Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00301/12.5BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/16/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM;
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO A TÍTULO DE DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATRIMONIAIS; RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Sumário:I-Nos presentes autos os Autores formulam um pedido indemnizatório com fundamento na violação ilícita do seu direito de propriedade, porquanto as Rés, a fim de executarem os acessos à Ponte Internacional Cerveira/Goian, executaram obras que provocaram danos no muro e na casa dos Autores, dos quais resultaram, alegadamente, prejuízos de natureza patrimonial e não patrimonial que devem ser ressarcidos;
I.1-no caso em apreço, atenta a factualidade apurada, desde logo, nos deparamos com a não prova de que as fissuras que a casa e o muro apresentam são consequência da execução da obra em causa nos autos;
I.2-com efeito, não lograram os Autores demonstrar - ónus que lhes cabia -
a prática, pelas Rés, de acto ilícito causador de danos;
I.3-todavia, para que o facto pudesse constituir fundamento da obrigação de indemnização peticionada pelos Autores, fundada na violação do seu direito de propriedade, mostrava-se necessário que se pudesse estabelecer um nexo causal entre os factos e os danos apurados;
I.4-independentemente da verificação ou não dos demais requisitos, é possível afirmar que não lograram os Autores demonstrar o nexo de causalidade entre o facto e os danos;
I.5-e, não provado esse nexo causal, teria que julgar-se afastada a existência de responsabilidade por factos ilícitos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:APA e MHMVA
Recorrido 1:EP, Estradas de Portugal, S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
APA e mulher, MHMVA, moradores na Rua …, instauraram acção administrativa comum, com processo sumário, contra EP, Estradas de Portugal, S.A., com sede na Praça da Portagem, 2809-013, Almada, e M. CA, S.A., com sede na Rua …, pedindo a condenação solidária destas no pagamento, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, da quantia de € 27.850,00 (vinte e sete mil, oitocentos e cinquenta euros), acrescida de juros legais a contar da data da citação.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, os Autores formularam as seguintes conclusões:
Deveria ter-se dado como provado que o ano de construção da casa foi 2003, com base na prova testemunhal produzida.
- A matéria controvertida não era de molde a obrigar que a prova da causalidade entra a obra efectuada e os danos sofridos fosse feita através de peritos.
- O depoimento das testemunhas deveria ter levado a que a sentença recorrida tivesse dado como provado que os danos sofridos pela casa dos AA. o foram em consequência das obras efectuadas, resultante da utilização de máquinas pesadas e martelos pneumáticos que provocaram as vibrações de que resultaram esses danos.
- Devem ser admitidos os documentos juntos para prova da idade da casa e do reconhecimento dos danos por parte doas RR.
- Foi violado, entre outros, o artigo 483º do C.C.
Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso, alterando-se a matéria de facto dada como provada e sequente sentença por erro na apreciação da prova, assim se fazendo Justiça.

A Ré-Infraestruturas de Portugal, S.A., entidade que sucedeu ope legis à EP-Estradas de Portugal, S.A., contra-alegou e concluiu assim:
1. A requerida junção de documento em sede de recurso não tem cobertura legal, devendo por isso ser a mesma recusada.
2. Trata-se de documento que poderia ter sido junto aos autos antes de encerrada a discussão e julgamento da causa em primeira instância.
3. A idade do imóvel foi facto alegado pelos Autores e impugnado especificadamente pela aqui exponente na sua contestação, não tendo os AA. reagido em nenhum momento, não sendo por isso surpresa a decisão tomada pelo Julgador, nem a certidão em causa constitui documento cuja apresentação não pudesse ter sido anteriormente efetuada.
4. Devendo ser provado um determinado quesito, sendo portanto em abstrato plausível tanto a resposta positiva como a resposta negativa, a primeira nunca poderá constituir uma surpresa para a parte, que assim não deve confiar na inevitabilidade de um certo sentido de julgamento. Como tal, a resposta positiva a um quesito não pode servir de fundamento para a apresentação apenas na apelação de determinados documentos (Ac STJ de 03/05/2007 Proc 06B4660.dgsi.net)
5. Mas, mesmo que se admitisse a requerida junção, no que se não concede, ainda assim, da referida certidão não resulta que o imóvel estivesse em ótimo estado de conservação.
6. Do imóvel apenas se sabe que apresenta fissuras mas, nada foi demonstrado nem quanto à sua extensão nem quanto às suas causas, apenas opiniões de amigos e familiares dos Autores que não evidenciaram nenhum conhecimento técnico específico.
7. Atenta a ausência de prova produzida quanto à causa das fissuras, ficou por demonstrar o nexo de causalidade entre o tipo de trabalhos realizados para a execução a empreitada e os danos existentes no prédio dos AA.
8. As testemunhas das Rés lograram demonstrar que não é expectável que o tipo de trabalhos executados e a trepidação que os mesmos geram pudesse ter causado os danos existentes nas moradias.
9. Não provado o nexo de causalidade, teria inelutavelmente que julgar-se improcedente o pedido dos AA. contra a aqui recorrida, pelo que bem andou a sentença recorrida que assim decidiu.
Termos em que bem andou a decisão recorrida, decisão esta que deverá ser mantida por esse Tribunal de Recurso, julgando-se como tal improcedente por não provado o recurso interposto, assim se fazendo inteira e absoluta justiça.
Mais deverá ser recusada porque ilegal a junção de documento requerida.

M. CA, S.A., co-Ré também juntou contra-alegações, concluindo nestes termos:
I – Não é admitida a junção dos documentos apresentados pelos Recorrentes com a sua alegação, devendo os mesmos ser desentranhados.

II – Aliás, o “e-mail” junto pelos Recorrentes, caso pudesse ser considerado (que não pode) é só mais um elemento que reforça o acerto do entendimento do Tribunal em primeira instância, quanto à tibieza da prova produzida para estabelecer nexo de causalidade entre os factos e os danos, mormente por referir a existência de danos no imóvel sem qualquer conexão com as obras (contra o que os Autores alegavam, quanto ao seu excelente estado de conservação).

III – Não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo fase à ausência e incerteza da prova produzida, sendo certo que:

- apesar dos orçamentos juntos à p.i. fazerem referência à casa 1 e à casa 2 nos autos apenas se falou de uma das casas (e nem sabemos bem qual, se da “1” ou da “2”);

- os AA. não pediram prova pericial e nem sequer trouxeram a juízo o autor do “orçamento” junto à sua p.i. para explicar como viu e avaliou os danos e a sua origem e chegou aos valores em causa;

- os AA. também não pediram inspecção judicial ao local.

- parte das testemunhas apresentadas pelos Autores nem conheciam bem a casa (“a” casa e não “as” casas), o seu estado anterior às obras e nem o seu interior.

IV – Ademais, a conduta dos Recorrentes, em omitir factos relevantes do Tribunal (omitindo que fizeram reparações e omitindo a junção de documentos que comprovassem custos) e tornando impossível (irremediavelmente) qualquer tipo de prova, só reforça o acerto da decisão proferida em primeira instância. Veja-se que uma das testemunhas dos Recorrentes refere: “Em termos de arranjar sei que ela já arranjou. As fissuras que tinha na casa arranjou. Agora não dá para ver onde arranjou”. O Tribunal não pode decidir nem arbitrar às cegas, estando vinculado a fazê-lo de acordo com a prova produzida (ou possível de ser produzida) e com o direito.

Sem prescindir,

V – Resulta exuberantemente provado que não foi a recorrida M. CA, S.A. que executou qualquer trabalho apto a causar danos perto da casa dos Recorrentes: os trabalhos de demolição foram realizados por outro membro do consórcio, a T... – Construções, S.A. e os trabalhos de compactação e cilindramento foram realizados pela MCO e Filhos, Lda.

VI – Pelo que, ainda que houvesse nexo causal entre os ditos trabalhos e os danos reclamados pelos Recorrentes, daí não se poderia extrair a existência de responsabilidade da Recorrida M. CA, S.A., não só face ao art.º 19º do DL 231/81 de 21 de Julho, como ao contrato de consórcio junto aos autos, como ainda considerando o facto de entre e empreiteiro e subempreiteiro não existir relação de comissão, não podendo aquele ser responsabilizado por danos que este cause a terceiros (entre outros o Ac. TRP de 11.12.2006, proc. 0656392).
VII – Por fim, não foi imputado qualquer erro de execução ao empreiteiro. Pelo contrário, os responsáveis da fiscalização da obra, testemunhas apresentadas pela co-Ré Estradas de Portugal foram unânimes em afirmar que tudo se processou dentro da normalidade relativamente a obra de igual natureza e que nenhuma desconformidade ou erro de execução se verificou aquando da execução dos trabalhos.
VIII – Assim – e sem prejuízo de tudo o exposto –, sempre se dirá que se o empreiteiro, que age por conta do dono de obra, para executar um projecto da autoria deste, se limita a fazer a obra que lhe encomendaram, sem que lhe sejam imputados erros de execução, afigurar-se-ia de uma clamorosa injustiça (para além de sem fundamento legal) responsabilizar o mesmo por eventuais consequências que resultem da normal execução de tal tarefa de que foi incumbido.
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso, por, atentos os factos e a prova produzida no tribunal a quo, a sentença encontrar-se devidamente fundamentada.

O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. Por Ap. 1 de 26 de Junho de 1992, foi inscrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Cerveira a favor de MHMVA e marido, APA, casados no regime de comunhão geral de bens, prédio urbano omisso na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Cerveira sob o n.º 211/199..., fracções A e B, destinado a habitação, composto por rés-do-chão e 1.º andar, a confrontar a norte com o arruamento do nó rodoviário, a sul com JLG, Nascente com a antiga estrada nacional n.º 13 e a poente com a estrada nacional – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido.
2. Foi celebrado entre as sociedades M. CA, S.A. e T..., Construções, S.A. em 18.02.2009 um contrato de consórcio, tendo por objecto a execução concertada da empreitada “Acessos à Ponte Internacional de Cerveira/Goian – Ligações Viárias a Vila Nova de Cerveira e à EN 13 – 2.ª Fase”, ficando estabelecido que a líder do consórcio seria a M. CA, S.A. – cfr. doc. n.º 2 junto com a contestação apresentada pela M. CA, S.A., que se dá por integralmente reproduzido.
3. No dia 20.03.2009, foi celebrado contrato de empreitada entre a sociedade EP – Estradas de Portugal, S.A. e o consórcio composto pela sociedades M. CA, S.A. e T..., Construções, S.A., tendo por objecto a execução da empreitada “Acessos à Ponte Internacional de Cerveira/Goian – Ligações Viárias a Vila Nova de Cerveira e à EN 13 – 2.ª Fase” – cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação apresentada pela M. CA, S.A., que se dá por integralmente reproduzido.
4. De acordo com o caderno de encargos referente à empreitada referida em 2. e 3. o empreiteiro é o único responsável pela reparação e pela indemnização de todos os prejuízos que sejam sofridos por terceiros e que não resultem da própria natureza ou concepção da obra – cfr. doc. junto com a contestação apresentada pela EP – Estradas de Portugal, S.A., que se dá por integralmente reproduzido.
5. Entre os meses de Janeiro a Junho de 2010, no âmbito da empreitada referida em 2. e 3., procedeu-se à demolição do viaduto de duas faixas de rodagem que existia na Estrada Nacional n.º 13, na entrada norte de Vila Nova de Cerveira, para construção de um novo, com três faixas de rodagem e que dá acesso à Ponte Internacional Cerveira/Goian, a fim de serem executados os acessos à referida ponte.
6. No âmbito da empreitada referida em 2. e 3. , procedeu-se à reestruturação da estrada que passa por baixo do viaduto que liga Lovelhe a Vila Nova de Cerveira, com a construção de novos passeios e colocação de piso novo.
7. Na execução das obras referidas em 5. e 6., foram utilizados martelos de porte pesado para demolição, discos de corte de pedra, máquinas de perfuração de pedra e cilindros para compactar o piso.
8. O muro de vedação do prédio dos Autores referido em 1. dista cerca de 10 metros do local onde as obras tiveram lugar e a habitação cerca de 50 metros daquele local.
9. O muro de vedação do prédio apresenta fissuras e brechas.
10. O prédio apresenta, na fracção B, fissuras na caixa de escadas, que dá acesso do rés-do-chão ao primeiro andar, na sala, no corredor e em três quartos.
11. O prédio apresenta, na fracção A, diversas fissuras na caixa de escadas, na sala e no corredor.
12. As paredes exteriores das fracções A e B apresentam fendas.
13. A reparação das fissuras, brechas e fendas referidas em 9., 10., 11. e 12. foram orçados em € 26.850,00 (vinte e seis mil, oitocentos e cinquenta euros) – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial.
14. As fissuras, brechas e fendas referidas em 9., 10., 11. e 12. provocaram desconforto e tristeza nos Autores.
15. Entre a Ré M. CA, S.A. e a Interveniente L... – Companhia de Seguros, S.A. foi celebrado contrato de seguro facultativo, do ramo de responsabilidade civil/exploração, titulado pela apólice n.º 130050000075691, com uma franquia contratual no montante de 10% dos prejuízos indemnizáveis, com o mínimo de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), do qual fazem parte as condições particulares, especiais e gerais da apólice, onde se encontram expressas as coberturas, exclusões, capitais seguros e franquia contratual – cfr. doc. n.º 1, 2 e 3 juntos com a contestação apresentada pela L... – Companhia de Seguros, S.A., que se dão por integralmente reproduzidos.

Em sede de factualidade não provada o Tribunal exarou:
“Ficaram por demonstrar os demais factos alegados pelas partes e não referidos supra, designadamente que:
a) O prédio em causa nos autos é um prédio com meia dúzia de anos, praticamente novo e que se encontra em óptimo estado de conservação;
b) As fissuras e brechas que o muro e a casa dos Autores apresentam foram provocadas pela constante e violenta trepidação do solo provocada pelo trabalho das máquinas utilizadas na execução da obra;
c) Algumas das fissuras e brechas que o muro e a casa dos Autores apresentam têm mais de 10 centímetros de largura.
d) As fendas das paredes exteriores das fracções A e B tendem a alargar com o tempo.”

E no que à motivação da factualidade apurada concerne consignou-se que:
”A decisão dos pontos 1., 2., 3., 4., 13. e 15. da matéria de facto dada como provada, efectuou-se com base nos documentos insertos nos autos, conforme o especificado naqueles pontos da factualidade dada como provada, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal.
Relativamente aos pontos 5., 6. e 7. da matéria de facto apurada, formou o Tribunal a sua convicção com base na posição assumida pelas partes. A Ré EP – Estradas de Portugal,
S.A. não impugnou os referidos factos. Já a Ré M. CA, S.A. disse impugnar os referidos factos na medida em que sendo empreiteira da obra em questão não executou, todavia, os trabalhos mencionados nos referidos pontos, causadores de trepidação, ou seja, a Ré aceita que os trabalhos existiram, divergindo, isso sim, da autoria dos mesmos; a Interveniente L... – Companhia de Seguros, S.A. remeteu a sua posição para a assumida pela Ré M. CA, S.A.
No que tange aos pontos 8., 9., 10., 11., 12. e 14 da matéria de facto apurada, os mesmos não foram impugnados pela Ré EP – Estradas de Portugal, S.A., tendo sido impugnados pela Ré M. CA, S.A por desconhecimento.
O depoimento das testemunhas arroladas pelos Autores, conjugados entre si a analisados a luz das regras da experiência, foram determinantes para o Tribunal formar a sua convicção quanto aos factos 8., 9., 10., 11., 12. e 14; bem como para o Tribunal consolidar a sua convicção quanto aos factos constantes dos pontos 5., 6. e 7.
A testemunha MCVAP é filha dos Autores e habita numa das fracções em causa nos presentes autos, tendo declarado de forma serena e objectiva quando e como ocorreram as obras de demolição do viaduto de acesso à ponte.
Mais referiu que na obra em causa andaram máquinas pesadas que provocavam trepidação na casa e de semana para semana se notavam fissuras, tendo, inclusive, o Eng. MGB, ao serviço da M. CA, S.A., ido ao local. Disse também que a T..., Construções, S.A. arranjou o muro exterior do prédio, que se mantém desnivelado. Referiu que três engenheiros chegaram a verificar as habitações por fora. Declarou que as fissuras apresentadas nas moradias provocaram desconforto nos Autores.
A testemunha JMSA, sobrinho dos Autores e presidente da Junta de Freguesia de Lovelhe até 2011, declarou ter acompanhado a obra de alargamento da Estrada Nacional n.º 13 e o nó para a Ponte da Amizade. Declarou que à medida que se foram fazendo escavações, o muro começou a apresentar fissuras e que na altura foi com a Autora falar com as EP – Estradas de Portugal, S.A., cujo representante disse que tinham de se dirigir ao empreiteiro, que seria a M. CA, S.A., existindo também um subempreiteiro que era a T..., Construções, S.A. Referiu também que na realização das obras houve fogo, compactação, cilindro a poucos metros, cerca de vinte ou trinta, das casas e que a casa apresenta fissuras, tendo por fora gretas de um centímetro, assim como no hall de entrada, nas escadas, na sala e em dois quartos. Tendo também afirmado que frequentava mais a casa da prima MCVAP.
A testemunha JLG, vizinho dos Autores, declarou que somente conhece a casa por fora; que as obras para a Ponte Internacional duraram três ou quatro meses; que a trepidação provocada pelos cilindros parecia um tremor de terra; e que a partir do momento em que começaram as obras notavam-se fissuras a olho nu na fachada da casa. Mais disse que para além da M. CA, S.A., trabalhou lá outra empresa que fez o viaduto: a T..., Construções, S.A.
A testemunha MMCP, amiga dos Autores há cerca de 16 ou 17 anos e que frequenta a casa dos mesmos desde 2003, declarou que as obras em causa duraram por volta de um ano ou de um ano e meio, mas que as obras subjacentes à casa dos Autores duraram alguns meses. Referiu que os Autores sentiram-se tristes com a deterioração da casa. Quanto ao mais sustentou que não podia dizer com certeza se a casa antes das obras tinha ou não fissuras.
A testemunha VMPMCC, amiga de longa data dos Autores e que também tem uma casa naquela zona, declarou que nas obras do arruamento foram usadas máquinas de grande porte, nomeadamente máquinas escavadoras e martelos pneumáticos. Mais disse que não conhece o interior da casa dos Autores, mas que a mesma apresenta rachas e fendas no exterior.
A testemunha JPCCC era o responsável pela equipa de fiscalização da EP – Estradas de Portugal, S.A. na obra em causa nos autos. Referiu que a obra foi adjudicada a um consórcio estabelecido entre a M. CA, S.A. e a T..., Construções, S.A., e que a primeira era a líder do consórcio. Declarou que, a pedido da Autora e acompanhado por outro engenheiro – ou o Eng. PAMF ou o Eng. MGB - foram à casa dos Autores ver as fissuras. Mais disse que viram fissuras no interior da casa e que a Autora reclamou das vibrações, tendo também referido que não viu fissuras no exterior da habitação mas somente no muro. Informou que a EP – Estradas de Portugal, S.A., comunicou à M. CA, S.A., na qualidade de líder do consórcio, a reclamação apresentada pela Autora, já que se encontrava previsto no caderno de encargos que a empresa adjudicatária era responsável pelos danos. Referiu ter presente que o muro foi reparado no âmbito da obra.
As testemunhas arroladas pelas Rés – Ana Berta Rodrigues Rego, engenheira civil, fiscal de obra, trabalhou para a Ré M. CA até Outubro de 2007 e desde então à trabalha para a Ré EP – Estradas de Portugal (actualmente Infraestruturas de Portugal, SA); MGB e PAMF, ambos engenheiros civis, trabalhavam para a Ré M. CA, à data dos factos; JMMC, encarregado de vias de comunicação, trabalhava para a Ré M. CA, à data dos factos; e VMAM, trabalhava para a Ré M. CA, à data dos factos e trabalha ainda actualmente – que prestaram depoimento, de forma isenta e credível, logrando convencer o tribunal da factualidade que declaram conhecer, não infirmaram – ao invés, confirmaram, no todo ou em parte – a factualidade apurada em apreço.

O Tribunal explicou que a decisão probatória atinente aos factos não provados ficou a dever-se à circunstância de sobre os mesmos não se ter produzido prova bastante a convencer o Tribunal, sendo certo que as testemunhas ou não tinham conhecimento de tais factos ou, quando tinham, tal não foi suficiente a persuadir o Tribunal da sua veracidade e ainda porque foi produzida prova em sentido contrário.
Relativamente ao ponto a) da matéria de facto não provada, o Tribunal considerou que, não obstante as testemunhas MCVAP e JMSA afirmarem que a casa dos Autores foi construída em 2003 e a testemunha JLG ter dito que a construção da sua casa foi anterior à dos Autores, certo é que do documento n.º 1 junto pelos Autores com a petição inicial resulta que o prédio urbano em causa foi inscrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Cerveira a favor dos Autores em 1992, tendo sido, isso sim, constituída propriedade horizontal sobre o mesmo prédio em 2003. Ora tal documento, atenta a sua qualidade de certidão permanente tem força probatória plena, nos termos dos artigos 383.º, n.º 1 e 371.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
De igual forma, e no que em particular concerne ao estado de conservação do prédio, não foram carreados elementos para os autos que permitissem apreciar do seu grau de conservação, nem foram precisados quais os materiais e métodos construtivos utilizados na construção do prédio dos Autores.
No que se refere aos ponto b) e c) da matéria de facto não provada, apesar das testemunhas MCVAP, JMSA, JLG, MMCP e VMPMCC sustentarem que a trepidação do solo provocada pela utilização de maquinaria pesada provocou fissuras e brechas no muro e na casa dos Autores, a verdade é que nenhuma das referidas testemunhas possuiu os necessários conhecimentos técnicos especiais indispensáveis à prova do referido facto, tendo, inclusive, a testemunha MMCP declarado que não podia dizer com certeza o estado da casa antes das obras.
Com efeito, não foi produzida qualquer prova relativamente às causas das fissuras e brechas apresentadas no muro e casa dos Autores, que não meras suposições, não suportadas por um especial conhecimento técnico.
Igualmente, não foi produzida qualquer prova quanto ao ponto d) da matéria de facto dada como não provada.”
X
DE DIREITO
Está posta em causa a decisão do TAF de Braga que julgou improcedente a acção, absolvendo as Rés dos pedidos indemnizatórios pelos danos havidos por alegada violação ilícita do direito de propriedade com as obras efectuadas.
Na óptica dos Recorrentes o cerne da discordância com a decisão que ora se põe em crise, advêm do facto de, tendo-se dado como provados os danos no prédio dos AA., não se ter dado igualmente como provado que tais danos, fissuras e brechas que o muro e a casa dos autores apresentam, foram provocadas pela constante e violenta trepidação do solo provocada pelo trabalho das máquinas utilizadas na execução da obra.
E continuam, a motivação para se chegar a tal conclusão foi a de que as testemunhas arroladas não possuiriam os necessários conhecimentos técnicos especiais que seriam indispensáveis para se poder atribuir os danos sofridos à constante trepidação do solo provocada pela utilização de maquinaria pesada. Não teriam as testemunhas conhecimentos técnicos de maneira a que o Tribunal ficasse convencido do nexo de causalidade entre as obras e os danos.
Não cremos que lhes assista razão.
Antes atente-se no discurso jurídico fundamentador da sentença:
“(…)
A presente acção funda-se na responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, resultando a ilicitude da violação do direito de propriedade dos Autores.
Dispõe o artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) sob a epígrafe “Responsabilidade das entidades públicas”, o seguinte: “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”
O transcrito art. 22.º da CRP consagra um princípio geral de responsabilidade do Estado, reunindo todas as funções do Estado (a administrativa, a político-legislativa e a constitucional), englobando tanto os danos patrimoniais como os não patrimoniais que advenham do exercício dessas funções.
Ora, este princípio da responsabilidade do Estado é um princípio estruturante do Estado de Direito, que conjugado com o disposto no artigo 202.º, n.º 2 da CRP, que estatui que “na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (...)”, não pode deixar de fundar a responsabilidade do Estado pelos danos causados por factos ilícitos perpetrados no âmbito do exercício de todos os poderes públicos.
Tal responsabilidade tem por escopo uma função reparadora, na medida em que, caso os poderes públicos no exercício das suas actividades (para prossecução das suas atribuições) lesem um direito fundamental, existe um dever de reparação.
Nos presentes autos os Autores formulam um pedido indemnizatório contra a EP – Estradas de Portugal, S.A. e a M. CA, S.A., tendo sido admitida a intervenção acessória da L... – Companhia de Seguros, S.A., com fundamento na violação ilícita do seu direito de propriedade, porquanto as Rés, a fim de executarem os acessos à Ponte Internacional Cerveira/Goian, executaram obras que provocaram danos no muro e na casa dos Autores, dos quais resultaram, alegadamente, prejuízos de natureza patrimonial e não patrimonial que devem ser ressarcidos.
Resulta provado que foi celebrado contrato de empreitada de obra pública entre a Ré EP – Estradas de Portugal, S.A. e o consórcio presidido pela Ré M. CA, S.A., tendo o mesmo por objecto a realização da empreitada “Acessos à Ponte Internacional de Cerveira/Goian – Ligações Viárias a Vila Nova de Cerveira e à EN 13 – 2.ª Fase”.
Antes de mais, cumpre dizer que o Decreto-Lei n.º 374/2007, de 07.11, transformou a EP – Estradas de Portugal, E.P.E. em sociedade anónima de capitais públicos, com a designação EP – Estradas de Portugal, S.A. (conforme como resulta do art. 1.º daquele diploma legal).
Apesar de ser uma sociedade anónima, a lei atribui-lhe poderes, prerrogativas e deveres de autoridade típicos dos atribuídos ao Estado. Efectivamente, o seu estatuto prevê no art. 10.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 374/2007 que “compete à EP - Estradas de Portugal, S.A., relativamente às infraestruturas rodoviárias nacionais que integrem o objecto da concessão a que se refere o artigo 4.º, zelar pela manutenção permanente de condições de infraestruturação e conservação e de salvaguarda do estatuto da estrada que permitam a livre circulação.”
Por seu turno, o n.º 2, alínea h) do citado preceito estabelece que “para o desenvolvimento da sua actividade, a EP – Estradas de Portugal, S.A., detém os poderes, prerrogativas e obrigações conferidos ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis no que respeita: a responsabilidade civil extracontratual, nos domínios dos atos de gestão pública.”
Já o n.º 1 do art. 8.º daquele Decreto-Lei n.º 374/2007 dispõe que “as infraestruturas rodoviárias nacionais que integram o domínio público e que estejam em regime de afectação ao trânsito público ficam nesse regime sob administração da EP – Estradas de Portugal, S.A.”
Daqui resulta que pertence à Ré EP – Estradas de Portugal, a representação do Estado no domínio das infraestruturas rodoviárias. Assim, as funções que lhe são atribuídas pelo Decreto-Lei n.º 374/2007, no que respeita às infraestruturas rodoviárias nacionais que integram o objecto da sua concessão, concedem-lhe poderes de autoridade próprios do Estado.
Do referido quadro legal é possível inferir-se que a responsabilidade extracontratual por que a Ré EP- Estradas de Portugal, S.A. é demandada se desenvolve num âmbito de ambiência pública, tendo em conta as suas atribuições legais. Deste modo, a sua eventual responsabilização por actos ou omissões dessa sua actividade insere-se no quadro de aplicação da norma do art. 1.º, n.º 5 do Regime Jurídico da Responsabilidade Civil
Extracontratual do Estado e das Demais Pessoas Colectivas de Direito Público (neste sentido, vide Acórdão do Tribunal de Conflitos de 29 de Janeiro de 2015, processo n.º 050/2014, disponível em www.dgsi.pt, e toda a jurisprudência lá citada).
Ora, a aplicação do art. 1.º, n.º 5 do Regime Jurídico da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e das Demais Pessoas Colectivas de Direito Público não é abalada pela celebração de um contrato de empreitada de obra pública com o consórcio presidido pela Ré M. CA, S.A., já que tal contrato caracteriza-se pela sua sujeição a um regime substantivo de direito público, de onde relevam factores objectivos de administratividade.
Com efeito, a natureza administrativa do contrato de empreitada de obra pública não se cinge a aspectos de índole procedimental próprias da fase de formação da vontade de contratar, nem resulta apenas do facto do contrato visar formalmente uma finalidade de interesse público, mas também se manifesta na execução do próprio contrato. Nesta conformidade, a actuação do empreiteiro é indissociável das considerações de interesse público subjacentes ao contrato, encontrando-se, de igual forma, sujeito à interferência da Ré EP- Estradas de Portugal, S.A. que, no exercício dos seus poderes de autoridade, pode vigiar e fiscalizar a sua actuação.
De uma forma geral, no caso dos autos está-se perante actividades materialmente administrativas, apesar de praticadas por pessoas colectivas de direito privado.
Assim sendo, dispõe o art. 1.º, n.º 5 do Regime Jurídico da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e das Demais Pessoas Colectivas de Direito Público (doravante RJRCEE), aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que “as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.”
As disposições do RJRCEE aplicáveis, por extensão, a pessoas colectivas de direito privado, são apenas as que regulam a responsabilidade civil por danos decorrentes da função administrativa e, assim, as que constam do seu Capítulo I (artigos 1.º a 6.º), do Capítulo II (artigos 7.º a 11.º) e do Capítulo V (artigo 16.º), este último apenas na parte em que se refere a danos provocados no exercício de um poder administrativo (neste sentido CARLOS FERNANDES CADILHA, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 56).
A responsabilidade civil extracontratual das Rés, por factos ilícitos praticados no exercício de prerrogativas de poder público ou por acções ou omissões reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo, corresponde, no essencial, ao conceito civilista da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, como se encontra estatuído no art. 483.º, n.º 1 do Código Civil.
Desta forma, são seus pressupostos: a) o facto, que se traduz numa conduta influenciável pela vontade; b) a ilicitude, que implica a ofensa de direitos de terceiros ou de disposições legais destinadas a proteger interesses de terceiros; a culpa, como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto ao agente e que pode revestir a modalidade de dolo ou negligência; c) o dano, que reveste a modalidade do dano real, o qual consiste na perda “in natura”, de dano patrimonial, que se materializa numa subtracção do património do lesado e abrange o “dannum emergens”, ou seja, a diminuição do património do lesado, consequência da perda ou dedução de valores nele existentes, como o “lucrum cessans”, isto é, a estagnação do património do lesado, consequência da frustração de ganhos; d) e, por fim, o nexo de causalidade entre o facto e os danos.
Ora, no caso em apreço, atenta a factualidade apurada, desde logo nos deparamos com a não prova de que as fissuras que a casa e o muro apresentam são consequência da execução da obra em causa nos autos. Com efeito, não lograram os Autores demonstrar - ónus que lhes cabia -, a prática, pelas Rés, de acto ilícito causador de danos.
Se não vejamos.
Resulta da matéria de facto dada como provada que, no âmbito da execução da empreitada “Acessos à Ponte Internacional de Cerveira/Goian – Ligações Viárias a Vila Nova de Cerveira e à EN 13 – 2.ª Fase” procedeu-se à demolição do viaduto de duas faixas de rodagem que existia na Estrada Nacional n.º 13, na entrada norte de Vila Nova de Cerveira que dava acesso à Ponte Internacional Cerveira/Goian, tendo-se também procedido à reestruturação da estrada que passa por baixo do viaduto que liga Lovelhe a Vila Nova de Cerveira, com a construção de novos passeios e colocação de piso novo.
Mais se provou que na execução das referidas obras foram utilizados martelos de porte pesado para demolição, discos de corte de pedra, máquinas de perfuração de pedra e cilindros para compactar o piso.
Relativamente aos danos, resulta provado que os Autores sofreram danos de natureza patrimonial, nomeadamente fissuras e brechas no muro de vedação do seu prédio; fissuras na caixa de escadas, na sala, no corredor e em três quartos da fracção B do prédio dos Autores; fissuras na caixa de escadas, na sala e no corredor da fracção A do prédio dos Autores; fendas nas paredes exteriores das fracções A e B. Restando, de igual forma, provado que a reparação destes danos foi orçada em € 26.850,00 (vinte e seis mil, oitocentos e cinquenta euros).
A par destes, também sofreram os Autores danos não patrimoniais advindos de sentimentos de desconforto e tristeza.
Todavia, para que o facto pudesse constituir fundamento (no que se refere ao pressuposto da ilicitude) da obrigação de indemnização peticionada pelos Autores, fundada na violação do seu direito de propriedade, mostrava-se necessário, que se pudesse estabelecer um nexo causal entre os mesmos e os danos provados.
De facto, a ilicitude, nos termos do art. 9.º do RJRCEE, “comporta uma lesão antijurídica – traduzida na violação objectiva de normas, princípios jurídicos, regras de ordem técnica ou deveres de cuidado – de que resulta a ofensa de direitos ou interesses protegidos” (cfr. CARLOS FERNANDES CADILHA, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 179) que pressupõe a existência de um nexo de causalidade adequada entre o facto e os danos.
Ora, na presente situação, não se pode concluir que o facto voluntário seja causa adequada dos danos provados. Desde logo, por que não se provou que, no âmbito dos trabalhos levados a cabo na obra, a trepidação do solo provocada pelo trabalho martelos de porte pesado para demolição, discos de corte de pedra, máquinas de perfuração de pedra e cilindros para compactar o piso provocaram as fissuras e brechas no muro e na casa do prédio dos Autores.
Independentemente da verificação ou não dos demais requisitos, é possível desde logo afirmar que não lograram os Autores demonstrar o nexo de causalidade entre o facto e os danos.
Os requisitos de responsabilidade civil extracontratual são cumulativos, pelo que a não verificação de um, torna inútil o conhecimento dos demais.
Em suma, não lograram os Autores fazer prova da versão apresentada, pelo que é forçoso concluir pela improcedência do pedido formulado.” (negritos e sublinhados nossos).

X

Constitui entendimento unívoco da doutrina e, aliás, obteve consagração legal, o de que o objeto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva, como é óbvio, dos casos em que se impõe o seu conhecimento oficioso.
Assim, temos de cingir-nos às conclusões da alegação, quais sejam:
-deveria ter-se dado como provado que o ano de construção da casa foi 2003, com base na prova testemunhal produzida;
-a matéria controvertida não era de molde a obrigar que a prova da causalidade entra a obra efectuada e os danos sofridos fosse feita através de peritos;
-o depoimento das testemunhas deveria ter levado a que a sentença recorrida tivesse dado como provado que os danos sofridos pela casa dos AA. o foram em consequência das obras efectuadas, resultante da utilização de máquinas pesadas e martelos pneumáticos que provocaram as vibrações de que resultaram esses danos;
-devem ser admitidos os documentos juntos para prova da idade da casa e do reconhecimento dos danos por parte dos RR.
-foi violado, entre outros, o artigo 483º do C.C.

Vejamos:

Da junção de documentos-

Os Recorrente requereram a admissão de documentos com vista a instruir as alegações de recurso.
Nos termos do artº 693°-B do CPC, as partes podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o artº 524° ou no caso da junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª Instância.
O n° 1 do artº 524° só permite, no caso de recurso, a admissão de documentos apresentados após o encerramento da discussão quando a sua apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
O seu n° 2 permite a apresentação em qualquer estado do processo de documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados ou que se tenham tornado necessários por causa de ocorrência posterior.
A frase “em qualquer estado do processo” significa, conforme ensina o Prof. Alberto dos Reis, em “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. IV, pág. 18, que os documentos em referência «podem ser oferecidos em qualquer estado do processo na 1ª Instância.».
No caso dos documentos serem juntos com a alegação do recurso, é necessário, para que a junção seja admitida, que a parte justifique a impossibilidade de juntar o documento até ao encerramento da discussão na 1ª instância - cfr. Acórdão do STJ de 12/1/94, BMJ 433º, págs. 467 e segs..
Neste caso, a idade do imóvel foi facto alegado pelos Autores e impugnado especificadamente pela Ré-Infraestruturas de Portugal, S.A na sua contestação, não tendo os A.A. reagido em nenhum momento, não sendo por isso surpresa a decisão tomada pelo Tribunal, nem a certidão em causa constitui documento cuja apresentação não pudesse ter sido anteriormente efectuada.
Devendo ser provado um determinado quesito, sendo portanto em abstracto plausível tanto a resposta positiva como a resposta negativa, a primeira nunca poderá constituir uma surpresa para a parte, que assim não deve confiar na inevitabilidade de um certo sentido de julgamento. Como tal, a resposta positiva a um quesito não pode servir de fundamento para a apresentação apenas na apelação de determinados documentos” - neste sentido, o Acórdão do STJ de 03/05/2007, no proc. 06B4660.
O mesmo se diga do e-mail junto pelos Recorrentes, que nada prova quanto ao nexo causal entre os factos e os danos, mormente por referir a existência de danos no imóvel sem qualquer conexão com as obras (contra o que os Autores alegavam, quanto ao seu excelente estado de conservação).

De qualquer modo, os documentos juntos com a alegação de recurso podiam ter sido apresentados antes da prolação da sentença recorrida, atendendo a que estão em causa “documentos para prova da idade da casa e do reconhecimento dos danos por parte das R.R.”, não tendo os Recorrentes demonstrado a impossibilidade de o fazerem antes das alegações.
Pelo exposto, indefere-se a junção de tais elementos documentais, nos termos do artigo 524°/1 do CPC ex vi artigo 1º CPTA.
Da alteração da matéria de facto dada como provada

Como é sabido, este tribunal -TCA N- é um tribunal de instância, em regra a segunda instância (artigo 210º/4 da CRP) e, como tal, conhece de direito e de facto (artigo 712º do Código de Processo Civil).
1 - A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
2 - No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
3 - A Relação pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em 1.ª instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes.
4 - Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1.ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.
5 - Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
6 - Das decisões da Relação previstas nos números anteriores não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
.”(Redacção dada por DL 303/2007 de 24/08/2007, artigo 1º - Alteração ao Código de Processo Civil).

Assim, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
No recurso em que se vise a impugnação da matéria de facto, o recorrente deve obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida (artº 690º-A do CPC).
Os ónus impostos ao recorrente que pretende sindicar o julgamento da matéria de facto visam combater uma indiscriminada e vaga manifestação contra o julgamento de facto, obrigando-o a uma tomada de posição precisa quanto aos pontos de facto que entende mal julgados e ainda à indicação dos meios de prova que impõem decisão diversa da tomada, indicação que, no caso de gravação dos meios de prova, deve ser feita com referência ao assinalado na acta relativamente a cada depoimento. Além disso, esses ónus processuais ajustam-se ao figurino paradigmático dos recursos no nosso sistema processual enquanto recursos de revisão ou de reponderação.
O ónus imposto ao recorrente que impugna a matéria de facto, no que tange à indicação dos meios de prova que impõem decisão diversa da tomada, tem em vista essencialmente a situação em que a pretensão do recorrente se funda na existência de provas que conduzem a um resultado probatório diferente daquele que foi acolhido na decisão impugnada.
Outra situação a ter em conta é a da falta de credibilidade de um meio de prova pessoal aduzido para fundamentar um ponto de facto objecto de impugnação pelo recorrente.
Nas situações antes enunciadas é manifesto que o ónus de indicação das provas que impõem decisão diversa da impugnada tem que ser adequada e fundamentadamente sustentado, sob pena de conduzir a resultados absurdos e até subversivos da prova fixada.

Assim, na primeira situação enunciada, parece que o recorrente observará suficientemente o ónus processual previsto no artigo 690º-A, do CPC, indicando o depoimento que afirma por si só insuficiente para conduzir ao resultado probatório que impugna, tal como quando estiver em causa a credibilidade de um certo meio de prova pessoal, bastará a remissão para os segmentos do meio de prova em causa que contenham a sua razão de ciência e a sua análise crítica ou, nos casos em que não seja indicada razão de ciência, a mera referência à ausência dessa indicação.
Por outro lado, a localização precisa dos segmentos probatórios que sustentam a pretensão do recorrente não dispensa o tribunal de recurso de analisar a generalidade da prova, pois que o tribunal de 2ª instância deverá oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos impugnados da matéria de facto (artigo 712º/2, parte final, do CPC), podendo mesmo ter em conta outros elementos que não sejam indicados como fundamento da decisão de facto (artigo 515º do CPC), desta feita ao abrigo dos poderes de reapreciação oficiosa da matéria de facto, com base no previsto na primeira parte da alínea a), do nº 1 do artº 712º do CPC, reapreciação que, quando necessária, deverá ter em atenção o disposto no artigo 3º/3 do Código de Processo Civil.
O que será absolutamente necessário para que o recurso relativo à matéria de facto possa ser apreciado é que os pontos do julgamento da matéria de facto postos em crise, bem como as razões da discordância do recorrente quanto ao julgamento da matéria de facto se compreendam, de forma inequívoca.

O tribunal de 2ª instância deve apreciar a matéria impugnada, efectuando uma apreciação autónoma da prova produzida, pois que o objecto precípuo da cognição do tribunal de recurso não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto, mas antes a apreciação e valoração da prova produzida, tarefa orientada para a detecção do erro de julgamento naquela decisão de facto. Por isso, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento. Se assim não fosse, a impugnação da matéria de facto não constituiria um verdadeiro recurso, como sucede no nosso direito constituído, mas antes um meio processual de provocar uma repetição, ainda que parcial, do julgamento da matéria de facto.
No julgamento da impugnação da decisão da matéria de facto apela-se aos princípios da oralidade, da livre apreciação da prova e da imediação, pois como se refere no Ac. do STA, de 19/10/2005, proc. 0394/05 “
O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.”
Esta exigência decorre da circunstância de o tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. A imediação na produção da prova tem um peso significativo na livre apreciação da prova, porquanto, presenciando-se a produção da prova, observa-se directamente a espontaneidade dos depoentes e as reacções às questões que lhes vão sendo colocadas, percepcionando-se todo um conjunto de elementos não verbais relevantes para a formação da convicção e para a valoração e apreciação crítica da globalidade da prova.
Como alertava Eurico Lopes Cardoso, os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida - BMJ 80, págs. 220/ 221.
Desta feita, só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos- neste sentido cfr, António Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, II vol., 4ª ed., 2004, págs. 266/267.

Cientes desta limitação - decorrente do respeito pelo princípio da livre apreciação da prova - mas também conscientes de que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador, ”(…) o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente (…)”- vide o Prof. M. Teixeira de Sousa em “Estudos sobre o novo Processo Civil”, pág. 348.
Obedecendo a estes ensinamentos, com os quais nos identificamos, temos vindo a decidir, em casos semelhantes, que
a sentença deve espelhar e reflectir, em termos de probatório, todos os factos que servem de alicerce à decisão.
Ao tribunal compete justificar os motivos da decisão sobre a matéria de facto, revelando as razões que o levaram a certa conclusão e não a outra perante os meios de prova produzidos e as posições que as partes tomaram nos articulados sobre a factualidade em discussão.
O nº 2 do artigo 653º do CPC estabelece o dever de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, impondo que o julgador especifique os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da sua correcção. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente -
Acs. deste TCAN de 06/04/2006, proc. 578/03 Porto, de 25/01/2007, proc. 01875/06.5BEPRT, de 14/02/2007, proc. 122/02 Braga e de 20/9/2007, proc. 48/03.3BEBRG, entre outros.
A fundamentação tem um valor crucial na delimitação dos poderes de cognição do tribunal ad quem porquanto uma referência detalhada e concreta a elementos apenas perceptíveis com imediação para justificar a convicção formada deixará um reduzido campo de manobra à instância de recurso.
Mas, para além destas coordenadas que devem nortear a apreciação da matéria de facto, outra se impõe, qual seja a de que os constrangimentos do tribunal de 2ª instância não podem equivaler a uma atitude negacionista, que vede um efectivo segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Dito de outro modo, se é certo que ao tribunal de recurso apenas é dado alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão (posto que fundamentada), não é menos verdade que o controlo do julgamento da matéria de facto não pode ficar reduzido a uma verificação da racionalidade e sustentabilidade da decisão de facto impugnada, atenta tão-só ao texto desta decisão.
Salvo melhor opinião, a necessidade de justificar a decisão, substituindo as respostas secas, dogmáticas, do tribunal por uma fundamentação esclarecedora do raciocínio do juiz só contribui para a melhor compreensão da decisão e prestígio do órgão donde ela emana.
Resumindo, não se deve hipertrofiar o relevo da imediação, ao ponto de na prática se negar o direito à reapreciação da matéria de facto em segunda instância. Apesar da imediação com a prova ser mais reduzida, outros elementos como a audição da gravação são de molde a permitir a percepção de pontos, não facilmente verbalizáveis, e que podem ser decisivos para a formação da convicção do tribunal. A isto acresce que o défice da imediação na produção da prova pessoal pode ser compensado por uma diferente perspectiva crítica e uma diferente experiência de vida do tribunal de recurso.
Postos estes considerandos, e voltando ao caso em concreto, temos que a matéria de facto não foi impugnada de forma especificada nem por referência a determinados tipos de provas e pontos do probatório.
Tal, só por si, impede a pretendida alteração da matéria de facto.
Por outro lado, como se viu, o Tribunal a quo não deixou de exarar a sua motivação no que à factualidade que considerou provada e não provada diz respeito.
A parte, ou seja, os aqui Recorrentes é que se quedaram por uma conclusão genérica de que o depoimento das testemunhas deveria ter levado a que a sentença recorrida tivesse dado como provado que os danos sofridos pela sua casa o foram em consequência das obras efectuadas, resultante da utilização de máquinas pesadas e martelos pneumáticos que provocaram as vibrações de que resultaram esses danos.
Desatende-se, assim, este segmento do recurso.
Do erro de julgamento de direito (da violação do artº 483º do CCivil)
Como decorre do texto da sentença acima transcrita, a presente acção funda-se na responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, resultando a ilicitude da violação do direito de propriedade dos Autores.
Tal responsabilidade tem por escopo uma função reparadora, na medida em que, caso os poderes públicos no exercício das suas actividades (para prossecução das suas atribuições) lesem um direito fundamental, existe um dever de reparação.
Nos presentes autos os Autores formulam um pedido indemnizatório contra EP-Estradas de Portugal, S.A. e M. CA, S.A., tendo sido admitida a intervenção acessória da L...-Companhia de Seguros, S.A., com fundamento na violação ilícita do seu direito de propriedade, porquanto as Rés, a fim de executarem os acessos à Ponte Internacional Cerveira/Goian, executaram obras que provocaram danos no muro e na casa dos Autores, dos quais resultaram, alegadamente, prejuízos de natureza patrimonial e não patrimonial que devem ser ressarcidos.

A responsabilidade civil extracontratual das Rés, por factos ilícitos praticados no exercício de prerrogativas de poder público ou por acções ou omissões reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo, corresponde, no essencial, ao conceito civilista da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, como se encontra estatuído no artº 483º, nº 1 do Código Civil («aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».)

Desta forma, são seus pressupostos:
-o facto, que se traduz numa conduta influenciável pela vontade;
-a ilicitude, que implica a ofensa de direitos de terceiros ou de disposições legais destinadas a proteger interesses de terceiros;
-a culpa, como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto ao agente e que pode revestir a modalidade de dolo ou negligência;
-o dano, que reveste a modalidade do dano real, o qual consiste na perda in natura, de dano patrimonial, que se materializa numa subtracção do património do lesado e abrange o dannum emergens, ou seja, a diminuição do património do lesado, consequência da perda ou dedução de valores nele existentes, como o lucrum cessans, isto é, a estagnação do património do lesado, consequência da frustração de ganhos;
-o nexo causal entre o facto e o dano.
Ora, no caso em apreço, atenta a factualidade apurada, desde logo nos deparamos com a não prova de que as fissuras que a casa e o muro apresentam são consequência da execução da obra em causa nos autos. Com efeito, não lograram os Autores demonstrar - ónus que lhes cabia -
(artº 342º/1 do CC) -, a prática, pelas Rés, de acto ilícito causador de danos.
Resulta da matéria de facto dada como assente que, no âmbito da execução da empreitada “Acessos à Ponte Internacional de Cerveira/Goian-Ligações Viárias a Vila Nova de Cerveira e à EN 13-2ª Fase” procedeu-se à demolição do viaduto de duas faixas de rodagem que existia na Estrada Nacional nº 13, na entrada norte de Vila Nova de Cerveira que dava acesso à Ponte Internacional Cerveira/Goian, tendo-se também procedido à reestruturação da estrada que passa por baixo do viaduto que liga Lovelhe a Vila Nova de Cerveira, com a construção de novos passeios e colocação de piso novo.
Mais se provou que na execução das referidas obras foram utilizados martelos de porte pesado para demolição, discos de corte de pedra, máquinas de perfuração de pedra e cilindros para compactar o piso.
Relativamente aos danos, resulta provado que os Autores sofreram danos de natureza patrimonial, nomeadamente fissuras e brechas no muro de vedação do seu prédio; fissuras na caixa de escadas, na sala, no corredor e em três quartos da fracção B do prédio dos Autores; fissuras na caixa de escadas, na sala e no corredor da fracção A do prédio dos Autores; fendas nas paredes exteriores das fracções A e B. Restando, de igual forma, provado que a reparação destes danos foi orçada em € 26.850,00 (vinte e seis mil, oitocentos e cinquenta euros).
A par destes, também sofreram os Autores danos não patrimoniais advindos de sentimentos de desconforto e tristeza.
Todavia, para que o facto pudesse constituir fundamento (no que se refere ao pressuposto da ilicitude) da obrigação de indemnização peticionada pelos Autores, fundada na violação do seu direito de propriedade, mostrava-se necessário que se pudesse estabelecer um nexo causal entre os factos e os danos apurados.
Só que, na presente situação, não se pode concluir que o facto voluntário seja causa adequada dos danos provados. Desde logo, por que não se provou que, no âmbito dos trabalhos levados a cabo na obra, a trepidação do solo provocada pelo trabalho dos martelos de porte pesado para demolição, discos de corte de pedra, máquinas de perfuração de pedra e cilindros para compactar o piso provocaram as fissuras e brechas no muro e na casa do prédio dos Autores.
Independentemente da verificação ou não dos demais requisitos, é possível, desde logo, afirmar que não lograram os Autores demonstrar o nexo de causalidade entre o facto e os danos.
E, não provado esse nexo causal, teria inelutavelmente que julgar-se afastada a existência de responsabilidade por factos ilícitos.
Conforme salientado na decisão sob recurso, cabia aos Recorrentes a demonstração da existência do nexo causal entre o facto supostamente praticado e o dano, pois que só os danos que possam considerar-se produzidos pela factualidade alegada serão potencialmente ressarcíveis. Tendo em conta que competia aos Recorrentes, na qualidade de alegados lesados, demonstrar a existência de todos os pressupostos da responsabilidade civil (de acordo com o artigo 342º do Código Civil), e não o tendo feito inexiste fundamento para a propalada responsabilidade por facto ilícito.
Da (In)existência de Responsabilidade por Factos Lícitos -
Como resulta da transcrição da sentença recorrida, esta fundou-se no regime da responsabilidade por actos de gestão pública, decorrente da Lei 67/2007, de 31 de dezembro.
Merece aqui acolhimento o entendimento da doutrina(1), de que “a exigência de um dano ou encargo especial e anormal é justificado à luz de um princípio de socialidade. Só são indemnizáveis os danos ou encargos que incidam sobre uma pessoa ou um grupo, sem afectarem a generalidade das pessoas (dano especial), e que simultaneamente ultrapassem os custos próprios da vida em sociedade e mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito (dano anormal).
“Anormal é, por sua vez, o dano que, pela sua gravidade, tem relevância ressarcitória; de tal modo que não há lugar ao pagamento de indemnização se o dano não exceder os encargos normais exigíveis como contrapartida dos benefícios emergentes da existência e funcionamento dos serviços públicos.”
É que “(...) A ideia da exigência destes dois requisitos de responsabilidade assenta, (...) na necessidade de estabelecer um duplo travão: a) evitar a sobrecarga do tesouro público, limitando o reconhecimento de um dever indemnizatório do Estado nos casos de danos inequivocamente graves, b) procurar ressarcir danos que, sendo graves, incidem desigualmente sobre certos cidadãos.”
Destarte, a (i) especialidade e a (ii) anormalidade são requisitos do prejuízo passível de indemnização enquanto pressuposto da responsabilidade civil.
A este propósito, o STA, no Acórdão de 13/01/2004, proc. 040581, decidiu: Não é prejuízo anormal, para efeitos do artigo 9º, n° 1 do DL n° 48051, de 21 de Novembro de 1967, ainda que com depreciação do valor de realização do imóvel, a mera compressão do direito de acesso de um prédio de habitação, em resultado de modificações da via confinante, mas sem afectação do respectivo gozo standard. O mesmo Tribunal, no Acórdão de 18/6/2015, proc. 01314/13, refere, a este propósito, que no domínio do DL 48051, a obrigação de indemnização pela prática de acto lícito regula-se pelos artºs 562º e segs. do C. Civil, abrangendo a cobertura de todos os danos, desde que especiais e anormais - vide ainda o Acórdão do STA, de 25/3/2015, proc. 01389/14.
Também este TCAN, em 17/06/2016, proc. 00078/10.9BEAVR, assim decidiu, sumariando:
1.No que concerne à responsabilidade por ato lícito, nos termos do n.º 1 do artigo 9.° do Decreto-lei n.º 48.051, então aplicável, “o Estado e demais pessoas coletivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais”.
Assim, face à responsabilidade por atos lícitos, prescrevia o artº 9º, nº 1 do citado DL nº 48051, que o Estado e demais pessoas coletivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais, prescindindo-se aqui dos requisitos da ilicitude e da culpa.
Este dever de indemnizar nasce, assim, à margem de qualquer ilicitude e censura jurídica, entrosando-se, antes, na circunstância de ter sido imposto ao administrado, em nome do interesse público, um sacrifício que ultrapassa os encargos normais que decorrem da vida em sociedade, ou de um sacrifico que seja grave e especial.
Nesta situação, prescinde-se dos requisitos da ilicitude e da culpa, apenas se exigindo que os prejuízos causados, para ser indemnizáveis, sejam especiais e anormais.
Por prejuízo especial entende-se aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa; por prejuízo anormal aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração -
cfr. ainda o Ac. deste TCAN de 08/04/2016, proc. 01095/04.3BEBRG “I)- A responsabilidade extracontratual por facto lícito implica a existência de prejuízo especial e anormal.”
No caso em apreço, aos aqui Recorrentes não foi imposto qualquer dano especial e anormal decorrente da vida em sociedade nem eles tal lograram demonstrar.
É que, como é óbvio, a construção de acessos à Ponte Internacional de Cerveira/Goian-Ligações Viárias a Vila Nova de Cerveira e à EN 13 é uma clara manifestação dessa mesma vida em sociedade.
Mas, acima de tudo, nos presentes autos, não resultou provado que as fissuras e brechas que o muro e a casa dos Autores apresentam foram provocadas pela constante e violenta trepidação do solo provocada pelo trabalho das máquinas utilizadas na execução da obra.
Com efeito, o Tribunal a quo considerou que não foi produzida qualquer prova relativamente às causas das fissuras e brechas apresentadas no muro e casa dos Autores, que não meras suposições, não suportadas por um especial conhecimento técnico, e bem assim que não era possível dizer com certeza se a casa antes das obras tinha ou não fissuras.
Ora, o princípio geral da igualdade de contribuição dos cidadãos para os encargos públicos é o fundamento axiológico essencial da indemnização por actos lícitos, exigindo a lei a especialidade e a anormalidade do dano, como elementos-travão de uma total socialização dos prejuízos, em ordem a:
-evitar a sobrecarga do tesouro público, limitando o reconhecimento de um dever indemnizatório do Estado e demais entes públicos ao caso de danos inequivocamente graves;
-procurar ressarcir os danos que, sendo graves, incidiram desigualmente sobre certos cidadãos -
texto do Acórdão do STA de 13/01/2004, já citado.
Voltando ao caso posto, atente-se no Acórdão do STA de 02/12/2010, proc. 0629/10, cujo sumário reza assim: I-São pressupostos da responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, por actos lícitos praticados no domínio de gestão pública, prevista no art. 9º do DL nº 48.051, de 21.11.67: (I) um acto lícito do Estado ou de outra pessoa colectiva pública; (II) praticado por motivo de interesse público; (III) um prejuízo especial e anormal; (IV) nexo de causalidade entre o acto e o prejuízo.
II-Por prejuízo especial entende-se aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa; por prejuízo anormal aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a actividade lícita da Administração (negrito nosso).
Todavia, na hipótese vertente, pese embora os prejuízos para os Recorrentes e a natureza jurídica da sua qualificação, o certo é que falha o suporte atinente ao nexo causal.
Logo, afasta-se, também, a responsabilidade por factos lícitos.
E, assim sendo, tem de julgar-se improcedente o pedido dos Autores/Recorrentes contra as aqui Recorridas; o mesmo é dizer que se manterá a sentença que assim decidiu.
É que, conforme o tribunal também sublinhou, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual são cumulativos, pelo que a não verificação de um torna desnecessária a apreciação dos demais.
Desatendem-se, pois, as conclusões da alegação; é que, contrariamente ao aventado, foi feita correcta interpretação do apontado artº 483º do CCivil.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelos Recorrentes.
Notifique e DN.

Porto, 16/12/2016
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Rogério Martins
_________________________________
(1) Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado, págs. 65 e 66.