Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01264/09.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/28/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Vital Lopes
Descritores:IRS
CESSÃO DE QUOTAS
MAIS-VALIAS
PRESSUPOSTOS DA SUJEIÇÃO E DA EXCLUSÃO DA TRIBUTAÇÃO DOS GANHOS OBTIDOS COM A OPERAÇÃO
Sumário:1. Inexistindo norma tributária de isenção, ou não sujeição a imposto, dos ganhos obtidos com a alienação de quotas sociais adquiridas no domínio de vigência do Cód. do IRS por entradas em dinheiro, tais ganhos estão sujeitos a tributação por força do disposto na alínea b) do n.º1 do art.º10.º do CIRS.
2. Se incluídas na alienação quotas constituídas ou adquiridas pelo sujeito passivo anteriormente à entrada em vigor do CIRS, portanto não sujeitas a imposto (n.º 1 do art.º5.º do D.L. 442-A/88, de 30 de Novembro), os ganhos devem ser decompostos (no caso, valor das quotas constituídas em 1987 e valor das quotas adquiridas em 2002) para efeitos de exclusão ou sujeição a tributação, segundo determinado critério de imputabilidade.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:E... e M...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por E… e M… contra a liquidação adicional de IRS e Juros Compensatórios n.º 20095004777840 no valor de 52.206,51€, relativa a rendimentos de 2007 e subsequente decisão de reclamação graciosa.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.97).

Na sequência do despacho de admissão, o Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:
A. Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou totalmente procedente a impugnação apresentada nos autos, em virtude de o Tribunal ter considerado que a Administração Tributária não esclareceu nem as transmissões que indubitavelmente ocorreram nem os resultados dessas mesmas transmissões, que careciam de melhores explicações, as quais era a AT quem as deveria concretizar.

B. Para efeito de julgar totalmente procedente a impugnação em referência considerou-se na sentença sob recurso que “…é indubitável que o aumento [de capital], tal como resulta do ato que o fundamentou – a deliberação em ata de assembleia geral da sociedade em causa – resultou do cumprimento de imperativo legal e não terá visado a satisfação da necessidade de financiamento da empresa…”.

C. Neste seguimento, mais refere a douta sentença que “…os autos, cfr. als. C) e D) dos fatos assentes, fornecem elementos paradoxais: enquanto na escritura de cessão de quotas se refere o preço de duzentos e cinquenta e dois mil e catorze euros e trinta e quatro cêntimos; dos autos resulta que o capital próprio da sociedade “L…, Lda” era, em 31-12-2016, anterior à venda, e em 31-12-2007, posterior à venda, negativo, - € 1197,18 «o que implica que o valor de cada quota é inferior a Zero»”.

D. Prossegue a douta decisão, nos seguintes termos: “Conjugando os elementos vindos de referir dificilmente se compreende o preço referido na escritura de cessão de quotas?”.

E. Em face das considerações antecedentes, conclui a douta decisão sob recurso que “os autos não permitem responder afirmativamente sobre a existência de “acréscimo patrimonial” e, a existir, se ele resultou do aumento de capital operado em início de 2002”.

F. A conclusão a que chega o decisor é, portanto, a de que a impugnação tem de proceder em virtude de não se compreender o preço declarado na escritura de cessão uma vez que, ao tempo, o capital próprio da sociedade era “negativo”, considerando ainda o Tribunal a quo que ocorreram transmissões que ficaram por explicar.

G. Isto dito, importa sublinhar que na parte inicial da fundamentação de direito (parte III III Os factos e o direito da douta decisão) se afirmou - com particular acerto, diga-se - que “…o que aqui cumpre apreciar é, se a liquidação impugnada enferma da alegada errónea qualificação e quantificação de rendimentos resultante de se ter considerado mais-valia a cessão de quotas na parte respeitante ao aumento de capital verificado no início de 2002, mais concretamente o aumento nominal de € 1502,40”.

H. Ora, o trecho nuclearmente decisório da sentença não realiza essa apreciação nem dá a resposta adequada à questão que constitui o objeto do processo.

I. Pelo que, ressalvando-se o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, sendo nosso entendimento que a decisão aqui sindicada se encontra ferida de nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos do art. 125º n.º 1 do CPPT.

J. Com efeito, entende a Fazenda Pública que a douta sentença padece de nulidade, pelo facto de o douto Tribunal ter excedido os seus poderes de cognição. Vejamos porquê:

K. Analisada a sentença sob recurso, constata-se que o decisor levou à matéria de facto elementos que dela não devem constar. Referimo-nos em especial à alínea D) cujo conteúdo, como resulta da sua parte final, resulta de elementos constantes da decisão da reclamação graciosa.

L. Reclamação graciosa essa cujos termos da decisão não integram o objecto do processo, uma vez que o seu teor não foi dado por reproduzido nem na PI nem tão pouco na contestação.

M. Por outras palavras, o valor negativo do capital próprio da sociedade não é matéria que integre sequer a decisão final da reclamação graciosa, mas somente da sua proposta de decisão (o que significa que, no plano legal, nenhum efeito jurídico possui), além de que a questão que constitui o objeto da impugnação não tem que ver com o valor do capital social, nem sequer essa matéria foi convocada por nenhum dos sujeitos processuais.

N. O mesmo se diga a respeito das transmissões que tenham ocorrido, que não integram o rol de argumentos formulados pelas partes na ação. Nunca a questão do preço referido na escritura foi posto em causa. Nunca foi aventada a questão de terem ou não existido transmissões…

O. Mais. Independentemente do valor do capital próprio da sociedade e das transmissões que ocorreram, o certo é que, essa matéria nada releva para o thema decidendum, transcrito no quesito 8º, isto é, nenhuma pertinência possui para a questão de saber se deve ser considerada como mais-valia o ganho obtido na cessão de quotas na parte respeitante ao aumento de capital verificado no início de 2002, mais concretamente o aumento nominal de € 1502,40.

P. Na situação em apreço, o decisor foi além do que lhe havia sido solicitado, ancorando-se o Tribunal a quo em argumentos (como o valor negativo do capital próprio, das explicações aos resultados das transmissões que ocorreram e ao preço referido na escritura) não esgrimidos pelas partes, pois que dos fundamentos aduzidos nas peças que delimitam o objeto da ação não constam os que determinaram a procedência da ação. De resto, o preço referido na escritura – com enquadramento no art. 52º do CIRS - nunca foi questionado pela AT.

Q. Uma vez que na douta sentença recorrida, o decisor do Tribunal a quo apreciou e decidiu questão ou vício não suscitado pelas partes, considera a Fazenda Pública que a douta sentença recorrida é nula por enfermar de vício formal de excesso de pronúncia, nos termos do disposto dos art.°s 615.° nº 1 alínea d), 608.° nº 2 e 124.° e 125.° do CPPT.

R. Nulidade que, por outras palavras, deriva geneticamente do facto de o decisor ter concedido total procedência à ação com base em matéria que não integra o rol de fundamentos convocados pelos sujeitos processuais, fundamentos que, como vimos, estava legalmente vedado ao decisor conhecer.

S. No mesmo sentido aqui proposto pela Fazenda Pública vai, entre outros, o Acórdão do STA de 20.05.2015 (Processo n.º 0116/13), sumariado da seguinte forma: “verifica-se a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, se o tribunal exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, em violação da regra da identidade de causa de pedir e de causa de julgar”.

T. Como supra se deixou dito (e também se consignou na sentença em causa) a questão da impugnação reside em saber se deve ou não ser considerado mais-valia o ganho obtido pela cessão de quotas na parte respeitante ao aumento de capital verificado no início de 2002, mais concretamente o aumento nominal de € 1502,40.

U. Apesar de bem definir o thema, a sentença sob recurso desvia-se da resposta a esta questão, resposta que, do nosso ponto de vista, só pode ser uma: esse ganho deve ser considerado mais-valia e tributado como tal.

V. É certo que o aumento de capital se deveu ao cumprimento de determinação legal, mas isso não significa, por si só, que daí resulte qualquer tipo de exclusão tributária. Tanto mais que esse aumento foi concretizado por entradas em dinheiro e não por incorporação de reservas.

W. Aliás, tudo seria diferente se o aumento de capital concretizado por imperativo legal se tivesse realizado por incorporação de reservas, mas não foi o que ocorreu. Pelo que, depois do aumento de capital, tendo havido entradas em dinheiro, os títulos passaram inequivocamente a possuir um valor superior ao que anteriormente detinham.

X. Sobre esta matéria rege o art. 43º do CIRS, que estabelece que relativamente às ações atribuídas em aumento de capital por incorporação de reservas, a data a considerar é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem (data originária). O mesmo não se verifica, no entanto, para as ações resultantes de aumento de capital por entradas em dinheiro ou espécie.

Y. Atente-se que “ao aumento de capital por incorporação de reservas, que não altera o valor do património da empresa, estão associados dois efeitos, relevantes para os sócios, e que são os seguintes:

- aumento do valor nominal das participações, o que implica a substituição das «velhas» pelas «novas»;
- aumento do número de participações, normalmente ações, que são distribuídas de forma gratuita aos antigos acionistas, na proporção das anteriormente detidas.
Em qualquer das situações, os sócios encontram-se na posse de títulos de propriedade que não são «novos», dado que não representam capital «novo»” (CIRS comentado e anotado, 2.ª edição, 1990, DGCI, p. 182).
Z. Por outras palavras, no aumento de capital por incorporação de reservas não corresponde qualquer acréscimo do património da sociedade (o que justifica que a data aquisitiva fiscalmente relevante seja a originária), ao contrário do que acontece no aumento de capital por entradas em dinheiro ou em espécie, caso em que o património da sociedade é incrementado.

AA. E é por força desse incremento efetivo, desse acréscimo patrimonial ocorrido nesse momento do aumento do capital (momento aquisitivo) que, mais tarde, no momento da sua alienação, tal transmissão se encontra sujeita a tributação em sede de IRS.

BB. Em face de tudo quanto vimos de referir, julgamos que a sentença aqui sindicada está ferida de nulidade por excesso de pronúncia, impondo-se a sua eliminação da ordem jurídica e a subsequente substituição por outra que julgue improcedente a impugnação.

Nestes termos e nos mais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso declarando-se nula a douta sentença recorrida e determinando-se a sua substituição por outra que julgue improcedente a ação, como será de JUSTIÇA!».

Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da incompetência em razão da hierarquia do TCAN uma vez que no recurso inexiste controvérsia factual a dirimir e a matéria controvertida se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de preceitos legais, tendo o recurso por exclusivo fundamento matéria de direito.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado pelas conclusões da alegação apresentadas pelo Recorrente (artigos 684.º, n.º3 e 685.º-A, n.º1, do CPC aplicável), o objecto do recurso reconduz-se a indagar se a sentença está inquinada do vício de nulidade por excesso de pronúncia e apreciar se a liquidação impugnada enferma de vício substantivo por errónea qualificação e quantificação de rendimentos, resultante de se ter considerado mais-valia tributável a cessão de quotas na parte respeitante ao aumento de capital verificado no início de 2002, mais concretamente o aumento de 1.502,40€ resultante de imposição legal, sem olvidar a questão de incompetência em razão da hierarquia suscitada pela Exma. Senhora PGA.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:

«III I Factos provados
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:
A) Os Impugnantes E… e M… adquiriram, em setembro de 1987, por cessão, cada um, uma quota, constituindo as duas a totalidade do capital social de “L…, Lda.”, no valor, cada uma, de $200 000,00 (€997,60), de igual valor nominal, cfr. doc. n.º 8 que instruiu a petição inicial (PI), aqui dado por reproduzido, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos;
B) Em assembleia geral da referida sociedade, realizada em trinta de dezembro de dois mil e um, os sócios aqui Impugnantes, dando cumprimento à obrigatoriedade de redenominação do capital social em euros e do capital mínimo, ambos resultantes do DL 343/98 de 6/11, deliberaram redenominar e aumentar o capital para respeitar o capital mínimo, passando de $ 400 000,00 para € 5 000,00 ou seja as quotas de $200 000,00 (€997,60), foram aumentadas em $ 301 205,00 (€ 1502,40) passando cada uma para o valor de € 2 500,00, aumento realizado por entradas em dinheiro, vide doc. n.º 8 junto com a PI;
C) Os Impugnantes, na qualidade de “únicos e atuais sócios” da “L…, Lda.”, por escritura de cessão de quotas lavrada em 25 de setembro de dois mil e sete, cederam as respetivas quotas pelo preço de duzentos e cinquena e dois mil e catorze euros e trinta e quatro cêntimos, cfr. docs. constantes de fls. 18 a 22, 30 e 31 da Reclamação Graciosa (RG) apensa;
D) Apesar do preço vindo de referir, o capital próprio da sociedade “L…, Lda.” era, em 31-12-2006, anterior à venda, e em 31-12-2007, posterior à venda, negativo, - € 1197,18 “o que implica que o valor de cada quota é inferior a Zero”, vide ponto 2 d) da proposta de decisão constante de fls. 55 e docs. para que remete constantes de fls. 48 a 53, uns e outros da aludida RG;
E) Por causa da alienação de um bem imóvel em 2007 e consequentes mais-valias os Impugnantes foram, no ano de 2009, notificados pela AT para entregarem declaração mod. 3 relativa àquele ano e, em cumprimento da notificação mais por Esta foram alertados da sujeição a imposto da cessão de quotas referida em C) pelo que na referida declaração, apresentada em 14-04-2009, englobaram a duas situações, cfr. doc. 2 que instruiu a PI e o descrito em 4º a 7º da PI e 3 primeiros parágrafos do ponto 5 da contestação;
F) Os Impugnantes notificados em 07/08/2009 da liquidação originada pela declaração vinda de referir, um mês depois apresentaram declaração de substituição, nesta não incluindo os valores respeitantes à alienação das quotas por entenderam que não estava sujeita a tributação dado terem sido adquiridas e detidas desde setembro de 1987, declaração que foi convolada em reclamação graciosa, vide doc., 3 a 5 que instruíram a PI e apenso constituído pela referida RG;
G) Nesta foi elaborada proposta de deferimento parcial na parte respeitante ao valor inicial da quotas de $200 000,00 (€997,60) considerando-se como valor da cessão a tributar o resultante do aumento daquelas, em 2002, em $ 301 205,00 (€ 1502,40), passando cada quota a ter o valor de € 2 500,00, cfr. fls. 61 a 64 da RG;
H) Os Impugnantes exerceram o direito de audição defendendo, para além do mais, que o aumento de capital operado em finais de 2001, princípios de 2002 apenas ocorreu por imperativo legal e não por vontade dos sócios ou necessidade de financiamento da empresa, mas, a AT entendendo que “os argumentos apresentados em nada vêm alterar o entendimento devidamente justificado que levou à proposta de indeferimento…” manteve, por despacho de 02-11-2009 o proposto, vide fls. 68 a 89 da RG;
I) Indeferimento comunicado aos Impugnantes em 03-11-2009 e, inconformados com ele, apresentaram, em 10 de novembro de 2009, a PI que deu origem aos presentes autos, cfr. Fls. 81 a 83 da RG e carimbo aposto na parte superior esquerda da primeira folha da PI.
III II Factos não provados
Inexistem.
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou essencialmente da análise crítica dos documentos constantes dos autos e mencionados nas referidas alíneas dos fatos provados».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Começando pela questão da incompetência em razão da hierarquia suscitada pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, vejamos.

A competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria - art.º13º do CPTA, aplicável “ex vi” art. 2º, al. c), do CPPT.

Significa isto que é um pressuposto de conhecimento oficioso, quer se trate de incompetência absoluta (em razão da matéria ou da categoria do tribunal), quer se trate de incompetência relativa (em razão do território) e que o seu conhecimento tem prioridade sobre qualquer outro assunto.

A incompetência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cf. art.º16º do CPPT).

Ora, nos termos do art.º280º nº1 do CPPT, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Da leitura das conclusões de recurso, acima transcritas e que delimitam o âmbito e o objecto do presente recurso, não resulta, porém, que o Recorrente questione apenas a interpretação e aplicação da lei feita na sentença recorrida, caso em que a questão seria meramente de direito.
Nas alíneas K) e L) das conclusões, o Recorrente refere, respectivamente, o seguinte:
«Analisada a sentença sob recurso, constata-se que o decisor levou à matéria de facto elementos que dela não devem constar. Referimo-nos em especial à alínea D) cujo conteúdo, como resulta da sua parte final, resulta de elementos constantes da decisão da reclamação graciosa».
«Reclamação graciosa essa cujos termos da decisão não integram o objecto do processo, uma vez que o seu teor não foi dado por reproduzido nem na PI nem tão pouco na contestação».

Assim, é ponto assente que, no âmbito das conclusões acima descritas, é posta em causa a factualidade dada como provada, invocam-se factos contemplados no probatório da sentença recorrida, é feito juízo sobre questões probatórias, o que significa que existe controvérsia factual a dirimir e que a matéria controvertida neste recurso não se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados.

Neste entendimento e salvo o devido respeito, o recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito, o que determina a competência deste Tribunal Central Administrativo para conhecer do recurso.

Improcede, pelas aludidas razões, a questão de incompetência suscitada pela Exma. Senhora Procuradora –Geral Adjunta.

Passamos de imediato ao conhecimento das questões suscitadas no recurso.

O Recorrente imputa à sentença nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do art.º125.º do CPPT.
Como é pacífico as causas de nulidade da sentença são apenas as taxativamente previstas na lei.

De acordo com o disposto no art.º615.º, n.º1 alínea d), do CPC, a sentença é nula quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

No processo tributário, dispõe o n.º1 do art.º125.º do CPPT que constituem causas de nulidade da sentença, entre outras, «a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer».

Esta nulidade está conexionada com a segunda parte do n.º2 do art.º608.º do CPC, em que se estabelece que o juiz «não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras» - vd. Jorge Lopes de Sousa, “Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado”, Vislis, 4.ª ed. (2003), pág.567.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 30/09/2010, proferido no proc.º 341/08.9TCGMR.G1.S2, «O excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece, isto é, aprecia e toma posição (emite pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso», por outras palavras, «o excesso de pronúncia consiste numa apreciação ou decisão sobre questão que ultrapassa o quanto é submetido pelas partes ou imposto por lei à consideração do julgador».

Por outro lado, como se refere no Acórdão do STJ, de 29/11/2005, tirado no proc.º05S2137, «A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões, para efeitos do disposto nos artigos 660, n.º 2 e 668, n.º 1, d), do CPC [correspondem aos actuais 608.º e 615.º]. A resposta tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as excepções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas (…) "as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter." Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções (…)».

Tendo em conta as considerações expostas, vejamos então se pode concluir-se que a sentença recorrida enferma da nulidade que lhe é imputada pelo Recorrente.

Compulsada a petição inicial, de facto, como sublinha o Recorrente, o litígio trazido ao processo resumia-se à questão de saber se a cessão das quotas, em 2007, que cada um dos impugnantes detinha na sociedade “L…, Lda.” estará, ou não, sujeita a tributação em IRS (mais-valias) na parte correspondente às quotas que resultaram do aumento do capital social ocorrido em 2002, posto que resultante de imposição legal.

Na sentença recorrida, o Mmo. juiz discorreu assim:

«Incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo da Lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras, conforme preceituado no artigo 608.º n.º 2º do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
A divergência das Partes não se situa nas normas convocadas mas tão só na sua efetiva interpretação. Fundamentalmente o que aqui cumpre apreciar é, se a liquidação impugnada enferma da alegada errónea qualificação e quantificação de rendimentos resultante de se ter considerado mais-valia a cessão de quotas na parte respeitante ao aumento de capital verificado no início de 2002, mais concretamente o aumento nominal de € 1502,40.
Na verdade a aquisição pelos Impugnantes, em setembro de 1987, por cessão, cada um, de uma quota, constituindo as duas a totalidade do capital social de “L…, Lda.”, no valor, cada uma, de $200 000,00 (€997,60), de igual valor nominal, foi excluída da tributação na reclamação graciosa.
Exclusão que teve como fundamentos, no essencial, os mesmos que os Impugnantes apresentam para a mais-valia resultante do aumento de capital verificado no início de 2002.
Já em sede de relatório expusemos, em síntese, a argumentação que as Partes apresentaram e que se traduz em defenderem os Impugnantes que o aumento de capital, porque imposto por lei, não afasta a aplicação do artigo 5º do DL 442/88 de 30 de novembro, enquanto o contrário é propugnado pela AT dizendo que havendo um aumento de capital se considera como data de aquisição a data do mesmo.
No bom rigor a argumentação das Partes é exígua e pode dizer-se que o essencial consta da enunciação vinda de aludir.
Sobre a temática em causa diligenciamos no sentido de encontrar conforto em doutrina e jurisprudência para descortinar um pouco mais dos fundamentos legais com vista a encontrar a solução mais justa, mas nada de significativo alcançámos com exceção de esparsas e genéricas notas jurisprudências. Destas ressaltamos o Ac. Ac do TCA Sul 07905/14, CT- 2º JUÍZO,18-12-2014, JOAQUIM CONDESSO
“…
2. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento - acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
3. A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.).
4. Especificamente, no que se refere às mais-valias derivadas da alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, estavam as mesmas consagradas, em 2007, no artº.10, nº.1, al. b), do C.I.R.S., mais estando a forma de cálculo do ganho sujeito a imposto prevista no nº.4, al. a), do mesmo preceito (cfr.artº.45, nº.1, al. b), do C.I.R.S.). Ressalvam-se as acções detidas pelo seu titular durante período superior a doze meses, conforme a norma de delimitação negativa de incidência consagrada no artº.10, nº.2, al. a), do C.I.R.S.
5. A tributação do saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias apuradas na transmissão onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários era feita, autonomamente, à taxa liberatória de 10%, tal como dispunha o artº.75, nº.1, do C.I.R.S., ressalvando-se o caso do titular do rendimento optar pelo respectivo englobamento (cfr.artº.75, nº.2, do C.I.R.S.).”.
Apesar da enunciada exiguidade de argumentação das partes é indubitável que o aumento, tal como resulta do ato que o fundamentou – a deliberação em ata de assembleia geral da sociedade em causa – resultou do cumprimento de imperativo legal e não terá visado a satisfação da necessidade de financiamento da empresa, cfr. als. B) e H) dos fatos assentes.
As quotas em causa, não fora a alteração imposta por lei que determinou a redenominação do capital social em euros e o aumento do capital social, mantiveram-se as mesmas desde a sua aquisição por cessão em 1987.
Ter-se-á verificado o “acréscimo patrimonial” aludido na transcrição supra do Ac. do TCAS?
Para responder a esta questão verificamos que os autos, cfr. als. C) e D) dos fatos assentes, fornecem elementos paradoxais: enquanto na escritura de cessão de quotas se refere o preço de duzentos e cinquena e dois mil e catorze euros e trinta e quatro cêntimos; dos autos resulta que o capital próprio da sociedade “L…, Lda.” era, em 31-12-2006, anterior à venda, e em 31-12- 2007, posterior à venda, negativo, - € 1197,18 “o que implica que o valor de cada quota é inferior a Zero”.
Conjugando os elementos vindos de referir dificilmente se compreende o preço referido na escritura de cessão de quotas? Indubitavelmente ocorreram transmissões cujos resultados carecem de melhores explicações mas os autos não as fornecem e estando em causa liquidação é à Entidade liquidadora, a AT que incumbe o ónus do esclarecimento.
Por outro lado não resulta esclarecido se, a haver incremento, ele resultou do aumento de capital verificado no início de 2002.
Em conclusão os autos não permitem responder afirmativamente sobre a existência de “acréscimo patrimonial” e, a existir, se ele resultou do aumento de capital operado em início de 2002.
Assim, sem necessidade de mais considerações, a impugnação tem de proceder».

Tanto quanto alcançamos, para o Mmo. juiz a quo não evidenciam os autos se houve “acréscimo patrimonial” relevante para efeitos de tributação em mais-valias porque o valor declarado da cessão de quotas não encontra expressão no capital próprio (negativo) da sociedade antes e depois da data da cessão. E não se podendo afirmar ter havido “acréscimo patrimonial” nem em que medida, a ter havido, pode ser imputado ao aumento de capital social ocorrido em 2002, sendo que o inquisitório e ónus dessa prova recaía sobre a Administração tributária, não estão reunidos os pressupostos para a tributação em IRS/ mais-valias.

Ora, de facto, saber se a cessão de quotas na parte correspondente ao aumento de capital ocorrido em 2002 está sujeita a tributação em mais-valias por ter resultado de determinação legal, é questão bem diversa de saber se houve algum “acréscimo patrimonial" na sequência do aumento de capital verificado em 2002 por determinação legal e em que medida tal “acréscimo patrimonial” pode ser imputado a esse aumento de capital, questão que os Recorridos nem afloram na petição inicial, mas que a sentença elegeu como o tema central da sua análise.

Assim sendo, o tribunal excedeu manifestamente os seus poderes de pronúncia por ter apreciado uma questão não submetida à sua apreciação, o que significa que a sentença é nula, nos termos apontados pelo Recorrente.

Quanto às consequências desse vício, e tendo em conta o disposto no art.º665º do CPC, cabe declarar a nulidade da sentença com referência ao descrito excesso de pronúncia, impondo-se, no entanto, porque os autos contém os elementos necessários para o efeito, avançar para a análise da realidade efectivamente em causa nos autos.

Nesse desiderato, cabe a este tribunal de apelação elaborar novo probatório com discriminação da matéria provada e não provada (art.º123.º n.º2 do CPPT) relevante para a decisão segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

Antes, porém, salienta-se que embora o Recorrente alegue que o Mmo. juiz a quo se excedeu na pronúncia sobre factos que não foram alegados, nomeadamente, quanto à matéria vertida no ponto D) dos factos assentes, tendo depois configurado uma questão jurídica diversa daquela que foi invocada na petição inicial e na qual os impugnantes fundaram a sua pretensão, a apreciação dessa matéria fica prejudicada pela declaração de nulidade da sentença.

Assim, o probatório do acórdão passa a ser o seguinte:

Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:

1. Foi constituída em 01/09/1987 a sociedade “L…, Lda.”, figurando como únicos sócios os aqui impugnantes, casados entre si, com uma quota de 200.000$00 cada um;
2. Com registo reportado a 10/01/2002, foi reforçado o capital social com 602.410$00, subscrito em dinheiro e em partes iguais por ambos os sócios;
3. O capital social foi também então redenominado para Euros, ficando a ser de 5.000Euros em virtude do reforço acima descrito e ficando cada um dos sócios a deter uma quota unificada de 2.500Euros (cf. certidão de registo comercial relativa à matrícula da sociedade, a fls.22 dos apenso de reclamação graciosa);
4. Da acta da assembleia geral da sociedade n.º6, de 31/12/2001, que se dá por reproduzida, ficou a constar, entre o mais, que os sócios deliberam: «1. proceder à redenominação do capital social em euros, nos termos e para efeitos do D.L. 343/98, de 6/11, como segue…»; «3. Em consequência da redenominação e considerando o montante mínimo das quotas exigido por lei (…), o valor nominal de cada quota terá de ser obrigatoriamente aumentado de 501.205$ por entradas em dinheiro, passando a ter o valor nominal de 2.500 Euros cada…» (cf. fls.42 dos autos);
5. Por escritura de cessão de quotas de 25/09/2007, cada um dos impugnantes transmitiu a sua quota a terceiros pelo valor ali declarado de 252.414,34Euros (cf. escritura de cessão de quotas a fls.19 do apenso de RG e certidão da CRC cit.);
6. Na 1:ª declaração mod.3 de IRS que os impugnantes apresentaram conjuntamente em 14/04/2009 com referência aos rendimentos de 2007, declararam no respectivo Anexo G («Mais-Valias e Outros Incrementos Patrimoniais»), no campo 7 reservado a «alienação onerosa de parte sociais e outros valores mobiliários», aquela transmissão, indicando como valor de realização o escriturado (cf. fls. 21 dos autos);
7. Subsequentemente, apresentaram declaração de substituição em que não incluíram aquela transmissão de quotas, bem como deduziram reclamação graciosa da liquidação, no valor de 52.206,51Euros efectuada com base na 1.ª declaração (cf. fls. 4 do apenso de RG);
8. A reclamação graciosa mereceu deferimento parcial por despacho de 26/10/2009, a fls.75 do apenso de RG, tendo obtido provimento na parte em que as quotas foram adquiridas no ano de 1987 e negado provimento na parte que concerne ao aumento de capital realizado em 2001;
9. No direito de audição sobre o projecto de indeferimento da reclamação graciosa, os impugnantes haviam argumentado nuclearmente e, para além do mais que se dá por reproduzido, que o aumento de capital realizado em 2002 apenas ocorreu por determinação legal e não por vontade dos sócios ou necessidades de financiamento da empresa (cf. fls. 28 do apenso respectivo);
10. A decisão de deferimento parcial foi comunicada aos impugnantes em 03/11/2009 (cf. talão de A/R, a fls.83 do apenso de RG);
11. Inconformados, apresentaram, em 10/11/2009 a PI que deu origem aos presentes autos (cf. carimbo de entrada aposto pelo TAF de Viseu na P.I.).
12. No seguimento da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa foi anulado parte do valor da liquidação referida em 7), ficando em dívida o valor de 31.100,95Euros (cf. nota de cobrança e demonstração de compensação, a fls.65 dos autos).

Factos não provados
Com interesse para a decisão, inexistem.
Motivação: A convicção do tribunal formou-se com base nos documentos indicados a propósito de cada ponto de facto.
*

Como ressalta do probatório e dos elementos dos autos, os impugnantes constituíram entre si em 1987 a sociedade “L…, Lda.” com o capital social de 400.000$00 repartido por duas quotas de igual valor.

Em 2001 deliberaram reforçar o capital social em 602.410$00 por entrada de dinheiro, bem como redenominar o capital para euros, ficando cada um a deter na sociedade uma quota de 2.500Euros.

Pretendem os impugnantes que o referido reforço e redenominação do capital da sociedade para euros se destinou única e exclusivamente a dar cumprimento às determinações legais impostas pelo D.L. 343/98, de 6 de Novembro e D.L. 235/2001, de 30 de Agosto, não correspondendo à vontade dos sócios, nessa medida, o resultado da venda, quer no que respeita às quotas resultantes do reforço de capital, quer no que respeita às quotas constituídas em 1987, não está sujeito a tributação.

Diferente é a posição da Administração tributária, para quem o valor declarado da cessão (252.414,34Euros) deverá ser decomposto em duas parcelas por forma a imputar-se o resultado da venda proporcionalmente a cada uma das partes, a constituída em 1987 e excluída da tributação e a resultante do aumento de capital por entradas em dinheiro e sujeita a tributação.

E tem razão a Administração tributária, avançamos já.

No que respeita ao resultado da venda imputável às quotas adquiridas em 1987, o regime transitório da categoria G, estabelecido no art.º5.º do D.L. 442-A/88, de 30 de Novembro, dispõe no seu n.º1: «Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código».

O Código do IRS entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1989 (art.º2.º, daquele diploma).

Como os ganhos resultantes da alienação de participações sociais não estavam sujeito a tributação no Código do Imposto das Mais-Valias, o resultado da venda proporcionalmente imputável às quotas adquiridas em 1987 está abrangido pela situação de não sujeição a imposto ali prevista, o que de resto nem resulta controvertido no seguimento da decisão de procedência parcial da reclamação graciosa, como bem salienta a Fazenda Pública na contestação.

Já no que respeita à tributação dos ganhos obtidos com a cessão na parte que respeita ao valor das quotas resultante do aumento de capital realizado em 2002, vejamos.

É certo que o D.L. 343/98, de 6 de Novembro, veio alterar o Cód. das Sociedades Comerciais, nomeadamente e ao que importa para os autos, dando no seu art.º3.º, nova redacção aos artigos 14.º [«O montante do capital social deve ser sempre e apenas expresso em moeda com curso legal em Portugal»] e 201.º [«A sociedade por quotas não pode ser constituída com um capital inferior a 5000 euros nem posteriormente o seu capital pode ser reduzido a importância inferior a essa»] do CSC.

Por outro lado, o D.L. 235/2001, de 30 de Agosto, veio a estabelecer no n.º1 do seu art.º único que «As sociedades que não tenham procedido ao aumento do capital social até aos montantes mínimos previstos nos artigos 201.º e 276.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais, devem ser dissolvidas a requerimento do Ministério Público, mediante participação do conservador do registo comercial».

Ora, sendo certo que a redenominação do capital social para euros e o correspondente reforço de capital obedeceram ao legalmente imposto, a verdade é que a lei não determinou a modalidade de aumento de capital, podendo a mesma fazer-se por incorporação de reservas ou entrada de bens.

Os impugnantes (sócios) deliberaram aumentar o capital social por entradas em dinheiro.

De acordo com o disposto na alínea b) do n.º1 do art.º10.º do CIRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de «alienação onerosa de partes sociais…».

E determina o nº3 daquele preceito que «os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º1…».

O ganho obtido com a cessão de quotas situa-se literalmente no âmbito de previsão daquela norma de incidência tributária estabelecida no n.º1 alínea b) do art.º10.º do CIRS.

Ora, a lei não estabeleceu qualquer exclusão de tributação ou benefício fiscal em sede de imposto de rendimento relativamente ao resultado da alienação de participações sociais adquiridas para reforço do capital social de conformidade com as disposições do D.L. 343/98, de 6 de Novembro.

Em matéria de benefícios fiscais, como em matéria de incidência tributária, não há, por definição, lacunas, pois as situações não previstas como isentas de imposto (como as não sujeitas a imposto) estão, pura e simplesmente, fora do âmbito de aplicação da norma de isenção (ou de incidência, consoante os casos), mercê do especial vigor que o princípio da legalidade, na sua vertente de tipicidade tributária – art.º103.º n.º 2 da CRP – assume nestes domínios, podendo ver-se as afirmações concordantes do legislador ordinário no n.º4 do art.º11.º da Lei Geral Tributária e no art.º10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Não vemos, pois, como inexistindo norma tributária que estabeleça a isenção ou não sujeição a imposto, dos ganhos obtidos com a alienação de quotas adquiridas em resultado do aumento de capital social imposto pelo D.L. 343/98, de 6 de Novembro, se possa pretender desviar tal situação do regime regra de tributação ou pugnar pela sua exclusão da norma de incidência, em cuja previsão literalmente se inclui.

Por outro lado, defender que as quotas já existiam à data de entrada em vigor do CIRS, somente foram actualizadas por imperativo legal, levando à alteração parcial do respectivo contrato social, como fazem os impugnantes, é um artifício que não colhe de todo.

Como se disse já, o legislador não determinou a modalidade do aumento de capital, os sócios da sociedade, aqui impugnantes, é que deliberaram fazê-lo por entradas em dinheiro, aumentando assim o valor das quotas, quando o poderiam fazer por incorporação de reservas disponíveis, tanto mais que afirmam que a sociedade até nem tinha quaisquer necessidades de financiamento.

E caso o aumento do capital social fosse efectuado por incorporação de reservas, todo o ganho obtido com a alienação das quotas estaria excluído de tributação em IRS, pois como decorre da alínea a) do n.º4 do art.º43.º do CIRS, “a data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas (…) é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem”, isto é, no caso, 1987, data anterior à de entrada em vigor do CIRS.

Justifica-se a diferenciação de regimes de tributação, pois no aumento de capital por incorporação de reservas o valor patrimonial da sociedade (e das participações sociais) mantém-se, não há o incremento patrimonial que se verifica nos aumentos de capital por entradas em dinheiro.

Ou seja, os sócios da sociedade, aqui impugnantes, sempre poderiam encontrar no quadro fiscal vigente soluções de forma a obviar à tributação inerente à alienação das quotas, efectuando o aumento de capital imposto por lei por incorporação de reservas disponíveis.

Concluindo, inexistindo norma tributária de isenção ou não sujeição a imposto dos ganhos obtidos com a alienação de quotas sociais adquiridas no domínio de vigência do Cód. do IRS por entradas em dinheiro, tais ganhos estão sujeitos a tributação por força do disposto na alínea b) do n.º1 do art.º10.º do CIRS.

Se incluídas na alienação quotas constituídas (subscritas inicialmente) ou adquiridas pelo sujeito passivo anteriormente à entrada em vigor do CIRS, portanto não sujeitas a imposto, os ganhos devem ser decompostos (no caso, valor das quotas constituídas em 1987 e valor das quotas adquiridas em 2002) para efeitos de exclusão ou sujeição a tributação, sendo que o critério de imputabilidade proporcional que a Administração tributária seguiu não vem questionado nos autos.

A decisão de reclamação graciosa que concedeu parcial procedência ao pedido e alterou concordantemente o valor do acto tributário de liquidação inicial não merece qualquer censura, tendo feito correcta interpretação e aplicação da lei.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
a) Declarar nula a decisão recorrida;
b) Conhecendo em substituição, julgar improcedente a presente impugnação judicial.
Custas a cargo dos Recorridos em 1:ª instância (não contra-alegaram neste).
Porto, 28 de Setembro de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro