Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03723/10.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/25/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
CULPA NA INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO
Sumário:I) A lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
II) Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
III) O facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente, o que significa que incumbindo ao oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhe pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, temos que o probatório não contempla matéria susceptível de permitir uma percepção da realidade em termos de se afirmar que o Recorrente não é responsável pela falta de pagamento da liquidação que constitui a dívida exequenda, sendo que se trata de um elemento, que teria de explicitado e desenvolvido em termos de evidenciar o comportamento da sociedade executada e dos seus gerentes em termos de se poder afirmar que fizeram tudo para o cumprimento das respectivas obrigações, tendo esgotados todos os meios para o efeito.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:H...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
H..., devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 22-11-2017, que julgou improcedente a pretensão por si deduzida no âmbito da presente instância de OPOSIÇÃO relacionada com o processo de execução fiscal n.º 3468 2006 0100 1302 e apensos, no qual figura como devedora originária a sociedade S… & COMPANHIA, LDA., e contra si revertida, por dívidas relativas a IVA de 2005 e 2006 e IRC de 2003, no valor de € 6.842,99.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 276-283), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
I. Considera-se, salvo o devido respeito, incorretamente julgada a alínea a) dos Factos Não Provados, porquanto se acredita que a mesma deveria ter sido dada como provada, bom como se deveria ter considerado provado que o recorrente agiu como um bom pai de família, não tendo culpa alguma na insuficiência económica da devedora original, pelo que, ao julgar improcedente a oposição à execução fiscal, a Tribunal à quo violou o art. 24.º da LGT.
II. Efetivamente, foi feita, tanto através de prova documental como em sede de inquirição de testemunhas, prova de que o Recorrente tudo fez para salvaguardar a viabilidade financeira da sociedade comercial de que era sócio, não tendo culpa alguma pelo não pagamento da dívida fiscal em causa nos autos.
III. Ao contrário do que consta da motivação da sentença recorrida a testemunha disse muito mais do que lhe imputa a sentença, tendo afirmado expressamente factos que a sentença refere que o mesmo não afirmou.
IV. A testemunha A..., empregado de escritório da empresa e responsável pela contabilidade da devedora, logo ao minuto 02:02 do seu depoimento, esclareceu que, nos últimos anos da contabilidade, “a quantidade de faturas de vendas, de pagamentos, realmente vinham cada vez a ser menos.”, explicando, ainda, ao minuto 02:11 desse mesmo depoimento que a empresa tinha “Menos entradas de dinheiro, menos faturação, menos capacidade para pagar algumas dívidas inerentes à atividade.”, justificando ao minuto 02:38 do seu depoimento que “Os sócios diziam que havia dificuldades em vender, concorrência, prontos, era essa basicamente a informação que eu tenho”.
V. Embora por poucas palavras, a testemunha confirmou, que, em razão das dificuldades de venda, atenta a concorrência, nos últimos anos de faturação, o volume de vendas diminuiu e que isso levou à perda de capacidade para pagar dívidas inerentes à atividade.
VI. A este ponto, importa ainda acrescentar, lançando mão de factos que são do conhecimento público, que as dificuldades financeiras da sociedade comercial devedora originária são contemporâneas á industrialização em Portugal do sector do mobiliário, com a chegada de marcas como a Moviflor em 2001 e a IKEA em 2007.
VII. De facto, a redução de clientela não é uma situação abrupta e repentina mas gradual e que se arrasta por alguns anos, sendo que, como nos afirma a já identificada testemunha ao minuto 07:43 do seu depoimento, “esta situação reporta-se a 2005 ou 2004”, sendo que, como já antes havia explicado a testemunha ao minuto 04:32 do seu depoimentos, os sócios tentaram tudo para salvar a empresa, mas nos últimos dois, três anos as coisas foram-se degradando.
VIII. Se nem a Moviflor, cadeia de lojas muito conceituada em Portugal e Angola, resistiu a chegada da IKEA a Portugal, acabando por ser declarada Insolvente, como poderia a empresa de que o recorrente era sócio resistir à concorrência?
IX. Por outro lado, provada que está a diminuição de faturação e demonstrada que está a principal causa dessa perda de negócio, temos que considerar que a culpa a que se refere o art.º 24, n.º1, da L.G.T., deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto.
X. Não pretende o recorrente questionar o ónus da prova que lhe cabia, e a que se refere a sentença recorrida, mas tão-somente impugnar o grau de exigência desse mesmo ónus, porquanto, mais do que impor ao recorrente o ónus da prova de um facto negativo, o Tribunal a quo, fá-lo com um grau de exigência tal, que chega mesmo a esvaziar de sentido útil a norma legal que lhe serve de suporte, já que era humanamente impossível alegar e provar a qualquer pessoa todos os detalhes que lhe foram exigidos em sede de sentença, muito menos, depois de anos.
XI. Para além de que o próprio processo de Insolvência da devedora original, implicou a entrega da contabilidade da Insolvente ao Administrador de Insolvência nomeado, pelo que, o Recorrente não tinha na sua posse elementos que lhe permitissem alegar e provar tudo aquilo que o Tribunal à quo lhe exigia.
XII. Em do mais, se o Tribunal considerava essencial a alegação e subsequente prova de todos os factos que refere na sentença recorrida, uma vez que tais factos não estavam discriminados no requerimento inicial, sempre deveria ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento, no tocante à alegação de factos integradores da causa de pedir, cfr. artigo 590º nºs 2 e 3 do NCPC, aplicável ex vi artigo 2º alínea e) do CPPT.
XIII. Pelo exposto, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a atuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em atos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos, seguindo um processo lógico da prognose póstuma.
XIV. O ato ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido, outrossim, o que se presume é que o gestor não atuou com a diligência de um “bonus pater familiae”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade – cfr. a título de exemplo o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06-04-2017, proferido no âmbito do Processo n.º 456/13.1BELLE, publicado em www.dgsi.pt.
XV. No caso concreto, ao minuto 03:00 do seu depoimento, a testemunha atrás identificada, quando questionada sobre as medidas que os sócios tomaram para evitar o agravamento da situação financeira da empresa, refere que “a dada altura deixaram…eram processados ordenados e não os recebiam” , ou seja, como esclarece ao minuto 03:24 do seu depoimentos, “(os ordenados) eram processados porque legalmente tinham que ser processados porque eram gerentes da firma, tinham ordenado atribuído”, mas os gerentes, nomeadamente o aqui recorrente, abdicaram da própria retribuição para poder pagar outras dívidas, já que acreditaram que a situação seria reversível, mas acabaram por estar durante dois ou três anos sem receber retribuição – cfr. declarações da testemunha ao minuto 04:27 do seu depoimento.
XVI. Acima de tudo, explica-nos a testemunha que na contabilidade nada indiciava que possa ter havido uma gestão danosa até porque a empresa apresentou-se à Insolvência por decisão do Sr. H…, ou seja, do aqui recorrente – cfr. declarações da testemunha ao minuto 08:15.
XVII. Resumindo, o aqui recorrente, abdicou da sua própria retribuição, trabalhando a título gratuito durante anos, sempre com o intuito de conseguir recuperar a saúde financeira da empresa, tudo fazendo para resistir à concorrência, mas tendo a sensatez de, como bom gestor e bom pai de família, assumir a derrota no momento certo, reconhecendo que já nada poderia ser feito, apresentando-se à Insolvência sem que a mesma tivesse sido considerada culposa.
XVIII. Por tudo o exposto, apenas se pode considerar que o recorrente alegou e provou que agiu como um bom pai de família e como um bom gestor, razão pela qual a insuficiência financeira da devedora para fazer face às suas dívidas, apenas se ficou a dever a condições exógenas, não imputáveis ao seu sócio gerente.
Nestes termos, concedendo provimento ao presente recurso, revogando a Douta Decisão recorrida e substituindo-a por outra que julgue totalmente procedente por provado a Oposição à reversão fiscal, Exas., farão, como sempre, INTEIRA JUSTIÇA!”

A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, apreciar o apontado erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto e ainda indagar da matéria da culpa do Oponente na insuficiência do património societário para fazer face às dívidas tributárias descritas nos autos.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A. No Serviço de Finanças de Gondomar 2 foram instaurados os processos de execução fiscal n.º 3468 2006 0100 1302 e apensos contra a sociedade S… & COMPANHIA, LDA, para cobrança das dívidas relativas a IVA de 2005 e 2006 e IRC de 2003, no valor de € 6.842,99 – cfr. fls. 155 do processo físico.
B. Em 30.09.2010, no âmbito do processo de execução fiscal em causa foi proferida “Informação” com o seguinte teor - cfr. fls. 165 do processo físico:
Processo de Execução Fiscal n.° 3468200601001302 e Aps
Executada: S… & CIA Lda.
SEDE: Rua…- Rio Tinto
NIPC – 5…
INFORMAÇÃO
1. Contra a firma S… & CIA LDA., NIF 5…, com sede na Rua…- Rio Tinto, corre termos o processo de execução fiscal supra mencionado, por dívidas de IVA relativas aos anos de 2005 e 2006 e por dívidas de IRC relativas ao ano de 2003.
2. Em consulta a visão do contribuinte no sistema informático MGIT e a certidão da Conservatória do Registo Comercial de Gondomar, constata-se que o Sujeito Passivo iniciou a actividade de 031091 fabricação de mobiliário de madeira para outros fins em 01- 09-1992, e que a mesma se encontra encerrada desde 31-05-2006 pelo motivo constante do art.33° n°1 b) em sede de IVA, não se encontra encerrada, nem dissolvida até à presente data.
3. Após consulta ao sistema informático CEAP (Cadastro Electrónico de Activos Penhoráveis) e do SIPA (Sistema Informático de Penhoras Automáticas), verifica-se que a executada, devedora originária, não possui na sua esfera jurídica quaisquer bens penhoráveis.
4. Em conformidade com o plasmado na alínea b), do n.° 2, do artigo 153.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) estão reunidos os pressupostos legais para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários.
5. Conforme o teor da certidão do Registo Comercial do Porto, do contrato de constituição de sociedade e declaração de inicio de actividade, e por serem administradores à data dos factos geradores ou à data limite de pagamento pela alínea b) do n°1 do art.24° da LGT (Lei Geral Tributária), os responsáveis subsidiários pelas dívidas do presente processo de execução fiscal são:

Nome
Cargo
N.I.F.
Início
Gerência
Fim
Gerência
Observações
H…
Sócio
Gerente
1…
01/09/1992
Nada
Consta
Conforme Certidão da
Conservatória
Comercial
J…
Sócio
Gerente
1…
01/09/1992
Nada
Consta
Conforme Certidão da
Conservatória
Comercial

6. O valor da dívida titulada pelo processo em epígrafe ascende a € 6.842,99 (quantia exequenda) e acrescido:
Imposto Per.° Importância Dt. Obrig.
1 IVA 2005 €2.434,13 12/12/2005
2 IVA 2006 € 97,85 10/04/2006
3 IVA 2005 € 1.656,55 10/02/2006
4 IVA 2006 €285,50 10/03/2006
5 IVA 2005 €630,88 10/01/2006
6 IRC 2003 € 1.738,08 26/12/2007

7. Conforme o instituído no artigo 22.° da Lei Geral Tributária (LGT), a responsabilidade tributária pode abranger subsidiariamente outras pessoas para além dos sujeitos passivos originários.
8. Nos termos do artigo 23.° e 24.° da LGT a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal contra os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados.
9. É pressuposto da responsabilidade subsidiária, e esta ocorre quando, a falta de pagamento das dívidas tributárias é imputável às pessoas com funções de administração ou gestão, cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, pertencendo o respectivo ónus da prova de que essa falta de pagamento não é imputável ao próprio contribuinte revertido, conforme o disposto nos artigo 24, n° 1 al. b), 73.° e 74.° da LGT.
10. No caso das dívidas por coimas, a responsabilidade subsidiária dos gerentes encontra fundamento legal no artigo 8.° do Regime Geral das infracções Tributárias (RGIT).
11. Nos termos do n.° 1, do artigo 160.° do CPPT a reversão deve ser efectuada contra todos os responsáveis subsidiários.
Nos termos expostos, considero, salvo melhor entendimento, estarem reunidas as condições legais para se operar a reversão do processo executivo à margem melhor identificado contra os sócios gerentes acima melhores identificados, presumíveis responsáveis subsidiários, com os fundamentos já explicitados, se assim for igual e superiormente entendido.
À consideração superior.
Serviço de Finanças de Gondomar 2 em 30 de Setembro de 2010.
O escrivão
C. Em 30.09.2010, pelo Chefe de Finanças de Gondomar 2 foi proferido “Despacho” que determinou a preparação do processo para reversão da execução contra o oponente – cfr. fls. 167 do processo físico.
D. Com data de 30.09.2010, pelo Serviço de Finanças de Gondomar 2 foi remetida, via correio registado, carta de “Notificação – audição prévia (reversão)” dirigida ao oponente – cfr. fls. 12 a 16 do processo físico.
E. Em 18.10.2010, deu entrada no Serviço de Finanças de Gondomar 2 requerimento do oponente dirigido ao Chefe daquele serviço com o seguinte teor – cfr. fls. 17 e ss. do processo físico:

V/ref.: Oficio n.° 10198
Proc. N.° 3468200601001302
Executada: S… & CIA, LDA.
NIF/NIPC: 5…

H..., titular do número de identificação fiscal, n.° 1…e com residência na Rua…- Baguim do Monte, 4435-819 Baguim do Monte, sócio gerente da Executada ‘S… & CIA, LDA”, nos autos supra referenciados, notificado na qualidade de Responsável Subsidiário pela dívida exequenda, para o exercício do direito de audição prévia quanto à intenção de reverso contra si da execução, vem apresentar
DIREITO DE AUDIÇÃO
ao abrigo do art. 23.°, n.° 4 e 60.°, da LGT , nos seguintes termos:
1. No órgão de execução fiscal competente, foi instaurado um processo de execução fiscal contra a devedora originária (a Executada) para pagamento coercivo de dívidas de impostos IVA e IRC (docs. n.°s 1 e 2).
2. Legalmente, constatada a falta de bens penhoráveis no património da Executada, a Fazenda Pública pretende agora reverter contra o ora Requerente a execução fiscal relativa a uma dívida de que é responsável a devedora originária.
Todavia,
3. Pelo que se passará a explicar, não deverá ser responsabilizado, o aqui Requerente, subsidiariamente, pelas dívidas da sociedade aqui Executada.
4. Importa ainda esclarecer, que, no projecto de decisão de reverso contra o aqui Requerente, é afirmado que a referida Executada, encontra-se encerrada desde 31.05.2006, pelos motivos constantes do art.° 33.°, n.° 1 alínea b) do CIVA, cfr. doc. junto sob o n.° 2.
5. Assim, é também certo que a sociedade Executada foi declarada insolvente por sentença de 01/10/2010, encontrando-se assim dissolvida, nos termos do previsto no art.° 141.°, n.° 1 alínea e) do Código das Sociedades Comerciais, cfr. doc junto sob o n.° 3, contrariamente ao que é sofismado no já referido projecto de reverso.
6. Tratou-se de uma insolvência de carácter limitado, com as consequências inerentes em termos de ausência de apuramento dos bens e dos créditos da Executada e consequente inexistência da sua venda e cobrança.
7. Assim, por insuficiência e inexistência de bens na esfera patrimonial da devedora originária, este constituiria um pressuposto de obrigação de responsabilidade subsidiária do sócio gerente (ora Requerente).
8. Porém, in casu, foi instaurado no serviço de finanças de Gondomar, o processo de execução fiscal contra aqui Executada, por dívidas de IVA e IRC, que pretendem fazer reverter contra o ora Requerente, no montante de €6.842,99 (seis mil oitocentos e quarenta e dois euros e noventa e nove cêntimos) (cf. doc. n. 2 e certidões de divida, doc. nº 1).
9. Sempre se dirá que o aqui Requerente tudo fez para tentar obter a viabilidade da referida Executada, tendo os sócios gerentes inclusive deliberado, em Fevereiro de 2006 que deixavam de ser definitivamente remunerados tendo em conta a incapacidade financeira da Executada, cfr. doc. n.° 4 e o facto de, já desde Agosto de 2002 não conseguirem receber as suas remunerações.
10. Todavia, e apesar de todos os esforços em tentar “salvar” economicamente a referida Executada, a verdade é que por dificuldades económicas, designadamente diminuição da carteira de clientes, no pagamento por parte de clientes, dívidas ao Estado e a fornecedores, quer ainda por desentendimentos entre os dois sócios gerentes, teve a Executada que cessar a sua actividade em 31.05.2006.
11. Sobretudo porque em 16/11/2005, como consequências das dívidas fiscais da Executada viu ser-lhe penhorados pela Fazenda Pública todos os seus bens, nomeadamente, as máquinas essenciais à sua laboração, incluindo um direito de trespasse, cfr. doc. n.° 5.
12. Acontece que, tais bens foram colocados à venda pelo valor de €29.581,53 (vinte e nove mil quinhentos e oitenta e um euros e cinquenta e três cêntimos), sendo no entanto rematados pela “simbólica” quantia de €5.700,00 (cinco mil e setecentos euros), cfr. doc. n.° 6 e 7.
13. Factos a que o aqui Requerente não pôde obstar.
14. Por outro lado, é necessário dizer, que o aqui Requerente é beneficiário de uma pensão de reforma no valor de €554,86 (quinhentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e seis cêntimos), cfr.doc. que desde já se protesta juntar sob o n.° 8.
15. Sendo-lhe penhorado pela Fazenda Pública e ainda por causa de uma outra reversão por dívida fiscal da aqui Sociedade Executada, o valor de €91,34 (noventa e um euros e trinta e quatro cêntimos), encontrando-se a auferir por mês o valor de €463,52, (doc. n.° 9).
16. Importa referir que relativamente à penhora efectuada a cargo do processo de execução fiscal n.° 3468200201502077, (doc. n.° 9), sobre a penso de reforma auferida pelo aqui Requerente terá de se atender ao prescrito nos vários números do art. 824.° do C. P. Civil.
17. Na verdade, nos termos do ri.0 1 da alínea a) do art. 824.° do C.P. Civil, o executado tem de ficar para si com o valor equivalente a um salário mínimo nacional.
18. Nesta conformidade prescreve a alínea a) do n.° 1 do artigo 824.° do CPC que são impenhoráveis;
“Dois terços do vencimento, salários ou prestações de natureza semelhante, auferidos pelo executado”.
19.° Por seu lado, refere expressamente o n.° 2 do art. 824.° do CPC que:
“A impenhorabilidade prescrita no número anterior tem (...) como limite mínimo, (...), o montante equivalente a um salário mínimo nacional”.
20.° Pelo que se expôs, fácil é de concluir que a lei refere expressamente que incidindo a penhora sobre o salário, não pode nunca o executado, neste caso o aqui Requerente, ficar para si, com menos do que o valor correspondente ao salário mínimo nacional mensal.
21.° Na verdade o oponente aufere no ano de 2010, pensão de reforma mensal de € 463.52 (quatrocentos e sessenta e três euros e cinquenta e dois cêntimos).
22.° Ora, sendo o salário mínimo nacional no ano de 2010 de € 475.00, e a lei apenas excepcionando a penhora da pensão de reforma do oponente até à quantia do salário mínimo nacional de (€ 475,00) neste ano, tal significa que já não era lícito penhorar ao ora oponente a quantia de € 11,48, (onze euros e quarenta e oito cêntimos), por conta da referida penhora.
23.° Mais se dirá que a este título, ao aqui Requerente nada mais poderá ser penhorado.
24.° Pelo exposto é imperativo excluir a possibilidade da dívida exequenda reverter a favor do aqui Requerente.
25.° O Requerente solicitou junto do Instituto da Segurança Social o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo, bem como, atribuição de agente de execução, conforme documento que aqui se anexa sob o n.° 10.
E em face do exposto, formula-se o seguinte
PEDIDO:
Não deverá ser decretada a reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, “in casu”, H..., o então sócio gerente da executada S… & CIA, LDA.
Requer-se a produção da seguinte prova testemunhal:
- A…, residente na Avenida…, 4590-509 Paços de Ferreira.
PROTESTA JUNTAR: No prazo de oito dias o doc. n.° 8.
JUNTA: Nove documentos e duplicados legais.
F. Em 26.10.2010, pelo escrivão do Serviço de Finanças de Gondomar 2 foi elaborada “Informação” com o seguinte teor – cfr. fls. 35 e ss. do processo físico:

Processo de Execução Fiscal n.° 3468200601001302 e Aps
Executada: S… & CIA Lda.
SEDE: Rua…- Rio Tinto
NIPC – 5…
TERMO DE JUNTADA
Aos vinte e cinco de Outubro de 2010 juntei aos presentes autos o requerimento apresentado pelo contribuinte H..., na qualidade de responsável subsidiário em resposta à notificação de audição prévia, previsto no nº 4 do art.° 23° da LGT, conjugado com o art.° 60° do mesmo diploma, o que fez nos seguintes termos:
• Afirma que a sociedade Executada se encontra encerrada desde 31/05/2006 pelos motivos constantes do art.° 33 n°1 al. b) do CIVA e que a mesma foi declarada insolvente, insolvência esta de carácter limitado, por sentença de 01/10/2010 encontrando-se assim dissolvida.
• Refere que sendo a insolvência de carácter limitado a insuficiência e inexistência de bens na esfera patrimonial da devedora originária constituiria um pressuposto de obrigação de responsabilidade subsidiária do revertido.
• Salienta que o aqui revertido tudo fez para tentar obter a viabilidade da executada tendo os sócios gerentes deixado de receber remunerações desde Agosto de 2002.
• Enumera alguns dos factos que levaram à inviabilidade da executada e que o revertido não pôde obstar.
• Explica ainda que o aqui revertido beneficia de uma pensão de reforma no valor de € 554,86, mas que se encontra a auferir por mês € 463,52 pois é lhe penhorado pela Fazenda Pública € 91,34 pela reversão de um outro processo de execução fiscal.
• Alega que o valor da pensão de reforma mensal é impenhorável de acordo com o art.824° n°2 do CPC.
• Conclui que face ao exposto é imperativo excluir a possibilidade da divida exequenda reverter a favor do revertido.
• Requer prova testemunhal.
INFORMAÇÃO
Muito embora esteja a executada insolvente, a insolvência é de carácter limitado e como já foi exposto anteriormente, não se produzem quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência, conforme o disposto na al. a) do art. 39 do CIRE, assim sendo, tal como foi dito pela ilustre mandatária do revertido H… no n° 7 do articulado do Direito de Audição Prévia “por insuficiência e inexistência de bens na esfera patrimonial da devedora originária, este constituiria um pressuposto de obrigação de responsabilidade subsidiária do sócio gerente”. E assim é do entendimento deste Serviço de Finanças, pois mesmo que os gerentes tenham tentado a viabilidade da executada as dificuldades económicas da empresa não são motivo atendível para que os gerentes não sejam revertidos. São os gerentes que exteriorizam a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através das quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos; a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes que lhe estão investidos permitam uma actuação determinante na condução da sociedade.
Constituindo o pagamento da prestação tributária uma obrigação do gerente, não sendo aquela satisfeita, cabe a ele provar que a falta de pagamento não lhes é imputável.
A alegada falta de bens na esfera patrimonial do referido revertido não se mostra também facto que inviabilize a reversão em causa.
Nestes termos e salvo o douto parecer de V. Ex.a, é meu entendimento que os argumentos do Requerente não são de proceder, pelo que deverá ser ordenada a reversão do processo de execução fiscal contra o mesmo, nos termos do art. 24° n.° 1 al. b) da LGT.
À consideração superior.
Serviço de Finanças de Gondomar 2 em 26 de Outubro de 2010.
O escrivão
G. Em 26.10.2010, sobre a “Informação” que antecede recaiu “Despacho” do Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar 2 com o seguinte teor – cfr. fls. 168 do processo físico:
- imagem omissa -
H. O oponente deixou de auferir remuneração enquanto gerente da sociedade devedora originária em 2004.
I. Entre 12.12.2005 e 26.12.2006, terminaram os prazos de pagamento voluntário da dívida exequenda - cfr. fls. 164 do processo físico.
J. Por sentença datada de 01.10.2010, proferida no âmbito do processo de insolvência de pessoa colectiva n.º 485/10.7TYVNG, que correu termos no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, 2.º Juízo, consta, entre o mais, o seguinte: “(…) Declaro a insolvência da sociedade S… & Cia., Lda. (…) Declaro aberto o incidente de qualificação de insolvência com caráter limitado – art. 36º, al. i), do CIRE (…)” – cfr. documento 4 junto com a petição inicial.
Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos com relevância para a decisão da causa, designadamente os seguintes:
a) A sociedade devedora originária foi perdendo gradualmente a sua carteira de clientes;
b) Os clientes da sociedade devedora originária começaram a atrasar ou a falhar o pagamento das facturas.
Motivação
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como provados tendo por base os documentos juntos aos autos, os quais não foram objecto de impugnação, bem como o posicionamento das partes, assumido nos respectivos articulados. Foi ainda relevante a prova testemunhal produzida, concretamente para prova do facto H. Efectivamente, a testemunha A..., empregado de escritório da empresa e responsável pela contabilidade da mesma, para além de ter prestado um depoimento sério, isento e credível, demonstrou conhecimento directo, até pelas funções que exercia, relativamente à contabilidade e ao funcionamento da empresa, pelo que foi possível apurar que o oponente deixou de auferir remuneração enquanto gerente em 2004. Não obstante, a testemunha afirmou não poder confirmar as alegadas perda da carteira de clientes e falta ou atraso de pagamento de outros, razão pela qual tais factos surgem como não provados.”
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3.2. DE DIREITO
Nas suas primeiras conclusões do recurso, o Recorrente questiona a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, sendo que constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Na óptica do Recorrente, mostra-se incorrectamente julgada a alínea a) dos Factos Não Provados, porquanto se acredita que a mesma deveria ter sido dada como provada, bom como se deveria ter considerado provado que o recorrente agiu como um bom pai de família, não tendo culpa alguma na insuficiência económica da devedora original, até porque, foi feita, tanto através de prova documental como em sede de inquirição de testemunhas, prova de que o Recorrente tudo fez para salvaguardar a viabilidade financeira da sociedade comercial de que era sócio, não tendo culpa alguma pelo não pagamento da dívida fiscal em causa nos autos e ao contrário do que consta da motivação da sentença recorrida a testemunha disse muito mais do que lhe imputa a sentença, tendo afirmado expressamente factos que a sentença refere que o mesmo não afirmou.
A testemunha A..., empregado de escritório da empresa e responsável pela contabilidade da devedora, logo ao minuto 02:02 do seu depoimento, esclareceu que, nos últimos anos da contabilidade, “a quantidade de faturas de vendas, de pagamentos, realmente vinham cada vez a ser menos.”, explicando, ainda, ao minuto 02:11 desse mesmo depoimento que a empresa tinha “Menos entradas de dinheiro, menos faturação, menos capacidade para pagar algumas dívidas inerentes à atividade.”, justificando ao minuto 02:38 do seu depoimento que “Os sócios diziam que havia dificuldades em vender, concorrência, prontos, era essa basicamente a informação que eu tenho”.
Embora por poucas palavras, a testemunha confirmou, que, em razão das dificuldades de venda, atenta a concorrência, nos últimos anos de facturação, o volume de vendas diminuiu e que isso levou à perda de capacidade para pagar dívidas inerentes à actividade, impondo-se ainda acrescentar, lançando mão de factos que são do conhecimento público, que as dificuldades financeiras da sociedade comercial devedora originária são contemporâneas à industrialização em Portugal do sector do mobiliário, com a chegada de marcas como a Moviflor em 2001 e a IKEA em 2007, o que significa que a redução de clientela não é uma situação abrupta e repentina mas gradual e que se arrasta por alguns anos, sendo que, como nos afirma a já identificada testemunha ao minuto 07:43 do seu depoimento, “esta situação reporta-se a 2005 ou 2004”, sendo que, como já antes havia explicado a testemunha ao minuto 04:32 do seu depoimentos, os sócios tentaram tudo para salvar a empresa, mas nos últimos dois, três anos as coisas foram-se degradando e se nem a Moviflor, cadeia de lojas muito conceituada em Portugal e Angola, resistiu à chegada da IKEA a Portugal, acabando por ser declarada Insolvente, como poderia a empresa de que o recorrente era sócio resistir à concorrência?
Por outro lado, provada que está a diminuição de facturação e demonstrada que está a principal causa dessa perda de negócio, temos que considerar que a culpa a que se refere o art.º 24, n.º1, da L.G.T., deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto.
Sobre esta matéria, e com referência ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 685º-B do CPC, que regulava esta matéria depois da alteração introduzida pelo D.L. nº 303/07, de 24-08, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 685º-B nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 685º-B do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa gravação simples áudio. Tal como já era apontado por Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, sempre o juiz perante o qual foram prestados os depoimentos estará em posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos de Enrico Altavilla "… o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras …" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do C. Proc. Civil).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos de M. Teixeira de Sousa ”… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 348).
Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Em termos de motivação, a decisão recorrida ponderou que:
“…
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como provados tendo por base os documentos juntos aos autos, os quais não foram objecto de impugnação, bem como o posicionamento das partes, assumido nos respectivos articulados. Foi ainda relevante a prova testemunhal produzida, concretamente para prova do facto H. Efectivamente, a testemunha A..., empregado de escritório da empresa e responsável pela contabilidade da mesma, para além de ter prestado um depoimento sério, isento e credível, demonstrou conhecimento directo, até pelas funções que exercia, relativamente à contabilidade e ao funcionamento da empresa, pelo que foi possível apurar que o oponente deixou de auferir remuneração enquanto gerente em 2004. Não obstante, a testemunha afirmou não poder confirmar as alegadas perda da carteira de clientes e falta ou atraso de pagamento de outros, razão pela qual tais factos surgem como não provados. …”.
Em relação à matéria em causa, cremos que apesar do esforço de análise do Recorrente, e após a audição do depoimento em causa, tendo presente os elementos destacados pelo mesmo, não é possível atender a sua pretensão neste âmbito, na medida em que está em causa a comprovação do comportamento da sociedade executada e dos seus gerentes em termos de se poder afirmar que fizeram tudo para o cumprimento das respectivas obrigações, tendo esgotados todos os meios para o efeito.
Ora, neste ponto, e não seria difícil, importava que tivesse sido reunida prova documental que permitisse aferir a situação patrimonial e financeira da empresa e comprovar a tal diminuição de vendas, permitindo ainda aferir da relevância dessa situação no âmbito da actividade da empresa.
Neste ponto, diga-se que apesar de fazer alusão a prova documental, as alegações do Recorrente não indicam um único documento presente nos autos capaz de contribuir para suportar o exposto ao nível do presente recurso.
A partir daqui, sem os elementos antes assinalados, a prova testemunhal não revela a necessária consistência em termos de permitir outra leitura da realidade em apreço, até porque, como bem refere o Recorrente, a testemunha não foi particularmente abrangente no seu depoimento, ou seja, não foi de muitas palavras, alinhando um conjunto de elementos - “a quantidade de faturas de vendas, de pagamentos, realmente vinham cada vez a ser menos.”, a empresa tinha “Menos entradas de dinheiro, menos faturação, menos capacidade para pagar algumas dívidas inerentes à actividade.”, “Os sócios diziam que havia dificuldades em vender, concorrência, prontos, era essa basicamente a informação que eu tenho”, “esta situação reporta-se a 2005 ou 2004”, os sócios tentaram tudo para salvar a empresa, mas nos últimos dois, três anos as coisas foram-se degradando e se nem a Moviflor, cadeia de lojas muito conceituada em Portugal e Angola, resistiu à chegada da IKEA a Portugal, acabando por ser declarada Insolvente, como poderia a empresa de que o recorrente era sócio resistir à concorrência?”
Pois bem, quanto a este conjunto de afirmações, as mesmas não estão devidamente enquadradas em função daquilo que era a actividade da devedora originária, situação que até não se compreende muito bem, na medida em que, face à razão de ciência da testemunha, esta deveria ser capaz de uma descrição mais circunstanciada, podendo referir o valor dessa diminuição da facturação, a eventual perda de alguns clientes, qual o peso desses clientes no âmbito da actividade da empresa, o que significa que ao remeter para afirmações algo genéricas, sem qualquer concretização, não vislumbramos no depoimento em apreço qualquer valor acrescentado nos termos propostos pelo Recorrente.
Isto para dizer que a alegação do Recorrente não comporta elementos que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos e depoimento -, de modo que, e como ficou exposto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção, o que tal acarreta é que o julgamento da matéria de facto levado a cabo pela decisão recorrida, se tenha de ter por inalterado, sendo, pois, à sua luz que caberá indagar da bondade do julgamento de direito consequente, no que diz respeito à matéria em crise.
Nesta sequência, o Recorrente refere que não questiona o ónus da prova que lhe cabia, e a que se refere a sentença recorrida, mas tão-somente impugnar o grau de exigência desse mesmo ónus, porquanto, mais do que impor ao recorrente o ónus da prova de um facto negativo, o Tribunal a quo, fá-lo com um grau de exigência tal, que chega mesmo a esvaziar de sentido útil a norma legal que lhe serve de suporte, já que era humanamente impossível alegar e provar a qualquer pessoa todos os detalhes que lhe foram exigidos em sede de sentença, muito menos, depois de anos, na medida em que para além de que o próprio processo de Insolvência da devedora original, implicou a entrega da contabilidade da Insolvente ao Administrador de Insolvência nomeado, pelo que, o Recorrente não tinha na sua posse elementos que lhe permitissem alegar e provar tudo aquilo que o Tribunal à quo lhe exigia e se o Tribunal considerava essencial a alegação e subsequente prova de todos os factos que refere na sentença recorrida, uma vez que tais factos não estavam discriminados no requerimento inicial, sempre deveria ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento, no tocante à alegação de factos integradores da causa de pedir, cfr. artigo 590º nºs 2 e 3 do NCPC, aplicável ex vi artigo 2º alínea e) do CPPT.
Pelo exposto, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos, seguindo um processo lógico da prognose póstuma, sendo que o ato ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido, outrossim, o que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familiae”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.
No caso concreto, a testemunha atrás identificada, quando questionada sobre as medidas que os sócios tomaram para evitar o agravamento da situação financeira da empresa, refere que “a dada altura deixaram…eram processados ordenados e não os recebiam” , ou seja, como esclarece ao minuto 03:24 do seu depoimentos, “(os ordenados) eram processados porque legalmente tinham que ser processados porque eram gerentes da firma, tinham ordenado atribuído”, mas os gerentes, nomeadamente o aqui recorrente, abdicaram da própria retribuição para poder pagar outras dívidas, já que acreditaram que a situação seria reversível, referindo ainda que na contabilidade nada indiciava que possa ter havido uma gestão danosa até porque a empresa apresentou-se à Insolvência por decisão do Sr. H…, ou seja, do aqui recorrente.
Resumindo, o aqui recorrente, abdicou da sua própria retribuição, trabalhando a título gratuito durante anos, sempre com o intuito de conseguir recuperar a saúde financeira da empresa, tudo fazendo para resistir à concorrência, mas tendo a sensatez de, como bom gestor e bom pai de família, assumir a derrota no momento certo, reconhecendo que já nada poderia ser feito, apresentando-se à Insolvência sem que a mesma tivesse sido considerada culposa, de modo que, apenas se pode considerar que o recorrente alegou e provou que agiu como um bom pai de família e como um bom gestor, razão pela qual a insuficiência financeira da devedora para fazer face às suas dívidas, apenas se ficou a dever a condições exógenas, não imputáveis ao seu sócio gerente.
Nesta matéria, quanto à questão da culpa, com referência às dívidas de IRC e IVA, e na medida em que tal responsabilidade é aferida pela lei vigente ao tempo do nascimento das dívidas, no caso, deparamos com a aplicação do disposto no art. 24º nº 1 al. b) da LGT, o qual contempla as “dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

Nesta medida, tratando-se de dívidas enquadradas no âmbito dessa alínea, impõe-se todavia esclarecer que o facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente.

Ora, incumbindo ao oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhes pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, e tal como decidido, importava o mesmo demonstrasse a ocorrência desse processo de decadência da empresa, alegando e provando: a) O modelo de organização e funcionamento da empresa (tipo de negócio, matéria-prima necessária, existência de stocks, mão-de-obra); b) Quais os seus principais fornecedores e clientes e sua representatividade no volume de negócios anual; c) Quais os clientes que perderam e/ou os que diminuíram as suas aquisições; d) Quais os valores concretos das matérias-primas, dos custos agregados e das taxas bancárias e sua oscilação no tempo.

Com efeito, só a partir dessas coordenadas gerais é que o Tribunal poderia aferir, em concreto, a natureza dos motivos invocados e o seu impacto no funcionamento da empresa e concluir se o oponente tinha meios ao seu dispor para, apesar da mesma, dar cumprimento às dívidas fiscais, verificando-se que o oponente, para além de alegar que abdicou da sua remuneração enquanto gerente, limitou-se a invocar uma situação de crise geral e abstracta, o que legitima a conclusão de que a escassa factualidade alegada e provada não permite ter uma noção da dimensão dos alegados problemas financeiros gerados e a sua relação de causalidade com o incumprimento das obrigações fiscais, até porque a alegação da existência de problemas financeiros não é um facto mas uma conclusão a extrair de factos concretos consubstanciados nos dados contabilísticos da empresa, os quais não foram alegados pelo oponente.

Neste ponto, não se afigura que o Tribunal estivesse obrigado a convidar o ora Recorrente a aperfeiçoar o exposto em sede de petição inicial, dado que, o mesmo não conhece a realidade em apreço, sendo até despropositado convidar alguém a alegar matéria que, porventura, não existe.

A questão essencial está na necessidade de o Recorrente enquadrar os elementos por si alegados, o que nem sequer seria difícil através da simples junção dos elementos documentais que atestam o desenvolvimento da actividade de uma sociedade e que, juntamente com o depoimento do contabilista encarregado do tratamento desses elementos, poderia porventura ter permitido ao Tribunal uma outra percepção sobre a realidade em apreço.

Como já ficou enunciado, na alínea b) do referido artigo 24º, ao responsabilizar-se o gestores que «não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento», estabelece-se uma presunção legal de culpa, no pressuposto de que, tendo o prazo legal de pagamento terminado no período da sua gestão, não podem desconhecer a existência da dívida, e por conseguinte, ao colocarem a empresa numa situação de insuficiência patrimonial, indiciam uma conduta dolosa que é especialmente grave para os interesses do Estado Fiscal, e por isso, só lhes resta provar que não foi por culpa sua que a empresa caiu em tal situação.

O acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64º do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.

Com referência ao exposto pelo Recorrente sobre a dificuldade da prova, diga-se que apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não podia deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.

Mas mais.
Neste âmbito, não pode deixar de notar-se que a grande maioria dos valores em dívida respeita a IVA, matéria em que a falta da sua entrega ganha particular gravidade, na medida em que se trata de impostos que traduzem um fluxo monetário na empresa que, ao não serem entregues nos cofres do Estado, estão a ser “desviados” do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade, o que tal procedimento não pode, assim, deixar de indiciar um comportamento censurável.

E quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem aqueles indícios, sob pena de não afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.

Como dá nota o Prof. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, pág. 274 “… No caso do IVA, a existência desse fluxo financeiro cria um forte indício de comportamento censurável que só em casos muito particulares pode ser objecto de uma demonstração de ausência de culpa por parte dos particulares. É uma demonstração difícil, mas não impossível, uma vez que a empresa não é o fiel depositário da quantia cobrada. Embora tenha o dever de entregar as quantias cobradas na aplicação do IVA no prazo previsto pela lei, a empresa pode considerá-las como uma receita normal, cabendo-lhe a devida diligência para que o pagamento seja feito. Pode haver justificação, pela verificação de um facto imprevisto e razoavelmente imprevisível, para que a entrega se não tenha verificado …”.

Pois bem, em nenhum momento o Recorrente alega que tais valores não lhe foram entregues, de modo que, perante a realidade em equação, a matéria em apreço não pode ser encarada de forma tão ligeira como pretende o Recorrente, recorrendo a um conjunto de elementos que podem ser invocados por qualquer empresa, sem a mínima concretização em termos de dar ao Tribunal uma visão suficientemente capaz de contornar tudo o que ficou exposto, sendo manifesto que o Recorrente não logrou desembaraçar-se do ónus que a lei lhe cometia neste domínio.

Em suma, cabia ao ora Recorrente alegar toda a realidade que envolveu a actividade da devedora originária e que desembocou na tal falta de meios financeiros por forma a permitir um juízo sobre a conduta do ora Recorrido neste processo e, nesta medida, afastar a presunção acima apontada, situação que o probatório não contempla para permitir uma percepção da realidade em termos de se afirmar que o Recorrido não é responsável pela falta de pagamento da liquidação que constitui a dívida exequenda.

Com efeito, trata-se de um elemento, que teria de explicitado e desenvolvido em termos de evidenciar o comportamento da sociedade executada e dos seus gerentes em termos de se poder afirmar que fizeram tudo para o cumprimento das respectivas obrigações, tendo esgotados todos os meios para o efeito.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 25 de Maio de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos