Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00359/04.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/09/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Anabela Ferreira Alves Russo
Descritores:PRESCRIÇÃO
FACTURAS FALSAS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I – Se no probatório concretamente impugnado o Tribunal apenas se limitou a transcrever partes do Relatório elaborado pela Administração Tributária no âmbito da acção inspectiva carece de fundamento a pretensa alteração desses factos com fundamento no depoimento prestado por qualquer testemunha.
II – Compete à administração tributária, quando desconsidera as facturas que reputa de falsas, fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade e, realizada tal prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção (art. 74º da LGT).
III – Se o impugnante alegar e provar, ainda que parcialmente, a veracidade da transacção, isto é, que pelo menos parte das facturas indiciariamente falsas correspondem a serviços efectivamente prestados, deve a liquidação impugnada ser anulada na parte em que desconsiderou o valor daquelas facturas.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:D..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
I. Relatório
D…, Lda. (doravante, Recorrente), sociedade comercial melhor identificada nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra uma liquidação adicional (n.º 2001 8310018809) de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) respeitante ao ano de 1996, dela veio interpor o presente recurso.
A culminar as alegações do recurso, formulou a Recorrente as conclusões que infra se reproduzem:
«I - A presente impugnação respeita a uma liquidação oficiosa de IRC inerente o ano de 1996 (Liquidação n° 2001 8310018809), o que significa existir um hiato temporal de quase 15 (quinze) anos, desde o facto tributado até ao presente.
II - Atento o preceituado nos artigos 34º do C.P.T., 48° e 49° da LGT e 297°, n°1, do Cód. Civil, a causa interruptiva da prescrição que se verificou em primeiro lugar foi a Reclamação Graciosa, apresentada em 15/03/2002, sendo manifesto que após esta data o processo esteve parado durante mais de um ano por facto não imputável á Contribuinte.
III - Mesmo descontando um ano de interrupção causada pela Reclamação Graciosa, já estavam transcorridos 10 anos, 11 meses e 15 dias á data da prolação de douta sentença recorrida, logo, verifica-se a prescrição das obrigações tributárias em causa nestes autos, o que se invoca para todos os efeitos, sem prejuízo do seu conhecimento oficioso (art. 259° CPT e art. 175° CPPT).
IV - Em absoluta discordância com a douta sentença recorrida, entendemos que a apresentação da impugnação judicial não inutilizou o tempo já decorrido para a prescrição, porquanto a Lei n° 53-A/2006, de 29.12, não tem efeitos retroactivos, logo aqui há que contar com a anterior redacção do n° 2, do art. 49° da L.G.T., segundo a qual “a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior (interrupção da prescrição) somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
V - Ademais, a declaração de falência da Recorrente não impediu a prescrição, desde logo porque a sentença respectiva só foi proferida em 25.01.2008, isto é, quando já tinha ocorrido a prescrição.
VI - De qualquer modo, a declaração de insolvência (se fosse anterior) não teria efeito suspensivo da prescrição, como resulta da lei (art. 180° do CPPT) e como vem sendo pacificamente decidido na jurisdição administrativa superior: a remessa do processo de execução ao processo de falência não determina a paragem daquele, pois, uma vez apensado a este, com e/e segue a sua normal tramitação” e a declaração de falência não suspende o prazo de prescrição, só determinando a sustação das execuções a fim de serem apensadas ao processo de falência para aí correrem os seus termos como reclamação dos créditos exequendos” - Acórdão do STA, de 12.06.2007, no Proc. n° 0436/07, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, o Ac. TCA, de 29.06.2004, no P. n°89/04.
VII - A prova produzida apoia o êxito da Impugnação, sendo que a Recorrente impugna o conteúdo substancial da matéria de facto dada como provada nas alíneas d), e), f), g), h) e i) do ponto “3 - Os Factos”, da douta sentença posta em crise.
VIII - Tais factos respeitam essencialmente aos subempreiteiros J…, R… e P…, pelo que, se foram detectadas irregularidades ou suspeitas de falta de veracidade nas relações destes com a Administração Tributaria, não deve a Recorrente ser penalizada no lugar dos pretensos infractores.
IX - Aliás, a Impugnante juntou aos autos de Reclamação Graciosa documentos que desmentem as declarações prestadas pelo R… e pelo P… quando estes, no intuito de alhearem responsabilidades, afirmam que não trabalharam para a ora recorrente ou que o fizeram só uma vez - sem ser exaustiva (não era possível á distância de vários anos), juntou diversos cheques passados a um e a outro, bem assim, alguns autos de medição em que está mencionado o R… como prestador dos serviços.
X - Importante notar que, mesmo tentando escapulir-se às suas próprias obrigações tributarias, o Paulo Sérgio Vasconcelos Dias não deixou de reconhecer ter recebido uma avultada quantia - 1.696.500$00 / 8.462,11 € - em dinheiro, o que não pode deixar de ponderar-se como prova de que era corrente e normal, no género de subempreitadas em causa, haver pagamentos que não eram titulados por qualquer meio de pagamento (cheque, letra ...).
XI - Com a Impugnação Judicial juntou a Impugnante um conjunto significativo de facturas emitidas por si para os empreiteiros principais das obras, o que significa que as construções foram materializadas, têm corpo e podem ser visitadas por quem tiver interesse, constituindo mais uma prova, inequívoca, de que a facturação sobre a qual incidiram as suspeitas não representa operações simuladas.
XII - Também não podem ignorar-se as declarações (juntas pela Fazenda Pública e que se encontram a fls., destes autos) em que o J… se responsabiliza pelo valor de cada uma das facturas que emitiu para a Impugnante, declarações essas que, como admitiu a testemunha M… (então empregado de escritório da Recorrente), foram sugeridas pela empresa encarregue da contabilidade, quando a Administração começou a levantar dúvidas sobre a facturação, destinando-se a confirmar e reforçar a veracidade das facturas.
XIII - Não é aceitável a desvalorização da prova testemunhal oferecida constituída pelos depoimentos de V… (00:01 a 12:15, lado A da cassete original) e Mário Artur da Cunha Reis (12:16 a 24:14, do lado A, e 24:15 a 27:70, do lado B da cassete original)
XIV - Pela audição do registo magnético, e sem perder de vista que se encontram a depor à distância de 10 anos decorridos sobre os factos, as testemunhas foram assertivas quanto a conhecer bem quer a actividade da Impugnante, quer as relações de subempreitada desta com os mencionados subempreiteiros; confirmaram que, nos anos de 1996 e 1997, esses eram dos subempreiteiros habitualmente contratados pela Impugnante, em cujas obras colocavam equipas de vários homens, consoante as necessidades específicas de cada obra; afirmaram serem correntes e normais os pagamentos em dinheiro, até por solicitação dos próprios subempreiteiros que tinham dificuldade em movimentar cheques e vantagem em receber a dinheiro para poderem pagar no dia-a-dia aos seus trabalhadores, muitos dos quais eram meros tarefeiros; falando do seu caso pessoal, o V… disse que o patrão lhe pagava sempre em dinheiro e que não estava inscrito na Segurança Social; não tiveram quaisquer dúvidas em comprovar que toda a obra representada nas facturas está corporizada e foi facturada aos empreiteiros gerais / Clientes da impugnante, não foi inventada; sobre a circunstância de algumas facturas conterem uma assinatura ilegível ou apenas uma rubrica, a testemunha M… esclareceu que esse nunca foi um pormenor que preocupasse a Impugnante, havendo até o convencimento de que nem era obrigatório assinar as facturas.
XV - Donde, ser imprópria a afirmação sentenciada de que as testemunhas “...pouco ou nada souberam esclarecer...” ou ainda que ... foram vagos e imprecisos, não esquecendo - repete-se - que tais depoimentos foram concedidos à distância de, pela menos, 10 anos dos factos sub judice.
XVI - Enquanto tal, entre o mais supra aludido, deveria ter-se dado também como provado:
a) o J… sempre mostrou capacidade de resposta às encomendas de trabalho que aceitou da Impugnante;
b) o R… não só emitiu as facturas constantes do ponto 1.2 do Relatório da Inspecção Tributaria, como ainda executou para a Impugnante outros serviços, dos quais nunca passou facturas, como se alcança da relação de obras, quantidades e preços, autos de medição e cheques emitidos pela impugnante a favor do mesmo e que este recebeu (docs. n°s. 1 a 12, juntos com a Reclamação Graciosa e, entretanto, anexados aos presentes autos);
c) nas relações da impugnante com os seus clientes e subempreiteiros existem, frequentemente, pagamentos de avultadas quantias em dinheiro;
d) o P… foi também um dos subempreiteiros que trabalharam para a Impugnante, como indicia o conjunto de cheques que esta lhe passou, correspondentes a pagamentos de trabalhos por si executados, em diversas obras, a saber: na Rua Damião de Góis (A…, Lda.), na Cidade do Porto, em Gondim - Maia (Cobetar), Bairro da Sendim ( S1… ) e na Expo 98 ( S2… ) - doca n°s 13 a 18, juntos com a Reclamação Graciosa, anexado aos presentes autos;
e) toda a obra representada na facturação em causa está materializada e foi facturada pela impugnante aos seus clientes (docs. n°3 a 41, juntos com a petição de impugnação)
XVII - Os contribuintes não precisam demonstrar que os documentos da sua contabilidade correspondem a operações efectivamente realizadas, porquanto essa documentação se presume verdadeira e assim, de acordo com o disposto no art. 74° da LGT, é à Administração Tributaria que compete elidir tal presunção. Por isso, a prova de que as transacções ocorreram compete ao contribuinte, desde que a Administração consiga elidir a inerente presunção de veracidade, ou seja, convencer que há indícios fundados de que as facturas não reflectem a realidade, mas uma simulação.
XVIII-- A impugnante fez prova da realização dos trabalhos nas obras identificadas nas facturas, estando tal facto plenamente confirmado na sua contabilidade e, designadamente, nos documentos que acompanharam quer a Reclamação Graciosa, quer a Impugnação judicial, bem assim nas Declarações emitidas pelo J… (também autuadas) para reforçar a veracidade das facturas que emitiu e nos depoimentos testemunhais,
XIX - Aliás, a Administração Fiscal não põe em causa que as obras foram realizadas a mando da Impugnante, apenas entende que os documentos emitidos pelos sobreditos subempreiteiros não correspondem a operações efectivamente cumpridas por estes, mas não encontrou na contabilidade da impugnante outros documentos relativos a tais obras, que comprovassem a duplicação de pagamentos, pelo que, a ser corno a Administração Fiscal pretende, a impugnante teria como resultado final de tais obras apenas lucros, sem quaisquer custos, uma vez que os valores que diz ter pago seriam falsos.
XX - É de justiça a procedência da Impugnação Judicial, devendo anular-se a liquidação em causa, por vício de violação de lei, concretamente por ser contrária a verdade material e errónea na quantificação e quantificação dos rendimentos da Impugnante / Recorrente.
XXI - Aqui tem pertinência o extracto do Acórdão do STA, de 15.11.2000 no Recurso n° 25.244: “... não basta o mero «palpite» de que a realidade é diferente daquilo que os documentos traduzem para que a liquidação se pudesse manter. Era necessário que a Administração Fiscal provasse que, de facto, se tinha verificado a situação que a tinha levado a proceder ã sindicada liquidação.”
TERMOS EM QUE, E NOS DE DOUTO SUPRIMENTO DE V.EXAS., DEVERÁ SER PROVIDO O RECURSO E, CONSEQUENTEMENTE:
A - DECLARAR-SE A EXT!NÇÂO DAS OBRIGAÇÕES TRIBUTARIAS EM CAUSA, POR PRESCRIÇÃO; OU
B -. SER REVOGADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR DECISÃO QUE JULGUE PROCEDENTE A IMPUGNAÇAO, VIA PELA QUAL SE FARÁ JUSTIÇA!».
Não houve contra-alegações.
Neste Tribunal, a Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência total do recurso.
II – O Objecto do Recurso
Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo o já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões da alegação de recurso apresentadas, temos por seguro que, in casu, o objecto do presente recurso está circunscrito a três questões, a saber: (i) se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento sobre a matéria de facto; (ii) se o Tribunal a quo errou no julgamento de direito relativo à prescrição ao julgá-la improcedente; (iii) se na sentença sob recurso foi efectuado um correcto julgamento quando aí se decidiu pela legalidade da actuação da administração tributária ao desconsiderar as facturas contabilizadas pela Recorrente no pressuposto de que as mesmas não titulam operações efectivas.
III – Os Factos
É a seguinte a matéria de facto dada como provada e como não provada na 1ª instância e que aqui se reproduz ipsis verbis
(…)
a) A impugnante foi alvo de uma acção inspectiva levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária, com incidência temporal sobre IRC e o IVA dos anos de 1996 e 1997 tendo por motivo indícios de utilização de facturação falsa (cf relatório da inspecção a fls. 61 a 76 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).
b) Apurou-se em sede inspectiva que Impugnante está registado em IRC/IVA pela actividade de “Construção de Edifícios/Gessos projectados - CAE 45211” e que “não possui um quadro de pessoal para o exercício da sua actividade. Deste modo os serviços são feitos através de subcontratos” (cf. relatório da inspecção).
c) Detectou-se na conta 6211 - Subcontratos, o registo contabilístico de várias facturas emitidas por: J… - contribuinte n° 191 696 412, R… - contribuinte no 189 894 482 e P… - contribuinte n° 199 235 376, que os SPIT consideraram como falsas (cf. relatório e relação das facturas/recibos emitidos de fls. 73 a 75 do PA).
d) Os SIT alicerçaram a sua decisão dizendo que “Foi ouvido o sócio gerente A… - 149884214, em auto de declarações, que sucintamente declara que até ao momento não foram encontrados quaisquer contratos ou autos de medição das obras constantes das facturas referidas no ponto 1.2. O serviço da medição das obras era executado por O…, contribuinte n° 146877039, (...) A empresa não possui quaisquer folhas de presença dos sujeitos passivos que emitiram as facturas, em virtude de não serem trabalhadores da empresa, mas sim subempreiteiros. Por último o declarante apresentou dez declarações assinadas com o nome de J…. Quanto às declarações agora apresentadas e que o sócio gerente diz serem de J…, chama-se a atenção para os seguintes factos: As facturas recolhidas na sociedade D…,Lda., e emitidas por J…, têm todas elas uma assinatura / rubrica totalmente ilegível. Na consulta efectuada ao arquivo verificou-se que o referido sujeito passivo teve uma acção inspectiva através do despacho n° 18819. Do relatório elaborado em 09/11/00, consta várias facturas emitidas para a empresa NORCIV-Construções Investimentos, Lda., 501137220, no ano de 1997, as quais têm uma assinatura perfeitamente legível, que não corresponde à das facturas encontradas na empresa D… Lda.,. é de estranhar assim, que agora surjam dez declarações nas quais J…, se responsabiliza pelo valor das facturas emitidas para a sociedade em causa. Finalmente pode-se concluir que as assinaturas nelas contidas são parecidas com as que constam nas facturas emitidas para a empresa NORCIV” (cf. Doc. de fls. 67 do PA).
e) Mais referiam em relação ao J… “que encontra-se inscrito na cadastro IVA/IR, pelo exercício de actividade de construção de edifícios - CAE 045200, tendo em consideração as designações constantes das facturas, os serviços nelas contidos referem-se a estucagem/aplicação de gesso projectado (...) Enviou as declarações periódicas de IVA relativas ao 2ºT/96, 3ºT/96 e 4º7T96 (…) pelos documentos recolhidos na contabilidade da sociedade D…, Lda., verifica-se que os valores constantes das facturas de 1996 não entraram na respectiva declaração periódica” (cf. fls. 68 do PA).
f) Apurou-se, ainda, que o dito J… “Não apresentou a declaração de rendimentos de 1996. Foi apresentada declaração de rendimentos mod./2 do IRS, relativa ao exercício de 1997, todavia não foram declarados os valores das facturas emitidas à impugnante (…) não declarou qualquer valor relativamente a remunerações com pessoal. Por fim não há conhecimento que o sujeito passivo tenha qualquer equipamento ou pessoal ao seu se/viço, para executar o valor da facturação para D…, Lda.” (cf. doc. de fls. 68 do PA).
g) Relativamente ao sujeito passivo R…, os SPJT apuraram que “o sujeito passivo encontra-se inscrito no cadastro de IR/IVA pelo exercício da actividade de acabamento n.e. - CAE 045450, desde 04/01/1994. Tendo em consideração as designações constantes das facturas, os serviços nelas contidos referem-se a estucagem/aplicação de gesso projectado. (...) Dos documentos recolhidos na contabilidade da sociedade D…, Lda., verificou-se que as facturas constantes do ponto 1.2 não entraram na escrita do sujeito passivo. O sujeito passivo somente tem registada a factura n° 57 para D…, Lda., no ano de 1997 (esta factura não consta da contabilidade da sociedade). O sujeito passivo está indiciado como utilizador de facturação falsa em co- autoria com O…. O sujeito passivo não tem despesas com pessoal. Foi ouvido o sujeito passivo em auto de declarações relativo ás facturas emitidas em 1987 para D…, Lda. Sucintamente declara que não emitiu as facturas constantes do ponto 1.2., nem efectuou qualquer serviço para a referida empresa, à excepção do serviço relativo á factura n° 57 de 30/12797, no valor de 1.000.000$00 (s/IVA). Esta factura encontra-se registada e arquivada na sua escrita” (cf. doc de fls. 69 do PA).
h) Quanto ao P… os SPIT apuraram que “o sujeito passivo encontra-se inscrito no cadastro de IR/IVA, pelo exercício da actividade de pintura e colocação de vidros – CAE 045440, desde 8/11/1995, tendo em consideração as designações constantes das facturas, os serviços nelas contidos referem-se a estucagem/aplicação de gesso projectado. (...). Foi ouvido o sujeito passivo em auto de declarações relativo às facturas emitidas em 1997 para D…, Lda,. Sucintamente declara que não efectuou qualquer serviço para a referida empresa, excepto o serviço relativo à factura n° 12 de 24/03/97, no valor de 1.696.500$00 o qual foi recebido a dinheiro. Os cheques emitidos pela sociedade respeitam apenas a comissões sobre os valores facturados, O sujeito passivo esteve em Lisboa na Expo-98, a trabalhar para a referida empresa auferindo uma quantia mensal de 150.000$00” (cf. doc.de fls. 70 do PA).
i) Em face destas conclusões os SPIT consideraram que “pode-se concluir que há indícios suficientes para considerar que, os documentos emitidos por J…, R… e P… não correspondem a nenhuma transacção comercial, traduzindo-se, assim, em facturação falsa” (cf. fls. 70 do PA).
j) Por tal facto foi feita a correcção aritmética à matéria tributável do ano de 1996, no montante de 9.997.650$00, que originou a liquidação adicional n° 20018310018809 no montante de 5.872.872$00 (€29.293,75), (cf doc. de fls. 13 dos autos).
k) A impugnante deduziu reclamação graciosa em 15/03/2002, que por despacho de 27/01/2004, veio a ser indeferida (cf processo de reclamação graciosa apenso aos autos que aqui se tem por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e fls. 8 a 10 dos autos).
l) A reclamação graciosa a que se refere a liquidação não esteve parada por mais de um ano, desde a data da sua apresentação, em 15/03/2002, até à data da apresentação da presente impugnação em 20/02/2004 (cf. processo de reclamação graciosa apenso aos autos que aqui se tem por integralmente reproduzido).
m) No período de 1996 e 1997 a impugnante tinha várias obras a seu cargo (cf depoimento das testemunhas).
n) O quadro de pessoal da impugnante era composto pelo motorista de nome Reinaldo, empregado de escritório chamado M… e pelo engenheiro P… (cf depoimento das testemunhas).
o) A impugnante trabalhava com subempreiteiros (cf depoimento das testemunhas).
p) Os anexos a esta impugnação que se têm aqui por integralmente reproduzidos.
q) A presente impugnação foi intentada em 20/02/2004 (cf. doc. de fls. 2 dos autos).
Alteração e aditamento oficioso à factualidade relevante para a decisão da causa
Ao abrigo do disposto na norma do artigo 712º, nº 1, alínea a), do CPC aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, decide-se alterar a redacção dada à alínea I) do probatório a qual passará a deter a seguinte redacção:
«l) Na reclamação graciosa referida em k) veio:
- A 23 de Dezembro de 2002, a ser elaborada informação na qual, com fundamento no objecto da reclamação, se propôs a sua apreciação pela Divisão de Processos Criminais Fiscais (cf. fls. 33 e 34);
- A 20 de Janeiro de 2003, sobre essa informação foi proferido despacho do Chefe de Finanças em exercício no Serviço de Finanças da Maia 1, ordenando a remessa dos autos à referida Divisão (cf. fls. 33)
- A 12 de Fevereiro de 2003, e após a análise dos autos, foi ordenada a remessa do processo à Área da Inspecção Tributária a fim de serem prestadas informações e facultados outros elementos julgados por relevantes (cf. fls. 80)
- Tais informações, apuradas e reduzidos a escrito a 7 de Novembro de 2003, obtiveram a concordância do Chefe de Divisão absorvida no despacho de 11 de Novembro de 2003 (cf. 83-86)
- Devolvidos os autos à DJAC foi elaborado projecto de decisão, notificado à Reclamante a 5 de Dezembro de 2003 que, a 23 desse mesmo mês e ano exerceu o seu direito de audição prévia (cf. fls. 87-95);
- A 27 de Janeiro de 2004 foi proferida decisão final de indeferimento da reclamação, notificada à Reclamante por carta registada a 4 de Fevereiro de 2004 (cf. fls. 96-98)
Nos termos e com os mesmos fundamentos legais o Tribunal decide aditar ao probatório fixado na 1ª instância a seguinte matéria de facto:
r) A acção inspectiva identificada em 1. foi instaurada em cumprimento da ordem de serviço n.º 5900, de 5-3-99 tendo a Impugnante sido notificada da liquidação adicional n.º 8310018809, respeitante ao IRC de 1996, no valor de € 29.293,76 (cfr. fls. 13 destes autos).
s) A presente impugnação deu entrada em juízo a 20 de Fevereiro de 2004 e nesta foi proferido despacho de citação a 15-12-2004 cumprido a 27 de Abril de 2005 (cfr. fls. 2 a 58 destes autos)
t) A 27 de Setembro de 2005 foi apresentada contestação pela Fazenda Pública notificada à Impugnante por ofício de 29 de Agosto de 2008;
u) A 19 de Abril de 2007 foi designada data para inquirição das testemunhas arroladas pela Impugnante a qual se viria a concretizar a 13 de Junho de 2007, data na qual foi requerida a junção as autos de diversos elementos documentais que veio a ser cabalmente realizada a 12 de Abril de 2010 tendo, ainda, durante esse lapso de tempo, o Tribunal oficiosamente ordenado a junção de diversos documentos.
v) Por despacho de 15 de Junho de 2010 foi ordenada a notificação das partes para alegarem e a 12 de Novembro de 2010 foi proferida sentença [cf, fls. 2 a 200 dos presentes autos).
IV- O Direito
Conforme deixamos indiciado no ponto I deste Acórdão – aquando da enunciação das questões a decidir - , a Recorrente impugnou especificadamente o julgamento da matéria de facto, mais concretamente os factos apostos nas alíneas d), e), f), g), h) e i) do probatório, o julgamento de direito relativo à prescrição da obrigação tributária emergente da liquidação impugnada e o julgamento de direito realizado e relativo ao reconhecimento de legalidade da actuação da administração tributária ao desconsiderar as facturas contabilizadas pela Recorrente no pressuposto de que as mesmas não titulam operações efectivas.
Importa, pois, desde já, aferir se, efectivamente, a sentença sob recurso evidencia ter sido cometido erro sobre a matéria de facto.
Assim:
4.1. Do erro de julgamento em sede de matéria de facto
Entende a Recorrente que o Tribunal a quo, com base no depoimento das testemunhas ouvidas, não poderia ter dado como apurados os factos exarados nas alienas d), e), f), g) h) e i) do probatório e deveria ter julgado provado que os emitentes das facturas desconsideradas pela administração tributária lhe prestaram os serviços que nelas se referem.
Afigura-se-nos, porém, que não lhe assiste razão e, mais do que isso, que a Recorrente labora em erro manifesto de interpretação da selecção de facto realizada.
Efectivamente, a factualidade vertida nas alíneas em referência constitui mera transcrição de partes do relatório elaborado pela Administração Tributária após a realização da acção inspectiva. Isto é, o Tribunal, e nesta parte bem, exarou ou seleccionou como facto relevante o teor do relatório da Administração Tributária e no qual esta expôs os factos, documentos e raciocínio seguido até concluir pela existência de indícios de facturação falsa por parte da Recorrente e sustentava a legitimidade da liquidação adicional correctiva.
E que assim é resulta à saciedade quer da redacção utilizada, quer da utilização de aspas antes das transcrições respectivas quer, por último, pela remissão expressa em sede de fundamentação para as folhas do relatório cujas partes se afirmava transcrever.
Carece, pois, de razão, e adiantamos mesmo, de qualquer sentido, a pretensa alteração desses factos, o mesmo é dizer, do relatório efectivamente produzido com fundamento no depoimento prestado por quaisquer testemunhas que, se susceptíveis de porem em causa os factos ou conclusões extraídas e vertidas no mesmo Relatório de todo não apagam o conteúdo que lhe foi imprimido.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso relativo à matéria de facto.
Mas a Recorrente sustenta ainda o erro de julgamento relativo à matéria de facto alegando que, face aos depoimentos prestados pelas testemunhas, cuja desvalorização, sem fundamento, foi realizada pelo Tribunal, e face ao teor dos documentos constantes dos autos, deveriam ainda ter sido dados como assentes os seguintes factos:
a) o J… sempre mostrou capacidade de resposta às encomendas de trabalho que aceitou da Impugnante;
b) o R… não só emitiu as facturas constantes do ponto 1.2 do Relatório da Inspecção Tributaria, como ainda executou para a Impugnante outros serviços, dos quais nunca passou facturas, como se alcança da relação de obras, quantidades e preços, autos de medição e cheques emitidos pela impugnante a favor do mesmo e que este recebeu (docs. n°s. 1 a 12, juntos com a Reclamação Graciosa e, entretanto, anexados aos presentes autos);
c) nas relações da impugnante com os seus clientes e subempreiteiros existem, frequentemente, pagamentos de avultadas quantias em dinheiro;
d) o P… foi também um dos subempreiteiros que trabalharam para a Impugnante, como indicia o conjunto de cheques que esta lhe passou, correspondentes a pagamentos de trabalhos por si executados, em diversas obras, a saber: na Rua Damião de Góis (A…, Lda.), na Cidade do Porto, em Gondim - Maia (C…), Bairro da Sendim ( S1… ) e na Expo 98 ( S2… ) - doca n°s 13 a 18, juntos com a Reclamação Graciosa, anexado aos presentes autos;
e) toda a obra representada na facturação em causa está materializada e foi facturada pela impugnante aos seus clientes (docs. n°3 a 41, juntos com a petição de impugnação)
Adiantemos, desde já que, pese embora a formulação conclusiva de parte dos factos cuja incorporação no probatório é peticionada ou a inadmissível inclusão, em sede de matéria de facto de elementos que apenas poderiam ser relevados como fundamento ou elemento de prova, ligação que é patente na formulação dos factos supra proposta, existem factos que podem ser colhidos das declarações prestadas - e da conjugação destes com documentos constantes dos autos - que podem ser relevantes para a decisão de mérito e que este Tribunal pode e deve seleccionar.
Na verdade, do depoimento das testemunhas resulta que J…, R… e P… eram subempreiteiros a que a Recorrente recorria, entre outras, para realizar obras que lhe eram adjudicadas e que muitas vezes a Recorrente realizava pagamento de serviços de subempreitada em numerário.
Estas foram respostas directas dadas pelas testemunhas ouvidas, M… e V…, respectivamente empregado da Recorrente e trabalhador de um terceiro empreiteiro.
Porém, contrariamente ao pretendido pela Recorrente, dos mesmos depoimentos, ou mesmo da conjugação destes com os citados documentos constantes dos autos, não pode dar-se como assente nada mais do que isso.
Assim, nenhuma das testemunhas disse ter conhecimento das facturas em causa nos autos ou de que esses trabalhos prestados por aqueles subempreiteiros o tivessem sido no ano de 1996, tendo inclusive a testemunha M…, que nem se recordava se em 1996 já trabalhava para a Recorrente, remetido para os respectivos autos os quais nunca foram apresentados pela Recorrente.
Por outro lado, das facturas emitidas e que constituem os documentos n.ºs 3 a 41 tudo quanto se pode concluir é que tais obras foram efectivamente realizadas pela Recorrente, com recurso a subempreiteiros mas não que no âmbito das mesmas haja existido qualquer prestação de serviço pelos referidos J…, R… ou P… ou, tendo-o sido, qual o seu valor.
Acresce ainda que, no que tange aos cheques cujas cópias constam de fls. 13 a 24, alguns destes com identificação da pessoa à ordem de quem eram emitidos – R… ou P…, foram emitidos no ano de 1997 e um no ano de 1998 (embora surja rasurado para 1997 – fls. 18), o que até está em conformidade com as declarações prestadas pelos próprios sacadores em sede de inspecção e com as declarações apresentadas por estes em sede fiscal.
Donde, pode-se concluir que, do facto de a Recorrente recorrer habitualmente a subempreiteiros e de R…, J… ou P…. serem empreiteiros a quem a Recorrente, regular ou esporadicamente recorreu para a realização de obras, tal como outros, é inteiramente irrelevante para demonstrar que lhe prestaram os serviços que constam das facturas.
Em suma, para que o Tribunal de 1ª instância, ou este Tribunal em sua substituição, pudesse dar como provado que os referidos subempreiteiros realizaram os trabalhos constantes das referidas facturas postas em causa pela Administração Tributária, impunha-se que tivesse resultado dos depoimentos prestados ou da sua conjugação com os documentos dos autos, de modo pormenorizado e inequívoco, quais os concretos serviços prestados por aqueles, em que condições contratuais e quais as datas da sua realização.
O que, como já mencionamos, no caso, não sucedeu, quer porque nessa matéria os depoimentos não foram claros nem precisos, quer porque os documentos juntos pela Recorrente e que a mesma refere como sendo susceptíveis de demonstrar que os serviços constantes das facturas foram prestados pelo seu emitente são a esse propósito, salvo o devido respeito, completamente inócuos pelas razões já supra expostas.
Pelo que, o Tribunal, julgando parcialmente procedente o recurso interposto, na parte relativa ao julgamento de facto e, consequentemente, adita ao probatório duas novas alíneas (“x” e “z”), com o seguinte te0r:
«x) R…, P… e J… eram alguns dos subempreiteiros a que a Impugnante recorreu no exercício da sua actividade nos anos de 1996 e 1997 [depoimento das testemunhas e relatório da inspecção].
z) A Recorrente realizava muitas vezes pagamentos em numerário aos subempreiteiros a que recorria, incluindo os subempreiteiros identificados na alínea antecedente [depoimento das testemunhas e confissão da Impugnante).
aa) Encontram-se nos autos declarações emitidas por Jorge Nova a 30 de Dezembro de 1996, cuja apresentação foi realizada perante a Administração Tributária no âmbito da inspecção realizada e nas quais aquele subempreiteiro assume a responsabilidade pela emissão das facturas infra descriminadas e pelos valores nelas apostos:
. factura n.º 41, de 30-9-96.875$00, no valor de Esc. 2.819.875$00;
. factura n.º 42, de 30-10-96.875$00, no valor de Esc. 3.568.500$00;
. factura n.º 43, de 30-11-96.875$00, no valor de Esc. 3.378.375$00;
. factura n.º 46, de 30-12-96.875$00, no valor de Esc. 1.930.500$00 [cf. fls. 146-150 destes autos e relatório de inspecção, ponto 1.2.).
4.2. Da prescrição das obrigações tributárias emergentes das liquidações impugnadas
A primeira questão que expressamente vem suscitada pela Recorrente nas suas alegações de recurso, e vertida nas conclusões formuladas, é a da prescrição das obrigações tributárias resultantes dos actos de liquidação aqui impugnados
Vejamos o que se os oferece dizer, começando por deixar bem claro que, como é sabido, através da impugnação judicial o que se visa é a fiscalização da legalidade do acto tributário e a consequente anulação, total ou parcial, do mesmo.
Assim, como se referiu no acórdão deste TCAN de 11 Mar. 2010, (Processo 02794/04Viseu, disponível em www.dgsi.pt) “a sede própria para invocar a prescrição da obrigação tributária, quando esta não seja oficiosamente conhecida – como deve ser, nos termos do art. 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – é a execução fiscal, onde o executado pode argui-la, ou mediante requerimento endereçado ao órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável, nos termos do disposto no art. 276.º do CPPT, ou, se estiver em tempo, mediante oposição à execução fiscal (cf. arts. 203.º e 204.º, n.º 1, alínea d), do CPPT).
Em todo o caso, o prosseguimento da impugnação, no caso de a obrigação tributária não estar ainda solvida e de ser inquestionável o decurso do prazo da respectiva prescrição, constitui acto inútil: a AT, ainda que a impugnação seja julgada improcedente, não poderá instaurar execução com vista à cobrança da dívida correspondente, bem como deverá oficiosamente declarar extinta a execução, caso esta tenha já sido instaurada. Assim, apesar de a prescrição não poder constituir fundamento de impugnação judicial da liquidação, a jurisprudência tem vindo a admitir que pode ser apreciada nessa sede como motivo da inutilidade superveniente da lide: verificada a prescrição da obrigação tributária, que determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva, a impugnação judicial em que se visa apenas a apreciação da legalidade da liquidação que lhe deu origem deixa de ter utilidade; nesse circunstancialismo, deve extinguir-se a instância por inutilidade superveniente da lide (cf. art. 287.º, n.º 1, alínea e), do CPC).” [sublinhado de nossa autoria].
Todavia, como também não deixou de se afirmar no mesmo acórdão, a referida possibilidade de conhecer prejudicialmente da prescrição em sede de impugnação judicial apenas se impõe ao tribunal caso constem dos autos todos os elementos que permitam uma avaliação segura dessa questão (() Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, pág. 22.), tanto mais que, se a obrigação tributária estiver realmente prescrita, sempre a prescrição deverá ser conhecida oficiosamente na execução fiscal, bem como sempre o impugnante aí poderá invocá-la com sucesso, nos termos que deixámos já referidos.” [sublinhado de nossa autoria].
Ora, no caso vertente, os elementos que constam dos autos, e contrariamente ao defendido pela Recorrente e pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público no seu Douto parecer, não permitem concluir no sentido da verificação da prescrição.
Efectivamente, e como linearmente resulta do ponto I e II deste Acórdão, o que está em causa é uma obrigação tributária respeitante a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativo ao ano de 1996, ano em que vigorava o Código de Processo Tributário (CPT).
Ora, tendo em conta que no dia 1 de Janeiro de 1999, entrou em vigor a Lei Geral Tributária (LGT), coloca-se, desde logo, uma questão de aplicação da lei no tempo cuja resolução se impõe no sentido de determinar, prioritariamente, qual o prazo de prescrição da obrigação tributária exequenda.
Importa, pois, como já ficou dito no Acórdão deste TCA Norte a que supra fizemos referência, ver quais os prazos de prescrição das obrigações tributárias que se sucederam no tempo por referência às previsões legais ínsitas no CPT e na LGT.
Ora, de acordo com a norma do artigo 34º, nº 1, do CPT, “a obrigação tributária prescreve no prazo de 10 anos, salvo se outro mais curto estiver fixado na lei” e, por sua vez, o artigo 48º, nº 1 da LGT determina que “as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (…)”.Mas, conhecidos os prazos de prescrição que se sucederam no tempo, haverá agora que proceder à determinação do prazo aplicável no caso concreto, o qual encontrará a sua concreta definição no art. 279º do Código Civil que, sob a epígrafe “alteração de prazos”, dispõe que:
1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da data da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
2. A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o momento inicial.
3. (…)
Portanto, a determinação do prazo de prescrição a aplicar faz-se no momento da entrada em vigor da nova lei. No caso de leis que encurtam o prazo de prescrição, que são as que têm ocorrido em matéria tributária, se no momento da entrada em vigor da nova lei, falta menos tempo para se completar à face da lei antiga, é esta que se aplica. Nos outros casos, aplica-se o prazo da lei nova, contado da data da sua entrada em vigor [neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2008, pág. 86 e 87.].
Revertendo, agora, ao caso concreto destes autos, em que está em causa uma obrigação tributária relativa ao ano de 1996, temos que, o prazo de prescrição da obrigação tributária, se iniciou em 1 de Janeiro de 1997, por força do estabelecido no artigo 34º, nº 2, do CPT [ “o prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver decorrido o facto tributário, salvo regime especial.”], pelo que, na data da entrada em vigor da LGT (1-1-1999), haviam corrido dois anos para a prescrição. Ou seja, o tempo que naquela data faltava para o prazo se completar de acordo com a lei antiga é o mesmo da lei nova sendo, por isso, de aplicar o prazo de 8 anos previsto na LGT [neste mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., pág. 98.].
Definido, assim, o prazo e lei a aplicar, importa agora apurar se os elementos constantes dos autos permitem concluir sobre a ocorrência, ou não, de factos interruptivos e suspensivos da contagem do prazo prescricional e quais.
A este propósito consta da matéria de facto aditada que:
k) A impugnante deduziu reclamação graciosa em 15/03/2002, que por despacho de 27/01/2004, veio a ser indeferida (cf processo de reclamação graciosa apenso aos autos que aqui se tem.
«l) Na reclamação graciosa referida em k) veio:
- A 23 de Dezembro de 2002, a ser elaborada informação na qual, com fundamento no objecto da reclamação, se propôs a sua apreciação pela Divisão de Processos Criminais Fiscais (cf. fls. 33 e 34);
- A 20 de Janeiro de 2003, sobre essa informação foi proferido despacho do Chefe de Finanças em exercício no Serviço de Finanças da Maia 1, ordenando a remessa dos autos à referida Divisão (cf. fls. 33)
- A 12 de Fevereiro de 2003, e após a análise dos autos, foi ordenada a remessa do processo à Área da Inspecção Tributária a fim de serem prestadas informações e facultados outros elementos julgados por relevantes (cf. fls. 80)
- Tais informações, apuradas e reduzidos a escrito a 7 de Novembro de 2003, obtiveram a concordância do Chefe de Divisão absorvida no despacho de 11 de Novembro de 2003 (cf. 83-86)
- Devolvidos os autos à DJAC foi elaborado projecto de decisão, notificado à Reclamante a 5 de Dezembro de 2003 que, a 23 desse mesmo mês e ano exerceu o seu direito de audição prévia (cf. fls. 87-95);
- A 27 de Janeiro de 2004 foi proferida decisão final de indeferimento da reclamação, notificada à Reclamante por carta registada a 4 de Fevereiro de 2004 (cf. fls. 96-98)
r) A acção inspectiva identificada em 1. foi instaurada em cumprimento da ordem de serviço n.º 5900, de 5-3-99 tendo a Impugnante sido notificada da liquidação adicional n.º 8310018809, respeitante ao IRC de 1996, no valor de € 29.293,76 (cfr. fls. 13 destes autos).
s) A presente impugnação deu entrada em juízo a 20 de Fevereiro de 2004 e nesta foi proferido despacho a 15-12-2004, cumprido a 27 de Abril de 2005 (cfr. fls. 2 a 58 destes autos)
t) A 27 de Setembro de 2005 foi apresentada contestação pela Fazenda Pública notificada à Impugnante por ofício de 29 de Agosto de 2006;
u) A 19 de Abril de 2007 foi designada data para inquirição das testemunhas arroladas pela Impugnante a qual se viria a concretizar a 13 de Junho de 2007, data na qual foi requerida a junção as autos de diversos elementos documentais que veio a ser cabalmente realizada a 12 de Abril de 2010 tendo, anda, durante esse lapso de tempo, o Tribunal oficiosamente ordenado a junção de diversos documentos.
v) Por despacho de 15 de Junho de 2010 foi ordenada a notificação das partes para alegarem e a 12 de Novembro de 2010 foi proferida sentença [cf, fls. 2 a 200 dos presentes autos).
Ora, é justamente com base nestes elementos que a Recorrente sustenta que se encontra demonstrada a prescrição invocada.
Todavia, sem razão.
É que, como bem foi salientado pelo Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto onde estes autos correram termos, tendo a reclamação sido apresentada a 15 de Março de 2002, nesta data verificou-se, efectivamente, interrupção do prazo de prescrição.
Porém, como a partir daí e até à decisão final o processo não esteve parado por mais de um ano, a referida interrupção teve como efeito a eliminação do prazo decorrido até 15 de Março de 2002, iniciando-se, a partir de tal data, isto é, da data de decisão da reclamação, 27-4-2004. a contagem de novo prazo de 8 anos.
Prazo esse que, contudo, viria a ser novamente interrompido a 20 de Fevereiro de 2004, com a entrada em juízo da impugnação judicial.
Ora, quanto a esta interrupção, cumpre salientar desde logo que, mesmo que se considerasse que ocorreu paragem superior a um ano antes de 1 de Janeiro de 2007 (data da entrada em vigor da Lei 53-A/06), o prazo só se começaria a contar depois de esse ano de paragem se completar;
Todavia, no caso concreto, esse circunstancialismo não se verificou, isto é, até 1-1-2007 não ocorreu qualquer paragem do processo por período superior a 1 ano antes pelo que, o prazo de prescrição não corre enquanto não tiver sido proferida sentença transitada em julgado.
Esteve bem, pois, o Tribunal a quo, ao não julgar procedente o pedido de declaração de prescrição da divida exequenda, confirmando-se, assim, nesta parte, a decisão recorrida.
4.3. Mas a Recorrente vem ainda imputar à sentença recorrida erro de julgamento de direito por ter concluído pela legalidade da actuação da administração tributária ao desconsiderar as facturas contabilizadas pela Recorrente no pressuposto de que as mesmas não titulam operações efectivas.
Vejamos, pois, se nesta parte assiste razão à Recorrente sendo que, nesse sentido, importará, antes de mais, apurar se a Administração Fiscal reuniu, ou não, os elementos necessários que legitimassem a sua actuação, isto é, que as facturas em causa eram falsas (fundamentação substancial) e se tais factos se encontram acolhidos no probatório da sentença posta em crise.
A este propósito importa desde já salientar que, como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal, aplicando as regras do ónus da prova do artigo 74º da LGT, compete à administração tributária, quando desconsidera as facturas que reputa de falsas, fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
E que, realizada tal prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção [cfr., entre muitos outros, Acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF].
Ora, tendo nós visto já o que diz a Recorrente relativamente à fundamentação da administração fiscal [cf. as alegações de recurso e em especial as suas conclusões VII e seguintes) vejamos agora quais os factos invocados pela Administração Tributária para desconsiderar as facturas a fim de poderemos concluir, ou não, que aquela recolheu indícios sérios de que a operação referida naquelas facturas foi simulada. Tudo, em ordem a ajuizarmos do acerto, ou não, da conclusão extraída pelo Tribunal a quo na sentença sob recurso de que a administração tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que as facturas contabilizadas pela Impugnante são falsas por às mesmas não subjazerem as prestações de serviços que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.
Tendo, porém, sempre presente que (i) não é imperioso que a administração tributária efectue uma prova directa da simulação já que, «como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154.» e (ii) uma delimitação ou definição muito clara de indícios identificados como factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência (cfr., João de Castro Mendes citado por José Luís Saldanha Sanches, in «A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª edição, pág. 311»).
Ora, conforme resulta dos autos, mais concretamente do Relatório de Inspecção e do acolhimento de tais factos no probatório, a administração tributária considerou que as facturas contabilizadas pela Recorrente não correspondem a efectivas operações, essencialmente, com base nos seguintes factos indiciários:
- A Impugnante está registada em IRC/IVA pela actividade de “Construção de Edifícios/Gessos projectados - CAE 45211” e que “não possui um quadro de pessoal para o exercício da sua actividade. Deste modo os serviços são feitos através de subcontratos” (alínea b) do ponto III)
- Detectou-se na conta 6211 - Subcontratos, o registo contabilístico de várias facturas emitidas por: J… - contribuinte n° 191 696 412, R… - contribuinte no 189 894 482 e P… - contribuinte n° 199 235 376, que os SPIT consideraram como falsas ((alínea c) do ponto III)
- Os SIT alicerçaram a sua decisão dizendo que “Foi ouvido o sócio gerente A… - 149884214, em auto de declarações, que sucintamente declara que até ao momento não foram encontrados quaisquer contratos ou autos de medição das obras constantes das facturas referidas no ponto 1.2. O serviço da medição das obras era executado por O…, contribuinte n° 146877039, (...) A empresa não possui quaisquer folhas de presença dos sujeitos passivos que emitiram as facturas, em virtude de não serem trabalhadores da empresa, mas sim subempreiteiros. Por último o declarante apresentou dez declarações assinadas com o nome de J…. Quanto às declarações agora apresentadas e que o sócio gerente diz serem de J…, chama-se a atenção para os seguintes factos: As facturas recolhidas na sociedade D…,Lda., e emitidas por J…, têm todas elas uma assinatura / rubrica totalmente ilegível. Na consulta efectuada ao arquivo verificou-se que o referido sujeito passivo teve uma acção inspectiva através do despacho n° 18819. Do relatório elaborado em 09/11/00, consta várias facturas emitidas para a empresa N…-Construções Investimentos, Lda., 501137220, no ano de 1997, as quais têm uma assinatura perfeitamente legível, que não corresponde à das facturas encontradas na empresa D….,. é de estranhar assim, que agora surjam dez declarações nas quais J…, se responsabiliza pelo valor das facturas emitidas para a sociedade em causa. Finalmente pode-se concluir que as assinaturas nelas contidas são parecidas com as que constam nas facturas emitidas para a empresa N…” (alínea d) do ponto III)
- Em relação ao J… “que encontra-se inscrito na cadastro IVA/IR, pelo exercício de actividade de construção de edifícios - CAE 045200, tendo em consideração as designações constantes das facturas, os serviços nelas contidos referem-se a estucagem/aplicação de gesso projectado (...) Enviou as declarações periódicas de IVA relativas ao 2ºT/96, 3ºT/96 e 4º7T96 (…) pelos documentos recolhidos na contabilidade da sociedade D…,Lda., verifica-se que os valores constantes das facturas de 1996 não entraram na respectiva declaração periódica” (alínea e) do ponto III)
- J… “Não apresentou a declaração de rendimentos de 1996. Foi apresentada declaração de rendimentos mod./2 do IRS, relativa ao exercício de 1997, todavia não foram declarados os valores das facturas emitidas à impugnante (…) não declarou qualquer valor relativamente a remunerações com pessoal. Por fim não há conhecimento que o sujeito passivo tenha qualquer equipamento ou pessoal ao seu se/viço, para executar o valor da facturação para D… Lda.” (alínea f) do ponto III);
- Relativamente ao sujeito passivo R…, os SPJT apuraram que “o sujeito passivo encontra-se inscrito no cadastro de IR/IVA pelo exercício da actividade de acabamento n.e. - CAE 045450, desde 04/01/1994. Tendo em consideração as designações constantes das facturas, os serviços nelas contidos referem-se a estucagem/aplicação de gesso projectado. (...) Dos documentos recolhidos na contabilidade da sociedade D…, Lda., verificou-se que as facturas constantes do ponto 1.2 não entraram na escrita do sujeito passivo. O sujeito passivo somente tem registada a factura n° 57 para D…, Lda., no ano de 1997 (esta factura não consta da contabilidade da sociedade). O sujeito passivo está indiciado como utilizador de facturação falsa em co- autoria com O…. O sujeito passivo não tem despesas com pessoal. Foi ouvido o sujeito passivo em auto de declarações relativo ás facturas emitidas em 1987 para Domingos Maia Pires, Lda. Sucintamente declara que não emitiu as facturas constantes do ponto 1.2., nem efectuou qualquer serviço para a referida empresa, à excepção do serviço relativo á factura n° 57 de 30/12797, no valor de 1.000.000$00 (s/IVA). Esta factura encontra-se registada e arquivada na sua escrita” (alínea g) do ponto III)
- Quanto ao P… os SPIT apuraram que “o sujeito passivo encontra-se inscrito no cadastro de IR/IVA, pelo exercício da actividade de pintura e colocação de vidros – CAE 045440, desde 8/11/1995, tendo em consideração as designações constantes das facturas, os serviços nelas contidos referem-se a estucagem/aplicação de gesso projectado. (...). Foi ouvido o sujeito passivo em auto de declarações relativo às facturas emitidas em 1997 para D…, Lda,. Sucintamente declara que não efectuou qualquer serviço para a referida empresa, excepto o serviço relativo à factura n° 12 de 24/03/97, no valor de 1.696.500$00 o qual foi recebido a dinheiro. Os cheques emitidos pela sociedade respeitam apenas a comissões sobre os valores facturados, O sujeito passivo esteve em Lisboa na Expo-98, a trabalhar para a referida empresa auferindo uma quantia mensal de 150.000$00” (alínea h) do ponto III)
- Em face destas conclusões os SPIT consideraram que “pode-se concluir que há indícios suficientes para considerar que, os documentos emitidos por J…, R… e P… não correspondem a nenhuma transacção comercial, traduzindo-se, assim, em facturação falsa” (alínea i) do ponto III) e por essa razão foi feita a correcção aritmética à matéria tributável do ano de 1996, no montante de 9.997.650$00, que originou a liquidação adicional n° 20018310018809 no montante de 5.872.872$00 (alínea j) do ponto III).
Como se disse no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 1-10-2010, a que vimos fazendo referência e em que esta questão foi igualmente analisada no âmbito de um processo que opunha as mesmas partes, divergindo tão só no tipo de imposto (IVA de 1996), «Estes “factos-índice”, analisados de forma integrada em concatenação e vistos à luz das regras da experiência, são suficientes para permitir justificar a actuação da administração tributária no sentido de desconsiderar o IVA constante das facturas, com o fundamento de que as operações referidas nessa factura são simuladas.»
Mais se diz no mesmo acórdão, que «Particularmente impressivo é, a nosso ver, o facto de os pagamentos dos elevados montantes titulados pelas facturas terem sido registados contabilisticamente a partir da conta Caixa, o que equivale a dizer que teriam sido feitos, alegadamente, pela utilização de numerário» (…)
Tudo, para aí se concluir, «(…) que a administração tributária demonstrou os pressupostos da sua actuação, passou a caber à Impugnante a provada de que as facturas titulam e documentam efectivas prestações de serviços.
Conclusão que, forçosamente, tem que ser realizada nestes autos, pois destes não consta como apurada qualquer factualidade que, considerada que fosse permitisse concluir de modo diverso.
Efectivamente, não vemos como possa ser defender-se que a Administração, face à factualidade que vimos relevando, na ausência doutros elementos documentais e, considerando, em especial o teor das declarações produzidas por dois dos alegados emitentes das facturas (R… e P…) pudesse ter agido doutro modo, ou seja, pudesse ter entendido que os factos recolhidos eram irrelevantes do ponto de vista da legitimação do dever de verdade da Impugnante perante as declarações fiscais prestadas perante a Administração Fiscal.
Tais factos, repita-se, são manifestamente indiciadores de que havia uma probabilidade séria de que as facturas emitidas não correspondiam a efectivas transacções ou, o mesmo é dizer que, no caso concreto, a Administração Tributária fez prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
Mas sendo assim, e tendo aqui em consideração a repartição de ónus de prova a que supra fizemos alusão, passou a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
Ora, é precisamente nesta sede que este Tribunal não pode subscrever integralmente, face à prova produzida, o entendimento professado na sentença recorrida.
É que, como resulta dos factos apurados, se relativamente às facturas apresentadas e emitidas por R… e P…, a Impugnante não logrou provar, minimamente, que tais facturas titulem verdadeiras operações materiais, o mesmo não ocorreu no que concerne às facturas emitidas por J….
Efectivamente, resulta dos factos apurados que a Impugnante no exercício da sua actividade recorria a subempreiteiros, que um desses subempreiteiros a que recorria nos anos de 1996 e 1997 era J…, que muitas vezes procedia ao pagamento dos valores facturados em numerário e que esse subempreiteiro declarou, a 30 de Dezembro de 1996, isto é, muito antes e inicio da realização da acção inspectiva, assumir a responsabilidade total pelos valores constantes das facturas 41, 42, 43 e 45, todas do ano de 1996, no valor total de Esc. 11. 697 250$00, precisamente as facturas (e valor), apresentados pela Impugnante em sede de IRC do ano de 1996 e desconsideradas pela Administração Tributária [cf. factualidade apurada em a), b), c), m), o), r), x), z) e aa)].
E não se diga que a alegada ilegibilidade da assinatura de J… nessas declarações ou a existência de inquéritos – crime, em que o referido J… possa ser arguido ou estar indiciado pela eventual prática de crimes de fraude fiscal, afastam a prova realizada já que, nem tal ilegibilidade ou desconformidade de assinatura se mostra comprovada nos autos, nem foi realizada prova de pendência desses processos crime e, muito menos, da que nesses processos haja sido, pelos factos e facturas vertidos na inspecção destes autos, condenado pelos crimes que alegadamente lhe são imputados.
Donde, e salvo melhor opinião, não assiste razão para que não seja concluído que a Impugnante cumpriu o ónus de prova que sobre si impedia de demonstração da veracidade das operações subjacentes à emissão de tais facturas e, consequentemente, pela procedência, nesta parte, da impugnação judicial deduzida e a subsequente anulação parcial da liquidação efectuada.
Procede, pois, parcialmente, o presente recurso.
V - Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder parcial provimento ao recurso e, revogando a sentença recorrida, anular a liquidação impugnada na parte em que desconsiderou o valor das facturas identificadas na alínea aa) do probatório, nos termos e com os fundamentos expostos.
Custas a meias e partes iguais pela Recorrente e pela Recorrida, em ambas as instâncias.
Porto, 9-2-2012
Ass. Anabela Russo
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos