Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01357/13.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/21/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IRS; LIQUIDAÇÃO ADICIONAL; DEDUÇÃO À COLECTA, ELIMINAÇÃO DA DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL; ÓNUS DE PROVA.
Sumário:1 – Tendo o sujeito passivo auferido rendimento de trabalho dependente em Espanha, e apresentado a sua declaração de rendimentos em Portugal, por aqui ter a sua residência, e na qual declarou que a sua entidade patronal lhe reteve imposto, e se nessa sequência veio a ser emitida demonstração de liquidação de IRS de onde se extrai que lhe foi deduzido à colecta o montante que pagou/lhe foi retido a esse título em Espanha, e se foi liquidado imposto a pagar e se nessa sequência o sujeito passivo o pagou, as declarações por si apresentadas e que permitiram essa liquidação de imposto, presumem-se verdadeiras e de boa-fé, nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

2 - A eliminação da dupla tributação jurídica internacional [que se traduz na tributação cumulativa dos mesmos rendimentos no país da residência do sujeito passivo e no país da fonte], consiste na dedução do imposto pago no país da fonte dos rendimentos, até ao limite da fração do imposto português, calculado antes da dedução, correspondente ao rendimento proveniente do exterior.

3 - Recai sobre a Administração Tributária o ónus de demonstrar que existem fundamentos legítimos que são determinantes da sua actuação de proceder à correcção oficiosa às declarações dos sujeitos passivos, e nesse conspecto, provar os factos constitutivos atinentes ao seu direito à liquidação adicional sendo que, por seu lado, recai sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação, nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:M.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 12 de fevereiro de 2019, pela qual foi julgada procedente a pretensão impugnatória do ora Recorrido e determinada a anulação da liquidação adicional de IRS de 2009, que havia desconsiderado o valor de €4.295,57 correspondente ao imposto pago pelo Impugnante, ora Recorrido, no estrangeiro [em Espanha].

No âmbito das Alegações por si apresentadas [Cfr. fls. 106 a 111 verso dos autos em suporte físico], elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

CONCLUSÕES:

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra o ato de liquidação adicional de IRS n.º 2012 5005116390, do ano de 2009, da qual resultou, após acerto de contas, o valor a pagar de € 4.295,57;

B. Alega o Impugnante que lhe assiste o direito de deduzir aquele valor à coleta, uma vez que tal montante, segundo o mesmo, corresponde ao imposto retido pela sua entidade empregadora, sediada em Espanha, retenção certificada pela Agência Tributária espanhola.

C. Não se conforma a Fazenda Pública com o decidido, porquanto considera que da prova produzida não é de extrair a conclusão que serviu de base à decisão proferida, padecendo a mesma de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, nomeadamente pela forma como não foi valorada a prova produzida, quer erro de julgamento na apreciação da matéria de direito, uma vez que não efetuou correta subsunção dos factos dados como provados às normas jurídicas invocadas – artigos 15.º, 16.º, 22.º, n.º 6 e 81.º, todos do CIRS e 24.º, este da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha, pelas razões que passa a expender.

D. Entende a Fazenda Pública, aqui recorrente, que a liquidação impugnada se encontra de acordo com a lei vigente, inexistindo, portanto, qualquer violação de lei.

E. Para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de IRS, foi celebrada uma Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha, que vem estabelecer, nomeadamente, a metodologia para eliminar a dupla tributação.

F. Trata-se aqui de fazer operar um crédito de imposto por dupla tributação internacional, para o titular de rendimentos obtidos no estrangeiro, dedutível até à concorrência da parte da coleta de IRS proporcional a esses rendimentos líquidos e que são englobados ilíquidos do imposto pago no estrangeiro5.

G. Desta forma, visa-se eliminar a dupla tributação jurídica internacional (‘a tributação cumulativa dos mesmos rendimentos no país da residência do sujeito passivo e no país da fonte6), que consiste na dedução do imposto pago no país da fonte dos rendimentos, até ao limite da fração do imposto português, calculado antes da dedução, correspondente ao rendimento proveniente do exterior.

H. Face à Convenção celebrada entre Portugal e Espanha para eliminação da dupla tributação, terá de se atender ao disposto no artigo 81.º, n.º 2, do CIRS, o qual vem determinar que a dedução a efetuar não poderá ultrapassar o imposto pago no estrangeiro.

I. Neste caso, a dedução à coleta relativa à dupla tributação internacional corresponderá a uma importância igual ao imposto pago em Espanha.

J. Ora, imposto pago não significa, nem equivale, a imposto retido.

K. Consta aliás da alínea E) dos factos provados, que não se contesta, que o aqui recorrido, no ano de 2009, teve retenção de imposto no valor de € 4.295,57, conforme declaração emitida pela Autoridade Tributária Espanhola.

L. Porém, desconhece-se qual o imposto efetivamente pago nesse ano (2009) em Espanha.
_________________
5 Excerto do Acórdão do TCA – Norte, de 22.02.2012, proferido no processo n.º 00434/09.5BEMDL, disponível em www.dgsi.pt
6 Idem.

M. As declarações apresentadas pelo aqui Recorrido (“Certificado de retenciones e ingressos a cuenta del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas e Impuesto Sobre La Renta de las Personas Físicas – 2009”) limitam-se a fazer constar que a empresa ‘M., S.A.U..’ apresentou uma declaração anual de retenções e pagamentos por conta de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares sobre rendimentos de trabalho, relativo ao exercício de 2009, onde o ora Recorrido teve um Rendimento bruto de € 31.300,12, teve uma retenção efetuada de € 4.295,57 e gastos dedutíveis no montante de € 1.898,19.

N. Na verdade, nada é dito sobre qual o montante de imposto efetivamente pago (e não apenas retido), naquele território (Espanha).

O. Atendendo a que é sobre Portugal, o Estado da residência, que recai o ónus de eliminar a dupla tributação, o que é feito através de um método de imputação7, fácil se torna entender que o montante do imposto pago no país da fonte é um dado essencial para fazer funcionar o mecanismo da eliminação.

P. Apenas se justificaria que Portugal (Estado da residência) deixasse de arrecadar o imposto sobre um rendimento obtido em Espanha (Estado da obtenção do rendimento), através da dedução à coleta relativa à dupla tributação internacional, se, e na medida, em que esse rendimento fosse efetivamente sujeito a imposto no Estado da fonte.

Q. Neste caso, apenas se pelo rendimento obtido em Espanha foi pago, aí, imposto, é que se justifica que o Estado da residência – Portugal – abdique de uma parte da receita a que teria direito, considerando que Portugal tributa pelo rendimento global do contribuinte, independentemente da sua origem.
__________
7 O rendimento de fonte estrangeira não é isento, já que o estado da residência tributa o rendimento global do contribuinte, independentemente da sua origem, deduzindo, porém, ao imposto apurado o imposto pago no país da fonte in Acórdão do TCA-N, de 22.02.2012, no processo n.º 00434/09.5BEMDL, disponível em www. dgsi.pt.

R. Conforme dita o já citado Acórdão do TCAN, de 22.02.2012, no processo n.º 00434/09.5BEMDL8;

S. Pelo que, mal andou a sentença de que se recorre em considerar realidades diferentes - imposto “retidovs imposto “pago” - como uma e a mesma realidade.

- Por outro lado,

T. A sentença recorrida incorreu em violação do ónus da prova, desrespeitando o conteúdo dos artigos 74.º da LGT e 342.º do Código Civil.

U. Dizem-nos aqueles normativos que recai sobre quem os invoca o ónus da prova dos factos constitutivos do direito.

V. Neste caso, era sobre o aqui recorrido que recaía o ónus de demonstrar o direito a deduzir à coleta o montante relativo à dupla tributação internacional, in casu, o imposto (IRS) pago (e não apenas retido) no estrangeiro, nos termos do artigo 81.º, do CIRS,

W. à semelhança do que acontece, aliás, com as restantes deduções à coleta, sejam despesas de saúde, educação, formação, entre outras.

X. É sobre o contribuinte que recai o ónus de demonstrar as referidas despesas e/ou encargos.

Y. Apesar de a AT ter expressamente notificado, por mais de uma vez, o aqui recorrido,

Z. a primeira, em 24.01.2012, através do ofício registado n.º 1626, emitido pela Direção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI), para proceder à junção, nos termos do artigo 128.º, do CIRS, de (I) “Declaração emitida ou autenticada ____________
8 Disponível em www.dgsi.pt (“Portanto, não basta, para efeitos do direito à dedução prevista no artigo 78.º do CIRS, demonstrar que a entidade patronal, em Espanha, reteve imposto. Imperioso era que fosse demonstrado, o que não se verificou, que sobre os rendimentos auferidos em Espanha havia sido pago um determinado montante de imposto.”).

pela autoridade fiscal de Espanha, contendo a discriminação da natureza e dos montantes ilíquidos dos rendimentos obtidos nesse Estado (1), bem como do montante do imposto total e final pago (2) e, sendo caso, do desconto suportado para regime de segurança social (3), para o ano em causa.”, bem como de (II) “Liquidação de imposto final aí obtida, bem como, sendo o caso, prova do reembolso recebido/imposto pago relativo a essa liquidação final. O envio dos documentos enunciados nesta alínea anula o envio dos referidos na alínea a), desde que contendo todos os elementos aí referidos.

AA. a segunda, em 12.04.2012, através do ofício registado n.º 23435, emitido pela Divisão de Liquidação dos Impostos Sobre o Rendimento e a Despesa (DLIRD), para, “se assim o entender, exercer o direito de audição preferencialmente por escrito, sobre as correções propostas, referente ao IRS de 2009”, bem como para “enviar ou entregar, documentação adequada à argumentação invocada”,

BB. a terceira, em 16.10.2012, através do ofício registado n.º 65161, emitido pela Divisão de Liquidação dos Impostos Sobre o Rendimento e a Despesa (DLIRD), a informar que o documento apresentado referente aos rendimentos auferidos em Espanha, no ano de 2009 “não é válido, conforme ofício n.º 13165 de 31.7.2012 da Direcção de Serviços de Relações Internacionais”, solicitando, do passo seguinte, a remessa “a esta Direcção de Finanças, no prazo de 15 dias, documento válido, uma vez que não foi enviado documento comprovativo de uma liquidação final de imposto em Espanha.

CC. e, finalmente, em 14.12.2012, através do ofício n.º 81119, emitido pela Divisão de Liquidação dos Impostos Sobre o Rendimento e a Despesa (DLIRD), este já para cumprimento do disposto no artigo 77.º da LGT, 36.º do CPPT (alteração dos elementos constantes da declaração de IRS do ano de 2009), bem como para os termos e efeitos dos números 4 e 5, do artigo 140.º, do CIRS (reclamar ou impugnar da notificação da liquidação);

DD. (Factos que não foram levados aos ‘Factos (considerados) Provados’, mas que deveriam ali constar por serem relevantes para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa e levariam a que a decisão final fosse no sentido da improcedência do pedido do impugnante, aqui recorrido).

EE. O aqui recorrido limitou-se a apresentar uma declaração da Autoridade Tributaria de Espanha, datada de 19.01.2010, que se limita a declarar que a sua entidade empregadora (matsa, Minas de Aguas Tenidas S.A.U.), lhe pagou € 31.300,12 a título de rendimentos, tendo sido objeto de retenção a quantia de € 4.295,57 e € 1.898,19 relativos a gastos dedutíveis.

FF. Exigia-se sim uma declaração que atestasse ou certificasse que o recorrido “pagou de imposto” determinado montante, ou que a entidade empregadora da mesma “procedeu à liquidação do imposto retido” junto da Autoridade Tributária daquele país.

GG. Bem andou a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em exigir ao ora recorrido a apresentação “de documento válido, uma vez que não foi enviado documento comprovativo de uma liquidação final de imposto de Espanha.”, nem apresentada qualquer prova de que tenha havido liquidação final nesse Estado,

HH. ao passo que, salvo melhor opinião, não andou bem a douta sentença ao concluir ter havido imposto pago em Espanha (“Estamos, assim, em condições de concluir que a liquidação adicional de IRS de 2009, que desconsiderou o valor de € 4 295,57 corresponde ao imposto pago pelo Impugnante no estrangeiro (dedutível à coleta enquanto crédito de imposto por dupla tributação internacional) é ilegal, por violação do disposto nos arts. 78.º, n.º 1, alínea i) e 81.º, n.º 1, ambos do CIRS, o que acarreta a sua anulação”) quando nada nos autos, nem sequer nos factos provados da sentença recorrida, permitia retirar essa conclusão.

II. Conclui-se que a liquidação em causa obedeceu às disposições legais vigentes, não existindo qualquer violação dos artigos 78.º, n.º 1, alínea i) e 81.º, n.º 1, ambos do CIRS.

JJ. Ao decidir no sentido que decidiu, a douta sentença incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, nomeadamente na aplicação dos artigos 74.º, da LGT, 22.º, n.º 6, 78.º e 81.º, n.º 1 e n.º 2, todos do Código do IRS (CIRS) e 15.º, n.º 1, 23.º, n.º 2 e 24.º, n.º 2, alínea a), da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e Espanha.

Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e declarar-se a legalidade do acto tributário impugnado, com as legais consequências, assim se fazendo a desejada JUSTIÇA!
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O Recorrido não apresentou Contra alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu Parecer, pelo qual foi do entendimento de que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional.
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Colhidos os vistos dos Ex.mos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, todos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) –, e que se centram em apreciar, em suma, o invocado erro de julgamento de facto e de direito [Cfr. conclusões constantes das alíneas C), D), I), J), K), L, M), S), T), U), V), X), EE), FF), GG), HH, II, e JJ], como suscitado pela Recorrente Fazenda Pública.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da Sentença recorrida, datada de 12 de fevereiro de 2019, foi fixada a matéria de facto provada, que por facilidade para aqui se extrai como segue:

III. FUNDAMENTAÇÃO
1. FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se ainda provados os seguintes factos:
A) O Impugnante apresentou a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2009, declarando, no seu anexo J, rendimentos auferidos e imposto pago no estrangeiro, no valor de € 31 300,12 e € 4 295,57, respetivamente, o que deu lugar à emissão, em 14/06/2010, da liquidação n.º 2010 5003851716, onde foi deduzido à coleta aquele montante de € 4 295,57, a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional – cfr. fls. 13, 30 e 31 do processo administrativo (PA) apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
B) Da liquidação mencionada na alínea antecedente resultou um valor a pagar de € 1 370,50, pago pelo Impugnante em 28/09/2010 – cfr. fls. 13 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
C) A Autoridade Tributária retirou a dedução à coleta relativa à dupla tributação internacional, no valor de € 4 295,57, por entender que o Impugnante não tinha feito prova do imposto suportado em Espanha no ano de 2009 – cfr. fls. 8 e 9 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
D) Na sequência da não aceitação da dedução à coleta mencionada na alínea antecedente, foi emitida em nome do Impugnante, com referência ao ano de 2009, a liquidação adicional de IRS n.º 2012 5005116390, onde foi apurado, após acerto de contas, um valor a pagar de € 4 295,57 – cfr. fls. 56 do processo físico e fls. 38 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
Mais se provou que,
E) A sociedade “M., S.A.”, na qualidade de entidade empregadora, informou a Autoridade Tributária espanhola (“Agencia Tributaria”) que, no ano de 2009, pagou ao aqui Impugnante retribuições em dinheiro no valor de € 31 300,12 e retribuições em espécie no valor de € 74,35, tendo-lhe efetuado retenções a título de “Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas” no montante de € 4 295,57 – cfr. documento eletrónico emitido pela “Agencia Tributaria”, inserto a fls. 44 verso do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
F) O Impugnante não apresentou, relativamente ao ano de 2009, a declaração de “Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas” – cfr. fls. 11 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido

2. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem, com interesse para a decisão da causa.

Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados assentou na análise dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados.”
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Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC [correspondente ao anterior artigo 712.º do CPC], na medida em que consta dos autos, mormente, do Processo Administrativo, factualidade relevante para a apreciação e decisão do presente do recurso, aditamos à matéria de facto dada por provada na Sentença recorrida, as alíneas B1), B2), B3), B4), B5), B6), B7), B8), B9), E1), E2) e G), com a redacção que segue:

B1) A dedução à colecta daquele montante de €4.295,47 foi efectuada precedendo uma acção de controlo ao nível do crédito de imposto por dupla tributação internacional, levado a efeito ao ano de 2009, pela Direcção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI), em que esta entidade notificou os Serviços de Finanças (SF) a fim de remeterem os originais dos documentos comprovativos de imposto pago no estrangeiro entregues pelo sujeito passivo, Impugnante, ora Recorrente, independentemente de os mesmos terem sido recebidos no momento da entrega da declaração modelo 3 ou enviados para os SF em momento posterior - cfr. ofício n.º 765, a fls. 34 e 35 do PA;

B2) Pelo ofício n.º 1626, de 23/01/2012 - Cfr. fls. 34 e 35 do PA -, a DSRI notificou o Impugnante para apresentar os elementos aí discriminados, ou seja e em suma:
- declaração emitida ou autenticada pela autoridade fiscal de Espanha, contendo a discriminação da natureza e dos montantes ilíquidos dos rendimentos obtidos nesse Estado, bem com o do montante de imposto total e final pago e, sendo o caso, do desconto suportado para regime de segurança social, para o ano em causa;
- liquidação de imposto final aí obtida, bem como, sendo o caso, prova do reembolso recebido/imposto pago relativo a essa liquidação final.

B3) Nessa sequência, o Impugnante remeteu à AT, em fevereiro de 2012, um documento emitido pela sua entidade empregadora, com data de 19 de janeiro de 2010, denominado “Certificado de Retenciones e ingresos a cuenta del Impuesto sobre la Renta de las personas Físicas” de onde se extrai que esta efectuou àquele, enquanto seu empregado e no ano de 2019, “Retenciones” no montante de €4.295,57 – Cfr. fls. 29 e 30 dos autos em suporte físico;

B4) A final daquele documento emitido pela entidade empregadora do Impugnante – Cfr. fls. 29 dos autos em suporte físico -, consta entre o mais, o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

Fecha e firma
Para que conste e sirva de justificante al interessado, em cumplimiento de lo dispuesto em el Reglamento del Impuesto sobre la Renta de las Personas Fisicas, se expide la presente.

B5) No dia 23 de fevereiro de 2012, a DSRI da AT prestou a Informação n.º 434/2012 no processo n.º P374/2012, que mereceu Despacho concordante em 24/02/2012, em suma, no sentido de ser retirado o crédito de imposto por dupla tributação internacional anteriormente atribuído ao abrigo do art.º 64.º, n.º4 do Código do IRS, com fundamento, em suma, que o documento enviado pelo sujeito passivo, ora Recorrido, não poderia ser considerado válido por não ter sido emitido pela autoridade fiscal do Estado da fonte dos rendimentos e por tratar-se apenas de um documento emitido pela própria entidade patronal - cfr. fls. 26 e 27 do PA;

B6) Daquela decisão foi o sujeito passivo notificado para efeitos do exercício do direito de audição prévia - cfr. ofício n.º 23435, a fls. 23 do PA –, na sequência do que remeteu à AT os documentos a fls. 20 a 22 dos autos, atinentes à remessa de “Certificado de Imputaciones” emitido pela autoridade fiscal espanhola – Delegação de Huelva, de onde se extrai, de entre o mais, que lhe foi pago o montante de €31.374,47 a título de “rendimientos del trabajo”;

B7) Esse “Certificado de Imputaciones” foi remetido à DSRI da AT, que o remeteu à Direcção de Finanças do Porto, através do ofício de fls. 17 dos autos, no qual se enunciava, designadamente, que o referido documento não era válido, por não comprovar uma liquidação final de imposto suportado;

B8) Pelo ofício n.º 65161, de 16/10/2012 o Impugnante, ora Recorrido, foi de novo notificado do ofício da DSRI da AT, sendo-lhe solicitado o envio, no prazo de 15 dias, de documento válido, porque o documento que tinha enviado não era documento comprovativo de uma liquidação final de imposto em Espanha – Cfr. fls. 15 dos autos em suporte físico;

B9) Pelo ofício n.º 81119, datado de 14 de dezembro de 2012, para cumprimento do disposto no artigo 77.º da LGT, e nos termos do artigo 36.º do CPPT, a AT notificou o Impugnante, ora Recorrente, designadamente, de que foram alterados alguns elementos constantes da declaração de IRS do ano de 2009 – Cfr. fls. 8 do PA;

E1) A informação de que a entidade empregadora do Impugnante, ora Recorrido, lhe efectuou retenções a título de “Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas”, no montante de €4 295,57, foi emitida pela Autoridade Tributária Espanhola, e está constante de suporte documental – Cfr. fls. 44 verso do PA apenso aos autos e fls. 14 dos autos em suporte físico -, conforme por facilidade, para aqui se extrai como segue:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

E2) A final daquele documento emitido pela emitida pela Autoridade Tributária Espanhola, em nota de rodapé – Cfr. fls. 44 verso do PA apenso aos autos e fls. 14 dos autos em suporte físico -, consta entre o mais, o que por facilidade, para aqui se extrai como segue:

Documento firmado electrónicamente (R. D. 1671/2009). Autenticidad verificable mediante Código Seguro Verificación 2RE3BQLVTC8CXVJW em www.agenciatributaria.gob.es

G – No ano de 2009, o Impugnante, ora Recorrido, permaneceu em território espanhol um período temporal inferior a 183 dias – Facto admitido por acordo.
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 11 de fevereiro de 2019, pela qual foi julgada procedente a pretensão impugnatória do ora Recorrido, e determinada a anulação da liquidação adicional de IRS de 2009 efectuada pela AT, que havia desconsiderado o valor de €4.295,57 correspondente ao imposto pago pelo Impugnante, ora Recorrido, em Espanha.

Dispõe o n.º 1 do artigo 627.º do Código de Processo Civil [anterior artigo 676.º do mesmo Código], que “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”, ou seja, que o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida e nesse tempo, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.

Os recursos jurisdicionais constituem os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, razão pela qual é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso, os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Uma vez que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das Alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, em torno da forma como não foi valorada a prova produzida, assim como de erro de julgamento na apreciação da matéria de direito, por não ter sido efectuada a correcta subsunção dos factos dados como provadas ao direito convocável – artigos 74.º da LGT, 14.º, 16.º 22.º, n.º 6, 78.º e 81.º, n.ºs 1 e 2 todos do CIRS e artigos 15.º, n.º 1, 23.º, n.º 2 e 24.º, n.º 2, alínea a) da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e Espanha.

Neste patamar.

Conforme resulta do probatório, a liquidação de IRS sob impugnação tem na sua base a desconsideração por parte da AT da eliminação da dupla tributação internacional que havia sido anteriormente considerada na liquidação emitida com base na declaração de rendimentos apresentada pelo Imponente, ora Recorrido, reportada ao ano fiscal de 2009, e em que o mesmo tinha declarado como imposto retido pela sua entidade patronal, a quantia de €4 295,57, sendo que essa desconsideração teve subjacente o facto de o ora Recorrido não ter apresentado documento comprovativo de liquidação final de IRS no Estado da fonte dos rendimentos, ou seja, em Espanha, tendo para tanto a AT levado em consideração que o Impugnante foi notificado para esse efeito no âmbito do procedimento que culminou com a liquidação impugnada, e que não o veio a fazer, e daí, a liquidação sob impugnação, sustentando a AT para tanto, que em sede da Impugnação judicial deduzida, o Impugnante, ora Recorrente, continuou a não apresentar os elementos por si solicitados [pela DSRI], que eram os que por si [AT] eram os tidos como válidos para efeitos de atribuição do crédito de imposto para efeitos de eliminação de eventual dupla tributação internacional, quando o Impugnante, por sua vez, sempre defendeu que o que impendia sobre si e face ao ordenamento jurídico espanhol, era o de se conformar com a retenção que aos seus rendimentos lhe foi feita pela sua entidade patronal, não lhe cabendo a obrigação de proceder a qualquer declaração responsável por uma liquidação final de imposto em Espanha, como lhe é/era exigido pela AT.

Vejamos então.

Sustenta a Recorrente que o imposto retido, a que se reportou o Impugnante, não significa nem equivale a imposto pago, e nessa medida, que impendendo sobre o Impugnante o ónus de prova desse pagamento, que desde logo, a Sentença recorrida incorreu em violação do ónus da prova [e assim, em erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, dada a forma como não foi valorada a prova produzida – Cfr. alínea C) parte inicial das conclusões das Alegações -, por ter desrespeitando o conteúdo dos artigos 74.º da LGT e 342.º do Código Civil, pois que para esse efeito desconsiderou o Tribunal a quo factualidade por si [Recorrente] tida por relevante, suportada em elementos documentais constantes dos autos e do PA, que não foram dados como provados [nem como não provados] e que em seu entender são relevantes para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, os quais, se assim tivessem sido considerados, levariam a que a decisão final fosse no sentido da improcedência do pedido do Impugnante, aqui Recorrido.

Ora, a apreciação dessa matéria [Cfr. alíneas T), U), V), W), X), Y), Z), AA), BB), CC), DD) e EE) das conclusões das Alegações do recurso] perdeu já significado, na medida em que já aditamos supra, ao probatório, a factualidade que se retira desses documentos identificados pela Recorrente, sendo certo que, com esse aditamento, o que resultou mais claro, foi o procedimento seguido pela AT, assim como o teor dos documentos constantes dos autos e do PA, por efeito da densificação de alguma dessa matéria, não significando porém, de modo algum, o reconhecimento por este TCA Norte de que o Tribunal recorrido errou no julgamento da matéria de facto.


Como refere Rui Duarte Morais, in, Sobre o IRS, 2014, 3.ª edição, Almedina, pág. 11, “A residência é, hoje, geralmente aceite como constituindo o elemento de conexão que expressa a mais íntima ligação económica entre uma pessoa e um Estado. Tal legitima a tributação dos rendimentos dos residentes numa base mundial, i. é., de todos os rendimentos independentemente do local onde os mesmos sejam obtidos (world-wide income principal).

Os artigos 13.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, do CIRS acolhem este entendimento prevendo, respetivamente, que «Ficam sujeitas a IRS as pessoas que singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.» e que “Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território” [sublinhado da nossa autoria]. Em exceção a esta regra, admite-se no n.º 2 do artigo 15.º do CIRS que “Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”.

Para efeitos de incidência pessoal do IRS, o conceito de residência é-nos dado pelo artigo 16.º do CIRS, que por facilidade para aqui se extrai como segue:
1 – São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;
c) Em 31 de Dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direcção efectiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
2 – São sempre havidas como residentes em território português as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo.
Assim, considerar-se-á como residente em território nacional, para efeitos de tributação, quem se encontre em qualquer das situações enunciadas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS, sendo que o conceito de “não residente” apura-se a contrario, devendo considerar-se como tal quem não se encontre em qualquer das situações previstas no n.º 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS.

Impedia sobre o Recorrido o ónus de provar que, no ano de 2009, era residente em território nacional, não constituindo essa matéria, todavia, objecto do dissídio, pois que a AT nunca tal colocou em causa ou em dúvida, sendo que, tendo obtido o rendimento declarado em Espanha, a AT não questiona o montante atinente a esse quantitativo declarado, antes apenas o montante de IRS que o Recorrido apresentou na sua declaração de IRS como tendo sido pago em Espanha, por lhe ter sido retido pela sua entidade empregadora.

Cumpre então conhecer da invocada ocorrência de erro de julgamento em matéria de direito, com fundamento em não ter o Tribunal recorrido feito a devida subsunção dos factos provados com as normas jurídicas convocáveis, a saber e como identificado pela Recorrentes, os artigos 15.º, 16.º, 22.º, n.º 6, 78.º e 81.º do CIRS e artigos 15.º, n.º 1, 23.º, n.º 2, 24.º, n.º 2, alínea a) da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e Espanha.

E neste conspecto, para aqui extraímos parte do discurso fundamentador da Sentença recorrida, como segue:

“[...]
A referida dedução à coleta constitui um mecanismo de eliminação da dupla tributação jurídica internacional, que consiste na dedução do imposto pago no país da fonte do rendimento, até ao limite da fração do imposto português, calculado antes da dedução, correspondente ao rendimento proveniente do exterior.
Revertendo ao caso sub judice, ficou provado que no ano de 2009 o Impugnante declarou em Portugal rendimentos auferidos em Espanha, tendo igualmente declarado que tais rendimentos foram sujeitos a retenção na fonte (a título de “Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas”), no valor de € 4 295,57, valor esse que, para efeitos de liquidação, foi deduzido à coleta, tendo em vista a eliminação da dupla tributação internacional.
Mais se provou que foi emitido pela autoridade fiscal espanhola (“Agencia Tributaria”) um documento (eletrónico) comprovativo da natureza e do montante dos rendimentos pagos ao aqui Impugnante, no ano de 2009, pela sociedade “M., S.A.” e, bem assim, comprovativo do montante do imposto (“Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas”) retido na fonte por aquela entidade patronal. De facto, extrai-se do referido documento que o Impugnante auferiu rendimentos de trabalho dependente no valor de € 31 300,12 e que foi sujeito a retenções no montante de € 4 295,57, estando, por isso, preenchidos os requisitos legais para a eliminação da dupla tributação internacional.
Estamos, assim, em condições de concluir que a liquidação adicional de IRS de 2009, que desconsiderou o valor de € 4 295,57 correspondente ao imposto pago pelo Impugnante no estrangeiro (dedutível à coleta enquanto crédito de imposto por dupla tributação internacional), ilegal, por violação do disposto nos art.os 78º, n.º 1, alínea i) e 81º, n.º 1, ambos do CIRS, o que acarreta a sua anulação.
Procede, por isso, a presente impugnação. “

Face ao que assim julgou o Tribunal recorrido, tendo o mesmo identificado a questão a decidir como passando por saber se o Impugnante tinha reunidas as condições para efeitos de se proceder à dedução à colecta [a fim de evitar a dupla tributação internacional do imposto em sede de rendimento do trabalho [IRS] por si pago em Espanha, no valor de €4 295,57], e desse modo, se a liquidação adicional de IRS efectuada pela AT [que desconsiderou esse montante por si apresentado como imposto pago em Espanha] enfermava de invalidade determinante da sua anulação, o julgamento por si prosseguido, ainda que apenas com fixação dos factos constantes das alíneas A), B), C), D), E) e F) do probatório, não merece censura. Ou seja, tendo a Sentença recorrida tomado como prova da quaestio decididendi o constante daquelas alíneas, o aditamento à matéria de facto como prosseguido por este TCA Norte, em nada contende com a emissão de censura jurídica ao julgamento empreendido pelo Tribunal a quo, pois que essa matéria até vem tornar mais claro esse julgamento, na medida em que se conheceu o itinere levado a cabo pela AT para efeitos de vir a concluir como concluiu, isto é, no sentido de ter desconsiderado que o Impugnante, ora Recorrente, não tinha reunidas as condições para a que a AT levasse em consideração o imposto que pagou [que lhe foi retido] pela sua entidade empregadora, durante o ano de 2009, pelo período em que lhe prestou a sua actividade laboral.

Neste domínio, é de realçar que o Impugnante não declarou o rendimento por si percebido em Espanha no ano de 2009, junto da instância tributária daquele, por aí ter permanecido menos de 183 dias, sendo por isso que face ao disposto no artigo 16.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, era residente em Portugal, sendo aqui que devia cumprir as suas obrigações tributárias, isto é, neste particular e designadamente, declarando quanto recebeu da sua entidade patronal, assim como quanto é que a mesma lhe reteve a título de imposto devido enquanto trabalhador dependente, para efeitos de ser prosseguida a dedução à colecta a que se reporta o artigo 78.º, n.º 1, alínea i) do CIRS.

É certo que durante o procedimento administrativo aberto oficiosamente pela AT, o ora Recorrido não lhe apresentou documento através do qual se retirasse que o imposto por si declarado como retido pela sua entidade empregadora, liquidado pelo montante de €4.295,57 foi por si [entidade empregadora] pago, ou seja, entregue aos cofres do Estado espanhol.

Mas também não deixa de ser certo – como assim resultou das alíneas A) e B) do probatório -, que o Impugnante apresentou a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2009, declarando, no seu anexo J, rendimentos auferidos e imposto pago no estrangeiro, em Espanha, no valor de € 31 300,12 e € 4 295,57, respetivamente, o que deu lugar à emissão, em 14 de junho de 2010, da liquidação n.º 2010 5003851716, onde foi deduzido à coleta aquele montante de € 4 295,57, a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional, sendo que dessa liquidação resultou um valor a pagar de € 1 370,50, valor esse que foi pago pelo Impugnante em 28 de setembro de 2010.

E por outro lado, apenas em 2012 é que a AT vem a notificar o Impugnante, ora Recorrido de que devia fazer prova documental, designadamente, do pagamento do montante de imposto total e final por si pago.

Dispõe o artigo 22.º, n.º 6 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares [CIRS], que “Quando o sujeito passivo aufira rendimentos que dêem direito a crédito de imposto por dupla tributação internacional previsto no artigo 81.º, os correspondentes rendimentos devem ser considerados pelas respectivas importâncias ilíquidas dos impostos sobre o rendimento pagos no estrangeiro.”

Por seu turno, o artigo 81.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS, sob a epígrafe crédito de imposto por dupla tributação internacional, como por facilidade para aqui se extrai como segue:

“1 - Os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional, dedutível até à concorrência da parte da colecta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponderá à menor das seguintes importâncias:
a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
b) Fracção da colecta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código.
2 - Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efectuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção”.

Ora, entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha foi celebrada uma
Convenção para evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento [CDT], que foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 6/95 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 14/95, de 28 de Janeiro, a qual estabelece, além do mais, a metodologia para eliminar a dupla tributação, sendo que, em concreto, e para o que para aqui interessa, importa para aqui extrair o disposto no artigo 23.º, n.º 2, alínea a) da referida CDT, nos termos do qual:
“[…]
2 - No caso de um residente de Portugal, a dupla tributação será evitada, de acordo com as disposições aplicáveis da legislação portuguesa (desde que não contrariem os princípios gerais estabelecidos neste número), do seguinte modo:
a) Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados em Espanha, Portugal deduzirá do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto pago em Espanha.
A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Espanha”.

Ora, se a AT reconhece nos autos que há imposto retido pela entidade empregadora, mas com a invocação de que não sabe se esse imposto foi pago, tinha a mesma [AT] que equacionar por que termos e pressupostos é que, razoavelmente, assaca ao Impugnante o dever de fazer prova de que um terceiro, a sua entidade patronal, faça prova perante si [Impugnante], de que o imposto por si retido, foi efectivamente pago, ou seja, entregue aos cofres do Estado espanhol, pois que, à semelhança do disposto no CIRS português, há norma no ordenamento jurídico espanhol [v.g, a Ley 35/2006, de 28 de noviembre, del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas y de modificación parcial de las leyes de los Impuestos sobre Sociedades, sobre la Renta de no Residentes y sobre el Patrimonio - em especial os artigos 99.º, n.ºs 2, 4, 5 e 6, e 105.º, n.º 1 - disponível em https://www.boe.es/eli/es/l/2006/11/28/35], no sentido de que a entidade empregadora cativadora do imposto [retido] está legalmente obrigada a entregá-lo à instância tributária, aí funcionando como no nosso ordenamento jurídico, a regra da substituição tributária a que se reporta o artigo 21.º do CIRS, no sentido de que, verificando-se, é certo, os pressupostos de pagamento de imposto em relação a determinada pessoa, mas se outra pessoa [v.g., a entidade empregadora] estiver legalmente instituída de arrecadar o imposto e fazer esse pagamento – Cfr. artigo 103.º do CIRS -, o devedor do imposto, por substituição, é essa outra pessoa, que fica responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído [o trabalhador] desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento – Cfr. ainda os artigos 20.º, 28.º e 34.º da LGT -, sendo absolutamente infundado o que originariamente havia sido alegado pela Fazenda Pública, sob o ponto 8 da Contestação deduzida, no sentido de que impendia sobre o Impugnante, a obrigação de proceder a uma declaração responsável pela liquidação final de imposto em Espanha.

Por outro lado, a Recorrente não sindica no presente recurso jurisdicional nenhum dos factos patenteados no probatório, sendo que quanto ao fixado sob a alínea E), até o aceita expressamenteCfr. alínea K) das conclusões das Alegações de recurso -, no sentido de que a sociedade “M., S.A.”, na qualidade de entidade empregadora, informou a Autoridade Tributária espanhola que, no ano de 2009, pagou ao aqui Impugnante retribuições em dinheiro no valor de € 31.300,12 e retribuições em espécie no valor de € 74,35, tendo-lhe ainda efetuado retenções a título de “Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas” no montante de € 4. 295,57, e que essa factualidade resulta ainda do teor do documento electrónico emitido pela Agência Tributária espanhola, inserto a fls. 44 verso do PA apenso aos autos - a que se reporta a alínea E) do probatório.

Depois ainda, como assim resulta do probatório, ainda que por interposição deste TCAN, o ora Recorrido remeteu à AT documento datado de 19 de janeiro de 2010, emitido pela sua entidade patronal, de onde se extrai de forma muito clara qual o montante por si auferido [que foi o que declarou na sua declaração de IRS, e que a AT não sindicou sobre se era esse o valor correcto ou outro de montante superior] e qual o montante que lhe foi retido em sede do respetivo imposto devido. E não há dúvida de que tal consta desse documento, atinente a um “Certificado“ emitido pela sua entidade patronal, onde a final vem referido, em suma, que o que aí consta enunciado sirva de justificante [de prova] ao interessado [ao ora Recorrido]. Ou seja, na base do teor desse documento, qualquer cidadão poderia, com meridiana clareza, saber e perceber, os montantes que do ponto de vista tributário estava vinculado a declarar no seu país de origem, neste caso, em Portugal, sendo €31.300,12 de rendimento de trabalho, e €4.295,57 de imposto retido. Portanto e em suma, atento o teor deste documento que o Impugnante remeteu à AT no âmbito do procedimento administrativo aberto pela própria AT, estando em causa, manifestamente, declarações prestadas por um contribuinte, que nos termos do artigo 75.º da LGT se têm de ter por verdadeiras, para não ter considerado a totalidade do vertido nesse documento [apenas o rendimento, mas já não o imposto retido], e estando patente entre Portugal e Espanha uma Convenção para evitar a dupla tributação, só impendia sobre a AT [em cumprimento do seu ónus de prova – Cfr. artigos 74.º, n.ºs 1 e 2 da LGT e 342.º do Código Civil], caso não aceitasse o que daí se extrai [ou seja, que ao Impugnante tinha sido retido imposto por parte da sua entidade patronal, e que competiria a esta e só a esta efectuar a sua entrega nos cofres do Estado espanhol] prosseguir na realização de diligências necessárias, ao abrigo do princípio do inquisitório, tendo subjacente designada e principalmente, para efeitos do vertido no artigo 23.º, n.º 2, alínea a) da Convenção a fim de evitar a dupla tributação do sujeito passivo.

É certo que nos termos do artigo 75.º, n.º 2, alínea b) da LGT, a presunção da declaração de IRS apresentada pelo Impugnante reportada ao ano de 2009 – Cfr. alínea A) do probatório - como verdadeira e de boa fé, deixa de se verificar quando não sejam cumpridos os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária.

Porém, como decorre do processado em sede do procedimento administrativo, e bem assim do processado gerados nos autos em 1.ª instância, tendo sido notificado pela AT, o Impugnante remeteu-lhe os elementos que tinha em seu poder – Cfr, alíneas B3), B4), B6) e B7) do probatóriode onde resultava a evidência da existência de rendimento por trabalho dependente e de imposto retido pela sua entidade patronal, sedeada em Espanha, e como assim julgamos, nesse patamar de conhecimento, cumprido que estava o ónus de prova que impendia sobre o Impugnante face ao disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, a partir do momento em que esses dados foram levados ao conhecimento da AT, e sendo perfeitamente possível a apreensão dos elementos em causa para efeitos de saber quem prestou trabalho dependente e por que montante, e quem procedeu à retenção de imposto [e sobre quem recai a obrigação de o entregar aos cofres do respectivo Estado], o seu ónus de prova [do sujeito passivo] tem de ser tido como satisfeito, cumprindo agora à AT, tendo subjacente essas informações, interagir com a sua congénere espanhola, a fim de lhe ser prestada a informação, tão simples, sobre se a entidade patronal do Impugnante [devidamente identificada], pagou aos cofres do Estado espanhol o montante de imposto [também devidamente identificado e quantificado] que a mesma lhe havia [ao Impugnante] retido.

Portanto, julgamos que já em sede do procedimento administrativo o Impugnante tinha prosseguido junto da AT na feitura da prova dos factos constitutivos do seu direito a ver feita a dedução à colecta, do imposto retido pela sua entidade patronal [e que por isso, esse montante não mais deixou de estar na esfera de disponibilidade do Impugnante], sendo que, de todo o modo, já na pendência dos autos, e como resulta das alíneas E) e E1 do probatório, estava já no conhecimento da Agência Tributária Espanhola o montante que a entidade patronal do Impugnante lhe reteve a titulo de imposto sobre o rendimento, factualidade essa [e documento esse] relativamente à qual a Fazenda Pública nada disse em sede da Contestação deduzida, quando é certo que, se não já antes, em sede do procedimento administrativo, podia e devia prosseguir no efectivo cumprimento do seu ónus de prova, em conformidade com o disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º do CC, e no limite, diligenciar junto da sua congénere espanhola, ao abrigo da Convenção para evitar a dupla tributação, na obtenção de informação em torno de saber se o imposto retido ao Impugnante pela sua entidade empregadora, no montante de €4.295,57, se foi pela mesma [entidade empregadora “Minas de Águas Teñidas, S.A.] feito esse efectivo pagamento.

Caso tivesse dúvidas e fundadas, sobre se o imposto retido foi ou não pago, a Administração Tributária podia [e devia] assim, ter aprofundado a sua atividade instrutória, no âmbito do quadro da cooperação administrativa prevista no artigo 26.º da CDT, nomeadamente solicitando à sua congénere espanhola informações complementares, no sentido de confirmar se o imposto que a entidade empregadora do Impugnante lhe reteve em 2009, como o mesma a informou documentalmente, se foi entregue nos cofres do Estado espanhol, pois que essas diligências estão longe de constituir um ónus significativo para a Administração Tributária, constituindo, pelo contrário, um ónus excessivo para o contribuinte, ora Impugnante.

Importa realçar, por outro lado, que tendo a AT levado a cabo uma liquidação adicional, que é sobre si que recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito a efectuar a liquidação adicional, sendo que, por sua vez, é sobre o sujeito passivo que recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.

Neste contexto para aqui importa trazer à colacção os ensinamentos de J. L. Saldanha Sanches, in “O Ónus da Prova no Processo Fiscal”, publicado em “Ciência e Técnica Fiscal”, n.º 340/342, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, que se extraem como segue:
“[…] O processo contencioso fiscal, enquanto forma de tutela dos direitos subjectivos e dos interesses legítimos dos contribuintes, tem como objectivo a obtenção da verdade material.
A obtenção da verdade material como fim do processo fiscal impõe a estruturação do contencioso fiscal sob a predominância do princípio do inquisitório, ou, numa formulação corporizada em diferentes soluções legais, do princípio da investigação, o que se vai reflectir imediatamente nos poderes de cognição do juiz na delimitação fáctica do processo, na natureza e limites do objecto do processo.
O juiz fiscal não está, assim, limitado pelas alegações fácticas das partes nem pelos vícios do acto por estas alegados.
A existência de um ónus da prova subjectivo é incompatível com a existência dos poderes-deveres do juiz e da Administração. A situação processual desta vai ter efeitos decisivos na determinação dos factos de que o tribunal deve tomar conhecimento, favoráveis ou desfavoráveis para o contribuinte, devido ao princípio da aquisição processual. [sublinhado da nossa autoria]
A admissão do princípio da verdade material como objectivo do procedimento da Administração para atingir o acto tributário não pode ser mantida isolada do problema do ónus da prova no processo contencioso. [sublinhado da nossa autoria]
O escrutínio judicial deverá, pois, centrar-se na questão de verificar se a Administração fez prova plena dos pressupostos da pretensão processual e se existe correspondência entre os factos que logrou provar e o facto tipo contido na previsão legal. [sublinhado da nossa autoria]
A lei fiscal prevê em numerosos casos a possibilidade de a Administração proceder à tributação segundo avaliações que têm necessariamente de ser reconduzidas, não à certeza para além de toda a dúvida razoável da sentença judicial, mas a uma actuação segundo juízos de probabilidade que terá necessariamente de ser elevada. A legitimação deste comportamento administrativo resulta da violação pelo contribuinte de alguns dos seus deveres legais. […]”

Ora, o que verdadeiramente releva no caso vertente é saber se a Administração Tributária bem fundou a correcção em apreço, pois como já referimos supra, o artigo 75.º da LGT estabelece uma presunção de veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes à Administração Tributária, pelo que é sobre esta que recai o ónus de demonstrar que reúne os pressupostos legais que a autorizam a proceder às correcções da liquidação impugnada, demonstrando factualidade susceptível de abalar a presunção de veracidade de que gozam as declarações dos contribuintes.

Assim, face ao teor dos documentos emitidos quer pela entidade empregadora do Impugnante, quer pela Agência Tributária Espanhola – Delegação de Huelva, e na sua posse por parte da AT, competia-lhe [à Administração Tributária], na dúvida, prosseguir essa averiguação, designadamente quanto a saber se o imposto retido sempre foi entregue pela entidade empregadora do Impugnante nos cofres do Estado Espanhol, pois que nos termos do artigo 26.º da CDT, “As autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão entre si as informações necessárias para aplicar as disposições desta Convenção ou das leis internas dos Estados Contratantes relativas aos impostos abrangidos por esta Convenção, [sublinhado da nossa autoria] na medida em que a tributação nelas prevista não seja contrária a esta Convenção.

Não tendo a AT posto em causa a autenticidade dos documentos que lhe foram remetidos pelo Impugnante, assim como não o fez relativamente ao documento electrónico emitido pela Agência Tributária Espanhola [a que se reportam as alíneas E), E1) e E2) do probatório], não podia a mesma [AT], face à vigência da CDT com Espanha, desconsiderar o montante de imposto que nesse documento electrónico refere como tendo sido retido na fonte e que está na esfera de imediação do Estado espanhol, pois que fazendo-o, dessa forma prossegue na violação da CDT, porquanto do seu teor não decorre a exigência de um particular documento para prova da situação de ocorrência de dupla tributação, do que foi alcançado pelas partes contratantes [Portugal e Espanha], assumiram as mesmas o poder/dever, como assim decorre do seu artigo 26.º, n.º 1, de trocar “[...] entre si as informações necessárias [sublinhado da nossa autoria] para aplicar as disposições desta Convenção ou das leis internas dos Estados Contratantes relativas aos impostos abrangidos por esta Convenção, na medida em que a tributação nelas prevista não seja contrária a esta Convenção. [...]“

Aliás, no contexto do disposto pelo artigo 25.º da mesma CDT, sendo manifesto que a AT sabe que o Impugnante pugnava, desde a data de apresentação da sua declaração de IRS pela consideração da dedução à colecta do imposto por si pago em Espanha [o que a AT desconsiderou, oficiosamente], seja por causa do montante em causa, seja ainda porque o Impugnante tinha carreado documentos para o procedimento administrativo tendentes a justificar o pagamento do imposto, na medida em que a posição da AT era no sentido de não admitir a dedução e proceder à correcção da liquidação, o que não era de todo satisfatório para o Impugnante, devia esforçar-se [Cfr. n.º 2 deste normativo] por resolver a questão através de acordo amigável com a autoridade competente do outro Estado Contratante [ou seja, com a Agência Tributária Espanhola], a fim de evitar a tributação não conforme com o disposto na presente Convenção, e nesse contexto, esforçar-se [Cfr. n.º 3 deste mesmo normativo] “... por resolver, através de acordo amigável, as dificuldades ou as dúvidas a que possa dar lugar a interpretação ou aplicação da Convenção. Poderão também consultar-se a fim de eliminar a dupla tributação nos casos não previstos na Convenção. “, comunicando directamente entre si “... a fim de chegarem a acordo …“ e que se se “...afigurar que tal acordo poderá ser facilitado por trocas de impressões orais, essas trocas de impressões poderão efectuar-se no seio de uma comissão composta por representantes das autoridades competentes dos Estados Contratantes. “ [Cfr. n.º 4].


Portanto, na medida em que foi cabalmente demonstrado [e aceite pela AT] que o Recorrido auferiu rendimento de trabalho no estrangeiro, onde também lhe foi retido imposto sobre esse rendimento, até porque assim veio o Impugnante a demonstrar nos autos ser do conhecimento da Agência Tributária Espanhola [Cfr. alíneas E), E1) e E2) do probatório], a AT tinha de relevar esse facto, tendo subjacente o disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 81.º do Código de IRS.

Ou seja, querendo a AT prosseguir na realização oficiosa de uma correcção da liquidação efectuada ao Impugnante, com base nos dados por si fornecidos e constante da declaração de IRS que tinha apresentado, reportada ao ano de 2009, a AT devia ter pedido informação à sua congénere espanhola, seja quanto ao montante dos rendimentos auferidos pelo Recorrido em Espanha [mas não o fez, pois que os aceitou], seja principalmente quanto ao valor do imposto que aí foi pago/entregue [pela sua entidade patronal, a título de substituição tributária], a fim de ser confirmado se os montantes declarados na declaração de rendimentos apresentada em Portugal reportada ao ano de 2009, se mostram correctos.

Conforme assim dispõe o artigo 76.º, n.ºs 1 e 4 da LGT, é de relevar neste conspecto que as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado fazem fé quando fundamentadas e se baseiem em critérios objectivos, sendo de realçar que do âmbito do percurso tomado pela AT no procedimento administrativo, e do que esteve na base da prolação do acto tributário, não se detectam factos recolhidos pela Administração Tributária que permitam, ainda que indiciariamente, suportar a conclusão de que os montantes inscritos na declaração de rendimentos não correspondem à realidade ou que o imposto declarado como pago não o tenha sido em Espanha.

A Administração Tributária devia ter ido mais longe, investigado mais, eventualmente trocado informações com a autoridade competente espanhola, tendo em vista encontrar indícios no sentido de que o imposto retido sempre foi pago em Espanha, pelo que, a AT não fez prova do bem fundado da formação do seu juízo, pelo que a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, confirmando-se a Sentença recorrida.

Assim, julgamos que não assiste razão à Recorrente, Fazenda Pública, falecendo a vertido em todas as conclusões das suas Alegações de recurso, porquanto, como julgado pela Sentença recorrida [o que não merece censura], tendo resultado provado [porque não foi objecto de sindicância pela Recorrente] que a Agência Tributária Espanhola teve para si, que em sede do “Impuesto sobre la renta de las personas físicas – 2009”, que a entidade patronal do Impugnante, como “pagador”, tinha efectuado “retenciones” no valor de €4.295,57, que é, precisamente, o mesmo valor que em sede do procedimento administrativo o Impugnante já tinha levado ao conhecimento da AT, a liquidação adicional impugnada, respeitante ao IRS, viola os artigos 78.º, n.º 1, alínea i) e 81.º, n.º 1, ambos do CIRS, assim como o disposto no artigo 23.º, n.º 2, alínea a) da CDT celebrada entre Portugal e Espanha.

De modo que, face ao que deixamos expendido supra, a pretensão recursiva da Recorrente Fazenda Pública tem assim de improceder na sua totalidade.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Impugnação judicial; IRS; Liquidação adicional; Dedução à colecta, Eliminação da dupla tributação internacional; Ónus de prova.

1 – Tendo o sujeito passivo auferido rendimento de trabalho dependente em Espanha, e apresentado a sua declaração de rendimentos em Portugal, por aqui ter a sua residência, e na qual declarou que a sua entidade patronal lhe reteve imposto, e se nessa sequência veio a ser emitida demonstração de liquidação de IRS de onde se extrai que lhe foi deduzido à colecta o montante que pagou/lhe foi retido a esse título em Espanha, e se foi liquidado imposto a pagar e se nessa sequência o sujeito passivo o pagou, as declarações por si apresentadas e que permitiram essa liquidação de imposto, presumem-se verdadeiras e de boa-fé, nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

2 - A eliminação da dupla tributação jurídica internacional [que se traduz na tributação cumulativa dos mesmos rendimentos no país da residência do sujeito passivo e no país da fonte], consiste na dedução do imposto pago no país da fonte dos rendimentos, até ao limite da fração do imposto português, calculado antes da dedução, correspondente ao rendimento proveniente do exterior.

3 - Recai sobre a Administração Tributária o ónus de demonstrar que existem fundamentos legítimos que são determinantes da sua actuação de proceder à correcção oficiosa às declarações dos sujeitos passivos, e nesse conspecto, provar os factos constitutivos atinentes ao seu direito à liquidação adicional sendo que, por seu lado, recai sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação, nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.
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IV - DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, Acordam em conferência em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a Sentença recorrida com a fundamentação exarada supra.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Notifique.
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Porto, 21 de maio de 2020.


Paulo Ferreira de Magalhães
Maria do Rosário Pais
António Patkoczy