Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01351/08.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/24/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PROVA;
OCUPAÇÃO DE TERRENO PRIVADO;
APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS.
Sumário:1. Os recursos Jurisdicionais devem, em regra, cingir-se à parte dispositiva da decisão, limitado pelas questões postas ao tribunal recorrido;
2. Na fase de recurso não pode ser atendido um documento, só então junto, que não se destine a provar facto alegado pelo recorrente.
3. O atual Artº 425º CPC dispõe que "Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento", uma vez que os recursos jurisdicionais não visam a apreciação de questões novas, mas antes, e no essencial, à apreciação e ponderação da prova documental apresentada no decorrer do processo, em 1ª Instância.*
* Sumário elanborado pelo Relator.
Recorrente:Junta de Freguesia de Q...
Recorrido 1:JFNC e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
A Junta de Freguesia de Q..., devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, inconformada com a Sentença proferida em 17 de Dezembro de 2013, no TAF de Braga (Cfr. fls. 357 a 382 Procº físico), na qual a ação foi julgada parcialmente procedente, tendo sido decidido;
a) Absolve-se do pedido o interveniente, Município de F...;
b) Condena-se a R., Freguesia de Q... a:
b.1) Desocupar o terreno dos AA. e destruir todas as obras realizadas no prédio dos AA., colocando o terreno no estado em que se encontrava, através da:
- Demolição da parte do cemitério que construiu numa extensão de 100 m2 no prédio dos AA.;
- Remoção do prédio dos AA. do depósito, caixa de distribuição de águas e a entubação e canalização que colocou para conduzir a água;
b.2) Pagar aos AA. a quantia de € 150,00 pelo corte das árvores;
b.3) Abster-se da prática de qualquer ato que impeça, obstaculize ou diminua a utilização do prédio por parte dos AA.
veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, em 31 de Janeiro de 2014 (Cfr. fls. 388 a 406 Procº físico).

Formula a aqui Recorrente/Freguesia nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
1ª-) Contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo”, a junta de freguesia aqui recorrente não ocupou cerca de 100m² de terrenos dos AA, sem a autorização destes, nem cortou três árvores, nem construiu um depósito e uma caixa de distribuição de águas com três tubos, desviando as águas;
2ª-) Os factos constantes dos pontos 7, 9 e 12 dos factos provados da sentença, devem ser dados como NÃO PROVADOS por total ausência de prova por parte do Autor;
3ª-) Os factos constantes do ponto 5 dos factos não provados devem ser dados como PROVADOS;
4ª-) Foi dado como PROVADO que: “A Ré Junta de Freguesia de Q..., aquando do alargamento do cemitério, cortou três árvores – facto confessado”;
5ª-) O que a Ré Junta de Freguesia alegou foi que “existiam três árvores que foram cortadas, com autorização destes…”, o que é diferente, pois nada foi feito sem autorização dos Autores;
6ª-) Veja-se no minuto 25:10, o depoimento da testemunha JBR: Mandatária da Ré Junta de Freguesia: Foi o senhor JM que cortou as árvores?
Testemunha: Foi….já foi depois da hora do trabalho. Acho eu que já não deve ter nada a ver com a Junta.
7ª-) Vem dito na douta sentença ora em crise que “Assim, atenta a insuficiência do depoimento das testemunhas ouvidas a este respeito não se provou a matéria que consta de 8 a 11 dos factos não provados, essencialmente no que se reporta à autoria das construções de 2007, dos caminhos e do corte de árvores.”;
8ª-) Há aqui uma contradição entre a prova dada como provada e decisão;
9ª-) Se não se logrou apurar a autoria de quem cortou as árvores, não pode a Ré Junta de Freguesia de Q... ser condenada a pagar uma indemnização por tal;
10ª-) Assim, deve ser dado como NÃO PROVADO o facto constante do ponto 12 dos factos provados;
11ª-) Quanto à condenação na demolição de parte do cemitério, a mesma não teve em conta a prova produzida em sede de julgamento;
12ª-) Considerou o tribunal “ a quo” que como não havia um documento escrito a titular o acordo, o mesmo era como se não existisse;
13ª-) O tribunal “a quo” não teve em consideração as regras da experiência e as regras da vida em sociedade;
14ª-) Do depoimento da testemunha ARB, que foi presidente da Junta de Freguesia de Q... no período entre 1993 e 2005, retira-se: (Minuto 1:07:50)
Testemunha: Aquilo foi feito de dia. Nunca a Junta foi abordada para pagar qualquer compensação;
15ª-) A aqui recorrente atuou de boa-fé e de acordo com a autorização dos Autores;
16ª-) Não estamos a falar da construção de um muro no meio do mato, onde só passam pessoas uma vez por ano. Estamos, sim, a falar da construção de um cemitério na Junta de Freguesia de Q..., onde diariamente se deslocam pessoas da freguesia e o qual está situado num local de passagem de via rodoviárias e à vista de todos diariamente;
17ª-) Devem os factos constantes do ponto 5 dos factos não provados, ser dado como PROVADO.
18ª-) E mais, ao abrigo da sua boa-fé a Junta de Freguesia entregou os terrenos das sepulturas, que foram construídos naquela parte do cemitério, a pessoas da freguesia, os quais são hoje detentores deles, possuindo os respetivos alvarás;
19ª-) A sentença deveria ter acautelado esta circunstância, porque é uma decisão que depois de transitada em julgado, fica apta a ser literalmente cumprida;
20ª-) E nesta medida, os Autores munidos de meios para tal, podem destruir parte do cemitério, independentemente de estar ocupado com restos mortais ou não;
21ª-) Estão aqui em causa direitos pertencentes a terceiros que de boa-fé adquiriram tais lotes de terreno e possuem títulos de tal, os alvarás que seguem em anexo;
22ª-) Tais direitos não foram tidos em conta na decisão proferida pelo tribunal “a quo”, tendo sido atropelados sem mais;
23ª-) Ao cumprir com o que ficou decidido na douta sentença teria a Junta de Freguesia de Q... que revogar todos os alvarás que conferiu, o que lhe causaria grandes transtornos como é óbvio;
24ª-) Caso tivesse ficado provado que houve danos para os Autores, com a atuação da aqui recorrente, o que não aconteceu, tais danos deviam ser ressarcidos através de uma indemnização em dinheiro;
25ª-) O artigo 566º, nº1 do Código Civil dispõe que “a indemnização é fixada em dinheiro sempre que reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”;
26ª-) Neste caso, não estamos só perante um caso em que é oneroso para a recorrente, mas também um caso em que estão em causa sepulturas, o que torna a questão muito mais delicada;
27ª-) A reconstituição natural aqui apresenta-se como um sacrifício manifestamente desproporcionado para a Junta de Freguesia e para os detentores do direito de uso das sepulturas, e por isso é contrária à boa-fé, é abusiva, e por isso faz todo o sentido excluir o direito por parte dos Autores à reconstituição natural;
28ª-) Quanto à remoção do prédio dos Autores do depósito, caixa de distribuição de águas e entubação e canalização que colocou para conduzir a água, também o tribunal “ a quo” andou mal;
29ª-) A recorrente não foi a autora de tais obras nos terrenos dos Autores, nem tão pouco tais obras causaram prejuízos a estes;
30ª-) Vejamos o depoimento da testemunha JBR: Minuto 04:00-Testemunha: Falou-se que a água estava imprópria e a Junta mandou limpar a mina e mandou argolar a mina;
31ª-) Não foram feitas quaisquer obras, tratava-se era de uma questão de segurança para a população;
32ª-) A mina já lá existia, só foi limpa e tapada;
33ª-) Depois, a mesma testemunha afirmou ainda que:
Minuto 20:42
Meritíssima Juiz: Viu o funcionário da Junta a fazer as obras?
Testemunha: Sim.
Minuto 21:20
Testemunha: Esse ZM é que mandou fazer. Mas ele não ia para lá todos os dias;
33ª-) Sendo que anteriormente a mesma testemunha tinha referido que:
Minuto 17:20
Meritíssima Juiz: É filho de quem?
Testemunha: De um dos particulares que encanou as águas;
34ª-) Ainda a mesma testemunha referiu:
Minuto 21:30
Mandatária da Ré Junta: O Senhor disse que viu os funcionários da Junta a fazer as tais obras da mina?
Testemunha: Não. Eu disse que foi lá esse tal ZM, mas foram outros a fazerem as obras;
35ª-) Ora, tal funcionário da Junta de Freguesia agiu sempre no seu interesse já que era filho de um dos particulares para os quais a água da mina era desviada;
36ª-) Pelo que, devem os factos constantes dos pontos 7 e 9 dos factos provados ser dados como NÃO PROVADOS;
37ª-) A água da mina hoje e desde há 30 anos (veja-se minuto 1:12:00 no depoimento da testemunha ARB que referiu que a divisão da água para os particulares foi feita antes de 1985);
38ª-) Sendo incompreensível que só agora é que os Autores vieram alegar que não deram qualquer consentimento e que só agora é que lhe causa estorvo;
39ª-) Além de que, o acesso à água da mina continua na disponibilidade da generalidade da população, pois que corre para um fontanário onde todos podem livremente aceder;
40ª-) Por todo o exposto, devem os factos constantes dos PONTOS 7, 9 e 12 dos factos dados como provados na sentença devem ser dados como NÃO PROVADOS por ausência total de prova, e os factos constantes do PONTO 5 dos factos não provados deve ser dado como PROVADO;
41ª-) A douta sentença de que agora se recorre, ao decidir como decidiu violou entre outras normas, as constantes dos artigos 342º, 562º e 566º todos do CC, e dos artigos 608º, 615º, nº1 al.b) do CPC.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, substituindo-se a sentença por acórdão que julgue a ação totalmente improcedente, por não provada, com todas as legais consequências, no que farão V. Exas, a sempre Inteira e Costumada JUSTIÇA!”
O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 4 de Fevereiro de 2014 (Cfr. fls. 483 e 484 Procº físico).

O Recorrido, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 6 de Março de 2014, concluindo (Cfr. fls. 489 a 498 Procº físico):
I) O princípio da livre apreciação da prova, que alicerça o julgamento da matéria de facto, sustenta-se em critérios racionais e objetivos, em juízos de ilações e inferências razoáveis, mas sempre de mera probabilidade; e conduz a um juízo positivo de prova quando, em face dos instrumentos disponíveis, do seu conteúdo, consistência e harmonia, se afigure aceitável à consciência de um cidadão medianamente informado e esclarecido, que a realidade por eles indiciada já se possa ter como efetivamente assumida;
II) Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto de discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
III) Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
IV) Ao tribunal de recurso apenas e só é dado alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excecionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão”.
V) No que ao segmento do recurso mencionado concerne o que a recorrente pretende é que este Tribunal de apelo faça um novo julgamento. Ora, vimos, o que aqui cumpre diligenciar é tão-somente se a convicção a que chegou o Tribunal a quo [consequentemente destrinçando dos factos objeto do processo os que entendeu por provados, daqueles outros que sustentou como não provados], se mostra objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.
VI) Tarefa perfeitamente cumprida caso se ouçam os depoimentos controvertidos e a fundamentação da decisão recorrida.
VII) Nenhuma censura pois a opor ao juízo valorativo acolhido em 1.ª instância.
VIII) O que sobressai da fundamentação de facto operada é uma descrição exaustiva dos termos dos depoimentos acolhidos, perfeitamente coincidentes, atenta a credibilidade atribuída a cada um deles e a desconsideração feita relativamente a outros, com destrinça subsequente na matéria de facto provada e naquela outra não provada.
IX) A recorrente juntou trinta e quatro documentos com a sua apelação, sustentando ser essa junção admissível ao abrigo do artº 706º do CPC por apenas se ter tornado necessária face à sentença proferida na 1ª instância.
X) A interpretação que faz do artº 706º não é todavia a correta. A junção dos aludidos documentos não se tornou apenas necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. Era já necessária na primeira instância, para prova dos fundamentos da defesa, e a recorrente podia ter junto tais documentos com a contestação e não o fez.
XI) Perdeu o direito de os apresentar visto que não foi a sentença, e só ela, que criou a necessidade da junção. Essa necessidade já existia face aos termos em que foi elaborada a petição inicial, termos esses que a ré/recorrente tinha interesse em rebater mas deixou de tempestivamente fazer.
XII) Neste caso, os documentos juntos com a alegação da apelação podiam ter sido apresentados antes de ter sido proferida a sentença recorrida, não tendo a recorrente demonstrado a impossibilidade de o fazer antes da alegação do recurso.
XIII) Como se refere no acórdão do S.T.J. citado (págs. 471 e 472 do referido B.M.J.), seguindo a doutrina exposta pelo Prof. Antunes Varela na R.L.J., ano 115º, pág. 95, «a junção de documento às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se baseie em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam.», o que manifestamente não se verifica no caso sub judice.
XIV) Não tendo a sentença lidado com factos não alegados pelos autores na petição inicial, não é admissível a junção dos Trinta e Quatro documentos com as alegações do recurso de apelação.
Neste termos e nos demais de direito, que V. Exa. doutamente suprirá, deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os efeitos legais.
Assim se fazendo a sempre e habitual JUSTIÇA!”
O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 30 de Abril de 2014 (Cfr. fls. 517 Procº físico), nada veio dizer, requerer ou promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
As questões a apreciar e decidir prendem-se predominantemente com a prova dada como provada e com aquela que o não foi, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, a qual aqui se entende ser suficiente e adequada para a análise, ponderação e decisão da matéria controvertida:
“III.1. Factos provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:
1. A favor do Autor marido encontra-se inscrito um prédio rustico na matriz predial da freguesia de Q..., concelho de F..., sob o artigo 1…, e na Conservatória do Registo Predial de F... sob o n.º 01….. – cfr. doc. 1 e 2 juntos com a P.I., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (ponto A da Matéria Assente).
2. O aludido prédio, denominado C... do Penedo de Moura, composto de terra de mato, com a área de 25.600m2, confronta a Norte com Caminho de Servidão e parede da C... de M...; a sul com Ribeiro e Estrada Municipal; a Nascente com Estrada Municipal e a Poente com Ribeiro e JMB. – ponto B da Matéria Assente.
3. O Autor marido adquiriu o referido prédio por escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de F..., em 20-09-1985, exarada de fls. 37 verso a fls, 39 do livro de escrituras diversas n.º 12-C. - cfr. doc. 3, junto com a P.I. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (ponto C da Matéria Assente).
4. Os Autores, por si e seus antecessores, cultivam e tratam do mencionado prédio, retirando dele os respetivos frutos, há mais de trinta anos, de forma ininterrupta a vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, e na intenção e convicção de que o mesmo lhes pertence. – ponto D da Matéria Assente.
5. No prédio referido em 1. e 2. existia uma mina de água corredia.
6. Os habitantes da zona abasteciam-se e consumiam água da mina desde período anterior à aquisição do prédio pelos AA..
7. Na sequência de um acordo quanto às águas da mina com outros dois particulares, a Junta de Freguesia de Q... construiu, no prédio referido em 1. e 2., um depósito e uma caixa de distribuição de águas com três tubos, um dos quais desvia e conduz as águas para o fontanário público.
8. A Junta de Freguesia de Q... encerrou a mina com uma porta em zinco, fechada a aloquete e encapelada.
9. As obras referidas em 7. e 8. foram realizadas após a aquisição do prédio referido em 1. e 2. pelo A. marido e antes de 2003.
10. A Ré Junta de Freguesia de Q..., no decurso do ano de 2003, procedeu ao alargamento do cemitério da freguesia. – ponto E da Matéria Assente (facto admitido por acordo).
11. Com o alargamento do cemitério, a Ré Junta de Freguesia de Q... ocupou uma faixa de terreno com cerca de 100 m2, que constitui parte integrante do prédio identificado em 1. e 2. – ponto F da Matéria Assente (facto admitido por acordo).
12. A Ré Junta de Freguesia de Q..., aquando do alargamento do cemitério, cortou três árvores. – facto confessado.
13. No prédio referido em 1. e 2., nas proximidades da mina existia um óculo através do qual se podia aceder à mina, com cerca de 1,20m de diâmetro.
14. No óculo da mina foi colocada uma argola em cimento de diâmetro superior a 1,20m.
15. No prédio referido em 1. e 2, e por forma a aceder ao óculo da mina, foi aberto um caminho, com cerca de 1,5m de largura e 50 metros de comprimento desde a estrada.
III.2. Factos não provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa não se provaram os que constam dos pontos acima expostos, designadamente os seguintes:
1. Aquando da aquisição pelo A. marido do prédio referido em 1. e 2. a mina referida no ponto 5. dos factos provados encontrava-se no estado de água corredia e, através de um tubo, caía em duas poças e daí era repartida para vários consortes.
2. Há cerca de 10 anos, sem autorização dos Autores, a Ré Junta de Freguesia de Q... ou a Ré Câmara Municipal de F..., alagou a boca da mina que se situava a cerca de 11 metros da mina principal.
3. A Junta de Freguesia, aquando do acordo referido em 7., apurou, através da verificação de uma escritura, que a propriedade das águas da mina pertencia a dois particulares que não os AA.
4. Os AA. autorizaram a realização das obras referidas em 7. e 8. dos factos provados.
5. Os Autores propuseram e autorizaram que a Ré Junta de Freguesia de Q... fizesse o alargamento do cemitério para o seu prédio, com vista a permitir que aquele ficasse em esquadria.
6. As árvores referidas em 12. dos factos provados foram cortadas com a autorização dos AA.
7. Depois de cortadas, as árvores referidas em 6. dos factos provados, foram retiradas do local, sem conhecimento da Ré Junta, desconhecendo esta quem se apropriou das mesmas.
8. A cerca de 20 metros do cemitério, a Ré Junta mandou vazar, no prédio dos AA., restos de campas, pedaços de epitáfios em mármore, cruzes, artigos funerários e entulho.
9. Durante o mês de Setembro de 2007, a Ré Junta de Freguesia de Q... ou a Ré Câmara Municipal de F... construiu no prédio dos Autores um poço/depósito em cimento, com o diâmetro de 2,30m, destinado a recuperar a água que cai, sendo depois derivada para a caixa de distribuição.
10. A Ré Junta de Freguesia de Q... ou a Ré Câmara Municipal de F... destruiu e escondeu com silvas as bocas das minas que se situavam a cerca de 20/30 m do referido poço.
11. A Ré Junta de Freguesia de Q... ou a Ré Câmara Municipal de F... abriu o caminho referido em 15. dos factos provados.
12. Além das árvores referidas em 12. dos factos provados a Ré Junta de Freguesia de Q... ou a Ré Câmara Municipal de F... Junta cortou outras árvores no prédio dos AA.

IV – Do Direito
Importa pois analisar e decidir o suscitado, sendo que, por estarem predominantemente em causa questões conexas com a apreciação da prova, infra se transcreverá a justificação dada pela Sentença a quo, relativamente à mesma, a qual se mostra exaustiva e clara.
“A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou dos elementos identificados nos pontos do probatório, resultando da análise dos documentos juntos aos autos, do depoimento das testemunhas ouvidas, tendo-se ainda aplicado o princípio cominatório semipleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo pelas partes, assim como as regras gerais de distribuição do ónus da prova.
Quanto aos pontos 5. a 15. dos Factos provados atendeu-se, essencialmente, ao depoimento das testemunhas JMBR e ARB, os quais revelaram razão de ciência e depuseram de forma consentânea, objetiva e sem hesitações. Os múltiplos fatores pertinentes, como a espontaneidade e tempestividade das declarações, a sua constância e coerência interna, a sua verosimilhança, decorrente da ausência de contraste com outros elementos probatórios que apontassem no sentido contrário, logrou convencer o Tribunal da sua veracidade.
A primeira testemunha indicada por ser proprietário de um terreno confrontante com o dos AA. que adquiriu à mesma vendedora e residir em frente ao local onde existe a mina, tendo notado que a sua família desde há longos anos utilizava a mina, demonstrou ter conhecimento direto da factualidade sobre a qual depunha.
Descreveu a mina e a utilização que desta era feita pelos residentes da zona e, bem assim, as alterações que a mesma foi sofrendo designadamente quanto à entubação e condução das águas, para a freguesia e para os particulares, e ao encerramento da mina. No entanto, nada revelou quanto aos pontos 1. e 2. dos Factos não provados.
O seu depoimento revelou-se pouco concretizado quanto à localização temporal dos acontecimentos e às condições da mina existentes à data em que o A. adquiriu o terreno.
Valorizou-se o depoimento desta testemunha quanto aos factos referidos em 13. a 15. dado o conhecimento direto da factualidade e a pormenorização do mesmo quanto à existência do óculo e aos trabalhos que foram realizados.
No entanto, é de notar que nada mais foi apurado além do que consta naqueles pontos do probatório, sejam outras construções ligadas ao poço, seja a autoria das mesmas construções. A este respeito, pese embora ter indicado que nas obras se encontrava um “funcionário da Junta da Freguesia”, não soube indicar se o mesmo ali estava enquanto funcionário ou enquanto filho de um dos particulares para o qual as águas da mina são desviadas.
De resto o documento de fls. 349 é, a este propósito, insuficiente, pois que se refere apenas a uma atividade de limpeza das águas da mina, sem que daí se possa concluir estarem em causa as obras que o A. imputava à Ré Junta como tendo sido realizadas em Setembro de 2007. E a testemunha ARB não demonstrou qualquer conhecimento sobre factos ocorridos após o termo do exercício do cargo autárquico em 2005.
Nesta medida, não se logrou apurar a matéria vertida nos pontos 8. a 12. dos Factos não provados.
A testemunha ARB, revelou razão de ciência devido ao facto de ter sido Secretário da Junta de Freguesia e, posteriormente, Presidente da mesma. Depôs de forma convicta, serena e objetiva.
Revelou que a Junta de Freguesia acordou com outros dois particulares a divisão das águas da mina, tendo colocado a porta na mina, sendo que a Junta e os dois particulares detinham a chave e que foi a Junta quem construiu a caixa de distribuição na boca da mina. Situou os factos sobre os quais depôs no período em que foi Presidente da Junta de Freguesia, ou seja, entre 1993 e 2005.
Conjugados os depoimentos destas duas testemunhas, e considerando as regras da experiência, a demonstração desta factualidade foi apta a concluir ter sido a Junta de Freguesia a realizar as obras referidas em 6. e 7. do probatório e que estas foram realizadas já após o A. ter adquirido a propriedade do prédio e antes do alargamento do cemitério.
De notar que, em momento, algum a testemunha revelou ter existido qualquer consentimento do A. quanto a estas construções, indicando apenas o acordo com os outros dois particulares quanto à divisão das águas.
O mesmo se diga quanto ao consentimento do A. relativamente ao alargamento do cemitério e ao corte das árvores para a realização desse alargamento. Com efeito, seja esta testemunha, seja a testemunha FFO, depuseram nesta matéria apenas no sentido de “ouvir dizer”.
O Tribunal não valorou o seu depoimento por não terem sido os próprios a negociar o tal acordo com o A., limitando-se a indicar que teria sido tudo “negociado” com o empreiteiro e um tesoureiro da Junta de Freguesia.
Há que revelar, nesta matéria, a ausência de um acordo escrito ou da celebração de escritura, tendo em conta estarem em causa bens imóveis e ter sido sugerido que os AA. ficassem com parte de terreno da autarquia em permuta da cedência daquela parcela do seu terreno.
Tratando-se de factos alegados pela R. não cumprindo esta com o ónus da prova, deram-se como não provados os factos referidos em 1. a 3. dos Factos não provados.
Assim, atenta a insuficiência do depoimento das testemunhas ouvidas a este respeito não se provou a matéria que consta de 8. a 11. dos Factos não provados, essencialmente no que se reporta à autoria das construções de 2007, dos caminhos e do corte de árvores.
Atendeu, ainda, o Tribunal às declarações do A. marido na medida em que coincidentes com os depoimentos das testemunhas e, essencialmente, quanto à ausência de consentimento para a ocupação do seu terreno pelo cemitério e à realização das construções por outrem ligadas à mina.
Quanto ao demais, face à ausência de conhecimento direto, já que revelou que, sendo emigrante, essencialmente só se encontra em Portugal em período de férias, não considerou o Tribunal as suas declarações.
De notar, que quanto ao entulho que alegou existir no seu terreno, do confronto com o depoimento da testemunha JMB Rodrigues, não se demonstrou que tipo era, isto é, se eram efetivamente resíduos do cemitério e imputáveis à Ré, Junta de Freguesia.
Refira-se, ainda, que o depoimento da testemunha MBM, que revelou coerência e objetividade relativamente à matéria sobre que depôs, foi atendido na medida em que revelou conhecimento direto, ou seja, no essencial quanto às condições em que o terreno e o óculo se encontravam quando foi realizar os trabalhos de limpeza. Sendo certo que quanto à autoria dos trabalhos em 2007 referiu apenas o que lhe tinham dito, quanto a ser a Junta de Freguesia que iria tratar da questão das águas saírem sujas. No entanto, por nada ter visto não se pode valorizar nesta parte o seu depoimento.
Por último, há que atentar que nenhuma das testemunhas se referiu em momento algum à Câmara Municipal de F..., não se tendo recolhido qualquer elemento que indicasse que a sua intervenção e participação na factualidade dos autos.”

Em bom rigor, como se disse já, o que aqui está em causa são predominantemente questões conexas com a prova atendida.

Em síntese, é Entendimento da Recorrente/Freguesia que:
a) A junta de freguesia não ocupou cerca de 100m2 de terrenos dos Recorridos, sem autorização destes, nem cortou três árvores, nem construiu um depósito e uma caixa de distribuição de águas com três tubos, desviando as águas;
b) Os factos constantes dos pontos 7, 9 e 12 dos factos provados da sentença, devem se dados como Não Provados por ausência de prova por parte dos Autores;
c) Os factos constantes do ponto 5 dos factos não provados devem ser dados como provados.
d) A sentença do tribunal a quo, violou, designadamente, os artigos 342º, 562º e 566º do CC, e os artigos 698º, 615º, nº 1, al. b) do CPC.

Entende pois a Recorrente, que não ficou provado que tenha violado o direito de propriedade dos Autores, e que tenha agido contra a vontade e sem o seu consentimento.

Considerando a prova feita e a lapidar e descritiva justificação feita da prova atendida e da não provada, como se verá, não se vislumbra merecer acolhimento o teor do Recurso Jurisdicional interposto.

Analisemos então casuisticamente o suscitado.

Entende a Freguesia Recorrente, ao contrário do explicitado na Sentença Recorrida, que não terá ficado provado que tenha ocupado cerca de 100m2 do terreno dos autores, sem autorização destes, e que tenha cortado três árvores, e construído um depósito e uma caixa de distribuição de águas com três tubos, desviando as águas.

Efetivamente, refere-se na sentença Recorrida:
Ponto 12 dos factos provados: “A Ré Junta de Freguesia de Q..., aquando do alargamento do cemitério, cortou três árvores – facto confessado ”.

A Recorrente alude ao minuto 25:10 do depoimento da testemunha JBR, o qual, no entanto, assenta a parte em questão do seu depoimento em “ouvir dizer”, o que necessariamente fragiliza o vigor e relevância do afirmado.

Por outro lado, entende a Recorrente/Freguesia que os pontos 7, 9 e 12 dos factos provados da sentença, devem se dados como Não Provados por ausência de prova por parte dos Autores.

Em qualquer caso, a convicção do Tribunal face à aludida matéria de facto provada resultou dos referenciados pontos do probatório, decorrendo da análise dos documentos juntos aos autos, e do depoimento das testemunhas ouvidas, tendo-se dado como provados os factos admitidos por acordo pelas partes, bem como as regras da distribuição do ónus da prova.

Mais considerou o Tribunal as declarações do Recorrido marido por coincidentes com os depoimentos de testemunhas e, mormente no que respeita à ausência de consentimento para a ocupação do terreno pelo cemitério e à realização das construções conexas com a mina.

Efetivamente, a testemunha ARB revelou que a Junta de Freguesia acordou com outros dois particulares a divisão da água da mina, tendo colocado a porta na mesma, sendo que em momento algum afirmou ter-se verificado o consentimento dos aqui Recorridos.

Formou pois o tribunal a quo a convicção de que foi a Junta de Freguesia a realizar as obras referidas nos factos provados 6 e 7 do probatório, as quais foram realizadas após os Recorridos terem adquirido o referido prédio.

No que respeita ao ponto 5. dos factos não provados atendeu o tribunal assumida e convictamente ao depoimento das testemunhas JMBR e ARB, ao considerar terem deposto de forma objetiva e sem hesitações, logrando convencer o tribunal a quo do explanado.

A primeira testemunha, titular de terreno confrontante com o dos Recorridos, adquirido à mesma vendedora, residindo em frente ao local onde existe a mina, denotou ter conhecimento direto da factualidade sobre a qual depunha.

O mesmo ocorreu no que respeita ao consentimento dos Recorridos face ao alargamento do cemitério e ao corte das árvores para a realização do alargamento, uma vez que ambas as testemunhas referenciadas depuseram neste aspeto por “ouvir dizer”, não tendo compreensivelmente o tribunal logrado considerar tais depoimentos.

Assim sendo, não se vislumbra a invocada violação das regras de direito probatório, designadamente quanto à valoração da prova testemunhal, uma vez que o Tribunal a quo se limitou a dar como assentes factos face aos quais detinha elementos probatórios suficientes para o efeito.

O referido é reforçado pela circunstância dos depoimentos testemunhais estarem sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artigo 607º n.º 5 do Código de Processo Civil, com base no qual o julgador aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção.

Invoca, por outro lado, a recorrente que a restituição do terreno no estado em que se encontrava causaria grandes transtornos pelo que, se fosse caso disso, deveriam antes os Recorridos ser ressarcidos em dinheiro.

Ao referido acresce a circunstância de já se terem, alegadamente, construído sepulturas naquela parte do cemitério, o que poderá pôr em causa, direitos de terceiros de boa-fé, tendo, aliás, junto alvarás emitidos pela Junta de Freguesia, concedendo o direito de uso de sepulturas.

Importa desde já sublinhar que a junção de documentos em sede de Recurso se mostra inadmissível, uma vez que apenas seriam atendíveis (vg. ac. do TCA, de 20/5/2003, rec. nº 290/03) «em sede de recurso, só dentro dos limites indicados no n° 1 do art. 524° do CPC (atual Artº 425º CPC).

O legislador terá querido meramente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser preterida - cfr. A.Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil. 2ª ed., pags. 533 e 534].

Efetivamente, o atual Artº 425º CPC dispõe que "Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento".

Atenta a circunstância dos recursos jurisdicionais não visarem a apreciação de questões novas, o tribunal “ad quem” estará pois limitado, no essencial, à apreciação e ponderação da prova documental apresentada no decorrer do processo, em 1ª Instância.

Em fase de recurso não podem pois ser considerados documentos que não se destinem a provar factos alegados na ação.

Se for caso disso, em sede de execução da presente decisão é que a aqui Recorrente poderá suscitar quaisquer impedimentos à execução do acórdão recorrido, o que determinará o recurso aos mecanismos legalmente previstos (“causa legitima de inexecução”), e o eventual arbitramento de indemnização (Cfr- Artº 162º e sg. CPTA).

Os recursos Jurisdicionais devem pois, em regra, cingir-se à parte dispositiva da decisão, limitado pelas questões postas ao tribunal recorrido (cfr. A. Reis, CPC anot. V, 211; A. Varela, Manual Processo Civil, 1ª ed., 52; Castro Mendes, Recursos, 1980, 14; Acs. do STJ, de 23/2/78, BMJ, 274, 191 ss. e de 25/2/93, CJ - Acórdãos do STJ, Ano I - Tomo I, 151 ss.; cfr., também, Acs. do STA, de 12/05/93, Rec. nº 15.478 e de 6/05/92, Rec. nº 10.558).

Na fase de recurso não pode ser atendido um documento, só então junto, que não se destine a provar facto alegado pelo recorrente (cfr. neste sentido o Ac. do STJ, de 4/12/79, BMJ, 292, 313 ss. e o Ac. RP, de 18/6/79, CJ 3º, 989 ss.).

Em face de tudo quanto ficou supra expendido, não se vislumbra que a decisão recorrida padeça de qualquer dos vícios suscitados, ou quaisquer outros, suscetíveis de determinar a sua anulação ou revogação.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, confirmando-se o sentido da decisão proferida em 1ª Instância.
Custas pela Recorrente
Porto, 24 de Outubro de 2014
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Maria do Céu Neves