarou que todas as decisões eram tomadas pelo pai do Oponente, que também assinava os cheques (“às vezes ia a casa dele para os assinar”), autorizava os pagamentos e recebia o dinheiro das vendas efectuadas a dinheiro, e decidiu não pagar à Segurança Social para dar prioridade aos vencimentos dos trabalhadores dado que o dinheiro já não chegava para tudo.
Esclareceu que nunca teve grande contacto com o Oponente, de quem disse nunca ter recebido ordens, em clara oposição com as declarações prestadas perante a Segurança Social, a fls. 154 do processo apenso, onde consta que recebeu ordens do Oponente, que este assinou documentos juntamente com a irmã, e que os “reconhecia como patrões”. No final do seu depoimento, neste tribunal, esclareceu que os documentos assinados pelo Oponente destinavam-se à EDP e aos bancos, nomeadamente para pagamentos.
Referiu que o Oponente “também picava o ponto, e fazia a gestão do dia-a-dia no sector de produção, mas as decisões já tinham sido tomadas”. No final do seu depoimento, neste tribunal, admitiu que as decisões eram tomadas em comum tendo em atenção a “lista do que se ia vencer”.
As contradições deste depoimento, prestado por quem exerceu funções de TOC daquela sociedade, reforçam a convicção de que o Oponente desempenhou funções de gerente, pois deu ordens aos trabalhadores, participou em reuniões com o pai e irmã nas quais tomaram decisões em conjunto, efectuou compras e assinou documentos perante terceiros em representação da sociedade.
A testemunha JOMC foi trabalhador no escritório da devedora originária e declarou que o Oponente era “quase um trabalhador normal, que também picava o ponto”, e que o pai mandava nele, “tudo tinha a avaliação do pai” quer para comprar máquinas quer para fazer pagamentos, tanto mais que era o pai do Oponente que recebia os dinheiros da empresa e os guardava no cofre.
Sabia que se devia cerca de meio milhão de euros à Segurança Social mas os bens eram suficientes para esse pagamento pois as máquinas foram vendidas por € 200.000,00 e ainda faltava vender o pavilhão.
No final do seu depoimento esclareceu que a H… tratava das encomendas e o JA “fazia o apanhado dos custos e reunia com o pai para ver se a encomenda era interessante”. Declarou que os filhos e o pai reuniam-se às quintas na sala de reuniões e tomavam decisões em conjunto, mas que também chamavam os responsáveis pela fiação e tecelagem (“todos os chefes”). Referiu que o Oponente dava ordens do género: “vá buscar isto ou aquilo”, “vá pagar”, e não tem conhecimento que tenha assinado letras, mas nos últimos tempos é possível que tenha assinado cheques.
A testemunha ARG, Administrador de Insolvência da devedora originária, declarou ter mantido reuniões, nesta qualidade, apenas com o Sr. MP e o Dr. AO (Economista), e que o primeiro “era muito autoritário e ninguém dava um passo sem o seu agreement”. Só se cruzou com o Oponente na fábrica, e sabe que o pai lhe dava ordens, desconhecendo se o filho também dava ordens na sociedade, e se existia ou não qualquer procuração a conferir-lhe poderes para o efeito.
Esclareceu que a devedora originária, à data, estava descapitalizada, mas não pode concluir se o activo era superior ao passivo pois não se recorda da avaliação dos bens, que incluíam equipamento (tecelagem e tinturaria) e instalações próprias, à partida suficientes para pagar à Segurança Social, mas havia outros débitos, designadamente um banco que era grande credor da sociedade.
A testemunha JOF, Encarregado da Tecelagem da devedora originária, declarou que conhecia o Oponente porque foi ele que o convenceu a trabalhar para aquela sociedade, em 2000, e que lhe dava ordens na produção, enquanto a H… estava na parte comercial (contactos com clientes e encomendas). O Oponente dava a volta pelas instalações e “se visse alguma coisa mal dava ordens…controlava todos os sectores”.
Esclareceu que o seu contrato de trabalho foi assinado pelo pai do Oponente na sala de reuniões, embora estivessem lá todos, e que “considerava o JA como seu patrão”.
A testemunha AAFC trabalhou na devedora originária como serralheiro contratado pelo Sr. MP.
Declarou que “via o JA por lá…aquilo era deles, e respeitava-o como patrão”, mas não sabe o que lá fazia. A sociedade tinha muitas máquinas que depois foram vendidas, mas nunca disseram que iam fechar. A ele pagaram-lhe sempre.
Além dos actos enunciados supra, reveladores da qualidade de gerente, importa salientar que o Oponente auferiu remunerações como Membro de Órgão Estatutário de “Massa Insolvente de JMP & CA., Lda.”, no valor mensal de € 2.493,99, montante que não se coaduna com as funções de um mero trabalhador da devedora originária, sendo certo que os trabalhadores inquiridos declararam auferir cerca de € 400,00. De acordo com as regras de experiência comum e de normalidade da vida, ao recebimento de tais quantias, bem mais elevadas do que as pagas a um trabalhador comum, corresponde o exercício de funções de gerência.
Acresce que dos autos consta uma procuração levada ao probatório em 22 que confere poderes ao Oponente para representar a devedora originária, que só se compreende e faz sentido por ter sido outorgada para o Oponente desempenhar de facto as funções de gerente.
A factualidade não provada resultou da inexistência de prova credível relativamente a tais factos, tendo-se provado exactamente o contrário do alegado pelo Oponente, convicção que resultou da análise crítica do depoimento prestado pelas testemunhas acima referidas, concatenado com a prova documental junta aos autos.
Na verdade, a testemunha JNFO acabou por confirmar o teor das declarações prestadas na Segurança Social, designadamente que recebeu ordens do Oponente, fez compras para a sociedade e assinou documentos para a EDP e os bancos, juntamente com a irmã, e que os “reconhecia como patrões”, pois as decisões eram tomadas em comum tendo em atenção a “lista do que se ia vencer”. A testemunha JOMC declarou que a H… tratava das encomendas e o JA “fazia o apanhado dos custos e reunia com o pai para ver se a encomenda era interessante”, e que o pai e os filhos reuniam-se às quintas na sala de reuniões e tomavam decisões em conjunto, e até admitiu que nos últimos tempos o Oponente tenha assinado cheques.
Por fim, a testemunha JOF declarou que “considerava o JA como seu patrão, pois dava ordens na produção, e controlava todos os sectores”.”
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3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por omissão de pronúncia e por da oposição entre os fundamentos e a decisão.
Com efeito, nas suas alegações, o Recorrente refere que existe uma contradição insanável entre a prova produzida nos autos e a douta decisão, assim como o facto da fundamentação expendida para alicerçar a presente decisão, estar envolta em contradições, falácias de raciocínio, hesitações e incertezas que não conseguem por isso sustentar devidamente a improcedência da oposição judicial, sem que aqui possa atender-se tão pouco ao princípio da livre apreciação da prova, francamente violado, vícios que importam a NULIDADE da sentença recorrida. (art.º 615º n.º 1 al. “c” e “d”; art.º 639º n.º 2 al. “a” e art.º 640º todos do C.P.C.)
Por outro lado, aponta que o Tribunal “a quo” não se pronunciou ainda na douta sentença, quanto à anulação de um outro projeto de reversão instaurado contra o aqui recorrente, no PEF n.º 3476200501003321, facto que se considera extremamente relevante, por ter sido a própria autoridade tributária (AT) a considerar ficar demonstrado relativamente ao recorrente que “… os mesmos não exerceram a gerência de direito e de facto na devedora originária”, pelo que, padece assim a sentença do vício de omissão de pronúncia (art.º 615º n.º 1 al. “d” do C.P.C., o que geram uma vez mais a sua nulidade.
Em relação a este último elemento referido, importa notar que segundo o disposto no artigo 125º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, sendo que esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
Pois bem, considerando a matéria em apreço, não existe qualquer elemento susceptível de suportar o exposto pela Recorrente ao nível da invocada nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que a decisão recorrida produziu a sua análise sobre a matéria suscitada nos autos e que se reconduz à bondade do despacho de reversão constante dos autos, sendo que a situação apontada prende-se com um elemento que poderia ser integrado nesta discussão, mas que não constitui questão nos termos acima apontados, ou seja, não pode fundamentar, de maneira nenhuma, a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
No que concerne à outra realidade apontada nos autos, diga-se que o vício em questão apenas ocorre quando a decisão (sentença) padece de uma contradição intrínseca que consiste numa incompatibilidade da subsunção, da factualidade dada por provada e tida por relevante à decisão final que veio a ser tomada, ao quadro jurídico aplicável, na medida em que aquela – factualidade - impunha sentido decisório diferente e oposto ao que veio a ser acolhido; Numa palavra, a contradição tem de se verificar entre os fundamentos invocados em suporte da decisão e o sentido decisório desta última.
Na linha do que se vem de referir doutrinava o Dr. RBastos [Cfr. Notas ao Código de Processo Civil, 2.ª ed., vol III, 246.] que “A oposição referida na alínea c) do n.º 1 é a que se verifica no processo lógico, que das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas, este extrai a decisão a proferir.”; No mesmo sentido ensinava o Prof. A. dos Reis [Cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 141.], ao dissertar sobre esta temática e por cotejo com as contradições decorrentes de mero lapso material, que, no caso considerado no art.º 668.º, n.º 3, do CPC de 1939, - substancialmente similar ao art.º 668.º, n.º 1, al. c), do CPC actual -, «(…) a contradição não é apenas aparente, é real; o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.».
Esta doutrina mantém toda a actualidade, como se encontra reflectido, entre outros e a título meramente exemplificativo, no Ac. da 1.ª Secção, do STA, de 04-06-2009, tirado no processo n.º 0438/09 e onde e além do mais se consigna, com relevância à presente questão, que «Como é jurisprudência assente, esta nulidade só se verifica quando existe uma contraditoriedade lógico formal entre os pressupostos enunciados para a decisão e esta última (v. a título exemplificativo ac. do S.T.A. de 6/2/2007, rec. 575/06; ac. de 11/9/07 p.º 59/07).
Tal nulidade “reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência em termos tais que os fundamentos invocados pelo juiz devessem logicamente conduzir a resultado oposto ao expresso na decisão” (citado ac. de 11/9/07)».
Na situação dos autos, não existe qualquer elemento susceptível de suportar o exposto pelo Recorrente ao nível da invocada nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que a decisão recorrida produziu a sua análise sobre a matéria suscitada nos autos, sendo que em relação à crítica incisiva do Recorrente no que concerne à apreciação da prova, sem prejuízo de a avaliação do Tribunal poder, isso sim, estar inquinada de erro, não pode fundamentar, de maneira nenhuma, a invocada nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão.
Avançando, importa notar que o Recorrente começa por referir que nunca foi nomeado gerente e não existe qualquer deliberação da Assembleia Geral a nomear o recorrente como gerente, logo também nunca tal registo dessa (inexistente) nomeação constou da Conservatória do Registo Comercial, sendo que consta do fato provado n.º 18 da sentença, que na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães, o recorrente somente constava como sócio da sociedade comercial “JMP, & Ca, Lda”, com uma quota, da qual era aliás usufrutuário o seu pai JJMP, este sim sócio gerente da empresa e, não obstante, ainda que provada a gerência de direito do recorrente, que seguramente nunca existiu, continua a caber à entidade exequente provar que à designação, correspondeu o efectivo exercício da função, pois a lei é clara e não se basta, para responsabilizar o oponente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização, verificando-se que a responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores pelas dívidas das sociedades tem como pressuposto o exercício efectivo da gerência, não apenas de direito, mas também de facto, pelo que, para que o aqui recorrente fosse efectivamente responsabilizado por tais dividas à segurança social, necessário seria que a administração tributária tivesse feito prova daquela gerência de facto, como facto constitutivo do seu direito e não penas da existência de uma mera gerência de direito, que também nunca existiu.
Com todo o devido respeito, causa aliás enorme estranheza o facto do Tribunal “a quo” ter proferido a decisão recorrida no pressuposto da existência de uma presunção legal de gerência de fato sobre o recorrente, quando a jurisprudência largamente conhecida e maioritária aponta precisamente em sentido diverso. (a titulo de exemplo: Ac. do TCAN de 26-02-2015, processo n.º 00537/07.0BEPRT; Ac. do STA de 28.02.2007 processo n. 1132/06; Ac. do TCAN de 14/1/2010, Processo 00787/06; Ac. do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 08-04-2008, processo n.º 02334/08, Acórdão do STA de 21-09-2011, proc. n.º 0780/11, Ac. do STA de 11-03-2009, proc. n.º 0709/08, e Acórdão do TCA Norte de 14-01-2010, proc. n.º 00565/06.3BEBRG, todos disponíveis in www.dgsi.pt), motivo pelo qual o Tribunal “a quo” faz uma errada interpretação da lei e do Direito, violando o disposto nos art.º 23 e 24º da LGT.
Tal significa que se impõe ter presente a questão de saber se o Recorrente exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.
Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.
Sendo as dívidas exequendas provenientes de contribuições e cotizações para a segurança social, dos períodos de períodos 2001/01 a 2003/08, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.
Perante o que fica exposto, com referência ao caso dos autos, tem de dizer-se que incumbe à Segurança Social, na qualidade de exequente e titular do direito de reversão, o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o administrador/gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência de facto em conformidade com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos (artigo 342º, nº 1, do CC e artigo 74º, nº 1, da LGT). Deste modo, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efetivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus que recai sobre a administração tributária e só quem goza de uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350º, nº 1, do CC).
Nesta sequência, e com interesse neste âmbito, importa considerar o exposto no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 16-10-2013, Proc. nº 0458/13, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “… De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).
Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário» (No mesmo sentido ver também o acórdão de 23/1/2013, processo nº 0953/12.) sendo que, em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT). …”.
Com este pano de fundo, e tendo presente o teor do despacho de reversão, temos por adquirido que o presente recurso tem de proceder, dado que o despacho de reversão está inquinando por erro nos pressupostos de facto.
Na verdade, o aludido despacho menciona que o executado revertido / revertido iniciou as funções de gerência em 1996-01-01, fazendo-se apelo ao sistema de Identificação e Qualificação e a Certidão da conservatória do registo comercial, referindo-se depois que uma vez que a nomeação da gerência se encontra registada, esse registo constitui presunção legal de que essa situação jurídica existe nos precisos termos em que aí é definida.
Ora, quando se analisa a certidão da conservatória do registo comercial, fica-se, sem esforço, a saber que o Recorrente nunca foi nomeado gerente da sociedade devedora originária, o que significa que o exposto sobre esta matéria no despacho de reversão não tem correspondência com a realidade, ficando sem suporte a afirmação deste elemento no citado despacho, porquanto, se é verdade que a jurisprudência firmou-se no sentido de que o despacho de reversão não tem de conter os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, não deixa de ser necessário a indicação do pressuposto em causa, o que significa que o despacho de reversão não contém um dos elementos de que depende a reversão, não se tratando de falta de fundamentação, mas sim de falta de direito, dado que, sendo claro que um dos pressupostos descritos não tem suporte factual, não existem condições para fazer operar a reversão, o que conduz de imediato à procedência do presente recurso, com a presente fundamentação, o que acarreta a revogação da sentença recorrida e viabilização da presente oposição.
Fica prejudicada a apreciação do mais suscitado no âmbito do presente recurso.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, nesta sequência, julgar procedente a presente oposição e, deste modo, extinta a execução em relação ao Recorrente no que concerne à dívida descrita nestes autos (Contribuições para a Segurança Social, referentes aos períodos 2001/01 a 2003/08, no montante global de 1.287.679,37, sendo € 821.302,48 de quantia exequenda, e € 466.376,89 de acrescido).
Custas pelo Recorrido apenas em 1ª Instância.
Notifique-se. D.N..
Porto, 03 de Outubro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos