Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00135/12.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/18/2012
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:COMPENSAÇÃO
ACTO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO
ACTOS DE EXECUÇÃO
Sumário:1- A compensação por iniciativa da administração tributária só pode operar-se com a prática de um a acto administrativo tributário que ordene a compensação, e esta só pode ter lugar depois de aquele acto ter sido notificado ao executado.
2- E aprova de existência do acto administrativo tributário cabe à administração tributária como pressuposto que é da sua actuação.
3- A execução dos actos materiais de compensação sem que haja um acto administrativo tributário que a ordene, é ilegal, o que determina a sua anulação.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Texteis..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
TÊXTEIS…, S.A., com os sinais dos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Tributário de Braga que julgou improcedente a reclamação apresentada nos termos dos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário da compensação efectuada no processo n.º 3476201101008323 do Serviço de Finanças de Guimarães -2, em que é executada, interpôs o presente recurso formulando as seguintes conclusões:
1.ª – Os factos n.º 10 e 11 não podiam ter sido dados como provados, pois conforme se verifica juntos aos autos, a A.T. nunca praticou qualquer acto administrativo tributário de compensação. Sendo que a única coisa que foi notificada à Executada foram as demonstrações dos actos materiais praticados.
2.ª – Pelo que, entende a Executada ter incorrido a sentença ora recorrida em erro quanto à decisão da matéria de facto pois os pontos 10 e 11 dos factos dados como provados, não podiam ter sido dados como provados.
3.ª – O facto de a Administração Tributária ter obrigatoriamente que proceder à compensação não significa que a mesma o possa ser fazer sem qualquer respeito pelo princípio da legalidade, bem como das garantias da Executada constitucionalmente e legalmente consagradas. Sendo, também, que não pode equiparar-se a compensação (acto administrativo tributário) aos actos meramente formais, necessariamente, subsequentes aquela e à sua notificação.
4.ª – Sucedendo in concreto que a Administração Tributária passou de imediato para a pratica dos actos materiais sem antes se ter praticado e notificado o acto administrativo tributário de compensação que devia preceder à realização daqueles actos materiais.
5.ª – Conforme refere Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e de Processo Anotado (volume I, 6.ª edição, 2012, áreas editora, páginas 731 a 732): As actuações deste tipo são ilegais, pois não têm qualquer cobertura legal e, actualmente, o principio da legalidade, enunciado nos artigos 55.º da LGT e 3.º do CPA, tem um conteúdo positivo, erigindo a lei (em sentido lato, como bloco de legalidade) como fundamento e o limite de qualquer actuação administrativa.
6.ª – De facto, quanto às compensações de que a Executada reclamou não foi praticado qualquer acto administrativo tributário, nem foi o mesmo notificado à Executada ou à sua mandatária, de forma a que tomando conhecimento do respectivo conteúdo (elementos objectivos, subjectivos, substantivos e adjectivos) pudesse a Executada exercer relativamente ao mesmo os seus direitos de defesa.
7.ª – Por outro lado, a falta da prática do acto administrativo bem como a sua não notificação à Executada não ficam sanadas pelo facto de – tendo sido notificada da realização dos meros actos materiais, e verificando as ilegalidades cometidas – a Executada ter vindo, como devia, reclamar a ilegalidade da actuação da Administração Tributária. A qual é manifesta.
8.ª – Assim, ao não declarar a ilegalidade (nulidade) resultante da inexistência de acto administrativo tributário de compensação, bem como da respectiva notificação à Executada e à sua mandatária, a sentença ora recorrida violou o principio da legalidade, enunciado nos artigos 55.º da LGT e 3.º do CPA, bem como os artigos 77.º, n.º 6, da LGT e 36.º, n.º 1, do CPPT. Pois no respeito de tal princípio e artigos, a sentença recorrida devia ter entendido que o acto administrativo de compensação bem como a respectiva notificação à Executada e sua mandatária são impreteríveis, resultando da omissão da sua prática a anulação dos meros actos materiais de compensação realizados.
9.ª – No âmbito da presente execução, a Ré nunca foi notificada de qualquer acto relacionado com as compensações cuja ilegalidade invocou, nem do acto administrativo que devia ter existido, nem sequer dos actos materiais.
10.ª – Ora, também esta actuação da Administração Tributária não pode deixar de ser considerada ilegal, uma vez que apesar de já se ter apropriado de créditos da Executada que constituem quantia exequenda no âmbito do presente processo, a verdade é que no âmbito do mesmo nunca se procedeu à notificação da Executada nem do acto administrativo tributário que devia ter existido, nem sequer dos actos materiais.
11.ª – Para além de que, os factos de as notificações dos actos de compensação supra referidos serem incompreensíveis e de em algumas notificações nem sequer se referir o número do processo de execução fiscal a que as compensações são relativas impedem que a Executada se defenda adequadamente, violando tais notificações o previsto no artigo 36.º do CPPT e nos n.ºs 3 e 4, do artigo 268.º, da Constituição da Republica Portuguesa, padecendo as mesmas de nulidade, que a sentença a quo devia ter reconhecido.
12.ª – o presente processo executivo tem como quantia exequenda dividas relativas a incentivos recebidos pela Executada do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu (IGFSE).
13.ª – Assim, as verbas em causa constituem recursos próprios comunitários que não podem ser compensados com “dívidas provenientes de outros tributos” – nomeadamente com créditos por devolução de IVA como sucedeu in casu – nos termos da alínea d), do n.º 3, do artigo 89.º, do CPPT. Sendo que apesar de a Executada não ter invocada esta matéria na sua petição, a mesma constitui matéria de Direito que pode ser conhecida pelo Tribunal a quem.
14.ª – Pelo que, ao não considerar ilegal os actos materiais de compensação realizados a sentença ora recorrida violou a alínea d), do n.º 3, do artigo 89.º, do CPPT. Norma de cuja violação resulta a ilegalidade/nulidade dos actos materiais de compensação realizados.
15.ª – Por outro lado, a conduta da Administração Tributária foi também ilegal pois tendo a Executada interposto impugnação judicial (in concreto, acção administrativa especial), ainda pendente, do acto constitutivo da dívida exequenda – os actos realizados violaram a alínea b), do n.º1 do artigo 89.º do CPPT.
16.ª – Se a própria existência do crédito da Administração Tributária está a ser discutida em acção judicial, não podia a Administração Tributaria apropriar-se de um direito da Executada com base naquele direito cuja existência é ainda controversa.
17.ª – Pelo que, ao não considerar ilegal os actos materiais de compensação realizados a sentença ora recorrida violou o n.º 1, do artigo 89.º do CPPT. Norma de cuja violação resulta a ilegalidade/nulidade dos actos materiais de compensação realizados.
Não houve contra-alegações.
Neste Tribunal o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário), cumprindo desde já decidir, uma vez que a isso nada obsta.
Questões a decidir:
- se há erro de julgamento da matéria de facto.
- se a sentença padece de erro de julgamento de direito ao julgar legais as compensações efectuadas por iniciativa da administração tributária.
II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1. DE FACTO
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu como assente a seguinte factualidade:
1. Em 27.03.2009 foi declarada a insolvência da reclamante, no processo 1276/09.3TBGMR que correu termos no 1° Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Guimarães - cfr. decisão de fls. 3 dos autos e fls. 124 a 126 do PEF, integrado no Proc. 1101/11.5BEBRG UO.3 deste Tribunal, que se têm por reproduzidas para os devidos efeitos legais.
2. A decisão referida em 1 transitou em julgado em 29.04.2009 - cfr. cópia da certidão do registo comercial de fls. 72 a 79 do PEF que se tem por reproduzidas para os devidos efeitos legais.
3. Em 10.05.2010 foi ordenado o encerramento do processo de insolvência com plano previamente aprovado - cfr. fls. 55 a 56 do PEF que se tem por reproduzidas para os devidos efeitos legais.
4. A reclamante candidatou-se ao Programa Incentivos à Modernização da Economia (PRIME), tendo o projecto de financiamento sido aprovado - cfr. fls. 19 a 21 do PEF que se tem por reproduzidas para os devidos efeitos legais.
5. Por oficio recepcionado a 19.01.20 11 foi a reclamante notificada pelo Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu (IGFSE), para proceder à devolução, no prazo de 30 dias, do montante de € 147.639,40 - cfr. fls. 8 do PEF que se tem por reproduzidas para os devidos efeitos legais.
6. Em 20.02.2011 foi emitida a certidão de dívida pelo IGFSE - cfr. fls. 7 do PEF cujo teor se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
7. Na data referida em 6., foi emitida a guia de restituição n° 2/2011 no montante de € 169.338,99 - cfr. fls. 9 do PEF cujo teor se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
8. Em 04.03.2011 foi autuado, contra a reclamante, o processo de execução fiscal n° 3476201101008323, para cobrança da quantia global de € 169.338,99, respeitante às verbas recebidas pela impugnante do IGFSE, que corre termos no Serviço de Finanças de Guimarães 2 - cfr. fls. 9 do PEF cujo teor se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
9. A reclamante foi citada em 10.03.2011 - cfr. fls. 27 do PEF cujo teor se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
10. Em Agosto de 2011, a A.T. procedeu à compensação da dívida exigida no processo de execução referido em 8. com créditos a favor da reclamante, resultantes do reembolso de IVA do mês de Fevereiro de 2011, Maio de 2011 e Junho de 2011, no montante, respectivamente, de € 29.135,06; € 18.304,36 e de €24.851,06 - cfr. docs. de fls. 17, 18 e 19 dos autos que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
11. As compensações referidas no ponto anterior foram notificadas à reclamante em 23/08/2011, designadamente a demonstração da aplicação do crédito na execução fiscal - cfr. fls. 17 a 20 e fls. 57 dos autos, que se tem por reproduzidas para os devidos efeitos legais.
12. A AT notificou a reclamante da “demonstração de acerto de contas” no âmbito das compensações efectuadas - cfr. fls. 21 a 23 dos autos que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
13. A reclamante recebeu as notificações referidas no ponto anterior em 6/09/20 11- cfr. doc. 8 de fls. 42 que aqui se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
14. Por não se conformar com as compensações atrás referidas a reclamante apresentou a presente reclamação no Serviço de Finanças de Guimarães 2 em 15/09/2011 - cfr. fls. 4 dos autos que aqui se têm por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
15. A reclamação referida em 13 foi enviada e subscrita por advogada, a quem a reclamante outorgou procuração forense - cfr. fls. 4 e 27 dos autos que se tem por reproduzidas para os devidos efeitos legais.
16. A reclamante intentou contra o Ministério da Economia e Inovação acção administrativa especial, insurgindo-se contra o despacho do Presidente do IGFSE que determinou a restituição aquele IGFSE, da quantia de € 147.639,40 acrescido de juros no montante de € 21.699,59 (1), e que corre termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal com o n° de processo 1030/11.2 BEBRG UO. 1 - cfr. fls. 44 a 53 dos autos que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
17. Por despacho de 10.0 1 .20 12 o chefe do Serviço de Finanças de Guimarães 2 (em substituição), decidiu manter as compensações referidas em 1º.- cfr. fls. 60 dos autos que aqui se têm por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
18. O despacho referido no ponto anterior teve por base as informações da Autoridade Tributária e Aduaneira constantes de fls. 57 a 59 dos autos que aqui se têm por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
19. A presente reclamação foi apresentada neste Tribunal no dia 13.01.2012 - cfr. fls. 61 dos autos, que aqui se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.».
II.2. DE DIREITO
II.2.1. Do erro de julgamento da matéria de facto
Começa a recorrente por pôr em causa a matéria de facto vertida nos pontos 10 e 11 do probatório. Diz que os factos n.ºs 10 e 11 não podiam ter sido dados como provados uma vez que a administração tributária nunca praticou qualquer acto administrativo tributário de compensação. E que o que lhe foi notificado foram as demonstrações dos actos materiais praticados.
A recorrente distingue actos materiais de compensação e acto administrativo tributário de compensação. E, segundo a sua perspectiva, apenas foi notificada dos primeiros. Os pontos 10 e 11 do probatório, não traduzindo esta realidade por si afirmada, consubstancia na sua óptica erro de julgamento de facto.
Vejamos.
Consta dos pontos 10 e 11 do probatório:
10. Em Agosto de 2011, a A.T. procedeu à compensação da dívida exigida no processo de execução referido em 8. com créditos a favor da reclamante, resultantes do reembolso de IVA do mês de Fevereiro de 2011, Maio de 2011 e Junho de 2011, no montante, respectivamente, de € 29.135,06; € 18.304,36 e de €24.851,06 - cfr. docs. de fls. 17, 18 e 19 dos autos que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
11. As compensações referidas no ponto anterior foram notificadas à reclamante em 23/08/2011, designadamente a demonstração da aplicação do crédito na execução fiscal - cfr. fls. 17 a 20 e fls. 57 dos autos, que se tem por reproduzidas para os devidos efeitos legais. (negrito nosso).
Parece-nos claro que o que foi levado aos factos provados na sentença recorrida é exactamente o que a recorrente alega que aconteceu. O que se retira do probatório transcrito é que foi consumada uma compensação de créditos e que essa compensação foi notificada à recorrente. Em lado algum, ao contrário que parece ser a leitura da recorrente nos pontos 10 e 11 do probatório se fala da existência de um acto administrativo tributário a ordenar a compensação.
Deste modo, nesta parte, não procede o recurso.
II.2.1. Do erro de julgamento de direito
A segunda questão colocada pela recorrente prende-se com a distinção entre acto administrativo de compensação e actos materiais (ou de execução) de compensação.
Refere a recorrente que a «Administração Tributária passou de imediato para a prática dos actos materiais sem antes se ter praticado e notificado acto administrativo tributário de compensação que devia preceder à realização daqueles actos materiais.».
O Tribunal a quo não balizou devidamente a questão, e partiu do pressuposto que a ora recorrente quando falava na falta de notificação do acto administrativo tributário se estava a reportar às notificações das compensações consumadas, e considerou que tais notificações tinham sido validamente efectuadas. Ora estas notificações, quanto à sua efectivação nunca foram postas em causa pela ora recorrente.
O que a recorrente sempre alegou foi que não foi notificada de qualquer acto que ordenasse as compensações, não sabendo se tal acto sequer existia. Mas é ponto assente que foi notificada dos actos que executaram essa compensação – pontos 10 e 11 do probatório.
Daí que a questão que se coloca é saber se tem de existir um acto administrativo a ordenar a compensação, se esse acto tem de ser notificado ao executado, e no caso de as respostas serem positivas, quais as consequências que decorrem da omissão caso a compensação tenha sido executada.
Determina o artigo 89.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário que:
«Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração tributária …».
A compensação é uma forma de extinção das obrigações que pode ser utilizada quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor – artigo 847.º, n.º 1 do Código Civil.
E a esta reciprocidade de créditos se reporta também o artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário quando refere que «Os créditos do executado … são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à administração tributária…».
O que significa que, do lado da relação jurídica que aqui interessa, a Fazenda Pública é, relativamente ao mesmo contribuinte, credora (e contra ele já instaurou um processo de execução fiscal) e devedora (o que implica a obrigação de entregar ao contribuinte as quantias que tem em seu poder).
Fazer actuar a compensação no processo de execução fiscal sem antes praticar um acto nesse sentido e sem o comunicar ao contribuinte/executado não tem apoio legal, e viola o princípio da legalidade enunciado no artigo 55.º da Lei Geral Tributária e 3.º do Código de Procedimento Administrativo.
Como refere a recorrente, a obrigatoriedade de efectuar a compensação não implica que a administração tributária o possa fazer ao arrepio das normas legais aplicáveis ao procedimento tributário, designadamente a do artigo 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que estabelece que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (também o artigo 77.º, n.º 6 da Lei Geral Tributária). No caso o que a administração tributária fez foi consumar o acto sem que o interessado pudesse agir para o evitar.
E há que sublinhar, como abundantemente fez a ora recorrente, que uma coisa é o acto administrativo tributário a ordenar a compensação, outra, os actos materiais de execução dessa compensação. Ora a notificação destes actos não dispensa a notificação do primeiro, pois têm por objecto actos distintos e objectivos diferentes.
Sobre a matéria que ora tratamos escreve Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6ª edição, nota 12 ao artigo 89.º, p. 731-732, também citado pela recorrente:
«Tem-se constatado que, por vezes, a Administração Tributária não pratica um acto administrativo declarando a compensação, sendo esta efectuada através de operações materiais, designadamente a afectação de quantias em poder da Administração Tributária ao pagamento de dívidas fiscais, sem suporte em qualquer acto jurídico.
As actuações deste tipo são ilegais, pois não têm qualquer cobertura legal e, actualmente, o princípio da legalidade, enunciado nos arts. 55.º da LGT e 3.º do CPA, tem um conteúdo positivo, erigindo a lei (em sentido lato, como bloco de legalidade) como fundamento e o limite de qualquer actuação administrativa.
Assim, no nosso sistema de administração executiva, para poder dar um destino diferente às quantias que tem em seu poder e deviam ser entregues ao contribuinte, a Administração Tributária tem de praticar previamente um acto administrativo, isto é, um acto jurídico, praticado por quem tenha a qualidade de órgão, no uso dos poderes de autoridade de definição de situações jurídicas tributárias que a lei lhe confere, através do qual seja materializada a sua decisão de efectuar a compensação. Para além disso, praticado esse acto, só poder dar-lhe execução depois de ele se ter tornado eficaz em relação ao contribuinte, através da respectiva notificação (arts. 77.º, n.º 6, da LGT e 36.º, n.º 1, do CPPT).». (negrito nosso)
Do exposto resulta que as respostas à primeira e segunda questões enunciadas não podem deixar de ser positivas: a compensação só pode operar-se com a prática de um a acto administrativo tributário que ordene a compensação, e esta só pode ter lugar depois de aquele acto ter sido notificado ao executado.
E aprova de existência do acto administrativo tributário cabe à administração tributária como pressuposto que é da sua actuação – artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
A execução dos actos materiais de compensação sem que haja um acto administrativo tributário que a determine é, assim, ilegal, o que determina a anulação daqueles actos.
No caso dos autos não ficou provado a existência de qualquer acto administrativo tributário a ordenar a compensação que foi executada. Prova que incumbia à administração tributária.
Deste modo, a compensação de créditos efectivada no processo de execução fiscal é ilegal e terá de ser anulada, merecendo o recurso provimento (ficando prejudicado o conhecimento das demais questões nele suscitadas).
III – DECISÃO
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a reclamação e consequentemente anular os actos de compensação identificados em 10 do probatório.
Sem custas.
Porto, 18 de Abril de 2012
Ass. Paula Ribeiro
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Álvaro Dantas