Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00477/09.9BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/21/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Vital Lopes
Descritores:IRC
FATURAS FALSAS
INDÍCIOS DE FALSIDADE
Sumário:1. Quando a AT desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT competindo-lhe fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios, seguros e consistentes de que as operações constantes de determinadas facturas não reflectem operações económicas reais, só então passando a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova veracidade das operações tituladas por tais facturas;
2. Os indícios de falsidade recolhidos pela AT são insuficientes para abalar a presunção de veracidade da escrita do impugnante se nada de seguro e consistente vem relatado que permita estabelecer um nexo entre a actividade ilícita do emitente e as operações facturadas ao utilizador.
3. A circunstância de os cheques apresentados para justificar o pagamento das facturas não terem tido por destino a sociedade emitente não tem qualquer valia indiciária se a própria AT afirma que o emitente é um sujeito passivo incumpridor e não apresenta quaisquer custos com pessoal e fornecedores, pois nessas situações não se coloca para o emitente, consistentemente, a necessidade de remuneração de tais factores produtivos com entradas de dinheiro;
4. Se a AT refere uma inexistente estrutura empresarial do emitente reflectida nas bases de dados da AT e da Segurança Social e a impugnante faz prova de que o mesmo alocou trabalhadores na execução da subempreitada a que estão referenciadas as facturas, o indício perde validade, sobretudo se nada investigou sobre os mecanismos de fiscalização e prevenção da utilização de mão-de-obra clandestina implementados no terreno pelo dono da obra, para mais tratando-se este de um organismo público, não se podendo, por outro lado, afirmar tratar-se o emitente de uma mera empresa de passagem de fundos, destinada a dar cobertura a operações reais do utilizador com sujeitos passivos não emitentes.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

C…, Lda., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a impugnação judicial referente às liquidações adicionais de IRC respeitantes ao ano de 2004, no montante de 74.722,83€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.295).

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:
1º. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou improcedente a impugnação judicial referente às liquidações adicionais de IVA, respeitantes ao ano de 2004, no montante de 48.541,21€, por “Considera este Tribunal que a sociedade Impugnante não demonstrou a existência real dos serviços constantes das facturas, que a administração tributária não considerou” (Cfr, paragrafo 1º pag. 16 da sentença);

2º. Com a ressalva do devido respeito, a Recorrente não se conforma com o assim doutamente decidido, por considerar, desde logo, que existe défice de valoração probatória relativamente à prova produzida nos autos;

3º. É que, havendo a douta sentença, recorrida, declarado provado e com especial relevância para a decisão da causa, os factos constantes dos artigos 55º, 56º, e 57º dos factos assentes, alicerçado também na prova testemunhal apresentada pela Impugnante, impunha-se, sem mais, o reconhecimento de que as facturas em causa, diziam respeito a transacções efectivas entre a Co… e a Impugnante e não, como invocado pela Administração Tributária, que as mesmas diziam respeito a operações simuladas;

4º. De igual modo, não pode a douta sentença, recorrida, declarar como provados os factos constantes dos artigos 20º, 39º, 40º e 41º dos factos assentes, designadamente, que “a impugnante remeteu à Inspecção Tributária cópias de facturas, recibos, contratos, autos de mediação e cheques que utilizou para pagamento dos serviços, no valor de 176.488,70 euros” para de imediato dar como provado o contrário, de que “a impugnante não demonstrou o pagamento das facturas (cfr. artigo 53º dos factos assentes);

5º. Da prova documental e testemunhal apresentadas, resultou provado que foi a Co… a empresa que em 2004 executou de facto e no terreno, para o IEP, a obra de “ Conservação Corrente da Zona Norte do Distrito de Aveiro”; que executou a obra com funcionários e maquinaria sua; que tinha cerca de 10/11 trabalhadores na referida obra e algum equipamento como máquinas, tractor, camioneta, motoserras e mini-carregador e que trabalhou para a T... SA cerca de 3 anos, pelo que se impunha o reconhecimento destes factos e nunca o declarado na sentença “… a administração tributária fundamentou a liquidação impugnada num conjunto de indícios sérios, consistentes e credíveis de que as facturas referidas não tinham subjacentes verdadeiras operações comerciais”. (Cfr, paragrafo 7º pag. 9 da sentença) e “A sociedade impugnante não fez prova da realidade das operações comerciais que contabilizou” (Cfr, paragrafo 5º pag. 15 da sentença);

6º. A douta sentença afirma que “… a administração tributária fundamentou a liquidação impugnada num conjunto de indícios sérios, consistentes e credíveis de que as facturas referidas não tinham subjacentes verdadeiras operações comerciais”. (Cfr, paragrafo 7º pag. 9 da sentença), tendo por base um relatório inspectivo efectuado pelo inspector J..., realizado entre 3 e 17 de Outubro de 2008, sobre factos passados em 2004, alicerçado em pouco mais que 2 deslocações que fez à sede e lugar de facturação da Co…, em Penha Longa e Ermesinde e na conversa que teve com o pai dos sócios-gerentes, como referiu em audiência de julgamento;

7º. Não tendo esta testemunha da fazenda Pública tido capacidade para contrariar o invocado na 1ª parte do ponto 5 destas conclusões, declarando apenas perante o tribunal que “cheguei à conclusão que a Co... não tinha capacidade para fazer qualquer do trabalho destas facturas”, nem conseguindo responder à seguinte questão colocada pela Mm.a Juíza “a quo”: “a obra foi feita, porque ela existe e é uma obra pública … estavam homens da Co... e máquinas. Como justifica?”;

8º. Mas a serem tais facturas falsas, como é invocado pela Administração Tributária, então também falsas seriam as facturas emitidas pela C... à T... e desta ao IEP. Bastaria uma simples consulta a estas entidades para a AT perceber o mecanismo desta facturação e desde logo afastar a suspeita de que tais facturas eram falsas. É que para tal, a Impugnante indicou testemunhas e locais para as ouvir, e confirmar que a Co... executava os trabalhos adjudicados e facturava-os à Impugnante e esta, por sua vez facturava os mesmos serviços à T...;

9º. Ora, não quis a AT averiguar estes factos (ou não pude por ter prazo para a sua conclusão), como afirmou o inspector J… em Tribunal, quando confrontado porque não investigaram os factos apresentados pela Impugnante: “Esta investigação é feita no procedimento … o procedimento estava a decorrer … não íamos deixar cair o procedimento por uma situação dessas” (testemunho gravado dos 1.53.30 segundos até 1.56.00. segundos);

10º. Como ficou demonstrado em sede de audiência de julgamento e através da prova documental apresentada, a Impugnante logrou provar a materialidade das operações subjacentes às facturas em causa, por corresponderem a transacções efectivas e que os indícios apontados pela AT não eram suficientes para ter concluído pela existência de operações simuladas;

11º. Pelo que não podia o Tribunal “a quo” julgar improcedente a impugnação deduzida pela C..., mantendo-se a liquidação impugnada;

12º. Também não podia dar como provado que “essas facturas diziam respeito a subempreitada de mão de obra em cofragem, armação de ferro e trabalhos de trolha” (Cfr. Art. 18º factos assentes), por não ser verdade e em lado algum do processo ou do relatório da inspecção tal estar invocado;

13º. De igual não podia dar como provado que “a inspecção tributária concluiu que as facturas eram entregues em branco e eram posteriormente preenchidas à medida das necessidades do seu utilizador” (Cfr. art. 28º factos assentes), dado que no relatório da inspecção apenas é invocado “…em que muitas vezes os impressos são fornecidos em branco e preenchidos à medida das necessidades do seu utilizador (ponto 8 do Relatório. Pag 3);

14º. Muito menos dar como provado que a sociedade impugnante não demonstrou o pagamento das facturas (Cfr. 53º factos assentes), depois de provar exactamente o oposto (Cfr 39º a 42º dos factos assentes);

15º. Encontra-se, ainda, a sentença viciada nos seus pressupostos, na medida em que propugna a tese de que sobre a Impugnante recaía o ónus de afrontar as conclusões vertidas no relatório da inspecção tributária e, nessa medida incorreu em violação dos artigos 74º, nº 1 da LGT e 342º do CC;

16º. A própria sentença consagra nos seus fundamentos de direito que “de acordo com o teor do artigo 74º, nº 1 da LGT o ónus da prova dos factos … recai sobre quem os invoca”; que “nos termos do artigo 75º nº 1 da LGT presumem-se verdadeiros e de boa fé as declarações dos contribuintes …”; que “Existe uma presunção de verdade das declarações …” e que “essa presunção só cede se tais declarações apresentarem omissões, erros ou inexactidões … art 75º, nº 2 da LGT”.

17º. No presente caso, cabia à AT o ónus da prova dos pressupostos legais, vinculativos da sua actuação, sendo que os indícios por si alvitrados são frágeis e insuficientes para chegar ao juízo a que chegou de que tais facturas são falsas, dada a prova produzida pela Impugnante (documental e testemunhal), que demonstra a materialidade das operações a que se referem tais facturas e a fragilidade daqueles indícios;

18º. E teria sempre a AT que provar que as facturas que titulam as operações onde foi liquidado o IVA, não correspondem a reais transacções, devendo por isso ser havidas como operações simuladas (Cfr artigo 19º. Nº 3 do CIVA) e não apenas invocar tal simulação tendo por base meros indícios;

19º. Mas ainda que a AT tivesse feito prova da verificação dos pressupostos legais que legitimaram a sua actuação, através da existência de indícios sérios de que tais operações não correspondem à realidade, recaindo sobre a Impugnante o ónus da prova dos factos alegados - o que não se concede, em resultado da matéria de facto provada - esta demonstrou em Tribunal os factos que alegou demonstrativos de que tais facturas não eram falsas, antes correspondendo a trabalho efectivamente realizado;

20º. Demonstrando, desde logo, ter subempreitado à Co..., por contrato, a obra que legitimou a emissão das facturas; que a Co... executou tal obra, em 2004, com trabalhadores seus e maquinaria; ter liquidado as facturas, mediante o pagamento de cheques e liquidado o IVA e pago os impostos devidos;

21º. Até porque do ponto de vista da Impugnante, não era possível adivinhar tal situação, nem lhe cabia indagar se a Co... estava ou não inactiva, uma vez que as facturas emitidas dirimiam qualquer dúvida que eventualmente surgisse, pois formalmente obedeciam a todos os requisitos legais:
- Indicam quem é o seu emissor (Co..., Lda);
- O número de pessoa colectiva do emissor (5…);
- O ramo de actividade (construções) e sede social;
- O número de série das facturas. E,
- A descrição do fornecimento.
- Não faltando, sequer, a liquidação do IVA, à taxa legal a que tal operação está sujeita, aplicando-se correctamente a taxa de 19% e mencionando expressamente a parcela correspondente ao valor acrescentado;

22º. Encontra-se assim demonstrado a existência dos factos arrolados pela Impugnante que funda o seu direito a relevar como custos os valores suportados pelas facturas em causa, por titularem operações efectivamente ocorridas;

23º. Sempre com o maior respeito, a Mm.a Juíza “ a quo” deveria ter feito uma análise correcta da prova produzida acima descrita e, em consequência da aplicação das regras gerais de repartição do ónus da prova (Art. 342º CC), e da prova assim produzida, ter anulado a liquidação impugnada;

24º. Mas, sem conceder e ainda que dúvidas lhe subsistissem – caso a prova produzida pela Impugnante não tivesse proporcionado à Mm.a Juíza “a quo”certeza, ao menos deveria ter-lhe suscitado uma séria ou fundada dúvida sobre a actuação e as conclusões da administração tributária – tais dúvidas sempre deveriam ter levado a Mm.a Juíza a anular a liquidação impugnada nos termos do art. 100º, nº 1 do CPPT; art.75º da LGT, artigo 104º, nº 2 da CRP e arts 16º, nº 3 e 51º, nºs 1 e 2 do CIRC;

25º. Impondo-se assim, outra decisão do tribunal que, a final, anule a liquidação adicional de IVA relativa ao ano de 2004.

Nestes Termos,
E sem prejuízo do mais de direito que V. exas doutamente suprirão, se requer seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e, em consequência, anulada a liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2004, no montante do imposto impugnado, com todas as consequências legais que daí advenham.
Com o que se fará JUSTIÇA».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente (artigos 635.º, n.º4 e 639.º, n.º1, do CPC), são estas as questões que importa resolver: (i) se a sentença incorreu em erro na apreciação e valoração da prova; (ii) se os factos levados ao probatório não permitem a conclusão que a sentença deles extraiu de que a AT fez prova dos pressupostos legais legitimadores da sua actuação correctiva, ou, (iii) de que a impugnante não fez prova dos factos em que funda o seu direito à dedução, como custos do exercício, dos valores reflectidos nas facturas desconsideradas pela AT.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Deixou-se consignado na sentença recorrida em sede factual:

«A- Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa:
1.º - A Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária.
2.° - Essa acção inspectiva foi desencadeada a coberto da ordem de serviço interna n° OI200803915 de 3 de Outubro de 2008 de âmbito parcial com o código PNAIT 12121014.
3.º - Esta acção inspectiva decorreu entre 3 e 17 de Outubro de 2008.
4.° - Tinha a sua incidência temporal limitada ao IVA e IRC do exercício de 2004.
5.º - A referida acção inspectiva foi desencadeada no seguimento de uma outra acção inspectiva efectuada à sociedade Co... - Construções, Ld.ª.
6.º - Esta acção inspectiva foi desencadeada a coberto da ordem de serviço nº OI200501915 de 5 de Abril de 2005.
7.º - Os serviços de Inspecção Tributária não lograram estabelecer contacto com os legais representantes daquela firma, quer no local indicado como sua sede, quer na morada indicada nas facturas.
8.º - A sociedade ora Impugnante encontrava-se colectada pelo CAE 42990 de construção de outras obras de engenharia civil n.e.
9.º - Tinha a sua sede no Lugar…, Vila Boa do Bispo do Serviço de Finanças de Marco de Canaveses.
10.° - Possuía contabilidade organizada por exigência legal informatizada.
11.° - Cumpriu com as suas obrigações de pagamento.
12.º - A Impugnante contabilizou no exercício de 2004 várias facturas emitidas pela Co... - Construções, Ld.ª, no valor global de 290.967,00 euros.
13.° - Essas facturas não tinham sido declaradas pelo respectivo fornecedor, a Co....
14.° - Nelas foi deduzido o IVA no montante global de 46.460,10 euros.
15.º - Todas estas facturas foram contabilizadas como custo do exercício de 2004 e influenciaram o resultado apurado para efeitos de IRC.
16.° - Os respectivos valores de IVA foram deduzidos nas declarações periódicas de 2004 e diminuíram o imposto a pagar.
17.° - Essas facturas foram contabilizadas como custo do exercício de 2004 e influenciaram o resultado apurado para efeitos de IRC.
18.º - Os respectivos valores de IVA foram deduzidos nas declarações periódicas de 2004 e diminuíram o imposto a pagar.
19.º - Essas facturas diziam respeito a subempreitadas de mão de obra em cofragem, armação de ferro e trabalhos de trolha.
20.º - A sociedade Impugnante remeteu à Inspecção Tributária cópias das facturas e recibos que ela tinha emitido, cópias de notas de crédito, cópias de dois contratos de subempreitada, cópias de diversos autos de medição, alguns duplicados de cheques e três declarações por si passadas com um carimbo aposto pela Co....
21.º - A sociedade Impugnante declarou aos Serviços de Inspecção Tributária que não lhe era possível indicar os operários da Co... que participaram nos trabalhos e o seu período.
22.° - As facturas tinham sido emitidas a partir de impressos numerados seguida e tipograficamente fornecidos pela I… - Artes gráficas, Ld.ª.
23.º - As notas de crédito tinham sido emitidos de forma numerada e seguida pela tipografia A….
24.° - A designação das facturas era vaga, não identificavam os locais das obras, o tempo do serviço, as quantidades e os preços unitários e a descrição do trabalho aludia sempre a material e a serviços prestados de mão de obra, entre outras designações vagas.
25.° - Nos autos de medição exibidos tinha sido aposta uma assinatura ilegível.
26.º - Os autos de medição não estavam assinados pelo prestador dos serviços, como por norma acontece neste tipo de actividade.
27.° - No processo de emissão de facturas não tinha sido observado qualquer critério lógico e sequencial.
28° - A inspecção tributária concluiu que as facturas eram entregues em branco e eram posteriormente preenchidas à medida das necessidades do seu utilizador.
29.° - Foram emitidas facturas com numeração repetida a partir de uma mesma série de impressos.
30.° - Foram emitidas facturas com data anterior à sua impressão na tipografia.
31.º - Foi constatada a utilização em simultâneo de duas séries de impressos.
32.° - A Co..., Ld.ª, era conhecida como emitente de facturas falsas.
33.° - Não tinha instalações físicas nos locais indicados como sede, nas facturas que emitia.
34.° - Esta sociedade não tinha dados na Segurança Social e aí apenas tinha declarado a existência de dois trabalhadores ao seu serviço.
35.º - No ano de 2004 não tinha declarado qualquer remuneração a assalariados seus.
36.° - No ano de 2004 e seguintes, a Co... não cumpriu as suas obrigações declarativas tributárias.
37.° - Os Serviços de Inspecção Tributária concluíram que a Co... não tinha capacidade humana e material para executar as prestações de serviços que alegadamente tinha facturado, porque não tinha o seu único factor produtivo - mão de obra.
38.° - Nos exercícios de 2004, 2005 e 2006 a Co... facturou serviços no valor global de 1.589,389,21 euros, com IVA incluído.
39.º - A sociedade ora Impugnante exibiu aos Serviços de inspecção Tributária cópias dos cheques que utilizou pala pagamento dos serviços.
40.º - Depois de ter exibido cheques nominativos, apresentou dois cheques ao portador.
41.º - Apresentou ainda cheques nominativos no valor de 176.488,70 euros.
42.° - Os Serviços de Inspecção Tributária apuraram que os cheques não tinham revertido a favor da Co....
43.º - As suas facturas tinham sido impressas em cinco tipografias.
44.º - Alguns dos utilizadores das facturas emitidas pela Co..., instados pela inspecção Tributária, reconheceram a natureza fictícia das operações comerciais que tinham contabilizado.
45.º - Essas empresas optaram por regularizar a sua situação tributária mediante a apresentação de declarações periódicas e de rendimentos de substituição.
46.° - Tendo algumas delas procedido desde logo à entrega da respectiva prestação tributária em falta.
47.° - A Administração Fiscal procedeu a correcções meramente técnicas em sede de IRC e IVA uma vez que considerou as facturas como falsas e, como tal não constituem custos fiscais e o IVA constante das mesmas facturas não era passível de ser deduzido.
48.° - As correcções ao lucro tributável de IRC foram fixadas no valor de 238.614,12 euros em 2004.
49.º - O IVA no montante de 41.834,36 euros, que tinha sido deduzido no mesmo exercício, foi corrigido no respectivo valor.
50.º - As facturas emitidas pela Co... Construções, Ld.ª, não foram aceites pela administração tributária porque correspondiam a negócios simulados.
51.º - A referida empresa não existia ou estava inactiva.
52.° - Nunca foi possível localizar qualquer dos seus sócios.
53.º - A sociedade impugnante não demonstrou o pagamento das facturas.
54.º - A impugnante no comprovou a movimentação bancária de fundos financeiros necessários ao pagamento do valor das facturas.
55.º - A empresa T..., S.A, foi a responsável pela obra de conservação corrente da zona norte do distrito de Aveiro, a si adjudicada pelo instituto de Estradas de Portugal e executada pela Co... - cfr. depoimento da testemunha P... (engenheiro e funcionário da T..., S.A.).
56.° - A Co... tinha cerca de 10/11 trabalhadores na referida obra e algum equipamento como máquinas, tractor, camioneta, motosserras e mini-carregador - cfr. depoimento da testemunha P... (engenheiro e funcionário da T..., S.A.).
57.º - A Co... trabalhou para a T... cerca de três anos - cfr. depoimento da testemunha P... (engenheiro e funcionário da T..., S.A.)
B - Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

A Recorrente impugna a matéria de facto, alegando, desde logo, que nenhum meio probatório dos autos, tão-pouco o relatório de inspecção tributária, suporta o que se deixou consignado no ponto 19 dos factos assentes: «Essas facturas diziam respeito a subempreitadas de mão-de-obra em cofragem, armação de ferro e trabalhos de trolha».

Com efeito, reapreciada toda a prova, não encontramos qualquer meio probatório que suporte objectivamente o que ali se deixou consignado, suprimindo-se tal facto do probatório.

Quanto aos pontos 39 a 42 e sua manifesta contradição com o expresso no ponto 53, alteram-se tais pontos do probatório, passando a constar:

39 – O sujeito passivo impugnante apresentou à AT meios de pagamento para justificar a liquidação do valor das facturas do emitente Co... (cf. ponto 11 do RIT, fls.67 do PA);

40 – Tais meios de pagamento são constituídos por cheques sacados sobre contas à ordem de que é titular (totalizando 252.041,97€) e sobre contas de depósitos à ordem abertas em nome da T... – Sociedade de Empreitadas, S.A. (23.500,00€), uns emitidos ao portador (75.553,27€), outros à ordem de Co... (176.488,70€), perfazendo o valor das facturas contabilizadas do emitente em causa, com IVA, a importância de 290.987,01€ (cf. ponto 11 do RIT, fls.67 do PA);

41 – Constatou a AT a emissão de dois cheques, sacados na mesma data e sobre a mesma conta à ordem, para saldar uma mesma factura do emitente Co... (cf. ponto 14 do RIT, fls.69 do PA);

53 – Suprime-se tal ponto do probatório, passando a constar do ponto 42: «A impugnante não apresentou meios de pagamento de valor correspondente ao total facturado pelo emitente Co..., tendo a AT apurado uma diferença de 15.445,03€ entre o valor facturado pelo emitente de 290.987,09€ e o dos meios de pagamento exibidos pela impugnante, de 275.541,97€ (cf. ponto 17 do RIT, fls.69v. do PA).

Altera-se igualmente o ponto 28 do probatório por não expressar correctamente o que está vertido no RIT, tal como aponta a Recorrente.
Este ponto passa a ter a seguinte redacção: «Consta do ponto 8 do RIT, para além do mais que se dá por reproduzido, o seguinte: «Do conjunto dos exemplares das facturas cujas cópias foram recolhidas no decurso das circularizações efectuadas com os utilizadores conhecidos, conclui-se que no processo de emissão, não foi observado qualquer critério lógico e sequencial, ainda que tal critério seja verificável em relação aos documentos encontrados em poder de cada um desses mesmos utilizadores e nomeadamente no que em concreto respeita à C..., procedimento que caracteriza as denominadas facturas falsas, em que muitas vezes, os impressos são fornecidos em branco e preenchidos à medida das necessidades dos utilizadores. A título meramente exemplificativo e no que em concreto respeita às facturas utilizadas pela C..., podem citar-se as seguintes situações (…)»; (cf. fls. 66 do PA).

Quanto à alegação da Recorrente de que a materialidade constante dos pontos 55, 56 e 57 do probatório impõe o reconhecimento, sem mais, da efectividade dos serviços facturados, trata-se de uma conclusão a extrair de factos, essenciais uns e instrumentais outros, não podendo integrar o probatório.

Por fim, impõe-se alterar, também por razões de coerência, os pontos 51, 52 e eliminar o ponto 54 dos «factos assentes», o que se fará na reformulação do probatório (passam a pontos 50, 51), aí se indicando os instrumentos de prova que os suportam.

Em resultado da modificação da decisão de facto em conformidade com a reapreciação feita nesta instância da prova produzida (art.º662.º, do CPC), reformula-se o probatório quanto aos «factos assentes», que passa a ser o seguinte:

1.º - A Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária.
2.° - Essa acção inspectiva foi desencadeada a coberto da ordem de serviço interna n° OI200803915 de 3 de Outubro de 2008 de âmbito parcial com o código PNAIT 12121014.
3.º - Esta acção inspectiva decorreu entre 3 e 17 de Outubro de 2008.
4.° - Tinha a sua incidência temporal limitada ao IVA e IRC do exercício de 2004.
5.º - A referida acção inspectiva foi desencadeada no seguimento de uma outra acção inspectiva efectuada à sociedade Co... - Construções, Ld.ª.
6.º - Esta acção inspectiva foi desencadeada a coberto da ordem de serviço nº OI200501915 de 5 de Abril de 2005.
7.º - Os serviços de Inspecção Tributária não lograram estabelecer contacto com os legais representantes daquela firma, quer no local indicado como sua sede, quer na morada indicada nas facturas.
8.º - A sociedade ora Impugnante encontrava-se colectada pelo CAE 42990 de construção de outras obras de engenharia civil n.e.
9.º - Tinha a sua sede no Lugar…, Vila Boa do Bispo do Serviço de Finanças de Marco de Canaveses.
10.° - Possuía contabilidade organizada por exigência legal informatizada.
11.° - Cumpriu com as suas obrigações de pagamento.
12.º - A Impugnante contabilizou no exercício de 2004 várias facturas emitidas pela Co... - Construções, Ld.ª, no valor global de 290.967,00 euros.
13.° - Essas facturas não tinham sido declaradas pelo respectivo fornecedor, a Co....
14.° - Nelas foi deduzido o IVA no montante global de 46.460,10 euros.
15.º - Todas estas facturas foram contabilizadas como custo do exercício de 2004 e influenciaram o resultado apurado para efeitos de IRC.
16.° - Os respectivos valores de IVA foram deduzidos nas declarações periódicas de 2004 e diminuíram o imposto a pagar.
17.° - Essas facturas foram contabilizadas como custo do exercício de 2004 e influenciaram o resultado apurado para efeitos de IRC.
18.º - Os respectivos valores de IVA foram deduzidos nas declarações periódicas de 2004 e diminuíram o imposto a pagar.
19.º - A sociedade Impugnante remeteu à Inspecção Tributária cópias das facturas e recibos que ela tinha emitido, cópias de notas de crédito, cópias de dois contratos de subempreitada, cópias de diversos autos de medição, alguns duplicados de cheques e três declarações por si passadas com um carimbo aposto pela Co....
20.º - A sociedade Impugnante declarou aos Serviços de Inspecção Tributária que não lhe era possível indicar os operários da Co... que participaram nos trabalhos e o seu período.
21.° - As facturas tinham sido emitidas a partir de impressos numerados seguida e tipograficamente fornecidos pela I… - Artes gráficas, Ld.ª.
22.º - As notas de crédito tinham sido emitidas de forma numerada e seguida pela tipografia A….
23.° - A designação das facturas era vaga, não identificavam os locais das obras, o tempo do serviço, as quantidades e os preços unitários e a descrição do trabalho aludia sempre a material e a serviços prestados de mão-de-obra, entre outras designações vagas.
24.° - Nos autos de medição exibidos tinha sido aposta uma assinatura ilegível.
25.º - Os autos de medição não estavam assinados pelo prestador dos serviços, como por norma acontece neste tipo de actividade.
26.° - No processo de emissão de facturas não tinha sido observado qualquer critério lógico e sequencial.
27° - «Consta do ponto 8 do RIT, para além do mais que se dá por reproduzido, o seguinte: «Do conjunto dos exemplares das facturas cujas cópias foram recolhidas no decurso das circularizações efectuadas com os utilizadores conhecidos, conclui-se que no processo de emissão, não foi observado qualquer critério lógico e sequencial, ainda que tal critério seja verificável em relação aos documentos encontrados em poder de cada um desses mesmos utilizadores e nomeadamente no que em concreto respeita à C..., procedimento que caracteriza as denominadas facturas falsas, em que muitas vezes, os impressos são fornecidos em branco e preenchidos à medida das necessidades dos utilizadores. A título meramente exemplificativo e no que em concreto respeita às facturas utilizadas pela C..., podem citar-se as seguintes situações (…)»; (cf. fls. 66 do PA).
28.° - Foram emitidas facturas com numeração repetida a partir de uma mesma série de impressos.
29.° - Foram emitidas facturas com data anterior à sua impressão na tipografia.
30.º - Foi constatada a utilização em simultâneo de duas séries de impressos.
31.° - A Co..., Ld.ª, era conhecida como emitente de facturas falsas.
32.° - Não tinha instalações físicas nos locais indicados como sede, nas facturas que emitia.
33.° - Esta sociedade não tinha dados na Segurança Social e aí apenas tinha declarado a existência de dois trabalhadores ao seu serviço.
34.º - No ano de 2004 não tinha declarado qualquer remuneração a assalariados seus.
35.° - No ano de 2004 e seguintes, a Co... não cumpriu as suas obrigações declarativas tributárias.
36.° - Os Serviços de Inspecção Tributária concluíram que a Co... não tinha capacidade humana e material para executar as prestações de serviços que alegadamente tinha facturado, porque não tinha o seu único factor produtivo – mão-de-obra.
37.° - Nos exercícios de 2004, 2005 e 2006 a Co... facturou serviços no valor global de 1.589,389,21 euros, com IVA incluído.
38º – O sujeito passivo impugnante apresentou à AT meios de pagamento para justificar a liquidação do valor das facturas do emitente Co... (ponto 11 do RIT, fls.67 do PA);
39.º – Tais meios de pagamento são constituídos por cheques sacados sobre contas à ordem de que é titular (totalizando 252.041,97€) e sobre contas de depósitos à ordem abertas em nome da T... – Sociedade de Empreitadas, S.A. (23.500,00€), uns emitidos ao portador (75.553,27€), outros à ordem de Co... (176.488,70€), perfazendo o valor das facturas contabilizadas do emitente em causa, com IVA, a importância de 290.987,01€ (cf. ponto 11 do RIT, fls.67 do PA);
40º – Constatou a AT a emissão de dois cheques, sacados na mesma data e sobre a mesma conta à ordem, para saldar uma mesma factura do emitente Co... (cf. ponto 14 do RIT, fls.69 do PA);
41º – A impugnante não apresentou meios de pagamento de valor correspondente ao total facturado pelo emitente Co..., tendo a AT apurado uma diferença de 15.445,03€ entre o valor facturado pelo emitente de 290.987,09€ e o dos meios de pagamento exibidos pela impugnante, de 275.541,97€, diferença essa em parte (10.538,53€) justificada em notas de crédito do emitente (cf. pontos 5 e 17 do RIT, fls.66 e 69v. do PA).
42.º - As facturas do emitente tinham sido impressas em cinco tipografias.
43.º - Alguns dos utilizadores das facturas emitidas pela Co..., instados pela inspecção Tributária, reconheceram a natureza fictícia das operações comerciais que tinham contabilizado.
44.º - Essas empresas optaram por regularizar a sua situação tributária mediante a apresentação de declarações periódicas e de rendimentos de substituição.
45.° - Tendo algumas delas procedido desde logo à entrega da respectiva prestação tributária em falta.
46.° - A Administração Fiscal procedeu a correcções meramente técnicas em sede de IRC e IVA uma vez que considerou as facturas como falsas e, como tal não constituem custos fiscais e o IVA constante das mesmas facturas não era passível de ser deduzido.
47.° - As correcções ao lucro tributável de IRC foram fixadas no valor de 238.614,12 euros em 2004.
48.º - O IVA no montante de 41.834,36 euros, que tinha sido deduzido no mesmo exercício, foi corrigido no respectivo valor.
49.º - As facturas emitidas pela Co... Construções, Ld.ª, não foram aceites pela administração tributária porque correspondiam a negócios simulados.
50.º - Em diligências efectuadas em 2005, no âmbito da acção inspectiva àquela emitente, não foi identificado pela AT qualquer local onde ela pudesse estar a desenvolver a sua actividade produtiva ou onde dispusesse de mero centro de interesses (RIT, fls.33 do apenso de Reclamação Graciosa);
51.° - Nunca foi possível à AT localizar qualquer dos representantes legais da Co... em diligências efectuadas em 2008, no âmbito da inspecção à impugnante (RIT, fls.45 do apenso de RG);
52.º - A empresa T..., S.A, foi a responsável pela obra de conservação corrente da zona norte do distrito de Aveiro, a si adjudicada pelo Instituto de Estradas de Portugal e executada pela Co... por subempreitada da impugnante – cf. depoimento da testemunha P..., engenheiro e responsável de obra da T..., S.A. e docs. de fls.60 e ss. do apenso de RG).
53.° - A Co... tinha 10/11 trabalhadores na referida obra e algum equipamento como máquinas, tractor, camioneta, motosserras e mini-carregador - cf. depoimento da cit. testemunha P....
54.º - A Co... executou trabalhos para a T... durante cerca de três anos - cf. depoimento da cit. testemunha P....

Alterada a decisão de facto e reformulado o probatório de acordo com a apreciação e valoração da prova feita nesta instância, importa passar ao conhecimento das demais questões do recurso e a primeira delas consiste em indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir, com base na matéria factual assente, que «…a administração tributária fundamentou a liquidação impugnada num conjunto de indícios sérios, consistentes e credíveis de que as facturas referidas não tinham subjacentes verdadeiras operações comerciais».

Como decorre dos autos e do probatório, em acção inspectiva levada a efeito à impugnante, a AT constatou a contabilização de facturas do emitente “Co... – Construções, Lda.”, que desconsiderou para efeitos de dedutibilidade como custos fiscais do exercício, no entendimento de que não correspondiam a qualquer transacção real entre o emitente e o utilizador, alicerçando a decisão, de direito, no disposto no art.º23.º, do Código do IRC (cf. RIT, fls.74v. do PA), cujo n.º1 dispõe: «Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora…».

Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente por este Tribunal Central Administrativo Norte, quando a Administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do art.º74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que as operações constantes das facturas não correspondem à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vd., entre muitos outros, os acórdãos do STA, de 20/11/2002, proc.º01483/02 e do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Assim sendo, importa analisar se a Administração tributária fez a prova que lhe competia na recolha de factos que permitem concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrente, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Tenha-se em conta, como também é pacífico na jurisprudência, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cf. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão deste TCAN, de 26/04/12, proc.º 00964/06.0 BEPRT.

Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Proc.º810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – art.º75º da LGT.

Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” – cit. por Saldanha Sanches, “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2ª edição, pág. 311.

Nesta tarefa e como é salientado no Acórdão deste TCAN, de 28/02/2013, proferido no proc.º00383/08.4BEBRG, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm, necessariamente, que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado, revelando-se até a fiscalização cruzada um procedimento crucial no combate à fraude e evasão fiscais.

Salienta-se, ainda, quanto à questão do ónus da prova e do seu cumprimento pela AT quando esteja em causa a não-aceitação como custo fiscal do exercício do valor reflectido em facturas contabilizadas e reputadas falsas, o recente acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, de 17/02/2016, tirado no proc.º0591/15 – embora aí estivesse concretamente em causa a dedutibilidade do IVA, mas cujas considerações valem para o presente - , em que se deixou consignado o seguinte: «Para que a AT, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 19º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende»; «Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução».

Regressando aos autos, vejamos que indicadores seguros, credíveis e consistentes da falsidade das facturas a AT recolheu e aportou ao procedimento e aos autos e o que resultou da prova produzida pelas partes em tribunal.

São eles, do lado do emitente: incumprimento generalizado, no ano em causa de 2004, das suas obrigações fiscais declarativas e de pagamento; irregularidade na emissão de facturas, sem critério lógico e sequencial e emissão de facturas com data anterior à da própria impressão do documento e emissão de facturas com numeração repetida; falta de estrutura empresarial para a execução/realização dos serviços facturados, traduzida na ausência de trabalhadores registados na segurança social, e na falta de declaração fiscal de remunerações pagas a assalariados; não foram detectadas operações da emitente com terceiros prestadores de serviços, nomeadamente, fornecedores de mão-de-obra; alguns utilizadores de facturas do emitente Co... acabaram por reconhecer a natureza fictícia das operações facturadas, tendo efectuado regularizações voluntárias.

Do lado do utilizador: insuficiente discriminação nas facturas passadas ao utilizador dos serviços/trabalhos efectuados; os autos de medição que acompanham as facturas não se encontram assinados pelo prestador dos serviços; pelo menos 95,58% dos fundos sacados através dos cheques exibidos pela impugnante para justificar o pagamento das facturas da Co..., não se destinaram ao emitente; no caso de um mesmo pagamento, emissão de dois cheques, sacados na mesma data, sobre a mesma conta de depósitos à ordem.

Resulta manifesto dos indícios recolhidos com relação ao emitente Co..., que se trata de um emitente de facturas falsas, tanto assim que utilizadores de facturas suas reconheceram o carácter fictício das operações facturadas e regularizaram a sua situação tributária, embora do relatório não resulte esclarecido se se tratam de facturas emitidas no ano em causa de 2004 ou outro.

Todavia e como já temos salientado em anteriores arestos em que o relator é o mesmo deste, da circunstância de um sujeito passivo se dedicar à emissão de facturas falsas, não pode concluir-se, sem mais, que não exerça simultaneamente a actividade para que está colectado (no caso do emitente, a de construção). Daí a necessidade, também, da recolha de indícios, seguros e credíveis, centrados na relação concreta por ele estabelecida com o utilizador, de modo a poder estabelecer-se algum nexo entre a actividade ilícita do emitente e as operações facturadas ao utilizador. Porque, o que verdadeiramente importa apurar é se os serviços facturados foram efectivamente prestados pelo emitente, independentemente do incumprimento generalizado das obrigações legais e fiscais (art.º31.º, n.ºs 1 e 2 da LGT) a que ele está vinculado no exercício da actividade prestadora.

Serve isto para dizer que um sujeito passivo pode não ter assalariados inscritos na segurança social, não reter e/ ou não entregar ao Estado o imposto sobre remunerações pagas, nem declarar à AT operações com terceiros fornecedores de bens e serviços (cf. RIT, fls.67 PA), sem que isso represente de per si um indício forte da irrealidade das operações facturadas, sendo certo que a capacidade empresarial do emitente nem sempre poderá ser apreendida e medida a partir da sua estrutura de custos declarada (com assalariados e operações com terceiros), bastando pensar, no sector da construção civil, na recorrente situação de alocação de trabalho indiferenciado com recurso a mão-de-obra clandestina.

De resto, nem a AT é tão temerária que conclua pela falsidade das facturas só porque emitidas por sujeito passivo sem adequada estrutura de custos declarada para a realização dos serviços facturados, e/ou por se tratar de sujeito passivo que não cumpre as obrigações fiscais a que está vinculado e nisso esgote a sua actividade investigatória.

Tanto assim, que (também) no caso dos autos foi à procura do rastro do dinheiro, sendo este um dos indicadores mais seguros da falsidade das operações facturadas.

No entanto, o resultado de tal investigação não se revelou minimamente conclusivo. De facto, a impugnante apresentou meios de pagamento para justificar a liquidação das facturas (290.987,09€), constituídos por cheques emitidos à ordem do emitente, uns (176.488,70€) e ao portador, outros (75.553,27€), sacados sobre contas à ordem de que é titular e, ainda, sobre contas de depósitos à ordem abertas em nome da T... – Sociedade de Empreitadas, S.A. (23.500,00€). E justificou parte da diferença nos pagamentos face ao valor das facturas (15.445,03€) com notas de crédito do emitente (10.538,53€), que a AT constatou irregularmente contabilizadas.

Não se detectou qualquer movimento de retorno dos pagamentos a contas bancárias de que a impugnante, ou seus representantes legais, fossem os titulares.

Refere a AT no RIT (fls.69v. do PA), que “…cerca de 95,58% dos fundos sacados através dos cheques cujas cópias nos foram facultadas pela C... para justificar os pagamentos à Co... não se destinaram ao emitente das facturas”. Mas qual a relevância indiciária deste facto e em que medida compromete a credibilidade presuntiva da contabilidade do utilizador (art.º75.º, n.º1 da LGT)? Não o alcançamos.

Claro que na normalidade das situações, as empresas têm necessidade de remunerar os factores produtivos envolvidos na sua actividade económica e, portanto, os proventos dessa actividade ingressarão, em regra, no património da empresa. Mas tratando-se o emitente de um sujeito passivo sem estrutura de custos declarada (com pessoal ou operações com terceiros) e incumpridor generalizado das suas obrigações legais e fiscais, é espectável que os proventos da sua actividade ingressem no património da empresa, em contas de proveitos? Para remunerar factores produtivos (custos) que não declarou, nem contabilizou? A nosso ver e à falta de melhor explicação que a AT não fornece, a resposta só poderá ser negativa e desvalorizado este indício.

Poder-se-ia também pensar, partindo da realidade descrita no parágrafo anterior, tratar-se o utilizador de uma mera “empresa de passagem de fundos”, isto é, emitia facturas fictícias ao utilizador destinadas à cobertura de operações reais de outros prestadores de serviços não emitentes. No entanto, a prova dos autos parece apontar noutro sentido.

Com efeito, Ricardo de Oliveira Nunes, o engenheiro responsável da obra da T..., S.A. adjudicada pelo Instituto das Estradas de Portugal e subcontratada à impugnante, em declarações aos autos afirma que foi a Co... através de pessoal seu, e máquinas quando necessário, que executou, numa das seis frentes de obra adjudicadas pelo Instituto das Estradas de Portugal à T..., os trabalhos subcontratados à impugnante, como limpeza de bermas e valetas e outras obras acessórias na zona litoral. Que lhe foi comunicado pelos responsáveis da impugnante que seria a Co... a assegurar os trabalhos contratualizados com a T..., S.A.. Que lidava directamente com o Sr. Adriano (identificado no RIT como sócio da Co... – fls.45 do apenso de RG) e com ele fazia o planeamento dos trabalhos. E que a execução dos trabalhos demorou à Co... cerca de um ano, a partir do princípio de 2004.

O seu depoimento é consistente com os fluxos de facturação/ pagamento/ quitação, apresentados pela impugnante em que concilia as facturas por si emitidas à T..., S.A. no âmbito da subempreitada (cf. fls.75/150 do apenso de reclamação graciosa), com as que lhe foram emitidas pela Co... (cf. quadros a fls.5/6 do requerimento de reclamação graciosa).

E neste ponto cumpre salientar que a discriminação vaga dos serviços facturados pelo emitente que a AT refere no ponto 7 do RIT (fls.66 do PA), [diz-se aí, são descritas com expressões do tipo «Serviços realizados no âmbito da conservação corrente por conta da zona Norte do distrito de Aveiro»; «Trabalhos realizados no âmbito da conservação corrente por conta da zona Norte do distrito de Aveiro» e «Trabalhos de limpeza de arranjos finais nas ilhas do Nó do IC1 com a VCI»], corresponde exactamente ao que vem descrito nas facturas emitidas pela impugnante à T..., S.A. e suportado nos autos de medição que as acompanham e que Ricardo de Oliveira Nunes, o engenheiro da T... responsável da obra, diz ter validado.

E mesmo admitindo-se não observar rigorosamente o que então exigia o art.º35.º, n.º5 alínea b), do Código do IVA, como requisito formal das facturas, tal não impedia que a AT pudesse averiguar junto do dono da obra (IEP) ou da própria T..., S.A. (portanto, terceiros), se a Co... era um dos subempreiteiros da impugnante autorizados em obra (cf. clausula 8.ª dos contratos de empreitada – fls.38 do PA) – o que viria a ser confirmado nos autos pela já identificada testemunha, Ricardo de Oliveira Nunes – ou esclarecer junto do dono da obra, posto que até se trata de uma entidade pública com especiais obrigações nesse domínio, que mecanismos de fiscalização e de prevenção da utilização de mão-de-obra clandestina tinha implementados no terreno, de modo a ficar descartada a possibilidade de uma tal utilização pelo emitente nas obras que facturou à impugnante (cf. artigos 58.º da LGT e 49.º e 50.º, do CPPT).

Por último, quanto à falta de critério lógico e sequencial na emissão das facturas que se aponta ao emitente, é bom lembrar que o RIT não deixa de realçar também que tal critério é verificável em relação a documentos encontrados em poder de cada um dos utilizadores e nomeadamente no que em concreto respeita à C... (RIT, fls.66/67 do PA), o que desvaloriza tal realidade como indício reportado ao nexo entre a actividade ilícita do emitente e as operações facturadas ao utilizador, aqui Recorrente.

Aqui chegados, é tempo de concluir que embora se possa afirmar que a Co... é emitente de facturas falsas, os indícios recolhidos pela AT não permitem concluir que as facturas emitidas à impugnante o fossem no âmbito dessa sua actividade ilícita, não correspondendo a qualquer subjacente operação económica, por nenhum indicador decisivo ter sido recolhido a tal respeito, nomeadamente no que concerne aos pagamentos (não havendo relato de movimentos comprovados de retorno do dinheiro a contas bancárias da impugnante ou de terceiros com ela relacionados), sendo que, por outro lado, a impugnante logrou demonstrar que, não obstante a inexistente estrutura produtiva declarada do emitente ou do que a tal respeito consta das bases de dados da AT e da Segurança Social, este executou para a impugnante trabalhos no âmbito da subempreitada com a T..., S.A., em período concomitante com o da emissão das facturas (2004).

Ou seja, perante os elementos factuais que se colhem dos autos, os indícios de facturação falsa recolhidos pela AT não apresentam a consistência e solidez necessárias para abalar a presunção de veracidade de que gozam os dados declarativos e de contabilidade da impugnante (art.º75.º, n.º1 da LGT), nessa medida, não recaindo sobre ela o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, da dedução como custo fiscal do exercício do valor mencionado nas facturas contabilizadas do emitente Co..., referenciadas ao ano em causa de 2004 (art.º74.º, n.º1 da LGT).

A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar diferentemente, não podendo manter-se na ordem jurídica, assim se concedendo provimento ao recurso

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial.
Custas a cargo da Recorrida em 1.ª instância (não contra-alegou neste recurso).
Porto, 21 de Dezembro de 2016.
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro