Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00671/17.9BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/30/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:NOVO REGIME DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 59/2015, DE 21 DE ABRIL; QUESTÃO PREJUDICIAL
Sumário:I – “Questão prejudicial” para efeito de suspensão do procedimento administrativo tem de ser entendida como toda e qualquer questão que se suscita no procedimento e cuja resolução é da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais e que, sem estar decidida, prejudica ou impede seja proferida a decisão final no procedimento.

II- Perante a sua invocação em sede procedimental, e verificada a sua integração no conceito supra aludido, a Administração tem duas hipóteses: (i) ou suspende o processo e aguardava a decisão da questão objecto de ações nos Tribunais Administrativos (ii) ou decide a questão.

III- Assim, no caso concreto, a exigência da declaração de insolvência da entidade empregadora da Recorrente como pressuposto de acesso ao regime do FGS não podia ser feita a todo o custo, passando por cima das normas procedimentais, nomeadamente das que dispõe sobre o dever da Administração de conhecimento de “questões prejudiciais”.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:E.
Recorrido 1:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
E., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 26.06.2018, promanado no âmbito da Ação Administrativa que a Recorrente intentou contra o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, também com os sinais dos autos, que julgou improcedente a presente ação, e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido.
Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
I - A sentença a quo contém um erro na matéria de facto dada como provada: deu por assente em B) dos factos provados que em 09-06-2016 a Autora deu entrada no Tribunal da Comarca de Porto Este - Instância Central - Secção de Trabalho, a ação emergente de contrato de trabalho, quando aquela ação deu entrada em 08-04-2016.
II - Assim, deve o ponto B) dos factos assentes dados como provados ser corrigido para:
B)“Em 04.04.2017 a Autora deu entrada no Tribunal da Comarca de Porto - Este - Instância Central - Secção de Trabalho, a ação emergente de contrato de trabalho contra a empresa referida em A), a qual correu termos sob o n.° 1037/16.3T8PNF, o qual findou por acordo das partes tendo a referida empresa aceitado efetuar o pagamento da importância de € 10.000,00 (cfr documentos 8, 9 e 13 juntos a PI)”;
III - Resultam ainda como provados nos autos factos, que por merecerem especial interesse para a decisão da causa e aplicação da justiça material, devem ser dados por assentes na matéria de facto dada por provada:
I) A Autora, em 03.05.2017 pronunciou-se sob a proposta de indeferimento e em 05.06.2017 reclamou do ato de indeferimento do pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho solicitado pelo requerimento identificado em D), pugnando pela suspensão do processo administrativo até que fosse proferida sentença no processo de insolvência da empresa, (cfr. Documento n.°2 junto à PI.)
J) A Autora, em complemento à reclamação apresentada, em 28.06.2017, juntou ao processo administrativo cópia da sentença de insolvência da empresa identificada em A), (cfr. Documento n.° 3 junto com a PI)
K) A ED nunca respondeu à reclamação apresentada pela Autora.
L) Foram reconhecidos à Autora os créditos reclamados; no processo identificação em C). (cfr. Documento n.° 15 junto com a PI).
IV - A recorrente não se conforma com a injusta sentença dos autos que confirmou o ato de decisão da Entidade Administrativa de negação do pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho por falta de preenchimento dos requisitos legais previstos no artigo 1.° n.° 1 al. a) do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial.
V- Conforme resulta dos autos, a recorrente esgotou todos os meios processuais ao seu dispor para obter o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho a que tem direito.
VI- Não obstante, viu o seu direito negado, por uma questão formal, que tem por base uma interpretação legal que em nada acolhe a ratio do regime do Fundo de Garantia Salarial e os princípios constitucionais em matéria de salários e os princípios orientadores do Direito da União Europeia em matéria de proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência.
VII - A recorrente instaurou ação laborai em 08.04.2016 e que correu termos no J3 - Juízo de Trabalho de Penafiel - Tribunal da Comarca de Porto Este;
VIII - Em 30.06.2016 requereu a insolvência da entidade patronal - A.;
IX - E, em 11-10-2016 apresentou junto da recorrida requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho;
X - A Recorrente, cumpriu com todos os requisitos legais e apertados que o Fundo exige para pagamento de créditos, nomeadamente no que concerne a prazos. A saber:
-A Recorrente instaurou a ação de insolvência em 30.06.2016 no prazo de 6 (seis) meses a contar da data da cessação do contrato de trabalho ocorrido em 31.12.2015, e que corre termos no 2.° Juízo de Comércio -Amarante - Comarca de Porto Este sob o n.° 903/16.0T8AMT, cumprindo assim o requisito legal previsto no artigo 2.° n.° 4 da L 59/2015 de 21/04 (pois o FGS assegura o pagamento dos créditos que se tenham vencido nos seis meses anteriores á propositura da ação de insolvência);
- A Recorrente reclamou os seus créditos ao FGS em 11.10.2016, em cumprimento do disposto no artigo 2.° n.° 8 do DL 59/2015, de 21/04 (pois o FGS só assegura os créditos que lhe sejam reclamados no prazo de um ano a contar da data da cessação do contrato de trabalho que ocorreu em 31.12.2015).
XI - Apenas em 26.06.2017 foi proferida a sentença que decretou a insolvência da entidade patronal da recorrente.
XII - A Recorrente reclamou o seu crédito na insolvência, pelo valor de 10.000,00€ (dez mil euros), entretanto fixado por acordo na ação laborai.
XIII - Crédito esse que se encontra devidamente reconhecido.
XIV - A recorrida indeferiu o pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho à recorrente com o seguinte fundamento: A entidade empregadora não foi declarada insolvente e como tal, entendeu não se encontrar verificado o requisito previsto na al. a) e b) do n.° 1 do DL 59/2015 de 21 de abril.
XV - A recorrente reclamou daquele ato e solicitou a suspensão do processo administrativo até ser proferida sentença no processo de insolvência.
XVI - Em complemento à reclamação, juntou ao processo administrativo a decisão que decretou a entidade empregadora insolvente.
XVII- A recorrida nunca respondeu à reclamação apresentada pela recorrente, em violação das disposições legais previstas nos artigos 192.°, 4.°, 6.°, 8.°e13.° do CPA.
XVIII- A Recorrente cumpriu com todos os requisitos legais que lhe eram exigidos e se a sentença não foi proferida antes da decisão do FGS foi por motivos processuais completamente adversos à mesma e que não podem a esta ser imputados.
XIX - O ato de decisão de indeferimento faz uma incorreta interpretação da norma prevista na al. a) e b) do artigo 1.° n.° 1 do DL 59/2015, 21 de abril, sendo por isso ilegal.
XX- A aplicação e interpretação da norma no sentido dado pelo FGS e pelo Tribunal “a quo” constitui violação dos princípios constitucionais de busca da verdade material e da realização da justiça.
XXI- Antes deveria aquele instituto ter suspendido o processo, como aliás foi requerido pela recorrente no processo administrativo, sem proferir qualquer decisão até conhecer a decisão no processo judicial de insolvência, pois a decisão a tomar pelo FGS encontrava-se pendente de uma questão prejudicial (o desfecho/sentença a proferir pelo Tribunal de Amarante no proc. N.° 903/16.0T8AMT).
XXII- O n.° 1 al. a) do artigo 1.° do DL 59/2015 de 21/04 só pode ser lido e interpretado no sentido de que o FGS garante o pagamento dos créditos no caso em seja proferida sentença de declaração de insolvência, excluindo as situações de indeferimento da mesma ou em que não tenha sido sequer instaurada.
XXIII - Tanto que a norma contida na al. a) do n.° 1 do artigo 1.° cio referido normativo legal não estabelece ou fixa um prazo para ser proferida a sentença de insolvência, fixa sim e bem, um prazo para a mesma ser requerida.
XXIV- Nesta linha, cabe o entendimento do Tribunal Constitucional rio Ac, N.° 323/2018 de 31/05 ao julgar inconstitucional a norma contida rio artigo 2.° n.° 8 do DL 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.
XXV- Como aponta, e bem, o Tribunal Constitucional no citado Ac. o trabalhador tem (ou pode ter) unicamente o domínio do impulso processual inicial, sendo que, subsequentemente, o desenvolvimento do processo como que lhe “sai das mãos”, sendo muito limitada a respetiva capacidade de determinar no elemento tempo os ulteriores passos processuais até à efetiva declaração do devedor em estado de insolvência.”
XXVI- Ora, se a recorrente reclamou os seus créditos ao FGS - Fundo de Garantia Salarial antes de ser proferida sentença de insolvência (mas já após a respetiva ação ter sido instaurada) foi para cumprimento do requisito legal de um ano exigido pelo n.° 8 do artigo 2.° do DL 59/2015, e desta forma evitar que o requerimento viesse a ser indeferido por extemporaneidade.
XXVII - Analisar os autos e interpretar o artigo 1.° n.° 1 al. a) no sentido que o faz o Tribunal “a quo” é violar os princípios constitucionais contidos no artigo 59.° e 13.° da CRP de garantia dos direitos dos trabalhadores e até o principio da igualdade entre os trabalhadores.
XXVIII - A interpretação e decisão do Tribunal “a quo” é contrária aos princípios orientadores da União Europeia que estão no cerne da proteção dos direitos dos trabalhadores em caso de insolvência, nomeadamente na Diretiva 80/987/CEE do Conselho de 20/10/1980 e 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de outubro de 2008 e o artigo 25.° da Carta Social Europeia Revista em 03.05.1996 aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.° 64-A/2001 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.° 54-A/2001 de 17/10, publicados no DR n.° 241/2001,1.° Suplemento, Série I-A de 17/10/2001.
XXIX - O Fundo de garantia salarial encontra-se eminentemente associado à norma do artigo 59.° n.° 3 da CRP, constituindo uma das garantias especiais da retribuição aí previstas, o que vincula o legislador à construção de um regime que garanta um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitucional, com principio pelo respeito da igualdade (artigo 59 e 13 da CRP).
XXX - Neste sentido, bem andaria o tribunal “a quo” se fosse de encontro à argumentação defendida pela Recorrente no sentido de que a Recorrida deveria ter suspendido o processo administrativo até ser proferida sentença no processo de insolvência, ou e, quando muito, aquando da reclamação apresentada no processo administrativo e bem assim, da posterior junção do comprovativo da sentença de insolvência ter revogado o ato de indeferimento já praticado, tanto mais que nem resposta à reclamação apresentada deu resposta, violando c artigo 192.°, 4.°, 6.°, 8.° e13.° do CPA.
XXXI- Parafraseando o ac. Constitucional 328/2C18 “.Não é irrelevante a pouca clareza do regime legal, espelhada na norma em causa, considerada em si mesma ou sistematicamente inserida no diploma que a contém. 0 elemento de incerteza deste regime (...) compromete seriamente a efetividade da tutela que corresponde ao mecanismo do FGS, apresentando-se o complexo normativo do NRFGS, ao gerar estas interpretações díspares, com uma consistência pouco definida - para não dizer insuportavelmente ambígua cuja interpretação muito dificilmente assumirá um sentido minimamente claro, gerador de segurança nos destinatários beneficiários do seu âmbito de proteção. Isto ao ponto destes não disporem, conscientemente, da possibilidade de, agindo com normal diligência, anteverem com suficiente segurança, o comportamento que devem adotar para formular atempadamente as sua pretensão junto do FGS, assim se comprometendo as exigências mínimas de certeza decorrentes do princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.° da Constituição).”
Deve assim ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, e bem assim o ato de indeferimento do pedido de pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho praticado pela entidade recorrida condenando-se o Fundo de Garantia Salarial ao pagamento à Autora / recorrente dos créditos emergentes do contrato de trabalho reclamados no valor de 10.000,00€ (dez mil euros), acrescido de juros moratórios à taxa legal, como ato de boa JUSTIÇA!
(…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu o parecer no sentido da procedência do presente recurso jurisdicional.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se (i) deve ser alterada a matéria de facto coligida na sentença recorrida, e, bem assim, (ii) se esta incorreu em erro de julgamento de direito em torno da interpretação e aplicação do artigo 1º, nº.1, alínea a) do D.L. nº. 59/2015, 21.04.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III – DE FACTO
O quadro fáctico [positivo e negativo e respetiva motivação] apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…)
A) A Autora foi trabalhadora da empresa denominada “A.”, desde 01-01-2008 e 31-12-2015 (fls.29 do PA);
B) Em 09-06-2016 a Autora deu entrada no Tribunal da Comarca do Porto Este — Instância Central - Secção de Trabalho, a ação emergente de contrato de trabalho contra a empresa referida em A), a qual correu termos sob o n° 1037/16.3T8PNF, o qual findou por acordo das partes tendo a referida empreso aceitado efectuar o pagamento da importância de € 10.000,00 (cfr. documentos n°s 8, 9 e 13 juntos à PI);
C) Em 30-06-2016 foi requerida a declaração de insolvência da empresa referida em A), a qual correu termos sob o n° 903/16.0T8AMT, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Amarante (cfr. fls. 48 do PA);
D) Em 11-10-2016 a Autora apresentou junto da ED requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho (fls.27/28 do PA e cujo teor se dá por reproduzido);
E) Por ofício datado de 09-05-2017 a ED comunicou à Autora a seguinte decisão: (cfr. documento n°1 junto à PI e cujo teor se dá por reproduzido):
“ Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 18 de abril de 2017, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado por Vª. Exa. foi indeferido.
O(s) fundamento(s) para o indeferimento é (são) o(s) seguinte(s):
- A entidade empregadora não foi declarada insolvente, ou não houve despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização, não se encontrando preenchido o requisito previsto na al.) a) e b) do n.° 1 do artigo 1,° do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21 de abril. “
F) A Autora foi notificada do ofício supra referido em 23-05-2017 (facto admitido por acordo);
G) Em 26-06-2017 foi proferida sentença que declarou a insolvência da empresa referida em A) (cfr. documento n°12 junto à PI);
H) A Autora reclamou créditos no processo referido em C) no montante de € 10.124,93 (cfr. documento n°14 junto à PI).
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Inexistem outros factos provados ou não provados com interesse para a decisão da causa.
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Motivação:
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base nos documentos juntos aos autos e ao PA e na posição das partes relativamente aos factos alegados e não impugnados, cfr. indicado em cada uma das alíneas do probatório
(…)”.
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Nos termos do artigo 662º do CPC, aplicável ex vi artigos 1º e 140º do CPTA, adita-se a seguinte factualidade:
I) O requerimento referido em D) foi objeto de análise pelos serviços do FGS, que em 12.04.2017, elaborou informação na qual se pode ler nomeadamente, e para o que ao caso importa, o seguinte: “(…) Correm termos no Tribunal da Comarca do Porto Este, autos de insolvência da empresa registados sob o nº. 903/16.0T8AMT, ação instaurada em 30.06.2016. No âmbito deste processo não foi proferida sentença de insolvência (…) Pelas razões de facto e direito, propõe-se o indeferimento das pretensões formuladas pelo requerente acima identificado, com fundamento no não preenchimento do requisito exigido pelo nº.1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº. 59/2015, de 21.04” [cf. fls. 30 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
J) Na sequência de tal, foi comunicado à Autora pelo Fundo de Garantia Salarial a intenção de indeferimento do requerimento referido em D) [cfr. fls. 30 a 46 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
K) Em 18.04.2017 o Senhor Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, proferiu o seguinte despacho: “Concordo” [cfr. fls. 50 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
L) A Autora, aqui recorrente, apresentou em 09.05.2017, em sede de Audiência Prévia, resposta junto do Fundo de Garantia Salarial, requerendo a “(…) suspensão do processo até à decisão [sentença] final do processo nº. 903/16.0T8AMT de insolvência, pois doutra forma violaria direitos legalmente protegidos à requerente (…)” [cfr. 43 a 46 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
M) Inconformada, a Autora reclamou da decisão de indeferimento referida em E e K), reiterando a pretensão de (…) suspensão do processo até à decisão [sentença] final do processo nº. 903/16.0T8AMT de insolvência, pois doutra forma violaria direitos legalmente protegidos à requerente (…)” [cfr. fls. 13 e seguintes dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
N) Em 26.06.2017, foi promanada sentença no processo nº. ° 903/16.0T8AMT, tendo sido declarada a insolvência “A.”, circunstância do que a Autora deu conta no âmbito da reclamação apresentada, com cópia da referida sentença [por admissão];
O) A Autora reclamou os seus créditos no processo de insolvência, que foram objecto de reconhecimento por Administrador judicial [cfr. fls. 60 e seguintes dos autos – suporte físico – cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
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III.2 - DO DIREITO
Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas no recurso jurisdicionais em análise.
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Da pretendida modificação da matéria de facto coligida nos autos
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A primeira questão decidenda consubstancia-se em saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos pontos indicados pela Recorrente.
Vejamos.
Do preceituado no nº.1 do artigo 662º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, ressuma com evidência que este Tribunal Superior deve alterar a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuser decisão diversa.
Na interpretação deste preceito, e dos que lhe antecederam no tempo, decidiu-se no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte editado em 11.02.2011, no Procº. n.º 00218/08BEBRG:“1. O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto. 2. Assim, se, na concreta fundamentação das respostas aos quesitos, o Sr. Juiz (...) justificou individualmente as respostas dadas, fazendo mesmo referência, quer a pontos concretos e decisivos dos diversos depoimentos, quer a comportamentos específicos das testemunhas, aquando da respetiva inquirição, que justificam a opção por uns em detrimentos de outros, assim justificando plena e convincentemente a formação da sua convicção, não pode o Tribunal de recurso alterar as respostas dadas”.
Posição que se desenvolveu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.10.2011, no Procº. n.º 01559/05BEPRT, que: “(…) pese embora a maior amplitude conferida pela reforma de processo civil a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto a verdade é que, todavia, não se está perante um segundo julgamento de facto (tribunal “ad quem” aprecia apenas os aspetos sob controvérsia) e nem o tribunal de recurso naquele julgamento está colocado perante circunstâncias inteiramente idênticas àquelas em que esteve o tribunal “a quo” apesar do registo da prova por escrito ou através de gravação magnética dos depoimentos oralmente prestados. XX. É que, como aludimos supra, o tribunal “ad quem” não vai à procura duma nova convicção, não lhe sendo pedido que formule novo juízo fáctico e sua respetiva fundamentação. O que se visa determinar ou saber é se a motivação expressa pelo tribunal “a quo” encontra suporte razoável naquilo que resulta do ou dos depoimento(s) testemunhal(ais) (registados a escrito ou através de gravação) em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos. XXI. Tal como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (cfr. art. 655.º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio. XXII. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal “a quo”, aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal “ad quem”. Daí que na reapreciação da matéria de facto ao tribunal de recurso apenas cabe um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo em todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou”.
E se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 13.09.2013, no processo nº 00802/07.7 BEVIS:” (…) “Determina o artigo 712º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu nº 1, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:
«A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas;
(…)
Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo nº 394/05, de 19.11.2008, processo nº 601/07, de 02.06.2010, processo nº 0161/10 e de 21.09.2010, processo nº 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo nº 00205/07.3BEPNF, e de 14.09.2012, processo nº 00849/05.8BEVIS).
Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho (…)”.
(…)
Em sentido idêntico se pronunciaram os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte:
- Proc. nº 00168/07.5BEPNF, de 24/02/2012:
“1- O tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.”
- E proc. nº 00906/05.0BEPRT, de 07/03/2013:
“2. O tribunal de recurso apenas e só deve alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excecionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão.”
(…)”.
Acompanhando e acolhendo a interpretação assim declarada por este Tribunal Superior, importa, então, analisar a situação sob apreciação aferindo do acerto da matéria de facto sob impugnação.
Efetivamente, veio a Recorrente pugnar pela alteração da decisão sobre a matéria de facto, por entender que o Tribunal a quo (i) deu como assente em B) nos factos provados que, em 09.06.2016, a Autora deu entrada no Tribunal da Comarca do Porto – Este – Instância Central – Secção de Trabalho, a ação emergente de contrato de trabalho, quando, na verdade, aquela ação deu entrada em 08.04.2016 e, bem assim, (ii) omitiu a fixação de factos provados do interesse para a boa decisão, melhor descritos nos pontos I) a III) das conclusões de recurso.
Ora, no que se refere à pretensão veiculada sob o sobredito ponto (i), somos a considerar que, face ao que consta do documento integra fls. 26 a 29 dos autos [suporte físico], efetivamente, assiste razão à Recorrente no domínio versado, devendo, por isso, ser corrigida a data aposta na alínea B) do probatório coligido nos autos.
Assim, em face do exposto, determina-se a requerida retificação do tecido fáctico em análise por forma onde se lê: ”(…) Em 09-06-2016 a Autora deu entrada no Tribunal da Comarca do Porto Este (…)” se passa ler “Em 08-06-2016 a Autora deu entrada no Tribunal da Comarca do Porto Este (…)”.
No demais, isto é, no que tange ao sobredito ponto (ii), temos, para nós, que o ali se vem de invocado mostra-se já superado pelo exercício por parte deste Tribunal Superior da faculdade preconizada no artigo 662º do CPC, devidamente traduzida no aditamento do tecido fáctico constante das alíneas das alíneas I) a P) do probatório, nada mais havendo, portanto, a determinar nesse domínio.
Nestes termos, procede parcialmente o invocado erro de julgamento da matéria de facto.
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II- Do imputado erro de julgamento de direito em torno da interpretação e aplicação do artigo 1º, nº.1, alínea a) do D.L. nº. 59/2015, 21.04.
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Sobre o erro de julgamento de direito ora em análise, importa que se comece por convocar, no que ao direito concerne, o que se discorreu na 1ª instância:
“(…)
Com a instauração da presente ação, a Autora pretende obter a anulação do despacho datado de 18-04-2017 do Sr. Presidente do Conselho de Gestão do FGS, por via do qual foi indeferido o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado pela Autora e m.i. na alínea E) do probatório e a condenação da ED no pagamento à Autora do montante de € 10.000,00 alegando, em síntese, que o ato impugnado viola o disposto no art. 1° n°1 a) e b) do NRFGS.
Regularmente citada, a ED apresentou contestação na qual se defendeu por impugnação tendo pugnado pela improcedência da ação na medida em que não tendo sido declarada aquando da apresentação do requerimento e da decisão de indeferimento sentença de declaração de insolvência da entidade patronal da Autora, não se encontrava preenchido o requisito previsto no art. 1° n°1 a) do NRFGS.
Estamos, assim, perante uma ação administrativa de condenação à prática de ato devido regulada nos artigos 66° e seguintes do NCPTA.
Por força do art.° 66° n.° 1 e 2 do NCPTA, “a ação administrativa pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado” e “ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória”.
Assim, nas ações de condenação à prática de ato devido, o objecto do processo não é o ato de indeferimento, mas a pretensão material que o Autora pretende fazer valer na ação, sendo que a eliminação desse ato da ordem jurídica decorre da pronúncia condenatória da prática do ato devido.
Nessa conformidade, dispõe o art.° 71° n° 1 do NCPTA que - Ainda que o requerimento apresentado não tenha obtido resposta ou a sua apreciação tenha sido recusada, o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, anulando ou declarando nulo o eventual ato de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do ato devido”.
No sentido da irrelevância do pedido impugnatório formulado e de que o tribunal deve limitar-se a conhecer da pretensão material do Autora pronunciou-se o Acórdão do STA de 28-09-2010, prolatado no âmbito do Proc. n.° 0266/99, a cuja fundamentação se adere, segundo o qual - o facto da Autora ter instaurado um processo impugnatório, com cumulação do previsto no art"51° n°4 do referido diploma, já que, nesse caso, o tribunal limitar-se-á a conhecer da pretensão material da Autora a ser admitida ao concurso, pois é esse o objecto da ação e não o ato impugnado, tornando-se, pois, irrelevante o pedido impugnatório”.
Posto isto, o Tribunal passa, de seguida, a apreciar a pretensão formulada pela Autora e que consiste em saber se estão verificados os pressupostos legais de que depende a condenação da ED no pagamento dos créditos emergentes do contrato trabalho por si reclamados.
Vejamos:
Há data de apresentação do requerimento m.i. na alínea D) do probatório já se encontrava em vigor o Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (NRFGS) aprovado pelo DL n° 59/2015, de 21/04.
Este diploma procede à revogação dos artigos 316° a 326° da Lei n.° 35/2004, de 29 de julho, alterada pela Lei n.° 9/2006, de 20 de março, pelo Decreto -Lei n.° 164/2007, de 3 de maio, e pela Lei n.° 59/2008, de 11 de setembro, e institui no seu Anexo o NRFGS previsto no artigo 336° do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12 de fevereiro, transpondo a Diretiva n.° 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, pretendendo, ainda, proceder à “unificação do regime jurídico do FGS, o que se faz através do presente decreto-lei, que aprova o novo regime do Fundo de Garantia Salarial” cfr. refere o se refere no Preâmbulo do DL n° 59/2015.
Este NRFGS é indubitavelmente aplicável ao caso em apreço por força do disposto no art. 3° n°1 do DL n° 59/2015, onde se refere que ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.
Por força do disposto nos artigos 1.°, n.° 1 e 2.°, n.° 1 do mesmo diploma legal, estão abrangidos por esta proteção os créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação.
Conforme decorre do art. 1° n°1 do NRFGS, o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja:
a) Proferida sentença de declaração de insolvência do empregador;
b) Proferido despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização;
c) Proferido despacho de aceitação do requerimento proferido pelo IAPMEI -Agência para a Competitividade e Inovação, I. P. (IAPMEI, I. P.), no âmbito do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.
De acordo com o artigo 2.°, n.° 4 do NRFGS “O Fundo assegura o pagamento dos créditos 'previstos no n.’ 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do 'procedimento extrajudicial de recuperação de empresas referindo o n°5 do mesmo preceito legal que “[ca]so não existam créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.’ 1 do artigo seguinte, o Fundo assegura o pagamento, até este limite, de créditos vencidos após o referido período de referência.”.
Por seu lado, o artigo 3.° refere que (n°1) “O Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.’ 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida”, acrescentando o n°2 do mesmo art. que “Quando o trabalhador seja titular de créditos correspondentes a prestações diversas, o pagamento é prioritariamente imputado à retribuição base e diuturnidades.”.
Por conseguinte, são pressupostos do pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho por parte do FGS, no que ao caso concerne:
(i) A declaração de insolvência da entidade patronal do trabalhador;
(ii) O vencimento dos créditos emergentes de contrato de trabalho nos seis meses anteriores à data da instauração da ação insolvência;
(iii) E inexistindo créditos no período referido em (ii) ou caso o seu montante seja inferior ao limite máximo previsto no art. 2° n°1 do diploma vindo a referenciar, o FGS garantirá os créditos vencidos após o período de referência, até àquele limite.
Ora atentando no probatório constata-se que, quer à data da emissão do ato administrativo de indeferimento ora impugnado - em 18-04-2017 — alínea E) do probatório -, quer à data da sua notificação à Autora, em 23-05-2017 — alínea F) do probatório -, ainda não havia sido proferida sentença de declaração de insolvência da empresa m.i. na alínea A) do probatório a qual só foi proferida em 26-06-2017, ou seja, à data de emissão e notificação do despacho impugnado não se mostravam reunidos os pressupostos legais, designadamente o previsto no art. 1° n°1 a) do NRFGS, para a procedência da pretensão material formulada pela Autora pelo que assim sendo, como é, bem andou a ED ao indeferir o pedido da Autora uma vez que aquando da prolação do ato impugnado não se mostram reunidos os pressupostos legais para deferir o pedido de pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho, por falta de preenchimento do pressuposto legal previsto no art. 1° n°1 a) do NRFGS, razão pela qual a presente ação tem de improceder.
(…)”.
Examinando a fundamentação vertida na decisão judicial recorrida, e cotejando a mesmo com a natureza do alegado pela Recorrente em esteio do presente erro de julgamento de direito, entendemos ser forçosa a conclusão de que o assim decidido não é de manter.
Na verdade, a Autora intentou a presente ação contra o Réu, na qual formulou o pedido de: (i) Declaração de anulação do ato que indeferiu o pedido de pagamento de créditos laborais; (ii) Condenação do Réu ao pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho reclamados no valor de € 10,000,00.
Fundamentou tais pretensões jurisdicionais no entendimento, no mais essencial, de que o ato impugnado faz uma incorreta interpretação da norma prevista na alínea a) e b) do nº.1 do artigo 1º do D.L. nº. 59/2015, de 21 de abril, já que, no seu entender, o Réu deveria ter suspendido o processo sem proferir qualquer decisão até conhecer a decisão no processo judicial de insolvência, sob pena de violação dos princípios constitucionais de busca da verdade material e da realização da justiça.
O T.A.F. de Braga, como sabemos, promanou decisão final com alcance supra transcrito.
Numa perspetiva meramente literal e sem recurso a considerações em torno das causas de invalidade aduzidas no libelo inicial, é abstratamente concebível a tese vertida na sentença recorrida que aponta no sentido in verificação in casu dos legais pressupostos de que depende o acesso ao regime do Fundo de Garantia Salarial.
Julgamos, todavia, salvo o devido respeito, que esse não é o caminho mais conforme à boa decisão da causa.
Na verdade, não questionando o enquadramento jurídico efectuado na sentença recorrida, no sentido da conformação da presente ação como sendo de condenação à prática do ato devido, por ser correto á luz da lei processual administrativa vigente, importa considerar que a apreciação que se impõe do “thema decidendum” não pode deixar de atender aos argumentos aduzidos pela Autora em sede de libelo inicial, em particular, em torno da existência de “questão prejudicial”.
E isso no caso em apreço não foi feito na sentença recorrida.
De facto, perlustrando a fundamentação de direito supra transcrita, assoma evidente que a decisão judicial recorrida “fugiu” à questão instrumental suscitada pela Autora no libelo inicial no domínio invocado, de modo que se impõe aqui tratar, em substituição, de tal temática.
Assim, e entrando no conhecimento de tal temática, cabe notar que resulta provado que a Autora, logo em sede de audiência prévia, requereu “(…) suspensão do processo até à decisão [sentença] final do processo nº. 903/16.0T8AMT de insolvência, pois doutra forma violaria direitos legalmente protegidos à requerente (…)”.
Mais cabe notar que resulta demonstrado que o Réu, nada dizendo quanto à suscitada pretensão de suspensão do procedimento administrativo, decidiu indeferir o pedido de pagamento dos créditos laborais do Autor com fundamento, precisamente, na falta da declaração de insolvência da entidade empregadora daquele.
Pois bem, “questão prejudicial” para efeito de suspensão do procedimento administrativo tem de ser entendida como toda e qualquer questão que se suscita no procedimento e cuja resolução é da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais e que, sem estar decidida, prejudica ou impede seja proferida a decisão final no procedimento.
No quadro em apreço, não há dúvida que a pendência de um processo judicial onde se discute a declaração judicial de insolvência da entidade empregadora da Recorrente é uma questão prejudicial, tal como a define o art. 38º do C.P.A [anterior 31º].
Na verdade, os pressupostos da questão prejudicial são, como decorre do exposto, que a decisão final dependa da decisão de um outro órgão administrativo ou dos tribunais.
Sendo a declaração judicial de insolvência da entidade empregadora um pressuposto de acesso ao regime do Fundo de Garantia Salarial, e estando essa matéria ser discutida em Tribunal, é claro que estamos perante uma questão prejudicial.
Assim, e perante a sua invocação em sede procedimental, e face ao quadro que deriva do artigo 38º do C.P.T.A., a Administração tinha duas hipóteses: (i) ou suspendia o processo e aguardava a decisão da questão objecto de ações no Tribunal (ii) ou decidia a questão.
Porém, esse não foi o caminho trilhado pelo Réu, que, como se viu supra, decidiu indeferir a pretensão da Recorrente sem mais, incorrendo, com tal atuação, em violação do bloco legal aplicável.
O artº 3º do C.P.A. consagra o princípio da legalidade, segundo o qual, “os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos”.
Em obediência a este princípio estruturante da atividade administrativa, a exigência da declaração de insolvência da entidade empregadora da Recorrente enquanto pressuposto de acesso ao regime do Fundo de Garantia Salarial não podia ser feita a todo o custo no caso concreto, passando por cima das normas procedimentais, nomeadamente das que dispõe sobre o dever da Administração de conhecimento de “questões prejudiciais.
Por conseguinte ocorre a errada aplicação e interpretação da norma prevista na alínea a) e b) do nº.1 do artigo 1º do D.L. nº. 59/2015, de 21 de abril, aferido na perspetiva invocada pela Recorrente.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso interposto, e, em conformidade, revogada a sentença recorrida e julgada parcialmente procedente a presente ação administrativa.
Assim se decidirá.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em conceder provimento ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar a sentença recorrida e julgar parcialmente procedente a presente ação administrativa, condenando-se o Réu a reapreciar o Requerimento da aqui Recorrente à luz da verificada existência de declaração judicial de insolvência da empresa denominada “A.”.
Custas a cargo da Recorrente e Recorrido, na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário e da isenção de custas com que litigam o Recorrente e o Recorrido.

Registe e Notifique-se.
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Porto, 30 de abril de 2020,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão
Hélder Vieira