Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02953/17.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/05/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA; DESPEJO ADMINISTRATIVO;
FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS; AUTO-TUTELA EXECUTIVA;
FALTA DE INTERESSE EM AGIR;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«EMP01...»., NIPC ..., com sede no Largo ..., ..., instaurou acção administrativa contra [AA], [BB] e [CC], herdeiros regularmente habilitados de [DD], todos m.i. nos autos, formulando o seguinte pedido:
“Nestes termos e nos melhores de Direito que certamente V. Exa. suprirá, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, consequentemente, ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de €2.302,47 (dois mil, trezentos e dois euros e quarenta e sete cêntimos), acrescida dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento..

Por sentença proferida em 26/05/2021, nos autos de habilitação de herdeiros, que correram termos sob o nº 2953/17.0BEPRT-A, apenso a estes, foram habilitados [AA], [BB] e [CC], para, em substituição, assumirem nos autos principais a posição processual de réus, que antes era ocupada pela ré primitiva, [DD] (cfr. sentença a fls. 129-131 dos autos nº 2953/17.0BEPRT-A).
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada verificada a exceção dilatória de falta de interesse em agir e absolvidos os Réus da instância.
Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:

I. Ao ter julgado verificada a exceção dilatória da falta de interesse em agir, depois de praticados (ao longo de quase cinco anos) inúmeros atos processuais, o Tribunal a quo violou de forma clamorosa os princípios da economia e celeridade processual, estando por isso a sentença ferida de nulidade, que expressamente se invoca.

II. Andou mal o tribunal a quo ao absolver os Recorridos da instância por entender que existe falta de interesse em agir da Recorrente ao recorrer à ação administrativa comum, sob o argumento de que a Recorrente disporia de um mecanismo de autotutela declarativa e executiva, previsto na Lei 81/2014, de 19 de dezembro e no artigo 179º do CPA que lhe permite declarar o seu direito a receber rendas e, em falta de cumprimento voluntário, proceder à sua cobrança coerciva.

III. Decorre do artigo 179.º nº1 do CPA que a cobrança coerciva de obrigações pecuniárias mediante processo de execução fiscal será possível quando se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos: i) as prestações pecuniárias sejam devidas por força de um ato administrativo; e ii) estas devam ser pagas a uma pessoa coletiva pública, ou por ordem desta.

IV. Conforme decorre claramente do artigo 1º dos respetivos Estatutos, bem como do artigo 19º n.º 4 do RJAEL, a «EMP01...» é uma pessoa coletiva de direito privado, possuindo autonomia patrimonial, financeira e administrativa.

V. O facto de uma entidade privada estar habilitada por um ato jurídico público a exercer poderes públicos de autoridade não a transforma numa pessoa coletiva pública.


VI. A distinção entre pessoa coletiva de direito público e pessoa coletiva de direito privado é relevante na medida em que o próprio Código de Procedimento Administrativa continua, em certos casos e disposições legais específicas (como é o caso do artigo 179º CPA), a referir-se expressamente a pessoas coletivas de direito público, mesmo que tal norma se integre numa parte do

Código que à partida será aplicável a entes públicos e entes privados, sendo

certo que a referida distinção é essencial na definição da titularidade da capacidade de direito público em sentido formal, isto é, a aptidão de uma pessoa para praticar atos administrativos e para celebrar contratos administrativos.

VII. As empresas locais apenas podem ser admitidas a exercer poderes públicos de autoridade mediante habilitação legal expressa (diploma legal, estatutos ou contrato de concessão), nos termos do disposto no artigo 22º do Regime Jurídico do Sector Público Empresarial (DL n.º 133/2013, de 03 de outubro), que elenca taxativamente quis os poderes que as empresas públicas podem exercer, referindo no seu n.º 2 refere que os poderes especiais são atribuídos por diploma legal, em situações excecionais e na medida do estritamente necessário à prossecução do interesse público, ou constam do contrato de concessão.

VIII. A «EMP01...» está legal e expressamente habilitada a celebrar contratos de arrendamento sob o regime de renda apoiada, a receber as respetivas rendas, bem como a proceder ao despejo administrativo em caso de incumprimento da obrigação de desocupação e entrega da habitação à entidade detentora da mesma.

IX. A «EMP01...» não está expressamente habilitada a recorrer à execução fiscal para cobrança de valores em dívida, uma vez que inexiste norma legal ou estatutária que a invista nesse poder, que o legislador reservou para as entidades públicas.

X. O artigo 28º da Lei 32/2016 de 24 de agosto, apenas determina genericamente que “a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo” sem se referir, em parte alguma, à possibilidade de execução coerciva – a qual sempre estaria afastada em concreto, face ao teor do artigo 179º do CPA.

XI. A interpretação extensiva não pode ser utilizada para sustentar interpretações que não tenham um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, conforme decorre do artigo 9º n.º 2 do Código Civil e, muito menos, para sustentar interpretações contra legem, como é o caso da propalada pelo tribunal a quo, que contraria totalmente a letra do artigo 179º CPA.

XII. Se o legislador pretendesse conceder às empresas locais a possibilidade de execução coerciva de obrigações pecuniárias, tê-lo-ia feito, retirando a expressão “pessoa coletiva pública” da norma inserta no artigo 179.º do CPA, o que não fez porque quis intencionalmente reservar a possibilidade de recurso à execução fiscal às pessoas coletivas públicas.

XIII. A Recorrente não está a atuar por ordem de uma pessoa coletiva pública ou como sua “delegada”, uma vez que as empresas locais, como é a «EMP01...», gozam de autonomia administrativa, financeira e patrimonial e não atuam sob as ordens diretas dos seus acionistas.

XIV. O artigo 179.º do CPA configura uma norma geral e abstrata, não se tratando de um diploma legal ou contrato de concessão e jamais poderia ser esta norma a atribuir um novo poder público (o da remessa para processo de execução fiscal): o exercício do poder público é o pressuposto e não o resultado da aplicação do Código.

Sem prescindir,

XV. O artigo 17º n.º 2 da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei no 32/2016 (regime do arrendamento apoiado para habitação) determina que o contrato de arrendamento apoiado tem a natureza de contrato administrativo (e não ato administrativo).

XVI. O artigo 179.º nº1 do CPA, quando consagra o recurso ao processo de execução fiscal, tal como regulado na legislação do processo tributário, faz depender tal possibilidade de as prestações pecuniárias devidas a uma pessoa coletiva pública o serem “por força de um ato administrativo”.

XVII. As prestações pecuniárias em dívida – as rendas – não são devidas em função de um ato administrativo, mas sim em virtude de um contrato, (o contrato de arrendamento celebrado entre a Recorrente e o respetivo inquilino, onde as partes convencionaram direitos e obrigações reciporcas), mais concretamente, do incumprimento do contrato (pagamento das rendas) por parte do inquilino.

XVIII. Deixando uma das partes de cumprir os deveres a que contratualmente se obrigou, in casu o dever de pagar pontualmente a renda, verifica-se uma situação de incumprimento contratual que carece de tutela jurisdicional.

XIX. O legislado consagrou expressamente na lei determinadas prorrogativas da entidade – como modelar o conteúdo do contrato, resolvê-lo, proceder ao despejo administrativo, – e se esse fosse o seu intento, teria também consagrado expressamente a possibilidade de recorrer à execução fiscal para a cobrança dos valores em dívida, o que não sucedeu.

XX. Decorrendo a obrigação do pagamento das rendas da celebração do contrato de arrendamento e não de um ato administrativo e não sendo a Empresa Municipal em causa uma pessoa coletiva pública nem estando a agir por ordem de uma, não estão – duplamente – preenchidos os pressupostos exigidos pelo artigo 179.º do CPA, que não atribuiu às empresas locais o poder de emitir certidões com o valor de título executivo, com vista instauração dos processos de cobrança coerciva das dívidas.

XXI. De acordo com as regras de interpretação estabelecidas pelo artigo 9º do Código Civil, na fixação do alcance do artigo 179.º do CPA, presume-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, pelo que ao usar as expressões “pessoa

coletiva pública” e “ato administrativo”, pretendeu restringir o âmbito de aplicação do artigo 179.º do CPA àquelas específicas circunstâncias.

XXII. Sendo a entidade demandante uma Empresa Municipal, é inequívoco o seu interesse em agir, sendo a ação nos Tribunais Administrativos o meio idóneo para tal fim;

XXIII. A procedência da exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir determina que a Recorrente veja ser-lhe absolutamente negada a possibilidade de cobrar os valores em dívida!

XXIV. A decisão ora em crise que julgou verificada a exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir, indeferindo liminarmente a petição inicial, viola o disposto no artigo 179º do CPA, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que a admita, com todas as legais consequências.

Nestes termos e nos mais e melhores de Direito que serão supridos, deve ser declarada a nulidade da sentença recorrida com os devidos efeitos legais;

Caso assim não se entenda, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência ser revogada a douta decisão que julgou verificada a exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir, absolvendo os Recorridos da instância, substituindo-a por outra que determine o prosseguimento dos autos nos seus normais termos, com todas as legais consequências.
Fazendo assim Justiça.

Não foram juntas contra-alegações.

O Senhor Procurador Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
Atente-se no discurso fundamentador da sentença:

Da excepção dilatória da falta de interesse em agir

Atendendo a que a questão de direito que se coloca ao Tribunal, foi já apreciada e decidida, entre outros, nos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, proferidos nos processos nº 2143/21.8BEPRT e nº 2836/18.7BEPRT, respectivamente, de 23/06/2022 e 15/07/2022, entre a

mesma autora e diversos arrendatários (disponíveis para consulta em www.dgsi.pt, tal como todos adiante indicados sem outra referência), em obediência ao princípio da aplicação e interpretação uniforme do Direito (cfr. artigo 8º, nº 3 do Código Civil), e por se concordar plenamente com o ali decidido, consigna-se que se acompanha a fundamentação dos indicados acórdãos.


*

O interesse em agir, enquanto pressuposto processual autónomo, destaca-se da legitimidade na medida em que ultrapassa o âmbito da titularidade da relação material
controvertida, alcançando o campo da necessidade da tutela jurisdicional.

A falta de necessidade de tutela jurisdicional corresponde à falta de interesse processual

ou interesse em agir.

Como refere Mário Aroso de Almeida: “O pressuposto da legitimidade não se confunde com o do

interesse processual ou interesse em agir. Com efeito, pode não haver qualquer dúvida quanto à questão de saber se o autor se apresenta como titular de uma situação que o legitime a propor a acção (…) e, no entanto, poder questionarse a existência, nas concretas circunstâncias do caso, do interesse processual ou interesse em agir, por falta de uma necessidade efectiva de tutela judiciária e, portanto, de factos objectivos que tornem necessário o recurso à via
judicial…” (cfr. Mário Aroso de Almeida, in Manual de Processo Administrativo, Almedina, 4ª Edição, página 222).

Assim, o interesse em agir é o pressuposto pelo qual a parte, legítima, justifica a carência da tutela judiciária, decorrendo da situação, objectivamente existente, relativamente a um
interesse substantivo.
A este propósito, prevê o artigo 39º do CPTA que: “…Os pedidos de simples apreciação podem ser deduzidos por quem invoque utilidade ou vantagem imediata, para si, na declaração judicial pretendida, designadamente por existir uma situação de incerteza, de ilegítima afirmação por parte da Administração de existência de determinada situação jurídica, ou o fundado receio de que a Administração possa vir a adoptar uma conduta lesiva, fundada numa avaliação incorrecta da situação jurídica existente…”.


Tendo presente que o pressuposto processual do interesse em agir exige a verificação objectiva de um interesse real e actual, isto é, da utilidade na procedência do pedido, cumpre
analisar e decidir da (in)existência de tal interesse por parte da autora.

A falta de interesse em agir é uma excepção dilatória insuprível, cuja verificação obsta ao prosseguimento dos autos e determina a absolvição da instância ou o indeferimento da petição
inicial, no caso de não ter ocorrido ainda a citação do réu (cfr. artigo 89º, nº 1 e nº 4 do CPTA e 278º, nº 1,

alínea e) do CPC).


*

Compulsada a petição inicial verifica-se que, em 20/08/2013 a autora celebrou com [DD] contrato de arrendamento, nos termos do qual aquela deu de arrendamento a esta a fracção autónoma correspondente ao 1º, H, Entrada ...2, Bloco 2 do Empreendimento de ... sito na Rua ..., ...,
na freguesia ....

Tal contrato foi submetido, nos termos da sua cláusula 1ª, ao regime previsto nos

Decretos-lei nº 163/93 e nº 166/93, ambos de 7 de Maio. Mais resulta da sua cláusula 11ª que o arrendatário se obriga a respeitar o Regulamento Municipal para o Arrendamento de Habitações Sociais, aprovado pela Assembleia Municipal em 14/10/2004, tudo como resulta do documento nº
1 junto com a petição inicial.

Estamos, portanto, no âmbito de uma relação jurídica de arrendamento social, sujeita ao regime jurídico do arrendamento apoiado para habitação, constante da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro, que revogou o Decreto-Lei nº 166/93, de 7 de Maio.


Determina o artigo 2º, nº 1 da indicada Lei nº 81/2014 que: “O arrendamento apoiado é o regime

aplicável às habitações detidas, a qualquer título, por entidades das administrações directa e indirecta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais, do sector público empresarial e dos sectores empresariais regionais, intermunicipais e municipais, que por elas sejam arrendadas ou subarrendadas com rendas calculadas em função dos rendimentos dos agregados familiares a que se destinam.”.

No caso dos autos, vem peticionado o pagamento de rendas devidas à autora ao abrigo do contrato de arrendamento, pretensão que se situa no domínio da referida “relação jurídica de
arrendamento social”, pelo que é aplicável o regime jurídico da referida Lei nº 81/2014.

E, pese embora o contrato de arrendamento em causa nos autos tenha sido celebrado em 2013, é a Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro a aplicável por força da regra de aplicação da lei no
tempo que determina que: “Aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor ao abrigo de regimes de arrendamento de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social.” – cfr. artigo 39º, nº 2, alínea a) da Lei nº 81/2014.


Determina o artigo 28º, nº 3 da Lei nº 81/2014 que: “Caso não seja cumprida voluntariamente a

obrigação de desocupação e entrega da habitação a uma das entidades referidas no nº 1 do artigo 2º, cabe a essas entidades levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei.”, acrescentando o nº 3 que: “Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da
correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo.”.

De tais normas resulta que compete às entidades que detêm habitações em regime de arrendamento apoiado, como é o caso da autora: i) proceder ao despejo, caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação (cfr. n.º 1); e ii) promover a
execução das rendas, encargos ou despesas em dívida (cfr. n.º 2).

Acresce que, quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, as decisões de promover a execução das rendas, encargos ou despesas em dívida e de proceder ao despejo devem ser tomadas por tais entidades em simultâneo, o que faz
todo o sentido dado tratar-se de medidas de execução administrativas intimamente relacionadas.

Por conseguinte, é possível extrair das normas citadas os poderes de autotutela declarativa e executiva das entidades que detêm habitações em regime de arrendamento apoiado para promover quer a execução do despejo do arrendatário, quer a do valor devido pelo mesmo a título de rendas, encargos ou despesas.

Tal conclusão se extrai também do teor do artigo 17º, nº 3 da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro que preceitua que: “Compete aos tribunais administrativos conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado.”, do que resulta que, em matéria de contratos de arrendamento apoiado, os tribunais apenas são convocados para conhecer da sua invalidade ou cessação.

Ora, o despejo assente na falta de pagamento de rendas e a execução das rendas devidas têm a ver com a execução do contrato e assentam em título executivo consubstanciado em certidão negativa que ateste a falta de pagamento, a qual é emitida pela própria entidade que detém a habitação em regime de arrendamento apoiado.

Finalmente, no que especificamente concerne à execução das rendas em dívida, e ainda que não resultasse das normas acima enunciadas esse poder de autotutela executiva por parte das entidades que detêm habitações em regime de arrendamento apoiado, sempre o mesmo se retiraria da aplicação do disposto no artigo 179º do CPA, nº 1 e 2, relativamente à “Execução de
obrigações pecuniárias”, o qual prescreve que:


“1 - Quando, por força de um acto administrativo, devam ser pagas prestações pecuniárias a uma pessoa

colectiva pública, ou por ordem desta, segue-se, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de

execução fiscal, tal como regulado na legislação do processo tributário.


2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o órgão competente emite, nos termos legais, uma certidão

com valor de título executivo, que remete ao competente serviço da Administração tributária, juntamente com o

processo administrativo.”

Em primeiro lugar, embora o dever de pagamento das rendas, a cargo do arrendatário, não resulte directamente de um acto administrativo, o contrato de arrendamento apoiado – que é um contrato administrativo, nos termos do artigo 17º, nº 2 da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro - tem

objecto passível de acto administrativo.

Efectivamente, a atribuição das habitações em regime de arrendamento apoiado ocorre mediante concurso e o contrato assenta em decisão de atribuição da habitação (que consubstancia um acto administrativo), proferida subsequentemente ao concurso e na sequência de requerimento do arrendatário nesse sentido.

Porém, a entidade que detém a habitação em regime de arrendamento apoiado, em vez de atribuir a habitação exclusivamente através de acto administrativo, celebra um contrato com o arrendatário, por meio do qual ambos acordam os termos em que se conciliam os seus interesses
recíprocos no caso concreto, servindo o contrato esse fim.

Tendo o contrato de arrendamento apoiado objecto passível de acto administrativo, é aplicável o disposto no artigo 179º do CPA quando o arrendatário não proceda ao pagamento das rendas devidas, caso em que está a entidade que detém a habitação em regime de arrendamento apoiado legitimada a recorrer ao processo de execução fiscal para cobrança das quantias devidas a
esse título.

Em segundo lugar, apesar de, no caso em apreço, a entidade que detém a habitação em regime de arrendamento apoiado não ser uma pessoa colectiva pública – sendo a autora, diferentemente, uma empresa municipal de natureza privada -, é-lhe aplicável a norma do artigo 179º do CPA uma vez que a mesma se mostra sistematicamente inserida na parte IV do CPA, relativa à actividade administrativa, e, por força do artigo 2º, nº 1 do CPA, as disposições do CPA respeitantes à actividade administrativa são aplicáveis à conduta de quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, adoptada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo, sendo indubitável que a entidade que detém a habitação em regime de arrendamento apoiado exerce poderes públicos na execução do contrato de
arrendamento apoiado, nos termos acima já explanados.

Assim, fazendo aplicação do disposto no artigo 179º do CPA, na falta de pagamento das rendas devidas, a entidade que detém a habitação em regime de arrendamento apoiado tem o
poder de recorrer à execução fiscal com vista à concretização do pagamento da dívida.


Deste modo, concluímos que a autora dispõe de mecanismos de autotutela executiva

(execução do despejo e a execução fiscal) aptos a assegurar a tutela que vem requerer na presente acção (pagamento de rendas em dívida), pelo que não tem necessidade da tutela que requer nos
presentes autos.

*
Em conformidade com o exposto, cumpre concluir pela verificação da excepção dilatória

da falta de interesse em agir e, em consequência, absolver os réus da presente instância.

X
Vejamos,

Vem a Recorrente invocar a nulidade da sentença, por entender que a mesma viola os princípios da economia e celeridade processual.

Alega, para o efeito, que: “Ao decidir como decidiu no despacho saneador-sentença, o Tribunal violou de forma clamorosa os princípios da economia e celeridade processual, fazendo tábua rasa e tornando inúteis todos os inúmeros actos já até então praticados no processo, ao longo dos últimos quase cinco anos”.

Como é sabido, determina o artigo 615º, nº 1 do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, que:

“1 - É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que

torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não

podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”.

Nas suas alegações, a Recorrente invoca a acima indicada nulidade da decisão recorrida, por violação dos princípios da economia e celeridade processual.

Ora, compulsado o teor da alegação, constata-se que a mesma se reconduz a eventuais erros de julgamento da matéria de facto e/ou de direito, nenhum deles configurando qualquer das nulidades a que alude o artigo 615º, nº 1 do CPC.

Em conformidade, por não se verificar a nulidade imputada à decisão recorrida, desatende-se esta argumentação.

E o que dizer dos apontados erros de julgamento de Direito?

O interesse em agir como pressuposto processual exprime-se pela necessidade da tutela jurisdicional e, faltando, pode determinar genericamente a verificação de uma exceção dilatória.
Consiste, assim, na verificação da necessidade ou utilidade da ação, sendo definido como a necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação. A necessidade em causa não pode ser meramente subjetiva, confundindo-se com a opção pela demanda, antes tem de apreciar-se objetivamente e em relação à normatividade jurídica.
Donde o interesse em agir consiste na necessidade e utilidade da demanda considerado o sistema jurídico aplicável às pretensões invocadas, e a sua verificação ocorre sempre que o demandante tenha necessidade de intervenção judicial para reconhecimento da sua pretensão, tal como a configura no exercício da sua liberdade de conformação da ação.
A falta de interesse em agir é, assim, uma exceção dilatória inominada insuprível, cuja verificação obsta ao prosseguimento dos autos e determina a absolvição da instância ou o indeferimento da petição inicial, no caso de não ter ocorrido ainda a citação do Réu.
Voltando ao caso concreto, temos que sobre esta matéria já se pronunciou o Acórdão proferido em 18.06.2020, pelo TCASul, no processo 644/18.4BESNT, donde retiramos:

“Erro de julgamento quanto à interpretação do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08
Vem o Autor, Município ..., a juízo interpor recurso da sentença recorrida, que julgou procedente a exceção de falta de interesse em agir e absolveu o Réu da instância, com o fundamento invocado de erro de julgamento quanto à interpretação do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08.
Sustenta o Recorrente que existiu uma alteração à Lei n.º 81/2014, de 19/12, pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, pela qual se pretendeu obstar à execução dos despejos administrativos, tendo agora as entidades administrativas de recorrer aos Tribunais Administrativos.
Nesse sentido, entende que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de direito ao decidir pela falta de interesse em agir do Município na instauração da presente ação.

De acordo com o julgamento da matéria de facto decorre que entre o Autor e o Réu foi celebrado contrato de arrendamento de renda apoiada, sujeito à disciplina prevista no D.L. n.º 166/93, de 08/05, conforme estipulação constante do clausulado do contrato.
Com fundamento na falta de pagamento das rendas, em 18/10/2017 foi decidida a resolução do contrato e o consequente despejo (ponto 9 da matéria de facto assente) pelo Autor, ora recorrente.
Não tendo o Réu comparecido nos serviços do Autor, nem para contestar, nem para entregar as chaves do fogo, veio o Município ... instaurar a presente ação tendo por objeto o despejo, pedindo que o Réu seja condenado a entregar a habitação e pagar o valor das rendas em dívida.
A sentença recorrida veio a decidir pela falta de interesse em agir do Autor entendendo que a Lei n.º 81/2014, de 19/12 previu o despejo administrativo e que a Lei n.º 32/2016, de 24/08 “manteve, aperfeiçoou e reafirmou o mecanismo do despejo administrativo, da competência dos senhorios públicos, como são os Municípios, bem como da execução das dívidas de rendas não pagas, e outras inerentes (…)”.

De imediato se toma posição de que este julgamento se encontra correto, sendo de manter, embora com diferente fundamentação de direito.
Sem que seja possível extrair uma solução expressa e inequívoca da letra da lei, a mesma há de decorrer da interpretação conjugada de um conjunto de preceitos da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, a saber, os artigos 17.º, n.º 3, 28.º, 28.º-A e 35.º, n.º 3.
Com relevo, transcrevem-se as citadas disposições legais pertinentes para o caso:

Artigo 17.º, n.º 3: “Compete aos tribunais administrativos conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado.”.

“Artigo 28.º

Despejo

1 – Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação a uma das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, cabe a essas entidades levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei.
2 – São da competência dos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, consoante for o caso, as decisões relativas ao despejo, sem prejuízo da possibilidade de delegação.
3 – Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo.
4 – (Revogado.)

5 – Salvo acordo em sentido diferente, quaisquer bens móveis deixados na habitação, após qualquer forma de cessação do contrato e tomada de posse pelo senhorio, são considerados abandonados a favor deste, caso não sejam reclamados no prazo de 60 dias, podendo o senhorio deles dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação por parte do arrendatário.
6 – (…).

Artigo 28.º-A

Resolução alternativa de conflitos

As entidades locadoras podem recorrer à utilização de meios de resolução alternativa de conflitos para resolução de quaisquer litígios relativos à interpretação, execução, incumprimento e invalidade de procedimentos na aplicação da presente lei, sem prejuízo do recurso ao tribunal sempre que não haja acordo entre as partes.”.
A que acresce ainda o artigo 35.º, n.º 3: “Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação nos termos do número anterior há lugar a despejo nos termos do artigo 28.º.”.
Do quadro legal descrito extrai-se a competência dos tribunais administrativos para conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado, mas sem que se preveja a competência judicial em matéria de despejo.

O legislador elencou as matérias a que cabe a competência aos tribunais administrativos, especificando-as como sendo apenas a matéria da invalidade e da cessação do contrato, pois no demais, a competência é atribuída aos órgãos administrativos, nos exatos termos em que a lei o definir.
No que se respeita ao despejo, estabelece o artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação ao Município, cabe a essa entidade levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão do despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, consoante for o caso, in casu, ao Presidente da Câmara Municipal, sem prejuízo da possibilidade de delegação de competências.
Mais se estabelece que quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo.

O que significa que neste caso, quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, se confere a competência legal para determinar não apenas o despejo, mas também a sua execução, a um órgão administrativo.
Assim, especificamente no caso de o despejo ter por fundamento a falta de pagamento das rendas, o legislador conferiu à Administração o poder de decidir o despejo e de o executar, consagrando, por isso, o despejo administrativo.
O que implica que a lei consagrou o exercício do poder administrativo, quer de autotutela declarativa, quer de autotutela executiva, excluindo a competência jurisdicional dos tribunais administrativos para a execução do despejo.
A Administração tanto dispõe do poder de determinar a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas, como de determinar o despejo, assim como do poder de o executar.
Por isso, se prevê no citado artigo 28.º, n.º 5 que quaisquer bens móveis deixados na habitação, após qualquer forma de cessação do contrato e tomada de posse pelo senhorio, são considerados abandonados a favor deste, caso não sejam reclamados, podendo o senhorio deles dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação por parte do arrendatário.
O senhorio tem a competência legal para decretar o despejo e de o executar, assim como de fazer seus os bens móveis deixados na habitação, o que implica o reconhecimento legal não apenas da propriedade do imóvel, mas da posse do arrendado e, ainda, da propriedade dos bens móveis na mesma deixados que não sejam reclamados pelo inquilino.
Tal pressupõe que caiba à Administração o poder de determinar e executar o despejo administrativo.

Acresce ainda em auxílio da interpretação expendida que, segundo o artigo 28.º-A do diploma em análise, o inquilino pode recorrer à utilização de meios de resolução alternativa de conflitos para resolução de quaisquer litígios relativos à interpretação, execução, incumprimento e invalidade de procedimentos na aplicação da lei, sem prejuízo do recurso ao tribunal, sempre que não haja acordo entre as partes.
Tal disposição traduz que apenas quando o inquilino se oponha à decisão administrativa de resolução do contrato e do despejo ou da sua execução e a pretenda contestar, pode recorrer à via judicial ou recorrer aos meios de resolução alternativa de conflitos.
Deste modo, apenas quando não haja o acordo entre as partes existirá um litígio carente de resolução, a qual, por isso, não se atribui a sua resolução ao próprio órgão administrativo. Neste caso, apenas sendo contestada a decisão administrativa de resolução do contrato de arrendamento e do despejo administrativo pelo inquilino, se atribui a uma entidade terceira imparcial e independente a resolução do litígio, isto é, os tribunais administrativos, mediante a instauração de uma ação administrativa ou as vias de resolução alternativa de conflitos.
Não sendo impugnada a decisão administrativa, não existe litígio que careça de ser judicialmente dirimido.
No presente caso, os Réus nada disseram, nem contestaram a decisão de resolução do contrato e que determinou o despejo, assim como as medidas tendentes à sua execução, pelo que, não existe qualquer conflito ou litígio que urja resolver judicialmente.
No mesmo sentido o aponta o disposto no artigo 35.º, n.º 3 da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, no caso de existir uma ocupação sem título, em que não foi celebrado contrato de arrendamento e existe uma ocupação ilegal do imóvel, pois também neste caso, não sendo cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, há lugar a despejo administrativo, nos termos do artigo 28.º.
Assim, existindo a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio com fundamento na falta de pagamento de rendas, sendo decretado o despejo, assim como as medidas destinadas à sua execução, sem que o inquilino proceda à entrega das chaves, não entregando a habitação, mas sem contestar a decisão administrativa tomada, a ela não se opondo, não existe litígio ou conflito que careça de ser dirimido mediante o recurso à via judicial, dispondo o órgão administrativo da legal competência não apenas para decidir o despejo, como para o executar, não apenas na sua forma jurídica, mas incluindo a execução material do despejo.
No demais, consultando quer o Projeto de Lei n.º 108/XIII

(https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=39997), quer o Projeto de Lei n.º 122/XIII
(https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=40039), que estão na base da aprovação da Lei n.º 32/2016, de 24/08, que altera a Lei n.º 81/2014, de 19/12, não se extrai interpretação ou entendimento diferente.
O recurso à via judicial administrativa está unicamente pensado para as situações em que exista conflito entre as partes e em que o inquilino se oponha ou conteste a decisão administrativa de despejo, o que não se verifica no presente caso.”
Aplicando o aresto transcrito ao caso em apreço, com as necessárias adaptações, depreende-se que nos termos do artigo 28.º da Lei 32/2016 de 24.08, caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, são da competência dos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos, no caso o Conselho Diretivo, as decisões relativas ao despejo. Quando a causa resolutiva seja a falta de pagamento de rendas, o n.º 3 do artigo 28.º, ainda estabelece que a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo.
A única situação em que se verifica o uso à via judicial administrativa é quando o inquilino se oponha ou conteste a decisão administrativa de despejo.
Portanto, a Autora dispõe de meios de autotutela - declarativa e executiva - que lhe permitem alcançar os fins visados com a propositura da presente ação, designadamente no que respeita à determinação e execução do despejo/desocupação do fogo ocupado, nos termos da disciplina prevista no artigo 28.º da Lei n.º 32/2016 de 24.08.
À falta de necessidade de tutela jurisdicional por parte do Autor, corresponde a falta de interesse processual ou interesse em agir.
Sendo assim, é notório que nos presentes autos, a Autora carece de interesse em agir, o que representa exceção dilatória inominada que determina a absolvição da instância.
De resto, assim decidimos em 27/5/2022, no âmbito do proc. nº 654/18.1BEBRG onde discorremos:
Atendendo, à alegada falta de interesse agir, sendo esta uma exceção dilatória inominada insuprível, cuja verificação obsta ao prosseguimento dos autos e determina a absolvição da instância ou o indeferimento, da petição inicial, no caso de não ter ocorrido ainda a citação do Réu, estribou-se o Tribunal a quo, no entendimento que o Apelante tem mecanismos que lhe permitem assegurar a tutela requerida nos presentes autos, por força do DL 81/2014, de 19 de dezembro, alterado com a Lei 32/2016 de 24 de agosto.

Na óptica da Apelante - tal vício de falta de interesse em agir do Autor, não se verifica de todo - e assim, ao decidir como decidiu, incorreu o Tribunal em erro de julgamento, ao declarar-se como não competente para decidir sobre o mérito da ação, desde logo pela falta de necessidade de tutela jurisdicional por parte do A. a que corresponde a falta de interesse processual em agir e absolvendo os Réus da instância.
Cremos carecer de razão a Apelante.
Vejamos,

A decisão recorrida concluiu pela falta de interesse em agir do Autor.

Alicerçou-se, e bem, no Acórdão do TCA Sul de 18/6/2020, proferido no âmbito do processo nº 644/18.4BESNT.

Como aí se salienta, sem que seja possível extrair uma solução expressa e inequívoca da letra da lei, a mesma há de decorrer da interpretação conjugada de um conjunto de preceitos da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, a saber, os artigos 17.º, n.º 3, 28.º, 28.º-A e 35.º, n.º 3.

Com relevo, transcrevem-se as citadas disposições legais pertinentes para o caso: (…..)

Do quadro legal descrito extrai-se a competência dos tribunais administrativos para conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado, mas sem que se preveja a competência judicial em matéria de despejo.

O legislador elencou as matérias a que cabe a competência aos tribunais administrativos, especificando-as como sendo apenas a matéria da invalidade e da cessação do contrato, pois no demais, a competência é atribuída aos órgãos administrativos, nos exatos termos em que a lei o definir.

No que respeita ao despejo, estabelece o artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, cabe ao ora Autor levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão do despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, consoante for o caso, sem prejuízo da possibilidade de delegação de competências.

O que implica que a lei consagrou o exercício do poder administrativo de autotutela declarativa, excluindo a competência jurisdicional dos tribunais administrativos.

A Administração dispõe do poder de determinar a resolução do contrato de arrendamento.

Por isso, se prevê no citado artigo 28.º, n.º 5 que quaisquer bens móveis deixados na habitação, após qualquer forma de cessação do contrato e tomada de posse pelo senhorio, são considerados abandonados a favor deste, caso não sejam reclamados, podendo o senhorio deles dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação por parte do arrendatário.

O senhorio tem a competência legal para decretar o despejo, assim como de fazer seus os bens móveis deixados na habitação, o que implica o reconhecimento legal não apenas da propriedade do imóvel, mas da posse do arrendado e, ainda, da propriedade dos bens móveis na mesma deixados que não sejam reclamados pelo inquilino.

Tal pressupõe que caiba à Administração o poder de determinar o despejo administrativo.

Acresce ainda em auxílio da interpretação expendida que, segundo o artigo 28.º-A do diploma em análise, o inquilino pode recorrer à utilização de meios de resolução alternativa de conflitos para resolução de quaisquer litígios relativos à interpretação, execução, incumprimento e invalidade de procedimentos na aplicação da lei, sem prejuízo do recurso ao tribunal, sempre que não haja acordo entre as partes.

Tal disposição traduz que apenas quando o inquilino se oponha à decisão administrativa de resolução do contrato e do despejo ou da sua execução e a pretenda contestar, pode recorrer à via judicial ou recorrer aos meios de resolução alternativa de conflitos.

Deste modo, apenas quando não haja o acordo entre as partes existirá um litígio carente de resolução, a qual, por isso, não se atribui a sua resolução ao próprio órgão administrativo.

Neste caso, apenas sendo contestada a decisão administrativa de resolução do contrato de arrendamento e do despejo administrativo pelo inquilino, se atribui a uma entidade terceira imparcial e independente a resolução do litígio, isto é, os tribunais administrativos, mediante a instauração de uma ação administrativa ou as vias de resolução alternativa de conflitos.

Não sendo impugnada a decisão administrativa, não existe litígio que careça de ser judicialmente dirimido.

No caso concreto, como sentenciado, tendo o contrato de arrendamento apoiado objecto passível de acto administrativo, é aplicável o disposto no artigo 179º do CPA quando o arrendatário não proceda ao pagamento das rendas devidas, caso em que está a entidade que detém a habitação em regime de arrendamento apoiado legitimada a recorrer ao processo de execução fiscal para cobrança das quantias devidas a esse título.
Em segundo lugar, apesar de, no caso em apreço, a entidade que detém a habitação em regime de arrendamento apoiado não ser uma pessoa colectiva pública – sendo a autora, diferentemente, uma empresa municipal de natureza privada -, é-lhe aplicável a norma do artigo 179º do CPA uma vez que a mesma se mostra sistematicamente inserida na parte IV do CPA, relativa à actividade administrativa, e, por força do artigo 2º, nº 1 do CPA, as disposições do CPA respeitantes à actividade administrativa são aplicáveis à conduta de quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, adoptada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo, sendo indubitável que a entidade que detém a habitação em regime de arrendamento apoiado exerce poderes públicos na execução do contrato de arrendamento apoiado, nos termos acima já explanados.
Assim, fazendo aplicação do disposto no artigo 179º do CPA, na falta de pagamento das rendas devidas, a entidade que detém a habitação em regime de arrendamento apoiado tem o poder de recorrer à execução fiscal com vista à concretização do pagamento da dívida.

Portanto, a Autora dispõe de meios de autotutela - declarativa e executiva - que lhe permitem alcançar os fins visados com a propositura da presente ação, designadamente no que respeita à determinação e execução do despejo/desocupação do fogo ocupado, nos termos da disciplina prevista no artigo 28.º da Lei n.º 32/2016 de 24.08 - v. Acórdão deste TCAN de 23/6/2022 no proc. nº 002143/21.8BEPRT.

À falta de necessidade de tutela jurisdicional por parte da Autora, corresponde a falta de interesse processual ou interesse em agir.

O interesse processual ou interesse em agir (...) consiste, de acordo com a maioria da doutrina, na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação para, dessa forma, obter um benefício direto, com repercussão positiva imediata na esfera jurídica do autor, aferindo-se, assim, tal interesse pela alegação de uma situação concreta necessitada de tutela jurisdicional.

“O interesse processual não pode ser afirmado ou negado em abstracto: apenas comparando a situação em que a parte (activa ou passiva) se encontra antes da propositura da acção com aquela que existirá se a tutela for concedida, se pode saber se isso representa um benefício para o autor e uma desvantagem para o réu. Se a situação relativa entre as partes não se alterar com a concessão dessa tutela judiciária, então falta o interesse processual.” - cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “O Interesse Processual na Acção Declarativa”, 1989, pág. 6.

Sobre o interesse em agir pronuncia-se Vieira de Andrade como sendo um pressuposto que exige a verificação objetiva de um interesse real e atual, isto é, da utilidade na procedência do pedido - em “A Justiça Administrativa”, 2017, 16ª ed., pág. 292 e seguintes.

O interesse em agir apresenta-se como uma concretização da ideia de que a utilidade ou vantagem em causa há de ser “digna de tutela jurisdicional”.

Como se sumariou no Acórdão da RL de 19/01/2017, proc. 3583/16.0T8SNT.L1-2 “I - O interesse em agir é também apelidado de “interesse de agir”, “interesse processual”, “causa legítima da acção”, “motivo justificativo dela”, “necessidade de agir, ou necessidade de tutela jurídica.
“Como resulta de todas estas designações, consiste na necessidade de recorrer ao processo” (…).

Com efeito, o interesse em agir é um pressuposto processual positivo para aferir da necessidade da tutela judicial efectiva consagrada no artigo 20º da CRP e bem assim da adequação do meio processual utilizado; o interesse em agir afere-se no momento da propositura da acção onde se manifesta a pretensão.

Segundo o STJ - Acórdão de 09/5/2018, proc. 673/13.4TTLSB.L1.S1 -
“…..II) O interesse processual, apesar de a lei não lhe fazer referência, de forma direta, porque o Código de Processo Civil não o contempla como exceção dilatória nominada, continua a constituir um pressuposto processual relativo às partes;
III) Só se pode afirmar que há interesse processual quando a situação de incerteza, ou de dúvida, acerca da existência, ou não, de um direito ou de um facto, contra as quais o autor pretende reagir através da ação de simples apreciação, reunir objetividade e gravidade;

(…).

Na situação vertente, reitera-se, à falta de necessidade de tutela jurisdicional por parte da Autora, corresponde a falta de interesse processual ou interesse em agir.

Efectivamente não se evidencia qualquer meio contencioso pelo qual o inquilino haja impugnado qualquer acto, administrativo ou contratual.

Improcedem, desta feita, as Conclusões da alegação.
DECISÃO

Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Notifique e DN.
Porto, 05/5/2023

Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro