Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00865/17.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/28/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:REFORMA DE SENTENÇA; OMISSÃO DE PRONUNCIA; IRRECORRIBILIDADE DE DESPACHO QUE APRECIA NULIDADE DE UMA DECISÃO IRRECORRÍVEL.
Sumário:
1 – De acordo com o disposto no n.º6 do art.º617.º do CPC, arguida perante o juiz que proferiu a sentença alguma nulidade, nos termos da primeira parte do n.º 4 do artigo 615.º, ou deduzido pedido de reforma da sentença, por dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada;
2. Formando-se decisão definitiva sobre as reclamadas nulidades, dessa decisão não cabe recurso ordinário para o tribunal superior. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:JAM, Unipessoal, Lda
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
JAM, Unipessoal, Lda., no âmbito da Ação Administrativa intentada contra o Instituto da Segurança Social IP, tendente, em síntese, à impugnação do ato que a obriga a restituir a quantia de 4.777,20€ correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial do subsidio de desemprego de trabalhadora despedida, tendo sido proferida Sentença em 4 de fevereiro de 2019 que julgou improcedente a Ação, absolvendo a entidade demandada do pedidos, veio interpor recurso, não da sentença, por não ser admissível, mas de ulterior Despacho de 8 de março de 2019 que indeferiu a requerida Reforma da Sentença, em resultado de, alegadamente, a mesma ser nula por omissão de pronuncia e lapso manifesto, por erro na qualificação jurídica dos factos e, por decorrência, ter errado na aplicação das normas jurídicas aplicáveis.
*
Formula a aqui Recorrente nas suas alegações de recurso, apresentadas em 25 de março de 2019, as seguintes conclusões:
1. Por sentença do TAF de Braga de 04/02/2019 foi a impugnação julgada improcedente.
2. No seu requerimento de fls. 169 a 179, de 13/02/2019, a Autora arguiu a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, mormente pelo facto de o Tribunal não se ter pronunciado sobre o valor, efetivamente, pago pelo Instituto da Segurança social à ex-trabalhadora e cuja prova consta dos autos.
3. Por despacho de fls. 186 a 189, proferido a 08/03/2019, foi indeferida a arguição de nulidade.
4. É esse o despacho de que ora se recorre nos termos do disposto no artigo 140.º e do n.º 3 alínea c) do artigo 142.º, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), e da al. g) do n.º 2 do artigo 644.º do Código de Processo Civil (CPC).
5. A Autora, ora Recorrente discorda em absoluto do sentido da decisão judicial em crise, o que motiva a apresentação do presente recurso jurisdicional, uma vez que é notória a nulidade invocada, que podia, e devia, ter sido conhecida pelo Tribunal a quo.
6. Lida e escrutinada a douta sentença, é manifesto que a mesma é omissa quanto à pronúncia sobre o facto determinante da suspensão do pagamento das prestações de desemprego pelo Instituto da Segurança Social, atenta a situação laboral da beneficiária/trabalhadora em causa.
7. Tendo tal facto sido alegado pela Autora e porque determinante do sentido da decisão, não poderia o Tribunal deixar de, sobre ele, se pronunciar.
8. Também no despacho recorrido (que indeferiu a arguição de nulidade) o Tribunal a quo faz tábua rasa quanto à questão da omissão de pronúncia, suscitada pela Autora, mormente quanto à questão das quantias efetivamente pagas pelo Instituto da Segurança Social.
9. Continuando sem conhecer, salvo o devido respeito, da questão de mérito concretamente suscitada pela Autora.
10. A questão sobre a qual o Tribunal a quo não se pronunciou, era, e é, essencial à descoberta da verdade e boa decisão da causa, mormente à aferição do concreto valor, efetivamente, pago pela Segurança Social.
11. E não obstante tal facto ter sido alegado pela Autora (desde logo em sede de Petição Inicial), o Tribunal a quo não lhe fez, por evidente lapso, qualquer referência na sentença.
12. Pelo que, a omissão de pronúncia em causa constitui causa de nulidade da sentença, nos termos dos art.º s 613º, n.º 2, 615º, n.º 1 alínea d) e 616º, n.º 2, alíneas a) e b), todos do CPC, aplicáveis por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
13. Acresce que, ao omitir pronúncia sobre tal questão, o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, errou na qualificação jurídica dos factos e, por decorrência, errou na aplicação das normas jurídicas aplicáveis, decidindo, inclusivamente, ao arrepio de decisões proferidas por Tribunais superiores sobre a matéria em causa.
14. Se o Tribunal não tivesse omitido pronúncia sobre a invocada questão da suspensão do pagamento das prestações de desemprego à trabalhadora em causa, em virtude da sua situação laboral, bem como se não se tivesse abstido de tomar conhecimento sobre o, efetivo, valor alegadamente pago pelo Instituto da Segurança Social à mesma, não teria julgado a ação improcedente e teria, por certo, revogado o ato impugnado - cfr. decorre da jurisprudência do alto Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 19-06-2014 no processo 01308/13) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 10-10-2014 no processo 00903/11.7BEAVR, que versam sobre a matéria em causa.
15. Pelo que a douta sentença, para além dos vícios apontados, corporiza uma flagrante situação de injustiça!
16. Sendo manifesto o vício de nulidade (por omissão de pronúncia) de que a mesma padece.
17. E, por isso, nulo o douto despacho recorrido que indeferiu a arguição da referida nulidade.
18. O Tribunal a quo, com a sua decisão, violou as disposições ínsitas nos artigos 613º, n.º 2, 615º, n.º 1 alínea d) e 616º, n.º 2, alíneas a) e b), todos do CPC, aplicáveis por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Nestes termos e nos demais de direito, que doutamente se suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, anulando-se o douto despacho recorrido, substituindo-se por outro que conheça da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, suscitada pela Autora no seu Requerimento de fls. 169 a 179, de 13/02/2019 e ordenando-se que o Tribunal a quo, na nova decisão a proferir, aprecie a questão suscitada pela Autora, com a consequente decisão de mérito que ao caso couber, assim se fazendo Justiça!”
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O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 29 de março de 2019
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O aqui Recorrido/ISS IP veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 29 de abril de 2019, nas quais concluiu:
1. Tendo, no caso concreto, o subsídio de desemprego da trabalhadora sido concedido pelo prazo de 360 dias, com início em 3 de Novembro de 2016 e tendo sido suspenso a 4 de Janeiro de 2017, o período de concessão ainda não se encontra esgotado, uma vez que ainda é possível à trabalhadora retomar e receber os 10 meses remanescentes, conforme resulta do art. 56.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro.
2. E, portanto, não tendo ainda esgotado a concessão nem cessado o direito, deve ser aplicada a jurisprudência do Acórdão do S.T.A. de 19-6-2014, 1ª Secção, Costa Reis, JSTA 000P17678, que, embora não adira à tese de que o subsídio de desemprego tenha de ser devolvido na totalidade a título de sanção, vem permitir claramente, nos casos em que ainda não se encontra esgotado o período de concessão, e onde a retoma do subsídio ainda é possível, que o Instituto da Segurança Social exija às Entidades Empregadoras adiantadamente a totalidade do montante que previsivelmente poderá vir a pagar a titulo de subsídio de desemprego, sem prejuízo da obrigação de devolução caso a trabalhadora não esgote a totalidade da concessão.
Termos em que, seja pela fundamentação de origem, seja com a fundamentação aqui defendida e que os factos provados permitem concluir, deverá ser mantida a sentença recorrida, assim se fazendo justiça.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 22 de maio de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir predominantemente se a referida decisão será suscetível de Recurso, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
Atenta a circunstância de aqui vir Recorrida, não a Sentença proferida em 1ª instância em 4 de fevereiro de 2019, mas antes o despacho ulteriormente proferido em 8 de março de 2019 que indeferiu a requerida Reforma da Sentença (Artº 616º CPC), tendente ao reconhecimento de omissão de pronúncia e lapso manifesto, por erro na qualificação jurídica dos factos e, por decorrência, errada aplicação das normas jurídicas aplicáveis da própria Sentença, é o referido Despacho que aqui se transcreve:
“Da reclamação quanto à sentença proferida por omissão de pronúncia e lapso manifesto, por erro na qualificação jurídica dos factos e, por decorrência, errada aplicação das normas jurídicas aplicáveis, constando do processo informação que, por si só, implicava necessariamente decisão diversa da proferida
A Autora invoca que deveria ter sido dado como provado o valor que a Ré pagou à ex-trabalhadora a título de subsídio de desemprego, devendo, quando muito, proceder-se à restituição apenas deste valor.
Atentando na decisão proferida, verifica-se, sem dificuldade, que não ocorreu qualquer nulidade por omissão de pronúncia nem tampouco ocorre lapso manifesto, como invocado. Senão veja-se.
Decidiu-se, com relevo para a reclamação que ora se aprecia, que:
“Avançando para a alegada desproporcionalidade do artigo 63º do Decreto-lei 220/2006, por o Réu estar a exigir mais à Autora do que o que pagou à ex-trabalhadora.
Quanto a esta invocação, já foram proferidos diversos acórdãos pelo TCA Sul, do qual se destaca o proferido em 07.03.2013, no processo 09466/12, na seguinte parte que, para aqui, se transcreve:
“[…]
Nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, do preenchimento das condições previstas no n.º 4 do artigo 10.º DL 220/2006, e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego (art. 63º). Mesmo que o período em que efetivamente houve o desemprego seja menor (aqui, 4 meses).
Aplicando aqui o básico art. 9º CCivil, não é possível concluir que o sentido desta regra legal não seja o da sua letra, que é muito clara.
Cfr. assim o Ac.TCAS de 19-11-2009, P. 5013/09.
[...]
O princípio/regra da proporcionalidade administrativa, de natureza relacional, significa que a limitação de bens ou interesses privados por atos dos poderes públicos deve ser adequada e a necessária aos fins concretos que tais atos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins. Portanto, implica
a) -A adequação ou idoneidade da medida aos fins prosseguidos,
b) -A necessidade da medida para atingir os fins prosseguidos (ou proibição de excesso), e
c) -O equilíbrio ou razoabilidade entre a medida e os fins prosseguidos por ela, considerando os prejuízos ou sacrifícios presentes.
Logicamente, o princípio/regra da proporcionalidade administrativa irreleva em caso de vinculações legais sobre a Administração (sem prejuízo do princípio geral normativo da proporcionalidade legislativa e judiciária, decorrente do art. 2º da Constituição).
E aqui há vinculação legal sobre o réu, pelo que não funciona o limite interno da discricionariedade administrativa que é o princípio da proporcionalidade da Ad. P.
Mas, indo agora à proporcionalidade enquanto elemento essencial para interpretar uma lei face à CRP e o direito em geral, i.e. como princípio geral normativo, não descortinamos excesso nem desequilíbrio entre esta medida legislativa e a necessidade objetiva pública de evitar fraudes ou excessos das entidades patronais neste tipo de cessações do contrato de trabalho por livre acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos, cessações essas que dariam e dão naturalmente direito a subsidio de desemprego.
É o que resulta do preâmbulo do cit. DL:
«O regime atual tem-se mostrado pouco eficaz na prevenção de situações de fraude no acesso e na atribuição indevida desta prestação, sendo necessário proceder a alguns ajustamentos e aperfeiçoar conceitos de modo que os mesmos possam ser mais operativos, promovendo-se, por isso, uma maior articulação entre os serviços de emprego e os da segurança social, reforçando e agilizando os canais de comunicação e a partilha de informação entre os mesmos.
Destaca-se ainda o facto de as medidas de combate à fraude, para além da promoção da poupança de recursos na segurança social, penalizarem os comportamentos que distorcem a concorrência entre empresas.
Assim, são definidas com rigor as condições em que, mesmo nos casos de cessação do contrato por acordo entre a entidade empregadora e o trabalhador, se mantém o acesso ao subsídio de desemprego, pois o sistema de proteção social não deve continuar a suportar os custos decorrentes de todas as situações de acordo entre trabalhadores e empresas, sem prejuízo, contudo, da consideração de situações específicas de verdadeira reestruturação das empresas, com vista a garantir a sua viabilidade económica, e, assim, dos postos de trabalho em causa».
Note-se que o acordo é livre, não podendo a entidade empregadora falar em confisco ou sanções. Trata-se de um ónus imposto por lei, justificadamente como vimos.
Finalmente, não há aqui qualquer enriquecimento sem causa do R., porque é a letra da lei, como causa justificativa, que impõe este pagamento (cf. art. 473º CCivil) numa área muito especial interesse público.
Cfr. Ac.STJ de 14-1-1972, BMJ 213º, p. 214ss; Ac.TCAS de , in CJA nº 96, p. 43ss; LUIS MENEZES LEITÃO, D. das Obrigações, I, 9ª ed., p. 478ss; A.VARELA/P.LIMA, CCA, I, p. 455-456.”.
Acolhendo, na íntegra, estes ensinamentos, verifica-se que, no presente processo, a situação em causa é idêntica, carecendo a Autora de razão. Assim, a norma em causa não é desproporcional, aplicando-se na sua integralidade.”.
Ou seja, o que vinha invocada era a desproporcionalidade da norma que sustenta o pedido de restituição de todo o período de subsídio de desemprego e, como se vê, tal foi apreciado e decidido. Necessariamente tal decisão prejudica o conhecimento do montante que foi efetivamente pago à ex-trabalhadora a título de subsídio de desemprego. Se a norma determina a restituição da totalidade e foi entendido que tal era devido, não se reveste de qualquer utilidade apreciar o montante que a ex-trabalhadora recebeu.
Sempre se diga, que o que a Autora ora pretende, a coberto de uma suposta nulidade da sentença por omissão de pronúncia, é uma decisão que lhe conceda provimento à sua pretensão. Mas tendo o Tribunal entendido que não havia qualquer desproporcionalidade na norma, a exigência do pagamento da totalidade do valor equivalente ao subsídio de desemprego é legal. Não há omissão porque todas as questões suscitadas foram apreciadas e não há lapso manifesto porque o Tribunal entendeu que a Autora não tinha razão.
Nestes termos indefere-se a presente reclamação, mantendo-se a sentença tal qual foi proferida.
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IV – Do Direito
Refira-se desde logo que se discorreu o seguinte na matéria de Direito na Sentença proferida em 1ª instância:
“No presente processo, a Autora sindica o ato que determinou o pagamento do valor correspondente à totalidade do subsídio de desemprego, atribuído à sua ex-trabalhadora MDM. Imputa-lhe vício de falta de fundamentação e erro nos pressupostos de facto (pois que não terá excedido as quotas constantes do artigo 10º, n.º 4 do Decreto-lei 220/2006) e desproporcionalidade da restituição (uma vez que a beneficiária não auferiu a totalidade do subsídio de desemprego).
Comece-se a análise pelo erro nos pressupostos de facto: a Autora, na sua petição inicial, alega que não excedeu as quotas constantes do artigo 10º, n.º 4 do Decreto-lei 220/2006, de 3 de novembro.
Ora, os normativos relevantes – artigos 10º, n.ºs 4 e 5 e 63º do Decreto-lei 220/2006 – dispõem que:
“[…]
4 - Para além das situações previstas no n.º 2 são, ainda, consideradas as cessações do contrato de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho, tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos, nos termos seguintes:
a) Nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores inclusive ou até 25% do quadro de pessoal, em cada triénio;
b) Nas empresas que empreguem mais de 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até 62 trabalhadores inclusive, ou até 20% do quadro de pessoal, com um limite máximo de 80 trabalhadores em cada triénio.
5 - Os limites estabelecidos no número anterior são aferidos por referência aos três últimos anos, cuja contagem se inicia na data da cessação do contrato, inclusive, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável.
[…]
Artigo 63.º
Responsabilidade pelo pagamento das prestações
Nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, do preenchimento das condições previstas no n.º 4 do artigo 10.º, e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego.”.
Portanto, há dois limites a considerar, em função dos quais se estabelece as quotas de trabalhadores que podem beneficiar de subsídio de desemprego:
i. número de trabalhadores que podem ser abrangidos no triénio que antecede o despedimento - desde o dia da cessação do trabalhador em causa (02.11.2016) até três anos antes (03.11.2013);
ii. número de trabalhadores no mês anterior ao início do triénio – outubro de 2013.
Na relação de trabalhadores junta pela Autora é possível proceder à contagem, manual, de 58 trabalhadores; desses, 7 cessaram contrato antes de outubro de 2013 (não tendo havido contratações entretanto), pelo que a Autora detinha 51 trabalhadores em funções.
Daqui decorre que a Autora poderia cessar o contrato com 25% do referido número de modo a que fossem abrangidos pelo subsídio de desemprego. Ora, aquela percentagem, no caso, correspondia a 13 trabalhadores (51/4=12.75).
Analisada a lista dos trabalhadores e as datas de cessação do contrato, em que, como a Autora indica, “demitido” significa que houve revogação do contrato de trabalho, e cotejado tal com a lista efetuada pelo Réu, verifica-se que a ex-trabalhadora MDM excedeu a quota de 13 trabalhadores para o referido triénio.
Tendo a Autora despedido treze trabalhadores, a trabalhadora MDM ficou de fora do benefício, pelo que tem efetiva aplicação o disposto no artigo 63º do Decreto-lei 220/2006.
Acrescente-se que tendo a ex-trabalhadora sido admitida em junho de 2015 e despedida em novembro de 2016, cumpriu o período de garantia de 360 dias de trabalho por conta de outrem, o que lhe confere direito ao subsídio de desemprego.
Avançando para a alegada desproporcionalidade do artigo 63º do Decreto-lei 220/2006, por o Réu estar a exigir mais à Autora do que o que pagou à ex-trabalhadora.
Quanto a esta invocação, já foram proferidos diversos acórdãos pelo TCA Sul, do qual se destaca o proferido em 07.03.2013, no processo 09466/12, na seguinte parte que, para aqui, se transcreve:
“[…]
Nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, do preenchimento das condições previstas no n.º 4 do artigo 10.º DL 220/2006, e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego (art. 63º). Mesmo que o período em que efetivamente houve o desemprego seja menor (aqui, 4 meses).
Aplicando aqui o básico art. 9º CCivil, não é possível concluir que o sentido desta regra legal não seja o da sua letra, que é muito clara.
Cfr. assim o Ac.TCAS de 19-11-2009, P. 5013/09.
[...]
O princípio/regra da proporcionalidade administrativa, de natureza relacional, significa que a limitação de bens ou interesses privados por atos dos poderes públicos deve ser adequada e a necessária aos fins concretos que tais atos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins. Portanto, implica
a) -A adequação ou idoneidade da medida aos fins prosseguidos,
b) -A necessidade da medida para atingir os fins prosseguidos (ou proibição de excesso), e
c) -O equilíbrio ou razoabilidade entre a medida e os fins prosseguidos por ela, considerando os prejuízos ou sacrifícios presentes.
Logicamente, o princípio/regra da proporcionalidade administrativa irreleva em caso de vinculações legais sobre a Administração (sem prejuízo do princípio geral normativo da proporcionalidade legislativa e judiciária, decorrente do art. 2º da Constituição).
E aqui há vinculação legal sobre o réu, pelo que não funciona o limite interno da discricionariedade administrativa que é o princípio da proporcionalidade da Ad. P.
Mas, indo agora à proporcionalidade enquanto elemento essencial para interpretar uma lei face à CRP e o direito em geral, i.e. como princípio geral normativo, não descortinamos excesso nem desequilíbrio entre esta medida legislativa e a necessidade objetiva pública de evitar fraudes ou excessos das entidades patronais neste tipo de cessações do contrato de trabalho por livre acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos, cessações essas que dariam e dão naturalmente direito a subsidio de desemprego.
(...)
Note-se que o acordo é livre, não podendo a entidade empregadora falar em confisco ou sanções. Trata-se de um ónus imposto por lei, justificadamente como vimos.
Finalmente, não há aqui qualquer enriquecimento sem causa do R., porque é a letra da lei, como causa justificativa, que impõe este pagamento (cf. art. 473º CCivil) numa área muito especial interesse público.
Cfr. Ac.STJ de 14-1-1972, BMJ 213º, p. 214ss; Ac.TCAS de , in CJA nº 96, p. 43ss; LUIS MENEZES LEITÃO, D. das Obrigações, I, 9ª ed., p. 478ss; A.VARELA/P.LIMA, CCA, I, p. 455-456.”.
Acolhendo, na íntegra, estes ensinamentos, verifica-se que, no presente processo, a situação em causa é idêntica, carecendo a Autora de razão. Assim, a norma em causa não é desproporcional, aplicando-se na sua integralidade.
Analisando, por fim, o vício de fundamentação.
Ao nível da falta de fundamentação, importa que, nos termos do disposto no artigo 152.º do C.P.A.,
(...)
Estes normativos correspondem ao cumprimento do postulado no artigo 268.º, n.º 3 da C.R.P., no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjetivo do administrado à fundamentação, sendo que, com a consagração de tal dever, se visa harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa conformar-lhes negativamente a esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à administração de atuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade.
Dito de outro modo, a fundamentação traduz a exigência de exteriorização das razões ou motivos determinantes da decisão, obrigando o autor do ato a ponderar a solução. Um ato estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão, e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação.
Ou seja, fundamentar um ato administrativo consiste em expor o raciocínio de aplicação aos pressupostos que se verificam no caso concreto face às normas jurídicas que regulam tal situação, ou que, pelo menos, permitem à Administração que um dado assunto seja apreciado, segundo o seu critério e à luz de determinado interesse público.
Conforme vem decidindo a jurisprudência, a fundamentação é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, porém só é suficiente quando permite a um destinatário aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão. Assim, há suficiência de fundamentação quando um destinatário normal, colocado na situação do real destinatário, apreender as razões de facto e de direito por que o autor do ato atuou como atuou.
Diferente da falta de fundamentação, é a discordância com o seu teor, o que se insere já num vício de violação de lei e não em vício de falta de fundamentação.
Cotejada a tramitação que desembocou na nota de restituição a que a Autora ora reage, efetivamente, desta, não é possível colher a fundamentação necessária para que se compreende de onde provém a restituição entretanto determinada. Contudo, na verdade, tal não impediu a Autora de reagir e de, efetivamente, após resposta à sua reclamação, intentar a presente ação, na qual se defendeu dos fundamentos da restituição determinada.
Ou seja, muito embora se verifique que houve vício de fundamentação, por um lado, a Autora não ficou impedida de se defender (o que veio, até, a fazer) e, por outro, o ato tem o conteúdo que legalmente deve ter, como acima se decidiu.
Deste modo, desconsidera-se a violação legal ocorrida, procedendo-se ao aproveitamento do ato administrativo impugnado.
Com o que improcede a presente ação e mantem-se o ato impugnado.”
Analisemos então o suscitado.
Sublinha-se desde logo que estamos em presença de um Recurso decorrente do indeferimento da requerida Reforma de Sentença.
Há desde logo uma questão incontornável e que se prende com o facto da sentença controvertida, atendendo ao valor da Ação, não ser recorrível.
Vejamos o Essencial da cronologia dos Factos que aqui relevam:
a) Em 6 de abril de 2017 A Autora apresente Ação Administrativa tendente a impugnar ato do ISS que havia determinado a devolução de montante concedido de subsídio de desemprego de trabalhador (4.777,20€);
b) O TAF de Braga profere Sentença em 4 de fevereiro de 2019, julgando improcedente a Ação;
c) Em 13 de fevereiro de 2019 veio a Autora apresentar Reclamação para o TAF de Braga, arguindo a NULIDADE da sentença, mais requerendo a correspondente REFORMA.
d) O TAF de Braga profere Despacho em 8 de março de 2019, indeferindo a Reclamação, mantendo-se a sentença tal qual foi proferida.
e) Desse Despacho vem a Autora a Recorrer para este TCAN em 25 de março de 2019
Como se sumariou no acórdão deste TCAN nº 02015/14.2BEBRG-B, de 23.11.2017 “De acordo com o disposto no n.º6 do art.º618.º do CPC, arguida perante o juiz que proferiu a sentença alguma nulidade, nos termos da primeira parte do n.º 4 do artigo 615.º, ou deduzido pedido de reforma da sentença, por dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada;
Formando-se decisão definitiva sobre as reclamadas nulidades, dessa decisão não cabe recurso ordinário para o tribunal superior.”
Com efeito, independentemente do sentido da decisão recorrida, não se mostra possível subverter o regime processual vigente admitindo-se um recurso relativamente a uma decisão que não o prevê (Valor da Ação 4.777,20€).
Em bom rigor, se o reclamante arguiu a nulidade da decisão que julgou improcedente a Ação junto do TAF de Braga, é porque reconheceu que essa decisão era irrecorrível, atento o valor da Ação, pois caso contrário, teria desde logo interposto Recurso para esta Instância.
Mas não, o reclamante sentiu necessidade de provocar uma nova decisão da qual pudesse Recorrer, e foi o que fez ao Recorrer do despacho de indeferimento da sua Reclamação.
Na realidade, o reclamante procurou engenhosamente obter indevidamente duas pronúncias sobre a questão das nulidades que aponta à decisão proferida em 1ª instância, a saber aquela que resultou da sua reclamação junto do TAF de Braga e por via de recurso para este TCAN.
Em qualquer caso, é incontornável que dispõe o n.º6 do art.º617.º do CPC que, «Arguida perante o juiz que proferiu a sentença alguma nulidade, nos termos da primeira parte do n.º 4 do artigo 615.º, ou deduzido pedido de reforma da sentença, por dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada; (…)».
Ora, se se forma decisão definitiva sobre as reclamadas nulidades, não se vê que dessa decisão caiba recurso ordinário para o tribunal superior.
Aqui chegados, é pois de manter o despacho do tribunal a quo, resultante da reclamação apresentada.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em manter o Despacho resultante da Reclamação apresentada por não admitir o mesmo Recurso.
Custas pela Recorrente
Porto, 28 de junho de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa