Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02307/19.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/22/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:DESISTÊNCIA PEDIDO, DECLARAÇÃO EXPRESSA VERSUS TÁCITA, HOMOLOGAÇÃO
Sumário:1 . A desistência do pedido tem formalidades próprias – v.g., art.º 290.º do Código de Processo Civil.

2 . O art.º 217.º Código Civil, sob a epígrafe "Declaração expressa e declaração tácita" preceitua que:
"1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam. ….”.

3 . Não pode o silêncio a uma notificação ser interpretado como querendo a desistência do pedido em relação a todos os co-Réus, além daquele que expressamente é co-requerente do pedido de desistência.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:MUNICIPIO (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . M., residente na Rua (…) inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, datada de 25 de Junho de 2020, que, no âmbito da acção administrativa instaurada contra o Município (...) e mais nove co-Réus, julgou válida e relevante a desistência do pedido, assim a homologando e, em consequência, declarou extinta a instância quanto aos pedidos formulados contra todos os Réus.
*
Nas suas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
"A) A instância extingue-se, entre outras causas, por via da desistência, conforme dispõe o artigo 277º, alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.
B) A desistência pode assumir duas formas: a desistência do pedido, que extinguir o direito que se pretendia fazer valer e a desistência da instância que apenas faz cessar o processo instaurado - artigo 284º do Código de Processo Civil.
C) A desistência do pedido é livre, e um negócio unilateral, em que o autor põe termo ao processo - artigo 283º do Código de Processo Civil.
D) Mas tal negócio deve porvir do autor, neste caso da aqui recorrente, e de uma vontade por si formada, devendo ser uma declaração expressa, exactamente porque provem do autor - artigo 217º, nº. 1 do Código Civil.
Porém,
E) Por sentença datada de 25/06/2020 foi decidido que "(...) julgo válida e relevante a desistência do pedido, homologando-a e, em consequência, declaro extinta a presente instância quanto aos pedidos formulados contra os Réus, de acordo com os artigos 277º, alínea d), 285º, nº. 1, 286º, nº. 2, 289º, nº. 1 e 290º todos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1º do CPTA."
F) Considerou ainda aquela decisão que, "regularmente notificada do sobredito despacho, a Autora, uma vez mais, nada disse ou requereu."
G) O Mº. Juiz a quo fez valer o silêncio da recorrente como meio declarativo, sem que tal valor seja atribuído pela lei, uso ou convenção - cfr. artigo 218º do Código Civil.
H) A decisão violou as disposições legais constantes do 217º e 218º do Código Civil, em conjugação com o disposto no artigo 283º do Código de Processo Civil, sendo por isso nula a presunção do M. Juiz a quo de que a recorrente desistiu do pedido.
I) Em casos duvidosos, prevalece, a declaração negocial menos gravosa para o declarante, nos termos do disposto no artigo 237º do Código Civil, que seria a desistência da instância.
J) O requerimento datado de 11/02/2020, com o número de documento 007347809 remetido pela recorrente aos autos não apresenta quaisquer dúvidas de que a desistência formulada se estende apenas a todos os pedidos formulados contra aquele primeiro Co-Réu.
K) No dia 20/03/2020 entrou em vigor o artigo 7º da Lei nº. 1-A/2020, de 19/03, que ordenou a suspensão para a prática de actos processuais em processos não urgentes que corressem termos, entre outros, nos tribunais administrativos, desde o dia 09 de Março de 2020.
L) A notificação da recorrente ocorreu em 21/04/2020, durante a lei que estabeleceu a suspensão dos prazos.
M) No decurso do prazo da suspensão, em 25/06/2020 é proferida a sentença de que se recorre.
N) Tal decisão é nula por violação de disposições legais do regime excepcional ocasionado pela doença SARs - Cov 2, em vigor à data em que a recorrente foi notificada para se pronunciar quanto ao acordo alcançado com um dos co-Réus, e sobre a manutenção dos autos contra os demais RR..
O) O M. Juiz a quo não respeito o prazo de concretização da notificação da recorrente do despacho de 21/04/2020,
P) Não respeitou o decurso do prazo concedido para a recorrente se pronunciar, nem sequer o prazo do justo impedimento de que a recorrente poderia beneficiar"
Termina, pedindo que "... o presente recurso [deve] ser recebido e, em consequência, ser declarada nula a sentença proferida, porquanto:
- a decisão violou as disposições legais constantes do 217º e 218º do Código Civil, em conjugação com o disposto no artigo 283º do Código de Processo Civil, quanto à presunção de que a recorrente desistiu do pedido;
- a decisão deve ser revogada porque foi proferida sem respeitar a suspensão de decurso dos prazos prevista pela Lei nº. 1-A/2020, de 19/03, mas também não respeitou as regras da notificação e prazo de que a recorrente deveria beneficiar para se pronunciar quanto ao despacho de 21/04/2020 ...".
*
Notificadas as alegações, apresentadas pela recorrente, supra referidas, vieram os co-réus F. e mulher M. apresentar contra alegações, sem conclusões, mas, nas quais, entendem dever ser julgado não provido o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
*
O Digno Procurador Geral Adjunto, neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, não se pronunciou.
*
Sem vistos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
*
2 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO
Com interesse para a decisão a proferir, atentos os documentos juntos aos autos e a posição das partes vertida nos respectivos articulados e requerimentos, importa ter em consideração os seguintes factos:
1 . M., viúva, intentou a presente acção administrativa contra MUNICÍPIO (...), M. e marido J., F., H. e esposa E., I., M., casada com B., A. e esposa A., C., divorciado, F. e esposa M., A. e J..
Formulou os seguintes pedidos:
« (…)
a) Ser a 1ª. R. condenada a reconhecer que a descrição da composição das fracções "B" e "C” do prédio sito na Rua (…), descrito na competente Conservatória do Registo Predial com o nº. 1123 e inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob o artigo 8542, e constante do alvará de Propriedade Horizontal não corresponde à realidade física;
b) Ser a 1ª. Ré condenada a emitir documento bastante para efeitos de rectificação da propriedade horizontal, no prazo máximo de 30 dias após prolação da sentença, fazendo do mesmo constar que:
“- Fracção B - habitação no R/Chão frente com entrada pelo n° 85 da Rua (…), compreendendo cozinha e sala, quarto e banho, possuindo 29,5 m2 de área coberta e sendo-lhe atribuído 8% do valor total do prédio.
- Fracção C - habitação no R/Chão traseiras com entrada pelo n° 85 da (…), compreendendo cozinha e sala, 2 quartos, banho, varanda nas traseiras e despensa, possuindo 4,5m2 de área coberta, 3,5 m2 de área de varanda e sendo-lhe atribuído 14% do valor total do prédio."
c) Ser a 1.ª R. condenada à emissão de documento bastante sem custo para a A.;
d) Em consequência da emissão do documento bastante pela 1.ª R., serem todos os RR., identificados de 2 a 10 condenados a reconhecer que a composição das fracções "B" e "C" do prédio sito na Rua (…), descrito na competente Conservatória do Registo Predial com o n.º 1123 e inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob o artigo 8542, têm a seguinte composição:“
-Fracção B - habitação no R/Chão frente com entrada pelo nº. 85 da Rua (...), compreendendo cozinha e sala, quarto e banho, possuindo 29,5 m2 de área coberta e sendo-lhe atribuído 8% do valor total do prédio.
- Fracção C - habitação no R/Chão traseiras com entrada pelo nº. 85 da Rua (...), compreendendo cozinha e sala, 2 quartos, banho, varanda nas traseiras e despensa, possuindo 4,5m2 de área coberta, 3,5 m2 de área de varanda e sendo-lhe atribuído 14% do valor total do prédio."
e) serem os RR. identificados de 2 a 10 condenados a comparticipar, na proporção correcta da sua permilagem, nas despesas com a rectificação junto da escritura de constituição da propriedade horizontal, registo predial e outros que se mostrem necessárias, nos termos do disposto no artigo 1424Q do Código Civil;
f) Serem todos os RR. condenados a solidariamente ao reembolso à A da quantia de € 827,24 (oitocentos e vinte e sete euros e vinte quatro cêntimos) da diferença do IMI pago a mais nos anos de 1991 até à entrada dos presentes autos e ainda toda diferença de valores que se vençam até resolução definitiva da presente situação;
Ou, caso assim não se entenda,
g) Serem os 1.ª, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º RR. condenados ao reembolso referido na alínea f) porquanto pelo incumprimento das normas a que estava obrigada a1.ª. R., deu origem ao erro notório na identificação da fracção da A. e os 2º a 5º RR. beneficiam directamente de uma redução injustificada do valor do IMI”.
2 . No decurso da acção, após dois pedidos de suspensão da instância por parte da A. e do co-réu Município (...), de 6/1/2020 e 29/1/2020, por se encontrarem em negociações no intuito de ser alcançado um acordo quanto ao litígio que os opõe, por requerimento de 11/2/2020, vieram a A e o co-Réu, através dos respectivos mandatários, dizer:
" M. e MUNICÍPIO (...) ... vêm informar que:
1.º
Alcançaram acordo quanto ao litígio que as opõe, tendo o Co-Réu procedido à rectificação do auto de vistoria de propriedade horizontal elaborado em 8/4/1981, como requerido pela A.
2.º
Com a emissão da referida certidão de rectificação pelo Co-Réu Município (...), a Autora nada mais tem a reclamar daquele Co-Réu.
3.º
Apresentando, por isso, desistência do pedido quanto ao primeiro Réu, que este aceita expressamente com a assinatura do presente requerimento".
3 . Por despacho de 13/2/2020, foi a A. notificada para "... no prazo de 10 (dez) dias, esclarecer se desiste de todos os pedidos formulados contra o Co- Réu Município (...), bem como se pretendia que a demanda prossiga os seus legais termos contra os restantes Co-Réus".
4 . Por despacho de 21/4/2020, foi a A. notificada " ... para vir aos autos, no prazo de 10 (dez) dias, esclarecer se desiste de todos os pedidos formulados contra o Co-réu Município (...) e contra os restantes Co-réus, com a advertência de que o silêncio será valorizado como declaração de desistência em relação a todos os pedidos formulados na petição inicial".
5. A Autora nada veio dizer na sequência das notificações ditas em 3 e 4 supra.
6 . Em 25/6/2020, foi proferida sentença onde, além do mais, se diz:
"... Entretanto, por requerimento apresentado em 11/02/2020, a Autora veio desistir do pedido quanto ao primeiro Réu. Entretanto, por requerimento apresentado em 11/02/2020, a Autora veio desistir do pedido quanto ao primeiro Réu.
*
Por despacho datado de 13/02/2020, foi determinada a notificação da Autora para vir aos autos esclarecer se desistia de todos os pedidos formulados contra o Co- Réu Município (...) bem como se pretendia que a demanda prosseguisse os seus legais termos contra os restantes Co-Réus.
*
Regularmente notificada do sobredito despacho, a Autora nada disse ou requereu.
*
Entretanto, por despacho datado de 21/04/2020, foi determinada nova notificação à Autora para vir aos autos esclarecer se desistia de todos os pedidos formulados contra o Co-réu Município (...) e contra os restantes Co-réus, com a advertência de que o silêncio seria valorizado como declaração de desistência em relação a todos os pedidos formulados na petição inicial.
*
Regularmente notificada do sobredito despacho, a Autora, uma vez mais, nada disse ou requereu.
**
Considerando a advertência expressa notificada à Autora e valorizando a postura processual pela mesma assumida, bem como atento o estabelecido nos artigos 283.º, n.º 1, 285.º, n.º 1, 286.º, n.º 2, 289.º e 290.º, todos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º do CPTA, e dada a natureza disponível do objecto dos presentes autos, julgo válida e relevante a desistência do pedido, extinguindo-se, consequentemente, o direito que a Autora pretendia fazer valer e a presente instância ...".

2 . MATÉRIA de DIREITO

No caso dos autos, a questão essencial a decidir resume-se em determinar se, na situação vertente, a decisão recorrida, ao julgar válida e relevante a desistência do pedido, assim a homologando e, em consequência, declarando extinta a instância quanto aos pedidos formulados contra todos os Réus e não apenas quanto ao co-Réu Município (...), incorreu em erro de julgamento.
*
Um dos argumentos propendidos pela A./recorrente prende-se com o facto de, quando a sentença questionada foi proferida - 25/6/2020 - estar em curso o período de suspensão de prazos judiciais, em virtude da situação pandémica da COVID 19, mais referindo, aliás, que a sentença foi proferida em período de férias judiciais.
Assim, não estaria finalizado o prazo dado à A. para dar resposta à notificação do Despacho judicial de 21/4/2020.
Vejamos!
De acordo com as Leis ns. 1-A/2020, de 19/3 e 16/202, de 29/5, no âmbito das medidas de prevenção e combate à pandemia COVID 19, os prazos judiciais em processos não urgentes - como é o caso dos autos - estiveram suspensos desde 9 de Março até 3 de Junho de 2020.
Ou seja, o prazo de 10 dias concedido pelo Despacho de 21/4/2020 apenas se iniciou em 3/6/2020, tendo, assim, terminado em 19 de Junho, pelo que a sentença questionada, proferida em 25/6/2020, foi lavrada já depois do prazo concedido e em período normal de funcionamento dos tribunais (e não em período de férias judiciais - estas de 15/7 a 31/8/2020 -, o que, mesmo neste caso, não tiraria validade formal e substancial à mesma).
Quanto a um eventual caso de justo impedimento para a prática do acto - resposta à notificação judicial - trata-se de possibilidade meramente hipotética que - convenhamos - não foi sequer aduzida na primeira intervenção processual da parte - como se impunha -, nem mesmo, em sede recursiva, são sequer aduzidos quaisquer factos que a possibilitassem.
Carece, assim, nesta parte, de razão a recorrente.
*
Quanto ao argumento de que o requerimento enviado em 11/2/2020 ---- ponto 2 da matéria dada como provada --- e a falta de resposta à notificação de 21/4/2020, não pode ter como consequência a desistência dos pedidos em relação a todos os 10 Réus.
Nesta parte, adiantamos, desde já, que assiste razão à A./recorrente.
Em primeiro 1.º lugar, da leitura do requerimento apresentado pela A. e Co-Réu Município (...), em 11/2/2020, resulta, inequivocamente, sem quaisquer dúvidas, que o mesmo apenas se refere à desistência do pedido quanto ao Réu Município (...) e quanto a todos os pedidos ("... nada mais tem a reclamar daquele Co-Réu ..." porque este procedeu à rectificação do auto de vistoria de propriedade horizontal em 8/4/1981, como se refere textual e expressamente no requerimento).
Em segundo lugar, consabido que a desistência da instância e, mais ainda do pedido (embora deste seja livre - art.º 286.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil), tem formalidades próprias, como decorre do previsto no art.º 290.º do Cód. Proc. Civil Art.º 290.º do Código de Processo Civil
"
Como se realiza a confissão, desistência ou transação"
1 - A confissão, a desistência ou a transação podem fazer-se por documento autêntico ou particular, sem prejuízo das exigências de forma da lei substantiva, ou por termo no processo.
2 - O termo é tomado pela secretaria a simples pedido verbal dos interessados.
3 - Lavrado o termo ou junto o documento, examina-se se, pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a confissão, a desistência ou a transação é válida, e, no caso afirmativo, assim é declarado por sentença, condenando-se ou absolvendo-se nos seus precisos termos.
4 - A transação pode também fazer-se em ata, quando resulte de conciliação obtida pelo juiz; em tal caso, limita-se este a homologá-la por sentença ditada para a ata, condenando nos respetivos termos
"., além de que, nos termos do disposto no art.º 291.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil, "Quando a nulidade provenha unicamente da falta de poderes do mandatário judicial ou da irregularidade do mandato, a sentença homologatória é notificada pessoalmente ao mandante, com a cominação de, nada dizendo, o ato ser havido por ratificado e a nulidade suprida; se declarar que não ratifica o ato do mandatário, este não produz quanto a si qualquer efeito" - como é o caso do ilustre mandatário do Município (...), o qual não dispõe de poderes especiais de desistência do pedido, como decorre da procuração junta com o requerimento apresentado em 5/1/2020, onde requer, com a A. a suspensão da instância -, devem os mandatários deter poderes especiais para o efeito, não podemos entender, do requerimento de 11/2/2020 e do silêncio da A. à notificação, qualquer intenção, mínima que seja, de que também pretendia desistir do pedido quanto a todos os RR.
Dispõe o 217.º Código Civil, sob a epígrafe "Declaração expressa e declaração tácita" que:
"1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
2 . O carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz" - sublinhado nosso.
Por sua vez, o art.º 218.º do Cód. Civil - "O silêncio como meio declarativo" preceitua que:
"O silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção".
Ora da conjugação destas normas resulta inequívoco que, por um lado, inexistindo declaração expressa de desistência quanto aos demais co-réus, inexiste do requerimento de desistência do pedido, apresentado em 11/2/2020, qualquer facto, com o mínimo de probabilidade, que, tacitamente, indicie uma vontade, declaração por parte da A. de que também pretende desistir do pedido em relação aos demais co-réus, que não só em relação ao co-Réu Município (...).
Acresce que, no caso concreto, inexiste qualquer lei uso ou convenção que atribua ao silêncio da A. à notificação que lhe foi enviada, no sentido de poder ser entendida como declaração de desistência do pedido quanto aos demais co-Réus.
*
Concluímos, deste modo, que não podia o silêncio da A. à notificação que lhe foi enviada valer também como querendo a desistência do pedido em relação a todos os 10 Réus.
*
Impõe-se, deste modo, a revogação da decisão recorrida, devendo o tribunal a quo prosseguir com a tramitação processual, se entretanto, nada obstar ao prosseguimento.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em:
- concedendo provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida; e,
- ordenar a remessa dos autos ao TAF do Porto para continuação da tramitação processual se, entretanto, a tal nada obstar.
*
Custas, nesta instância, pelos recorridos F. e mulher M. que contra alegaram.
*
Notifique-se.
*
DN.
Porto, 22 de Outubro de 2021

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Conceição Silvestre

___________________________________________
i) Art.º 290.º do Código de Processo Civil
"
Como se realiza a confissão, desistência ou transação"
1 - A confissão, a desistência ou a transação podem fazer-se por documento autêntico ou particular, sem prejuízo das exigências de forma da lei substantiva, ou por termo no processo.
2 - O termo é tomado pela secretaria a simples pedido verbal dos interessados.
3 - Lavrado o termo ou junto o documento, examina-se se, pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a confissão, a desistência ou a transação é válida, e, no caso afirmativo, assim é declarado por sentença, condenando-se ou absolvendo-se nos seus precisos termos.
4 - A transação pode também fazer-se em ata, quando resulte de conciliação obtida pelo juiz; em tal caso, limita-se este a homologá-la por sentença ditada para a ata, condenando nos respetivos termos
".