Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00058/13.2BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/17/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL; NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAR PROVA; N.º 4 DO ARTIGO 5º, DA LEI Nº 41/2013, DE 26.06.
Sumário:O não cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 5º, nº 4, da Lei nº 41/2013, de 26.06, que aprovou o novo Código de Processo Civil, ou seja, a falta de notificação das partes, em processos na fase dos articulados, para apresentarem novos requerimentos probatórios ou alterem os que fizeram, impedindo o autor de fazer contraprova dos documentos particulares juntos aos autos que apontam no sentido de que recebeu determinadas cartas, constitui nulidade processual que determina a anulação de todo o processado posterior aos articulados incluindo a decisão final recorrida.*
* Sumário elaborado pelo relator.
Recorrente:A.
Recorrido 1:Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A. veio interpor recurso jurisdicional da sentença de 29.03.2019, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, pela qual foi julgada totalmente improcedente, por não provada, a acção administrativa especial instaurada pela Recorrente contra o Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I.P. e, consequentemente, absolvida a Entidade Demandada dos pedidos de: a) ser declarada inexistente e sem qualquer efeito jurídico, a decisão do Réu a considerar incumpridas as obrigações da Autora, a determinar a revogação do apoio financeiro concedido e respectiva conversão em reembolsável do apoio financeiro não reembolsável atribuído e o vencimento imediato da dívida, a ordenar a notificação da A. para proceder voluntariamente, em prazo fixado, à restituição daquele apoio e a determinar a respectiva cobrança coerciva; b) ser declarada também inexistente ou, pelo menos, nula e de nenhum efeito, a certidão de dívida emitida pelo Réu e datada de 29.09.2011; ser declarado que a Autora não incumpriu definitivamente as suas obrigações, não devendo consequentemente, ser convertido em reembolsável o apoio financeiro não reembolsável concedido e não estando, por isso, a Autora obrigada ao pagamento ao IEFP de qualquer importância.

Invocou para tanto que que: não foi cumprido o disposto no artigo 5º, nº 4, da Lei nº 41/2013, de 26.06; os factos 2º e 5º a 10º dados como provados em 1ª Instância foram incorrectamente julgados provados e o facto dado como não provado foi incorrectamente dado como não provado e que não era possível conhecer do mérito da acção na fase em que o processo se encontrava.

O Recorrido contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

O Ministério Público não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª – Os factos alegados nos artigos 7º, 8º, 9º e 10º da petição inicial são manifestamente controvertidos, pelo que, findos os articulados, deveria o juiz ter ordenado as diligências de prova que considerasse necessárias para o apuramento da verdade, determinando para o efeito, que fossem previamente notificadas as partes, para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que tivessem apresentado.

2ª – Tal não sucedeu, pelo que ocorreu violação da lei processual, devendo em consequência, ser revogada a decisão recorrida e ordenado o cumprimento da correcta e indicada tramitação processual.

3ª – Em caso algum podia o Tribunal “a quo” considerar provada e não provada a factualidade constante dos números 2. e 5. a 10. elencados na matéria de facto provada e do nº 1. constante da matéria de facto não provada.

4ª – Os factos vertidos nos números 2. e 5. a 10. da matéria de facto provada foram impugnados pela A./Recorrente na petição inicial, nomeadamente, nos artigos 7º, 8º, 9º e 10º daquele articulado e do processo administrativo junto aos autos não consta qualquer documento autêntico ou autenticado, com força probatória plena de tal factualidade.

5ª – Inexiste por isso, qualquer documento no processo administrativo que demonstre inequivocamente e sem susceptibilidade de prova em contrário, nomeadamente de natureza documental, pericial, testemunhal ou até por declarações de parte, que todo aquele supra especificado acervo factual deva ser considerado provado.

6ª – De facto, as decisões administrativas e os ofícios alegadamente remetidos à A./Recorrente, não são senão documentos particulares emitidos pelo próprio R. e as impressões do site electrónico dos CTT são igualmente documentos particulares de terceiro e como dos mesmos se alcança, a informação fornecida é meramente indicativa e não certificada oficialmente.

7ª – Por outro lado, o facto vertido no número 1. da matéria de facto não provada não pode igualmente ser considerado provado ou não provado, porquanto, a entender-se que o mesmo era relevante para a decisão da causa, deveria ter sido aberta a fase de instrução do processo.

8ª – Não o tendo sido, não pode afirmar-se, como na decisão recorrida, que a A./Recorrente não logrou efectuar “qualquer prova a este respeito”.

9ª – Por isso, caso não seja revogada a decisão sobre a matéria de facto, devem considerar-se:
- a) – como não provados, os factos vertidos nos números 2. e 5. a 10. da matéria de facto elencada como provada na douta decisão recorrida;
- b) – como provado, o facto vertido no número 1. da matéria de facto ali elencada como não provada.

10ª – Em qualquer caso, deve ser revogada a douta sentença recorrida, porquanto nenhuma decisão foi produzida pelo R./Recorrido, nomeadamente no sentido de considerar o processo de concessão de apoio financeiro como definitivamente incumprido pela A./Recorrente, ou de determinar a conversão em reembolsável do apoio financeiro entregue, o vencimento imediato da dívida, a consequente restituição daquele apoio financeiro e a respectiva cobrança coerciva.

11ª – Se tal decisão alguma vez foi proferida, nunca foi a A./Recorrente dela notificada.

12ª – A Recorrente não foi sequer notificada para se pronunciar em sede de audiência prévia, relativamente ao projecto de decisão do Recorrido naquele sentido ou em qualquer outro.

13ª – Nem foi a Recorrente notificada para proceder à restituição do apoio financeiro concedido no prazo de 60 dias (estipulado no termo de aceitação) ou em qualquer outro prazo.

14ª – A A./Recorrente realizou os três estágios profissionais previstos no processo de candidatura, no período compreendido entre 1/12/2009 e 30/11/2010, cumprindo com todas as suas obrigações relacionadas com a realização de tais estágios.

15ª – Não se justifica portanto, que se considere que a A./Recorrente não cumpriu as obrigações que assumiu no procedimento referenciado nos autos.

16ª – É por conseguinte, destituída de qualquer fundamento de facto ou de direito, qualquer eventual decisão que considere tais obrigações como definitivamente incumpridas pela Recorrente, que determine a conversão em reembolsável do apoio financeiro não reembolsável concedido e o vencimento imediato da dívida, que ordene a notificação da Recorrente para proceder voluntariamente à restituição e pagamento daquele apoio e que determine a respectiva cobrança coerciva.

17ª – Foram violados ou mal interpretados, o art.º 90º, nº 1, do CPTA; o art.º 5º, nº 4, da Lei nº 41/2013, de 26/06, que aprovou o novo Código de Processo Civil; o art.º 607º, nº 4 e nº 5, do C.P.C.; os artigos 100º e 133º, nº 2, alínea d), do C.P.A. e a Portaria nº 129/2009, de 30/01.
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II – Questão prévia suscitada: a nulidade processual decorrente do incumprimento do disposto no artigo 5º, nº 4, da Lei nº 41/2013, de 26/06, que aprovou o novo Código de Processo Civil.

A Recorrente alegou:

“A A./Recorrente impugnou nos artigos 7º, 8º, 9º e 10º da p. i.:
a) – a existência de qualquer decisão produzida pelo R./Recorrido, nomeadamente no sentido de considerar o processo de concessão de apoio financeiro como definitivamente incumprido pela A., ou de determinar a conversão em reembolsável do apoio financeiro entregue, o vencimento imediato da dívida, a consequente restituição daquele apoio financeiro e a respectiva cobrança coerciva; b) – a notificação à A./Recorrente de tal eventual decisão;
c) – a notificação à A./Recorrente para se pronunciar em sede de audiência prévia, relativamente ao projecto de decisão do R./Recorrido;
d) - a notificação à A./Recorrente para proceder à restituição do apoio financeiro concedido, no prazo de 60 dias (estipulado no termo de aceitação) ou em qualquer outro prazo.
Tais factos são manifestamente controvertidos, pelo que, findos os articulados, deveria o juiz ter ordenado as diligências de prova que considerasse necessárias para o apuramento da verdade – cfr. artº 90º, nº 1, do CPTA.
Para o efeito, deveria ter sido previamente ordenado o cumprimento do artº 5º, nº 4, da Lei nº 41/2013, de 26/06, que aprovou o novo Código de Processo Civil. Ou seja, deviam as partes, terminada a fase dos articulados, ser notificadas para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que tivessem apresentado.
Tal não sucedeu, pelo que ocorreu violação da lei processual, devendo em consequência, ser revogada a decisão recorrida e ordenado o cumprimento da correcta e indicada tramitação processual.”

O Réu contra-alegou, invocando que todos os factos dados como provados estão provados por documentos que se revelam suficientes para o Tribunal formar a sua convicção quanto à sua verificação.

Invoca ainda o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18.04.2018, processo nº 628/10.0 LRA.

Vejamos.

Os documentos invocados na decisão recorrida como fundamento para considerar os factos provados 5º a 10º, são particulares, como bem refere a Recorrente, pelo que provam, e a Recorrente não refuta, que as cartas expedidas para notificação desta dos diversos actos dados como provados pela 1ª Instância foram expedidas, mas não constituem meios de prova autênticos ou autenticados de que a Recorrente recebeu tais cartas.

É certo que se pode concluir de acordo com as regras de experiência comum e do teor dos documentos que o ora Recorrente recebeu tais cartas. Mas nenhum elemento de prova constante dos autos constitui um elemento de prova que não admita prova em contrário.

Pelo que ao ora Recorrente deveria, como alega, ter sido dada a oportunidade de fazer prova do contrário do que resulta dos documentos juntos aos autos.

Na verdade, dispõe o n.º 4 do artigo 5º, nº 4, da Lei nº 41/2013, de 26.06, que aprovou o novo Código de Processo Civil, que:

“Nas ações que, na data da entrada em vigor da presente lei, se encontrem na fase dos articulados, devem as partes, terminada esta fase, ser notificadas para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado, seguindo -se os demais termos previstos no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei”.

Tendo o processo sido decidido sem cumprimento deste preceito, não se concedeu à Recorrente o direito de ilidir a presunção, resultante dos documentos e das regras de experiência comum, do não recebimento de tais cartas .

Ora, essa falta de notificação conduziu a que se decidisse o processo com a prova produzida nos autos, sem proporcionar à Autora a junção de contraprova à prova produzida até então nos autos dos factos alegados nos artigos 7º a 10º da petição inicial.

O que traduz a prática de uma nulidade processual, susceptível de influir no exame e decisão da causa pois a produção de prova pode trazer resultado diverso para o pleito- do artigo 195º, nºs 1 e 2, do CPC de 2013.

Se tivesse sido cumprido o disposto no artigo 5º, nº 4, da Lei nº 41/2013, de 26.06, a Recorrente tinha a faculdade de indicar prova para os factos que alegou, o que determinaria o prosseguimento dos autos, para produção dessa prova e não a prolação da sentença contra as pretensões da Recorrente.

Procede o recurso logo com este primeiro fundamento, prévio, impondo-se anular todo o processado posterior aos articulados, nos termos do artigo 195º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil (de 2013) e ordenar o cumprimento do disposto no artigo 5º, nº 4, da Lei nº 41/2013, de 26.06.

Com prejuízo de todas as demais questões suscitadas, sobre o mérito da decisão recorrida.
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III - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

A). Anulam todo o processado posterior aos articulados incluindo a decisão recorrida.
B). Determinam a baixa do processo para que seja dado cumprimento do disposto no artigo 5º, nº 4, da Lei nº 41/2013, de 26.06, ou seja, notificação das partes para em 15 dias, apresentarem, querendo requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado, seguindo-se os demais termos processuais.
Custas pelo Recorrido.
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Porto, 17.04.2020

Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco