Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02287/22.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PASSAGEM DE CERTIDÃO
Sumário:I – Não resulta no caso restrição ao princípio de que «Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo» (artigo 5.º, n.º 1, da LADA).*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

Freguesia ... (Travessa ..., ... ..., ...), interpõe recurso jurisdicional de sentença proferida pelo TAF de Braga, que julgou procedente intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões intentada por AA (Estrada ..., ..., ... ..., ...).

Conclui a recorrente:

A. A Constituição da República Portuguesa consagra no seu artigo 268 o direito à informação nas suas duas vertentes: procedimental e extra-procedimental.
Trata-se de um direito ao nível dos direitos, liberdades e garantias, de igual natureza.
B. Nos presentes autos estamos perante a vertente extra-procedimental.
C. Os documentos cuja cópia o requerente solicita contêm informações que se subsumem à noção de documentos nominativos, v.g. as facturas, mas aos autos não junta, o requerente, autorização escrita dos titulares para aos documentos aceder.
D. É patente que “ab initio” deve o requerente fazer a demonstração perante a entidade requerida da existência do seu interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido, relevante.
E. O requerente nada alega, nada demonstra a não ser o facto de ter direito;
F. O requerente não pretende o acesso a um documento ou a um específico documento. O requerente pretende todas as facturas recebidas num período largo de meses sem demonstrar a razão ou fundamento.
G. Estamos perante uma perfeita e clara situação de abuso de direito – pedir todos os documentos recebidos pela entidade requerida durante três meses é um perfeito absurdo, um verdadeiro non-sense, que não cabe na previsão legal da norma.
H. A sentença recorrida laborou em erro porquanto lhe competia apreciar a decisão da entidade requerida face ao pedido formulado pelo requerente de pedir cópia, extracto, certidões de dezenas e talvez centenas de documentos sem um objectivo ou razão fundamentada.
I. A sentença erra quanto ao juízo de proporcionalidade exigido pelo artigo 6, nº 6 da lei 26/2006 de 22 de Agosto e do artigo 18 da CRP.
J. A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, fez uma errada interpretação e aplicação da lei, violando o disposto nos n.os 5, 6 e 9 do artigo 6 da Lei 26/2006 de 22 de Agosto e é inconstitucional pela violação do principio da proporcionalidade previsto no artigo 18, nº 1 e 2 e do art. 268 da CRP.
K. Não tendo intentado a acção até 28 de Outubro de 2022, dez dias após o seu último requerimento, e uma vez que a recorrente na sua resposta (mais de 30 dias após) nada negou, ocorreu a caducidade do direito do Autor.
Caducidade que é do conhecimento oficioso impondo a absolvição da instância da requerido.

O recorrido contra-alegou, concluindo:

1.Uma das condições para que o interessado possa fazer valer o seu direito à obtenção de informação ou a emissão de certidão é que tenha, primeiramente, efectuado um pedido à Administração e, de seguida, que tenha decorrido um determinado prazo, sem que tenha sido dado satisfação ao peticionado, seja por falta de resposta, seja por indeferimento do requerido;
2. O prazo de 20 dias de que dispunha o A. para instaurar a intimação em causa iniciou-se na data da notificação da resposta da Entidade recorrente ao referido pedido, isto é, no dia 14.11.2022, tendo apresentado o seu pedido judicial, no dia 05.12.2022, logo, tempestivamente;
3. No art. 5º da LADA consagra-se o direito de livre acesso (sem necessidade de enunciar qualquer interesse) aos documentos administrativos;
4. Aquele que requeira o acesso a esses documentos administrativos, não necessita de justificar ou fundamentar esse mesmo pedido com a titularidade interesse direto, pessoal, legítimo, contrariamente às “dúvidas” da entidade requerida;
5. Para que a Administração possa recusar o acesso aos documentos, não basta a invocação da existência do dito segredo; esta tem também que fundamentar a sua decisão, explicitando os concretos motivos para entender que os concretos documentos – especificando-os - revelariam dados confidenciais, não o tendo feito, e não se afigurando que dos documentos requeridos possam estar abrangidos pelo segredo;
6. Estão em causa facturas e recibos que, naturalmente, documentam a despesa – liquidada com dinheiros públicos - que terá sido acordada e programada em orçamento, que, com vista a acautelar a transparência da actividade administrativa, como regime regra, são qualificados pela LADA como documentos administrativos e, portanto, legalmente, qualquer interessado tem direito de acesso a essa documentação administrativa, não tendo que comprovar a existência de qualquer interesse individual e específico;
7. A alegação de desproporcionalidade e exercício abusivo do direito à informação deve alicerçar-se em factos concretos, também, alegados pela requerida, ou em factos notórios, de conhecimento oficioso; e
8. Não é manifesto que a pretensão intimatória do recorrido imponha um esforço desmesurado ou hercúleo para a recorrente, quer quanto ao fornecimento das informações solicitadas, quer quanto ao fornecimento de cópias dos documentos, quer porque não é facto notório que estejam em causa “milhares de documentos”, “centenas de ficheiros” ou a “paralisação dos serviços”, quer porque a recorrente nada alegou de concreto que permita fincar convicção nesse sentido, nada alega, quanto ao número de facturas, recibos, procedimentos ou contratos em causa.
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A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA não emitiu parecer.
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Estando legalmente dispensados vistos, cumpre decidir.
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Os factos, que na decisão recorrida vêm julgados como provados:
1. Em 14.10.2022, o Requerente dirigiu ao Presidente da Junta da Entidade Requerida um requerimento a solicitar documentos.
- Cfr. documento n.º ... junto com o requerimento inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. Consta do requerimento referido no ponto anterior, entre o mais, o seguinte:

Exmo. Sr. Presidente, da Junta de Freguesia ...,
Eu, AA, C.C. n° ..., residente na Estrada ..., ..., código postal ..., venho por este meio solicitar, ao abrigo da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, os seguintes documentos:
• faturas recebidas pela junta de freguesia desde 18 de outubro de 2021 até 31 de dezembro de 2021 (conforme requerimento efetuado em 03/01/2022);
• comprovativo dos pagamentos efetuados desde 18 de outubro de 2021 até 31 de dezembro de 2021 (conforme requerimento efetuado em 03/01/2022);
• protocolos assinados desde 18 de outubro de 2021 até 31 de dezembro de 2021 (devendo expurgar a informação de acordo com a RGPD, caso exista) (conforme requerimento efetuado em 03/01/2022);
• saldo bancário das contas cujo titular é a Junta de Freguesia ... em 18 de outubro de 2021 e em 31 de dezembro de 2021 (conforme requerimento efetuado em 03/01/2022);
• faturas recebidas pela junta de freguesia desde 01 de Janeiro de 2022 até 30 de setembro de 2022;
• comprovativo dos pagamentos efetuados entre 01 de janeiro de 2022 e 30 de setembro de 2022;
• protocolos assinados desde 1 de janeiro de 2022 até 30 de setembro de 2022 (devendo expurgar a Informação de acordo com a RGPD, caso exista);
• contratos assinados entre 18 de outubro de 2021 e 30 de setembro de 2022 (devendo expurgar a informação de acordo com a RGPD, caso exista);
• editais entre 28 de abril de 2022 e 30 de setembro de 2022; […]”.
- Cfr. documento n.º ... junto com o requerimento inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. Em 14.11.2022, a Junta da Entidade Requerida, na sequência do requerimento a que se alude nos pontos 1. e 2., comunicou ao Requerente que os documentos que podem ser publicitados estão para consulta na sua página da internet e que as datas e valores das faturas apresentadas foram consultados na Assembleia e não podem ser facultados.
- Cfr. documento n.º ... junto com o requerimento inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Consta da comunicação referida no ponto anterior, entre o mais, que:
A Junta de Freguesia ..., recebido o seu requerimento, vem, em resposta, dizer-lhe:
1.º Todos os documentos que podem ser publicitados por esta Junta de Freguesia estão para consulta na própria página da internet da Freguesia .... Lá pode V. Exª consultá-los.
2.º As faturas (datas e valores) apresentados à Assembleia de Freguesia foram consultados na Assembleia. Em face da lei de protecção de dados não podem ser facultados a quem, como V. Exª, não desempenha nenhum cargo público na Freguesia.”.
- Cfr. documento n.º ... junto com o requerimento inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. Na página da internet da Junta da Entidade Requerida encontram-se disponíveis para consulta os editais das reuniões de 27.01.2022 a 28.04.2022.
- facto não controvertido – cfr. artigo 17.º do requerimento inicial.
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A apelação
O tribunal “a quo” julgou improcedente suscitada “exceção de intempestividade da prática do ato processual”.
Para suportar a afirmação de erro quanto a esta questão, alinha a recorrente que (cfr. corpo de alegações):
«(…)
relativamente ao ofício/resposta da Freguesia requerida de 13 de Novembro (enviada a 14 de Novembro), a requerida não negou qualquer direito ao requerente, antes respondeu positivamente:
− Os editais estão editados porque o são, editais;
− Os documentos peticionados estão publicados no site da Freguesia.
Assim,
Erra a sentença ao julgar que a acção entrou tempestivamente.
De facto, o prazo de 20 dias só se conta relativamente à falta de resposta da Administração ou À resposta negativa.
No caso dos autos,
a Freguesia, a Administração respondeu positivamente e cabia ao requerente provar, alegar e provar, o que nunca fez, que a página, o site da Freguesia não controla a informação e os editais não tinham sido afixados, isto é, não havia editais,
Ora,
o requerente até junta à sua resposta os editais.
Deve dizer-se, ainda, que o requerente,
não pode pedir, nem a freguesia pode fornecer cópia de documentos que estão apresentados em processos judiciais crime. No caso há processos crime, inquéritos contra o requerente (membro que foi do anterior executivo) relativamente a obras, gastos, pagamentos irregulares (ilegais), etc.
(…)».
O tribunal “a quo” entendeu que “o prazo de 20 dias de que dispunha o Requerente para instaurar a intimação em causa iniciou-se na data da notificação da resposta da Entidade Requerida ao referido pedido, isto é, no dia 14.11.2022” e que, segundo contagem contínua, “o prazo para a instauração da presente intimação terminou no dia 03.12.2022 (sábado), transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, para dia 05.12.2022”.
Nos termos do disposto no artigo 105.º, n.º 2, do CPTA, «Quando o interessado faça valer o direito à informação procedimental ou o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, a intimação deve ser requerida no prazo de 20 dias, a contar da verificação de qualquer dos seguintes factos:
a) Decurso do prazo legalmente estabelecido, sem que a entidade requerida satisfaça o pedido que lhe foi dirigido;
b) Indeferimento do pedido;
c) Satisfação parcial do pedido».
A tempestividade é aferida: (i) por um termo inicial; (ii) pelo qual se desencadeia contagem de prazo; (iii) até termo final.
Nenhum erro de julgamento pode ser detectado com base nas razões avançadas pela recorrente, quando nelas nada conflui para o alimento desta fórmula, imperturbada.
Posto isto, vendo agora de fundo.
Com a delimitação das conclusões de recurso.
O requerente pediu nos autos a intimação da agora recorrente a facultar-lhe certidão dos seguintes documentos:
- faturas recebidas pela junta de freguesia desde 18 de outubro de 2021 até 31 de dezembro de 2021 (conforme requerimento efetuado em 03/01/2022);
- comprovativo dos pagamentos efetuados desde 18 de outubro de 2021 até 31 de dezembro de 2021 (conforme requerimento efetuado em 03/01/2022);
- protocolos assinados desde 18 de outubro de 2021 até 31 de dezembro de 2021 (devendo expurgar a informação de acordo com a RGPD, caso exista) (conforme requerimento efetuado em 03/01/2022);
- saldo bancário das contas cujo titular é a Junta de Freguesia ... em 18 de outubro de 2021 e em 31 de dezembro de 2021 (conforme requerimento efetuado em 03/01/2022);
- faturas recebidas pela junta de freguesia desde 01 de janeiro de 2022 até 30 de setembro de 2022;
- comprovativo dos pagamentos efetuados entre 01 de janeiro de 2022 e 30 de setembro de 2022;
- protocolos assinados desde 1 de janeiro de 2022 até 30 de setembro de 2022 (devendo expurgar a informação de acordo com a RGPD, caso exista);
- contratos assinados entre 18 de outubro de 2021 e 30 de setembro de 2022 (devendo expurgar a informação de acordo com o RGPD, caso exista);
- editais entre 28 de abril de 2022 e 30 de setembro de 2022.
No enquadramento do tribunal “a quo”, além de outras referências normativas feitas, norteou (do que a recorrente não diverge, expressamente admitindo estar em causa um direito de informação na sua “vertente extra-procedimental”): “O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, independentemente de procedimento administrativo, conhecido como direito à informação não procedimental, foi recebido pelo legislador ordinário, atualmente, na Lei 26/2016 de 22 de agosto (princípio da administração aberta)” [LADA].
Nos termos do artigo 5.º, n.º 1, da LADA, «Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo».
O princípio de acesso não é absoluto.
Ressalva-se no art.º 6º (“Restrições ao direito de acesso”):
«1 - (…)
2 - (…)
3 - (…)
4 - (…)
5 - Um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos:
a) Se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder;
b) Se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.
6 - Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.
7 - (…)
a) (…)
b) (…)
c) (…)
8 - Os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada.».
A recorrente opina que estamos perante documentos nominativos, sem o requerente estar munido da referida autorização ou ser portador do aludido interesse; faz também referência a essa necessidade face a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa.
Sem razão.
A decisão recorrida discorre:
«A propósito do acesso a documentos com informação contabilística e financeira, como se pronunciou a CADA, os mesmos são, exceto alguma situação especificada, de acesso livre (cfr. parecer da CADA n.º 157/2022, de 20.04.2022, proferido no processo n.º 47/2022, disponível para consulta em www.cada.pt/pareceres).
Com efeito, os comprovativos de pagamentos efetuados, os saldos das contas bancárias da Junta da Entidade Requerida e as faturas recebidas pela referida Junta são de acesso livre, nos termos do disposto nos artigos 17.º do CPA e 5.º, n.º 1, da LADA.
Quanto aos contratos celebrados e aos protocolos assinados pela Junta da Entidade Requerida, estamos também perante documentação de acesso livre, sendo que o princípio da transparência exige que, por neles estarem envolvidas verbas ou bens públicos, estes possam ser conhecidos pelos cidadãos em geral, com vista a que os mesmos consigam conhecer as opções tomadas (cfr. parecer da CADA n.º 317/2022, de 14.09.2022, proferido no processo n.º 501/2022, disponível para consulta em www.cada.pt/pareceres).
Por fim, os editais constituem um instrumento legal para divulgação de atos oficiais da Administração Pública ou assuntos de interesse público, os quais devem ser publicitados, sendo de acesso livre e generalizado.
Não obstante o exposto relativamente aos documentos solicitados, cumpre referir que os dados pessoais eventualmente constantes dos mesmos e que sejam irrelevantes para a tomada da decisão administrativa (não o nome, que é, neste caso, um elemento essencial à transparência, mas, por exemplo, os números de identificação civil e fiscal, a morada e os números de contacto) não são de acesso livre e, como tal, devem ser expurgados dos respetivos documentos pela Entidade Requerida, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 8, da LADA.
Assim sendo, verifica-se que no caso concreto se encontram preenchidos os requisitos de que depende o acesso aos documentos administrativos solicitados: por um lado, a documentação em causa não implica qualquer restrição de acesso, tendo sido requerida por escrito e, por outro, a forma de acesso requerida respeitou as formas previstas na LADA para o efeito.».
Tem a contrariedade da recorrente.
Mas limita-se a isso, sem análise crítica que demonstre erro de julgamento.
O art.º 3º, n.º 1, b), da LADA define como «'Documento nominativo', o documento que contenha dados pessoais, na aceção do regime jurídico de proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados».
Nos termos do REGULAMENTO (UE) 2016/679 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 27 de abril de 2016 relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados), entende-se por: “«Dados pessoais», informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular”.
Tanto quanto decorre, não há relato factual que faça concluir que estejamos algum documento nominativo.
De qualquer forma - e pelo menos quanto a uma parte dos documentos em causa (e possa imaginar-se - o que não é de fácil projecção - algum conteúdo de “dados pessoais”), também não deverá ser esquecido que “Os dados pessoais que constem de documentos oficiais na posse de uma autoridade pública ou de um organismo público ou privado para a prossecução de atribuições de interesse público podem ser divulgados pela autoridade ou organismo nos termos do direito da União ou do Estado-Membro que for aplicável à autoridade ou organismo público, a fim de conciliar o acesso do público a documentos oficiais com o direito à proteção dos dados pessoais nos termos do presente regulamento” (art.º 86º do cit. Regul.); nesta ponderação, e à míngua de outros factores, o acesso público não terá objecção [“O direito à proteção de dados pessoais não é absoluto; deve ser considerado em relação à sua função na sociedade e ser equilibrado com outros direitos fundamentais, em conformidade com o princípio da proporcionalidade.” – considerando (4) do cit. Regul.].
E sempre a Lei n.º 58/2019, de 8/8, manda que “O acesso a documentos administrativos que contenham dados pessoais rege-se pelo disposto na Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto” (art.º 26º).
Também não estão em confronto documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa.
Pelo que a restrição de acesso, por um ou outro motivo, não ocorre; donde, sequer se coloca em plano operativo a carência dos requisitos que a derrogam, de autorização ou interesse.
A recorrente aponta ofensa ao princípio da proporcionalidade/um abuso de direito.
Efectivamente, dita a lei que o acesso é assegurado de acordo com os demais princípios da atividade administrativa, designadamente o princípio da proporcionalidade (art.º 2º, nº 1, da LADA).
Acontece que o que a recorrente arvora nem preenche as hipóteses em que a própria LADA positivamente abriga esse princípio, nem de geral se vê que a proporcionalidade saia ofendida; neste sentido, se “não é o facto de estar em causa a consulta de milhares de documentos e registos contabilísticos que interfere com o acesso à consulta de documentos apenas podendo tornar mais penosa a consulta” (Ac. do STA, de 09-02-2017, proc. n.º 01206/16), menos na particular situação se justifica um clamor de desproporção; portanto, sem nota do abuso que por aí a recorrente assenta.
Conforme aos ditames constitucionais, foi feita sã aplicação de direito (mormente da Lei 26/2016 de 22 /08, sendo claro lapso da recorrente a referência à Lei “26/2006 de 22 de Agosto”).
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.
Porto, 10 de Março de 2023.

Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa