Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03132/11.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/20/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
Sumário:I-Tal como sustentado pela decisão recorrida, temos que os autos não fornecem uma prova cabal, segura e convincente, da prática, pelo Recorrido, dos factos que lhe são imputados;
I.1-perante duas versões contraditórias dos factos participados, cumpriria ao Réu explicitar o iter lógico-dedutivo que culminou no juízo que formou sobre a prática pelo Recorrido desses factos disciplinarmente puníveis, em detrimento do juízo oposto, ou seja, da sua desresponsabilização, consentânea com a versão carreada para os autos pelo próprio Recorrido e pelas suas testemunhas de defesa;
I.2-só que o Réu, ora Recorrente não logrou tal desiderato;
I.3-e, a ser assim, mostram-se efectivamente violados, in casu, os princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo, decorrentes do artigo 32.º, nºs 1 e 2 da CRP;
I.4-já o princípio da justiça foi afastado uma vez que o Autor se limitou a convocar a violação do mesmo de modo conclusivo, não cuidando de explicitar ou substanciar qual o conteúdo dessa violação.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério da Justiça
Recorrido 1:DSJD
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
DSJD, casado, Guarda Prisional, residente na Rua…, propôs acção administrativa especial contra o Ministério da Justiça, com sede na Praça do Comércio, Lisboa, pedindo que:
“a) seja deferido o Recurso Hierárquico apresentado pelo Autor perante a Ré, revogando-se consequentemente, a aplicação da pena de repreensão escrita, e absolvendo-se o Autor da prática da infracção disciplinar que lhe foi imputada;
Sem prescindir, caso assim não se entenda:
b) seja deferido parcialmente o recurso hierárquico apresentado pelo Autor perante a Ré, ordenando-se a suspensão da execução da pena de repreensão escrita;
Sem conceder:
c) seja condenado o Réu a praticar, num prazo razoável, nunca superior a 30 dias, o acto legalmente devido de decisão do recurso hierárquico, no sentido de revogar a aplicação da pena de repreensão escrita, absolvendo-se o Autor da prática da infracção disciplinar que lhe foi imputada;
Ou, caso assim não se entenda:
d) seja condenado o Réu a praticar, num prazo razoável, nunca superior a 30 dias, o acto legalmente devido de decisão do recurso hierárquico, no sentido de ordenar a suspensão da execução da pena de repreensão escrita.”

Por acórdão proferido pelo TAF do Porto foi julgada procedente a acção.

Deste vem interposto recurso.
Nas alegações o Réu formulou as seguintes conclusões:
Inexiste violação dos direitos de defesa do arguido, que, de resto, não a invocou.
O acórdão recorrido:
a) Considerou a impugnabilidade do ato de segundo grau, o qual é confirmativo de um outro, e, portanto, insuscetível de ser impugnado contenciosamente;
b) Desconsiderou o circunstancialismo - ambiente prisional – que originou o ato de primeiro grau, o qual foi apurado no PA e reproduzido pela primeira instância; mas, no seu núcleo essencial,
c) Considerou e deu como provado matéria que relata a conduta do ora A., a qual constituiu a motivação punitiva da Administração;
d) Contém, por isso, contradições entre a matéria que considerou provada e o seu dispositivo.
Portanto, não só o acórdão recorrido é omisso quanto à sua própria fundamentação, verificando-se obscuridade na motivação decisória;
Como, por outro lado, desconsidera factos relativamente aos quais tomou conhecimento, o que está em contradição com a decisão.
O que faz aportar vícios ao acórdão recorrido e à sua motivação.
Pelo que, nestes termos e nos mais de direito, deverá ser considerado o recurso procedente e revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra, que confirme a legalidade dos atos declarados anuláveis.
O Autor não ofereceu contra-alegações.
O MP emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) Em 30/12/2008, a Directora-Geral dos Serviços Prisionais proferiu despacho, determinando a instauração de processo disciplinar ao A., com os fundamentos que constam da proposta datada de 26/12/2008 (cfr. fls. 1 a 11 do processo administrativo, Volume I, e cujo conteúdo se considera como inteiramente vertido nesta sede);

2) Em 09/03/2009, o instrutor do processo disciplinar procedeu à inquirição de JBGC, recluso do Estabelecimento Prisional de PF que apresentou participação contra o A., tendo o sobredito recluso prestado as declarações cujo conteúdo consta de fls. 43 a 45 do processo administrativo, volume 1, apenso, e que aqui se considera como inteiramente reproduzido;

3) Em 09/03/2009, o instrutor do processo disciplinar procedeu à inquirição de RFRF, recluso do Estabelecimento Prisional de PF, tendo o sobredito recluso prestado as declarações cujo conteúdo consta de fls. 46 e 47 do processo administrativo, volume 1, apenso, e que aqui se considera como inteiramente reproduzido;

4) Em 09/03/2009, o instrutor do processo disciplinar procedeu à inquirição de AGS, recluso do Estabelecimento Prisional de PF, tendo o sobredito recluso prestado as declarações cujo conteúdo consta de fls. 48 e 49 do processo administrativo, volume 1, apenso, e que aqui se considera como inteiramente reproduzido;

5) Em 09/03/2009, o instrutor do processo disciplinar procedeu à inquirição de DCP, recluso do Estabelecimento Prisional de PF, tendo o sobredito recluso prestado as declarações cujo conteúdo consta de fls. 50 e 51 do processo administrativo, volume 1, apenso, e que aqui se considera como inteiramente reproduzido;

6) Em 30/03/2009, o instrutor do processo disciplinar procedeu à inquirição de JCC, Guarda Prisional do Estabelecimento Prisional de PF, tendo o sobredito Guarda prestado as declarações cujo conteúdo consta de fls. 68 e 69 do processo administrativo, volume 1, apenso, e que aqui se considera como inteiramente reproduzido;

7) Em 02/04/2009, o instrutor do processo disciplinar procedeu à inquirição de PMFT, Guarda Prisional do Estabelecimento Prisional de PF, tendo o sobredito Guarda prestado as declarações cujo conteúdo consta de fls. 71 e 72 do processo administrativo, volume 1, apenso, e que aqui se considera como inteiramente reproduzido;

8) Em 02/04/2009, o instrutor do processo disciplinar procedeu ao interrogatório do agora A., tendo este prestado as declarações cujo conteúdo consta de fls. 73 a 75 do processo administrativo, volume 1, apenso, e que aqui se considera como inteiramente reproduzido;

9) Em 01/07/2009, o instrutor proferiu Acusação, cujo teor consta de fls. 83 a 86 do processo administrativo apenso, volume 1, e que aqui se considera como inteiramente vertido;

10) Em 20/07/2009, o A. apresentou defesa escrita à acusação descrita no ponto anterior deste probatório, nos termos e com o conteúdo constante de fls. 100 a 105 do processo administrativo apenso, volume 1, e cujo teor se considera aqui como integralmente reproduzido, tendo requerido a audição de 2 testemunhas e junto um documento;

12) Em 17/09/2009, o instrutor do processo disciplinar procedeu à inquirição da testemunha PMFT, Guarda Prisional do Estabelecimento Prisional de PF, tendo o sobredito Guarda prestado as declarações cujo conteúdo consta de fls. 144 a 146 do processo administrativo, volume 1, apenso, e que aqui se considera como inteiramente reproduzido;

13) Em 14/04/2010, o instrutor do processo disciplinar procedeu à inquirição da testemunha JCC, Guarda Prisional do Estabelecimento Prisional de PF, tendo o sobredito Guarda prestado as declarações cujo conteúdo consta de fls. 181 e 182 do processo administrativo, volume 1, apenso, e que aqui se considera como inteiramente reproduzido;

14) Em 14/06/2010, o instrutor procedeu à elaboração do Relatório Final, cujo teor é o seguinte:
“(…)

Relatório Final
V. art.º 54° do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores quo Exercem Funções Publicas, aprovado pela Lei 58/2008 de 9 de Setembro.

Por despacho da Ex.ma. Sra. Directora - Geral dos Serviços Prisionais de 2008.12.30. exarado a fls. 11, do presente processo, foi determinada a instauração de procedimento disciplinar contra o guarda prisional DSJD, a exercer funções no Estabelecimento Prisional de PF, por haver indícios de violação de deveres funcionais, nomeadamente lhe ter sido imputado a prática de factos que configuram uma agressão perpetrados na pessoa de um recluso daquele E.P.

Nestes termos e na qualidade de instrutora nomeada, após cumprimento do disposto no art.º 39º n.º 3 do Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008 de 9 de Setembro procedeu-se à inquirição das testemunhas JBGC. RFRF, AGS, DCP, JCC, PMFT - cfr. fls. 43, 44, 45, 47 47, 48, 49, 50, 51. 88, 69, 71 e 72 e ao interrogatório do arguido sob tutela disciplinar - cfr. fls. 73, 74 e 75.

Juntaram-se cópias do Certificado de Registo Biográfico e Disciplinar do arguido, bem como Nota de Remunerações Certas e Permanentes auferidas pelo mesmo - cfr. fls, 18 a 22.

Foi junto aos autos, a carta subscrita pelo recluso JBGC as suas declarações prestadas âmbito interno bem como a participação do arguido e do chefe de guardas ES – cfr. fls. 2 a 9.

Nos termos do disposto no Estatuto Disciplinar, nomeadamente no art 48° n.° 2, deduziu-se acusação nela se atribuindo ao arguido a prática de infracção disciplinar por violação do dever geral de correcção e dos deveres especiais, a que estava vinculado por força do preceituado nas disposições combinadas dos artigos 3, n.°s 1 e 2 al. h) e 10 do Estatuto Disciplinar e dos artigos 2, 7 al. c) e 31 n º 1 al. a) e i) do Estatuto Profissional da Carreira do Corpo de Guardas Prisionais.
A título de sanção, foi indicada a aplicação ao arguido da pena disciplinai de multa, nos termos do preceituado no art. 16º al, c) do referido Estatuto Disciplinar.
O arguido apresentou a sua defesa escrita em tempo, através da sua Ilustre Mandatária e nos termos constantes do respectivo articulado de fts.100 a 105 e que aqui damos por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Além do mais requereu a inquirição das seguintes testemunhas PMFT e JCC guardas prisionais a exercerem funções no Estabelecimento Prisional de PF
*
Analisando agora, os argumentos invocados, verificamos, que o arguido impugnou os factos descritos na acusação relatando outra versão e imputando ao recluso JBGC a adopção de um comportamento incorrecto pela utilização de linguagem injuriosa, nomeadamente a expressão "o que queres caralho?" dirigida ao arguido, expressão esta entendida pelas testemunhas indicadas pela defesa.
O arguido considerou ainda, ter pautado o seu desempenho profissional de modo a garantir o cumprimento dos seus deveres nomeadamente de ordem e segurança, invocando o seu bom desempenho profissional reconhecido quer pela hierarquia quer pelos demais colegas, pessoal civil e reclusos,
Em relação á circunstância dirimente alegada pela defesa, pese embora o arguido estar a cumprir o dever de garantir a segurança e a ordem no estabelecimento prisional isso não implica que tivesse de usar a denunciada força uma vez que para tal garantia, esta era dispensada.
Resulta assim evidente que a contestação apresentada pelo arguido e, bem assim, as diligências realizadas em sede de defesa não lograram invalidar os fundamentos da acusação apesar de se apurar que o recluso adoptou, igualmente, uma conduta incorrecta quando proferiu a expressão mencionada.
Termos em que reiteramos o enquadramento factual e jurídico que presidiu á dedução da acusação, dando-se, por conseguinte, provados os seguintes factos.
Dos factos
I- DOS FACTOS
1 - DSJD. é guarda da carreira do Corpo da Guarda Prisional do Quadro da Direcção Geral dos Serviços Prisionais, a exercer funções no Estabelecimento Prisional de PF, integrado no serviço de segurança e vigilância.
2 - No dia 09.11.2008, entre as 17:00 horas e as 17:30 horas, no pátio que dá acesso á enfermaria do Estabelecimento Prisional de PF, o arguido ordenou ao recluso n.° 7…, JBGC, que ali se encontrava para a toma medicação, que se dirigisse para junto da primeira porta - cfr. fls. 5 e 7.
3 - Como o referido recluso contestou a ordem que lhe foi dada pelo arguido, por considerar encontrar-se no local correcto de espera para a toma da medicação, o arguido empurrou o recluso e disse-lhe “sai… sai” - cfr. fls. 5 e 7.
4 - Após breve troca de palavras entre ambos, o arguido desferiu um murro na face do recluso e deu-lhe um pontapé - cfr. fls. 5, 7 verso, 44. 49 e 50.
5 - E, em tom de desafio perguntou ao recluso se queria ir para o pátio, arrancando a placa de identificação da farda e oferecendo-a ao recluso - cfr. fls. 45, 47, 49, 51.
6 - O recluso JBGC não reagiu, dirigindo-se de imediato para a enfermaria - cfr. fls. 7 verso.
7 - Quando o recluso saiu da enfermaria o arguido dirigiu-se junto daquele e, pediu-lhe desculpa pelo sucedido - cfr. fls. 5, 7 verso, 44
8 - No dia seguinte, no, volta da hora do almoço, o arguido dirigiu-se ao 3° piso Norte, da Ala "A” à procura do recluso JBGC, para lhe entregar um maço de tabaco, contudo este não aceitou ­cfr. fls. 5 e 47.
9 - O arguido agiu livre, consciente o deliberadamente, no local de serviço e no exercido de funções.
10 - Bem sabia o arguido, que a conduta descrita era proibida e que violava deveres funcionais e que agia perante um recluso, pessoa sujeita á sua vigilância.
12 - O arguido demonstrou uma má compreensão dos seus deveres funcionais, a que está vinculado por lei, bem como das instruções dos seus superiores hierárquicos
13- Ao agir da forma descrita o arguido incorreu na prática de uma infracção disciplinar.
II - DA SUBSUNÇÃO E SANÇÃO LEGAL
14 - Com a conduta descrita, o arguido violou o dever geral de correcção, previsto no art 3°, nºs 2 al. h) e 10 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, aprovado pela Lei n ° 58/2008 de 9 de Setembro.
15 - Tal conduta é abstractamente punível com pena de multa nos termos do disposto na alínea d) do art.º 16 do referido Estatuto Disciplinar
III - DAS ATENUANTES E AGRAVANTES
16 - O arguido é primário porquanto na nota biográfica não se encontra averbada nenhuma pena disciplinar - cfr, fls. 22.
*
A escolha e medida da pena devem obedecer aos critérios consignados no artigo 20º da Lei nº 58/2008, de 09/09.
Assim, considerado o circunstancialismo fáctico em que ocorreu a infracção e ponderadas todas as circunstâncias que militam a favor do agente da infracção, bem como a inexistência de circunstâncias agravantes especiais, pese embora, sendo o arguido um guarda prisional e por isso, era-lhe devido um comportamento mais exigente no exercício da função, tendo em conta o estatuído no artigo 20º da Lei 58/2008 de 09/09, entendo que estão reunidas as circunstancias para a atenuação extraordinária da pena nos termos do artigo 23° do referido diploma.

A atenuação extraordinária da pena resulta do exercício de livre valoração das circunstâncias atenuantes provadas na ponderação da culpa. E uma faculdade discricionária da autoridade que detém o poder de punir, decorrente da liberdade de julgamento desta condicionada pela existência de circunstâncias atenuantes que diminuam substancialmente a culpa do arguido (ac. STA de 16/01/90, BMJ 363­637 e ac. STA de 20/11/90. Ap. DR de 22/03/95, 6737).
No caso, concorrem circunstâncias especiais, como a provocação, que constitui uma atenuante da pena diminuindo substancialmente a culpa do autor da prática da infracção.
Em face do exposto, afigura-se-me ser de propor a aplicação de uma pena de escalão inferior.
Assim pelas apontadas razões de facto e de direito proponho seja aplicada ao guarda prisional DSJD a pena de repreensão escrita, conforme o estatuído nos artigos 9. n.° 1. al. a), 15.º 23º, do Estatuto Disciplinar (Lei n° 58/2009, de 9 de Setembro), porquanto tal pena afigura-se-me justa, adequada e susceptível de realizar as exigências de prevenção aqui atinentes.
Concluam-se os autos á Exma. Sra. Inspectora Coordenadora, a fim de ser emitido parecer.
Santa Cruz do Bispo, 14 de Junho de 2010.

(…)” (cfr. fls. 188 a 194 do processo administrativo apenso, volume 2, cujo teor se considera aqui como inteiramente reproduzido);

15) Em 30/06/2010, o Director-Geral dos Serviços Prisionais aplicou ao A. a pena disciplinar proposta pelo instrutor do processo disciplinar, nos termos do descrito no ponto 14 deste probatório, concretamente, a pena de repreensão escrita nos termos dos art.ºs 9º, n.º 1, al. a), 10º, n.º 1, 15º e 23º do Ed, Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro (cfr. fls. 196 do processo administrativo apenso, volume 2, cujo teor se considera aqui como inteiramente reproduzido);

16) O A. foi notificado da decisão descrita no ponto anterior em 30/06/2010, (cfr. fls. 203, frente e verso, do processo administrativo apenso, volume 2, e cujo teor se considera aqui como integralmente reproduzido);

17) Tendo sido interposto recurso hierárquico da decisão punitiva descrita nos pontos 14 e 15 deste probatório, pela Ministra da Justiça foi proferida, em 09/12/2011, decisão de indeferimento, que se estribou nos pareceres/informações que constam de fls. 95 a 97 e 103 a 106 dos presentes autos- suporte físico, e cujo conteúdo se considera como inteiramente reproduzido nesta sede.

Em sede de motivação o Tribunal consignou que “fundamentou a sua convicção, quanto aos factos que descreveu nos pontos do probatório, essencialmente nos elementos documentais que integram o processo instrutor que se encontra apenso aos presentes autos, bem como em documentos constantes destes, sendo que se cuidou de realizar uma indicação individualizada e expressa, em cada factualidade, dos elementos documentais em que se fundamenta.
De resto, importa salientar que os elementos documentais citados, integrantes do processo administrativo apenso e dos presentes autos, não foram objecto de impugnação.”
X
DE DIREITO
Está posto em crise o acórdão do TAF do Porto que julgou procedente a acção, anulou os actos proferidos pelo R. em 30/06/2010 e 09/12/2011, através dos quais foi aplicada e mantida ao A. a pena disciplinar de repreensão escrita, por ocorrência de vício de erro nos pressupostos de direito e de violação dos princípios da culpa e do in dubio pro reo.

O Recorrente assaca ao acórdão os seguintes vícios:

nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, por contradição entre os fundamentos e a respetiva decisão e por omissão de pronúncia, nulidades essas previstas no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do novo CPC e, bem assim, erros de julgamento de direito.
Cremos que não lhe assiste razão.
Antes, porém, deixa-se transcrito o seu discurso jurídico fundamentador:
“No caso que agora se aprecia, vem peticionada a anulação do acto que puniu o A. com pena de repreensão escrita, especificamente, do acto proferido em 09/12/2011 que manteve a aplicação da pena disciplinar descrita ao A..
Por conseguinte, impera indagar, se o acto punitivo em causa padece de invalidade derivada da existência de erro nos pressupostos de facto, bem como determinada pela violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo.
Com efeito, defende o A. que a decisão punitiva é ilegal estribando tal posição, essencialmente, na negação de qualquer agressão perpetrada ao recluso em questão, sendo certo que este se dirigiu ao A. de modo inadequado, desrespeitoso e insultuoso. Por esta razão, afirma o A. que, uma vez que não praticou os factos em que se esteia a punição, a sua conduta não pode ser subsumida na violação de qualquer dever e, portanto, não ocorre infracção disciplinar.
Por sua banda, o R. mantém que a prática dos factos e da infracção pelo A. se encontra cabalmente demonstrada no procedimento disciplinar e fundamentada no relatório final em que se esteia o acto punitivo.
Ora, esclareça-se, neste ensejo, que a tese urdida pelo A. nas suas peças processuais se reconduz, em síntese, à afirmação de que, por um lado, o A. não praticou os factos que suportam a punição- ou seja, as agressões ao recluso- e, por outro lado, da instrução do processo disciplinar não resulta qualquer demonstração de que o A. tenha praticado os factos pelos quais foi acusado e punido disciplinarmente. Quer isto dizer, portanto, que os diversos enquadramentos jurídicos que o A. vai identificando remetem, em bom rigor, para a mesma questão.
Elencadas as posições avançadas pelas partes quanto à temática agora em escrutínio, releva explicitar que, no que concerne à ilegalidade do acto punitivo relacionada com a materialidade dos factos que são considerados provados, a Jurisprudência tem vindo a descortinar três vias de afronta à punição. Com efeito, pode a ilegalidade da punição derivar da errada valoração das provas produzidas no procedimento disciplinar- no sentido de que aquelas não permitem a formulação de uma convicção segura e inatacável quanto à prática das infracções pelo arguido-, de erro quanto à materialidade dos factos- no sentido de que resulta do processo disciplinar factos demonstrativos do não cometimento da infracção- e de défice instrutório- no sentido de que no procedimento disciplinar se realizou uma recolha de prova aquém daquela que se impunha face aos elementos disponíveis e necessários. Na primeira das elencadas situações a decisão disciplinar enferma de erro de direito, sendo que a segunda coloca o problema ao nível do erro de facto. Finalmente, a última das mencionadas introduz a querela do défice de instrução da respectiva fase procedimental.
Nesta sede, entendemos reproduzir, na parte que releva, o teor da Jurisprudência firmada pelo Tribunal Central Administrativo Norte no Acórdão editado em 27/01/2011, no processo 827/07.2BEPRT, porque esclarecedora do que vem de se expôr:
“(…)
3. O recorrente pretende o reexame da sentença recorrida nas três questões que motivaram a impugnação contenciosa da sanção disciplinar que lhe foi aplicada: nulidade da decisão sancionatória por violação do contraditório, dado ter havido alteração substancial entre a factualidade constante da acusação e a constante da matéria dada como provada no relatório final; reapreciação e alteração da matéria de facto provada que serviu de base à aplicação da sanção; errado enquadramento jurídico dos factos.
Em rigor, só as duas primeiras questões importam considerar, pois a terceira é colocada pelo recorrente no pressuposto de que não se provam os factos em que se fundamenta o acto impugnado. Se não se provam tais factos, naturalmente que a subsunção jurídica dos mesmos nos ilícitos disciplinares pelos quais foi aplicada a sanção disciplinar enferma de erro de direito. Mas se há erro nos factos, é esse erro que releva autonomamente como fundamento invalidante do acto e não o erro de direito. A provarem-se os factos, então está correcta a integração dos mesmos na violação dos deveres funcionais de zelo e de isenção. (…)”
E mais adiante,
“(…)
O que o recorrente põe em causa não é a fase de produção de prova procedimental, a existência de algum deficit de instrução, mas apenas a fase da apreciação da prova, actividade que tem por fim extrair de cada um dos meios de prova o máximo de conclusões com o máximo de probabilidades e do conjunto do material probatório uma determinada conclusão. Produzida a prova, o órgão instrutor deve fazer uma interpretação das provas, dizendo o que se deve concluir delas, e uma avaliação ou valoração, indicando qual o grau de probabilidade que reveste essa conclusão.
Dada a natureza inquisitória do procedimento disciplinar e em conjugação com o princípio da verdade real (cfr. arts. 56º e 86º do CPA), em regra, nesta fase vigora o princípio da livre apreciação das provas, segundo o qual o órgão instrutor tem a liberdade de, em relação aos factos que hajam servir de base à aplicação do direito, os apurar e determinar como melhor entender, interpretando e avaliando as provas de harmonia com a sua própria convicção.
Todavia, esta “liberdade probatória” não é total e completa, pois evidentemente que está condicionada pela finalidade de se obter o mais elevado grau possível de aproximação à verdade. O instrutor não pode avaliar as provas simplesmente segundo as suas opiniões individuais, mas segundo as regras da verdade histórica e com fundamentação da decisão. A «livre convicção», sob pena de não ter qualquer conteúdo lógico, não significa ausência de motivos de convicção, mas apenas que o juízo em que se traduz a apreciação não decorre directamente de regras legalmente impostas.
O condicionamento da ampla zona de liberdade probatória pelo fim de se obter a verdade material, conduz necessariamente à revisibilidade jurisdicional do juízo efectuado pelo órgão instrutor ou decisor sobre a apreciação e valoração das provas. O tribunal não está vinculado à apreciação que esse órgão tenha feito das provas recolhidas. O juiz fará o seu próprio juízo a propósito dos factos e elementos que o processo forneça, certamente persuadido racionalmente por uma positiva convicção de que os factos ocorreram muito provavelmente de uma certa maneira.
Mas, se o princípio da livre apreciação das provas confere ao órgão decisor do procedimento o poder de basear a sua decisão numa íntima convicção livremente formada sobre o exame e avaliação dos motivos probatórios reunidos no processo, a actividade do tribunal não pode limitar-se a substituir essa convicção pelo íntimo convencimento do juiz. Na apreciação das provas, não se trata de decidir através da impressão ou intuição que se tem, mas segundo a persuasão racional que o órgão administrativo tem das provas recolhidas através do processo. A autonomia que o órgão administrativo tem na apreciação das provas está pois submetida a um princípio de racionalidade, cuja violação é controlável pelo tribunal.
A função de controlo judicial limita-se assim a detectar se a apreciação das provas tem uma base racional, se o valor das provas produzidas foi pesado com justo critério lógico, não enfermando de erro de facto ou erro manifesto de apreciação. (negro nosso)
É através da fundamentação da decisão que se deve averiguar se a valoração das provas está racionalmente justificada e se ela é capaz de gerar uma convicção de verdade sobre a prática dos ilícitos disciplinares imputados ao recorrente.
Deve começar por se dizer que não é através do poder de modificação da matéria de facto previsto no artigo 712º do CPC que o tribunal de recurso poderia dar como não provados os factos indicados nos pontos 3.15, 3.1.6, 3.1.7, 3.1.10 e 3.1.11 do relatório final. O tribunal a quo limitou-se a dar por reproduzido o teor do relatório final, e por isso, se há erro nos factos aí dados como assentes, tal o erro repercute-se imediatamente na validade do acto impugnado, sem qualquer necessidade de alterar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto.
(…)”.
Ressaltamos, também, o expendido pela mesma Instância no Acórdão prolatado em 20/01/2012, no processo 851/07.5BEPRT:
“(…)
IV. No processo disciplinar, à semelhança do que sucede no processo penal, o ónus da prova dos factos constitutivos da infração cabe ao titular do poder disciplinar, sendo que nele o arguido assume uma posição de sujeito processual e não dum seu mero objeto.
V. É que o arguido não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada dado o ónus da prova dos factos constitutivos da infração impender sobre o titular do poder disciplinar, sendo que um “non liquet” em matéria de prova terá de ser resolvido em favor do arguido por efeito da aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do “in dubio pro reo”.
VI. Além disso a condenação deve assentar ou estribar-se em provas que permitam um juízo de certeza, uma convicção segura que esteja para além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados. É que no processo sancionador a prova da prática da infração que é exigida deve ser conclusiva e inequívoca no sentido de que o sancionado é o autor responsável, não podendo impor-se uma sanção com base em simples indícios, presunções ou conjeturas subjetivas.
VII. Por outro lado, na fixação dos factos que funcionam como pressupostos de aplicação das penas disciplinares a Administração não detém um poder insindicável em sede contenciosa, porquanto nada obsta a que o julgador administrativo sobreponha o seu juízo de avaliação àquele que foi adotado pela Administração, mormente por reputar existir uma situação de insuficiência probatória [cfr. Ac. STA de 28.06.2011 - Proc. n.º 0900/10 in: «www.dgsi.pt/jsta»].
(…)
X. Na verdade, a prova coligida no processo disciplinar deve legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputada ao arguido, para além de toda a dúvida razoável, podendo e devendo concluir-se que no caso vertente a deliberação disciplinar punitiva se mostra inquinada de erro sobre os pressupostos de facto como ali se considerou.
XI. Essa é a convicção que no caso emerge e se deve extrair do acervo factual dos autos disciplinares em referência no que tange à prova da aludida factualidade essencial integradora da imputação ao A., ali arguido, que está em causa, já que a prova coligida no processo disciplinar não nos permite fundar ou formular, para além de toda a dúvida razoável, uma convicção segura/certeza apodítica da prática dos factos que ao mesmo são imputados.
(…)
XVIII. O juízo que é imposto e se exige nesta sede reclama uma objetivação que encontre justificação cabal e idónea em elementos probatórios que, “de per si”, sejam suscetíveis de afastar toda a dúvida razoável, não podendo para sustentar determinada imputação de ilícito disciplinar aceitar-se, sem mais, elementos probatórios (prova testemunhal como a acima aludida) que assentam unicamente naquilo que foi o relato, que presenciaram ou lhes foi comunicado, por testemunha, testemunha essa cujas versões sobre os factos alegadamente ocorridos não se mostram coincidentes e sem que se haja apurado/esclarecido com suficiência qual desses depoimentos corresponde, eventualmente, à verdade.
XIX. Tais depoimentos e consequente prova não se mostram como suficientes e bastantes para corporizarem base idónea para um juízo de certeza, de segurança, que se reclama neste âmbito, pelo que deve concluir-se que, no caso vertente, a deliberação disciplinar punitiva se mostra inquinada de erro sobre os pressupostos de facto tal como foi considerado pela decisão judicial impugnada.
XX. Como na mesma se alude, citando acórdão do STA de 07.06.2005 (Proc. n.º 0374/05 in: «www.dgsi.pt/jsta»), a “… «prova dos factos integrantes da infração disciplinar cujo ónus impende sobre a entidade administrativa que exerce o poder disciplinar, através do instrutor do processo, tem de atingir um grau de certeza que permita desferir um juízo de censura baseado em provas convincentes para um apreciador arguto e experiente, de modo a ficar garantida a segurança na aplicação do direito sancionatório», segurança essa que, …, não se encontra garantida, dado a prova coligida no processo disciplinar não legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao arguido, pelo que, assim não sucedendo … a deliberação impugnada deve ser anulada …”.
(…)”.
Postos estes considerandos, impõe-se proceder à análise do relatório final elaborado pelo instrutor do procedimento disciplinar, por forma a aceder à fundamentação da decisão de punir o A. e, assim, perscrutar quais os pilares em que o R. fundamentou a decisão punitiva e quais as infracções disciplinares que a dita visa sancionar.
No relatório final (descrito em 14 do probatório reunido) é imputada ao A. a violação do dever geral de correcção, previsto no art.º 3º, n.ºs 2 al. h) e 10º do ED. Tal violação dimana dos factos descritos na mesma peça, concretamente, do descrito no ponto 4- após breve troca de palavras entre ambos, o arguido desferiu um murro na face do recluso e deu-lhe um pontapé-, bem como no ponto 5- e, em tom de desafio perguntou ao recluso se queria ir para o pátio, arrancando a placa de identificação da farda e oferecendo-a ao recluso
É assim, com base na descrição sucinta, mas rigorosa, que vem de se explanar, que importa apreciar e decidir se o instrutor procedeu à apreciação objectiva, crítica e racional da prova produzida em sede de procedimento disciplinar, e se tal prova permite ancorar a convicção séria, racional e inatacável de que o agora A. praticou as infracções pelas quais foi punido.
Ora, desde já se avança, que o modo como o instrutor do procedimento disciplinar fundamentou a sua convicção relativamente aos meios probatórios existentes revela-se censurável e, por isso, ilegal, uma vez que assoma à evidência que o dito instrutor não procedeu à apreciação crítica das provas produzidas, à luz de critérios de racionalidade objectiva e com justo critério lógico, antes se demitindo, na verdade, de realizar uma apreciação lógica e racional das provas em confronto, explanando as razões da valorização e/ou da desvalorização das mesmas. Principalmente, tendo em conta que no processo disciplinar militam valores relacionados com o direito de defesa, o princípio da culpa, o princípio da proporcionalidade e o princípio in dubio pro reo que implicam a efectiva e casuística apreciação dos elementos probatórios disponíveis e criteriosa ponderação dos mesmos.
Adite-se, também, que do exame dos factos vertidos no relatório final verifica-se que os mesmos constituem, basicamente, a repetição, ipsis verbis, do que consta da acusação.
Mas vejamos cada a constelação fáctica que é imputada ao A. e que sustentam a conclusão de que o mesmo violou o dever geral de correcção, violação esta determinante da aplicação da pena de repreensão escrita.
Ao A. é, como já se referiu antecedentemente, assacado o cometimento de uma agressão física ao um recluso, corporizada pelo desferimento de um murro na face e um pontapé.
Sucede, contudo, que não conseguimos alcançar qualquer razão racional e objectiva para que o instrutor tenha assumido tal factualidade como demonstrada, pois que, em bom rigor, se é certo que a ocorrência de tais factos é afirmada pelo próprio recluso alegadamente agredido e pelos reclusos RFRF, AGS e DCP, também é igualmente certo que o agora A. e os guardas prisionais JCC e PMFT rejeitam peremptoriamente a ocorrência de tal agressão (cfr. pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 12 e 13 do probatório coligido).
Ora, perante tal flagrante contradição de depoimentos, impunha-se ao instrutor do procedimento disciplinar que, pelo menos, ensaiasse uma fundamentação apta a credibilizar a versão por si escolhida e patenteada no relatório final como a correspondente à verdade histórica, descredibilizando, do mesmo passo, o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pelo A. em sua defesa. Porém, o instrutor demitiu-se de explanar a sua convicção e juízo crítico quanto às provas produzidas.
Ressalte-se, a este propósito, que o instrutor do processo, em momento imediatamente à enunciação dos factos que imputa ao A., se limita a consignar que “resulta assim evidente que a contestação apresentada pelo arguido e, bem assim, as diligências realizadas em sede de defesa, não lograram invalidar os fundamentos da acusação apesar de se apurar que o recluso adoptou, igualmente, uma conduta incorrecta quando proferiu a expressão mencionada”. Na verdade, perscrutado o relatório final, verifica-se que é apenas no excerto acabado de transcrever que o instrutor do procedimento exara a sua convicção no que tange à materialidade dos factos.
Ora, no que se refere à parte transcrita, que é a que explicita- pelo menos no entendimento do instrutor- a razão porque, atendendo à totalidade da prova produzida, deve prevalecer aquele específico conjunto de factos como provados, impera esclarecer dois aspectos fulcrais.
Em primeiro lugar, o entendimento vertido pelo instrutor apresenta-se como violador do princípio da presunção da inocência e ilustra um entendimento equívoco quanto ao ónus da prova. Efectivamente, não impende sobre o arguido em processo disciplinar o encargo de demonstrar que não praticou os factos que lhe são imputados, mas antes impende sobre o instrutor do procedimento o dever de demonstrar cabalmente, para além de qualquer dúvida lógica ou racional, que o arguido praticou realmente os factos que lhe são assacados. Sendo assim, como é bom de ver, não recaía sobre o agora A. qualquer dever de invalidar os fundamentos da acusação. Porém, já recaía sobre o instrutor “invalidar os fundamentos apresentados pelo A. em sua defesa”.
Em segundo lugar, diga-se que, o segmento transcrito assoma, cristalinamente, como omisso quanto à exposição da análise e ponderação crítica, racional e lógica das provas que compõem a totalidade da actividade instrutória realizada no procedimento disciplinar. Realmente, registando-se duas versões completamente diferentes e antagónicas dos factos, não resulta minimamente perceptível a motivação do instrutor na selecção da versão factual que exarou no relatório final.
Em concomitância, verificados cuidadosamente os depoimentos das testemunhas, apresenta-se forçosa a conclusão de que a factualidade que consta do relatório final tem âncora, somente, nos depoimentos dos reclusos. Todavia, dos sobreditos depoimentos também não deriva qualquer razão, ainda que minimamente indiciadora, de que a versão dos factos narrada pelo recluso participante e pelos demais reclusos que prestaram depoimento é a que corresponde à verdade ôntica. De resto, ressalte-se que os depoimentos prestados pelos reclusos, e considerando o que foi registado, se apresentam como vagos e conclusivos, realçando-se a omissão de factos ou o enquadramento da situação que originou o presente processo disciplinar, bem como a absoluta ausência de qualquer circunstancialismo que pudesse justificar a sobreposição destes depoimentos, em termos de credibilidade, aos depoimentos prestados pelo próprio A. e pelas testemunhas guardas prisionais.
Quer isto significar, portanto, que a nosso ver, nunca o manancial probatório que integra o processo disciplinar é apto ou suficiente para fincar os factos que o instrutor afirma que se encontram demonstrados, em termos de criar uma convicção de verdade sobre a prática do ilícito disciplinar que é imputado ao A.. Por isso, não pode deixar de se concluir que a decisão punitiva padece de erro de direito, concretamente, erro de julgamento, reconduzido ao erro de apreciação, valoração e ponderação da prova produzida.
Ponderando a argumentação aduzida pelo A., verifica-se ainda que o mesmo clama que, quer porque não praticou os factos pelos quais foi punido, quer porque se limitou a cumprir o dever de manter a ordem e o respeito, inexiste conduta infractora. Ora, tal argumento reconduz-se, em bom rigor, à imputação ao acto punitivo de erro quanto aos respectivos pressupostos factuais, ou seja, à afirmação de que a decisão agora em crise assenta num conjunto de factos que não têm correspondência ontológica. Sucede que, por razões idênticas às convocadas para firmar a existência de erro de direito, não pode este Tribunal afirmar que a factualidade imputada ao A. se não verificou. É que, não se olvide que a versão narrada pelas testemunhas guardas prisionais, e que abona a posição do A., é frontalmente contraditada pelos depoimentos dos reclusos, sendo certo que o que se encontra registado nos depoimentos daquelas testemunhas também não fornece qualquer elemento que permita conferir maior credibilidade aos depoimentos destas, isto é, aos dos guardas prisionais. E, assim sendo, não resultando inequivocamente demonstrada a versão dos factos relatada pelo agora A., é manifesto que também não é possível afirmar a ocorrência de erro nos pressupostos de facto do acto punitivo. E, por esta razão, improcede a alegação deste vício.

O A. vem ainda clamar que o acto sob apreciação é ilegal por violar os princípios da presunção da inocência, do in dubio pro reo e da justiça. Assenta tal invocação na afirmação de que não violou o dever geral de correcção.
Ora, considerando e ponderando tudo o que já se expendeu, propendemos claramente no sentido de que o acto punitivo viola os princípios da presunção da inocência, do in dubio pro reo, dado que, não resultando inequívoco, face às provas produzidas, que o A. praticou os factos que lhe eram imputados, a dúvida não poderia deixar de beneficiar a posição do A., isto é, o procedimento disciplinar deveria ter terminado com uma decisão de arquivamento (a este propósito, e com mais desenvolvimento, veja-se os Acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 09/11/2011 e em 20/01/2012, nos processos 93/06.7BEVIS e 851/07.5BEPRT, respectivamente).
No que concerne ao princípio da justiça, mencione-se que o A. se limita a convocar a violação do mesmo de modo conclusivo, não cuidando de explicitar ou substanciar qual o conteúdo da violação. Daí que, tal imputação deva ser julgada improcedente.

Desta feita, é inequívoco que, padecendo os actos emitidos em 09/12/2011 e em 30/06/2010- que congregam a punição aplicada ao A.- de erro nos pressupostos de direito e de violação dos princípios da culpa e do in dubio pro reo, não pode o mesmo manter-se, devendo proceder-se à respectiva anulação.”
X
DAS NULIDADES
Dispõe o actual artigo 615.º, n.º 1, (artigo 668.º, n.º 1, do anterior CPC), que os casos de nulidade das decisões judiciais são os aí previstos e enumerados taxativamente.
Ora, da análise dos citados preceitos, verifica-se que existem causas de nulidade formais, vide a contemplada na al. a) do seu n.º 1 e, ainda, outras causas de cariz material, atinentes ao conteúdo da própria decisão, estas últimas especificadas nas alíneas b) a e), do mesmo n.º 1.
Dispõe este n.º 1, nos segmentos que ora nos interessam, que “É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (...)”.
A sentença (acórdão) é uma decisão jurisdicional proferida pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses (públicos e/ou privados) no âmbito das relações jurídicas.
Como afirmava o Prof. A. Anselmo de Castro “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, págs. 92/93) “(…) A sentença é a forma típica da providência através da qual o juiz decide, no todo ou em parte, o litígio que lhe foi proposto. Conceitual e historicamente, a sentença representa o acto jurisdicional por excelência, aquele em que se traduz na sua forma mais característica a essência da
jurisdictio: o acto de julgar. Constitui, assim, um acto de autoridade, dotado de força vinculativa, enquanto formulação da vontade normativa do Estado para o pleito deduzido em juízo.”
Segundo a lição do Prof. J. Castro Mendes “Direito Processual Civil”, II vol., revisto e actualizado, págs. 793 a 811) os vícios de que podem enfermar as decisões judiciais reconduzem-se a cinco tipos:
a)Vícios de essência;
b)Vícios de formação;
c)Vícios de conteúdo;
d)Vícios de forma;
e)Vícios de limites.
Os primeiros são “(…) aqueles que, atingindo a sentença nas suas qualidades essenciais, a privam até da aparência de acto judicial, e dão lugar à sua inexistência jurídica. (…)”.
Esta, nas palavras ainda daquele Professor, pode verificar-se “ pelas seguintes razões:
-Falta de poder jurisdicional do judicante;
-Falta de forma em termos de não haver sequer aparência social de sentença;
-Oposição entre o conteúdo da decisão (independentemente dos seus fundamentos) e a lei (sentença contra direito, (…) de objecto impossível:

-Absoluta ininteligibilidade da sentença. (…).”
Quanto aos vícios de formação e seguindo aqui uma vez mais a lição do Prof. J. Castro Mendes os mesmos prendem-se com os vícios como o do erro e o da coacção.
Já os vícios de conteúdo são “(…) vícios na própria decisão em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam. São os
erres in judicando dos antigos.
Os vícios de conteúdo são de três espécies:
a)Falta de clareza (“obscuridade ou ambiguidade” (…));
b)Erro material;
c)Erro judicial. (…).”
Os vícios de mera forma (v.g., emissão de decisão após instrução mas antes da audiência final) ficam sujeitos ao regime das nulidades de processo nos termos dos artºs 201º e seguintes do CPC.
Por fim os vícios de limites existem “(…) quando a decisão, porventura formalmente regular e contendo só afirmações exactas e verdadeiras, não contém o que deveria conter ou contém mais do que devia.”
Estes últimos vícios estão vertidos no citado artº 668º (actual artº 615º), constituindo um dos valores jurídicos negativos da sentença, a par da inexistência jurídica e da revogabilidade em sede de recurso jurisdicional.
Com efeito, a sentença conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para aquele caso concreto, pelo que a mesma pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito:
-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artº 668º do CPC.
Pede-se ao juiz:
-)Que fixe, em primeiro lugar, os factos da causa (premissa menor);
-Que interprete e aplique depois a lei aos factos (premissa maior);
-Que enuncie, por fim, a decisão (conclusão).
Quer dizer, quer-se que inicie o seu trabalho de construção da sentença pela emissão da premissa menor (os factos da causa).
Porquê?
Pela razão simples de que, enquanto não estiverem definidos e apurados os factos da lide, não pode saber-se qual é o enquadramento legal que convém a esses factos e, consequentemente, qual a regra ou regras de direito que o juiz há-de interpretar e aplicar. A pesquisa e enunciação da premissa maior pressupõem que já estão devidamente estabelecidos os contornos do caso concreto, da espécie particular que se pretende decidir.
(…) Sendo assim, está bem de ver que o primeiro trabalho do juiz tem de ser, logicamente, a fixação da espécie concreta; da massa, por vezes, enorme de materiais acumulados pelas partes o juiz há-de extrair os factos característicos do caso concreto e há-de, em seguida, verificar quais desses factos devem considerar-se provados. Mediante estas primeiras operações chega ao seguinte resultado: definição ou reconstituição da situação de facto (…).
Só depois de fixar a espécie concreta, só depois de apurar os factos da causa, isto é, depois de observar e recolher os sintomas, é que pode pensar em submeter esses factos ao tratamento jurídico adequado, em fazer o diagnóstico jurídico que se ajusta aos sintomas observados e recolhidos. (…)” “Código de Processo Civil Anotado” vol. V, reimpressão, págs. 25 e segs.).
Também o Prof. Lebre de Freitas sustenta “(…) A sentença compõe-se de três partes: relatório, fundamentação e decisão.
No relatório, o juiz identifica as partes e enuncia os pedidos deduzidos e as respectivas causas de pedir, bem como as excepções suscitadas e aquelas de que ao tribunal cumpre oficiosamente conhecer.
Na fundamentação, o juiz discrimina os factos que considera provados, determina as normas jurídicas aplicáveis, interpreta-as e aplica-as, em obediência ao imperativo constitucional do artº 205º-1 CRP (…).
Na decisão, o juiz, consoante os casos, absolve o réu da instância ou responde ao pedido deduzido pelo autor, nele condenando o réu ou dele o absolvendo.
(…) A aplicação do direito pressupõe o apuramento de todos os factos da causa que, tidos em conta os pedidos e as excepções deduzidas, sejam relevantes para o preenchimento das previsões normativas, sejam elas de normas processuais, sejam de normas de direito material. (…)” “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 643)
Da conjugação dos normativos aludidos e à luz dos considerandos tecidos importa concluir que a lei exige, sob pena de nulidade, que a sentença (ou acórdão) contenha a discriminação dos factos que se consideram provados, sendo que tal discriminação significa separá-los, diferenciá-los, discerni-los, especificar e individualizar os factos a fim de se poderem distinguir e sobre eles poder assentar o regime jurídico adequado.”
Voltando à hipótese vertente, temos que o Tribunal recorrido considerou provados os factos elencados na motivação de facto da decisão recorrida sob os nºs 1) a 17).

Sucede que, conforme bem observa a Senhora PGA e o tribunal a quo, no despacho de sustentação do recurso, o Recorrente não logrou densificar onde residem e em que consistem as invocadas deficiências de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão e, bem assim, a omissão de pronúncia.
Na verdade, debruçando-nos sobre o caso posto, uma vez analisado o acórdão em crise, acima transcrito, imperioso se torna concluir que não padece das alegadas nulidades. Aliás, o próprio Recorrente termina o seu recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida e não pela declaração de nulidade ou anulação da mesma.
Da fundamentação fáctica e jurídica do acórdão recorrido, extrai-se que o Coletivo de Juízes o fundamentou, sucinta mas suficientemente, quer de facto, mediante a seleção da factualidade que reputou relevante para a solução a dar ao litígio, quer de direito, por recurso aos normativos legais aplicáveis, não se vislumbrando, pois, qualquer deficiência geradora da alegada nulidade. O mesmo acórdão explicitou a motivação da fundamentação de facto.
Por outro lado, o Recorrente não concretizou, suficiente e devidamente, e, de resto, não se vê, a ocorrência de qualquer contradição entre a fundamentação do aresto em análise e a decisão propriamente dita, sendo certo que é esta antinomia que releva, em ordem à verificação da arguida nulidade.
Além do mais, nem o Recorrente invoca, nem se detecta que ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
O tribunal desenvolveu todo o seu labor a partir da seguinte constatação: Assim sendo, convocando o princípio pro actione, e valorizando a primazia da decisão do mérito sobre a de cariz formal, importa indagar se o acto punitivo, mantido pela decisão que indeferiu o recurso hierárquico, padece dos vícios que o A. lhe aponta, ou seja, se ocorre erro nos pressupostos de facto em que se esteia o acto punitivo e se o mesmo viola os princípios da presunção da inocência, do in dubio pro reo e da justiça.
E continuou: Desta feita, é inequívoco que, padecendo os actos emitidos em 09/12/2011 e em 30/06/2010- que congregam a punição aplicada ao A,…., isto é, o acto apreciado foi o que aplicou a pena ao Autor (da autoria do instrutor do processo), que o membro do Governo se limitou a manter em sede de recurso hierárquico.
Contrariamente ao alegado, não se considerou a impugnabilidade do acto de segundo grau, nem se atentou contra as regras da inimpugnabilidade do acto confirmativo(1). Trata-se de um só acto apreciado em sede hierárquica («Na dogmática jurídico-administrativa portuguesa, no âmbito da conceptualização do acto administrativo, consideram-se "actos confirmativos" os actos que mantêm um acto administrativo anterior, exprimindo concordância com ele e recusando a sua revogação ou modificação» - ac. deste TCAN, de 26/06/2008, proc. 01113/06.0BEBRG. O acto confirmativo nada inova, antes mantém integralmente o acto anterior.
“Nos termos do art.º 51.º, n.º 1 do CPTA são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos.
O acto impugnado carece de autonomia funcional porque a lesão do direito da A., a existir, ocorre na altura da prática do acto confirmado, que lhe foi notificado em …… – neste sentido, cfr. Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho, in CPA, anotado e comentado, 5ª edição, pág. 560 e Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, pág. 452.
A impugnabilidade do acto confirmativo depende de o acto confirmado se ter tornado ou não oponível aos interessados. Assim, tendo sido notificado o acto confirmado – produzindo efeitos jurídicos externos – era este o acto susceptível de impugnação nos termos previstos no art.º 51.º, n.º 1 do CPTA (neste sentido cfr. Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentários ao CPTA, (2005) pág. 272.)

Ora, aqui não se põe a questão da excepção de inimpugnabilidade do acto administrativo impugnado, nos termos do artigo 89º, nº 1, al. c) do CPTA, ex vi nº 1 do artigo 51º, a contrario sensu, e artigo 53º, ambos do CPTA.

Na verdade, o Recorrente não apelou ao disposto no citado artigo 89º, n° 1, al. c).
Acresce que, nesta óptica, inexistiu, também, qualquer omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo.
Com efeito, na economia dessa concreta decisão, o tribunal emitiu pronúncia sobre todas as questões decidendas suscitadas, com interesse para a solução do litígio, sendo certo que, como é unanimemente reconhecido, não lhe incumbia pronunciar-se sobre os (todos os) argumentos aduzidos pelas partes, confirmando-os e/ou rebatendo-os.
O que vale por dizer que o Recorrente se limita a assacar verdadeiramente ao acórdão recorrido erros de julgamento e já não qualquer falta de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão e/ou omissão de pronúncia, vícios estes geradores de nulidade da peça processual visada.
Assim, na falta de quaisquer nulidades, o recurso improcederá quanto a este segmento.
DOS ERROS DE JULGAMENTO DE DIREITO
Veio, ainda, o Recorrente insurgir-se contra a interpretação e aplicação do direito efectuadas pelo tribunal, no que tange à julgada verificação dos vícios de violação de lei de que enferma a decisão disciplinar impugnada.
Ora, examinado o acórdão acima transcrito constata-se, mais uma vez, que o tribunal recorrido foi sucinto, mas certeiro, na análise das questões decidendas, merecendo, pois, a nossa total concordância no tratamento que lhes deu e na solução final do pleito, que se mostram conformes com a lei e o direito.
Sucede que, em relação à apreciação da prova pela entidade administrativa, no âmbito do processo disciplinar, o STA já firmou o entendimento pacífico de que a condenação disciplinar não exige uma certeza absoluta, sendo admissível à Administração usar de presunções naturais, desde que as mesmas sejam adequadas (vide, por todos, o acórdão do STA, de 21/10/2010, Proc. 0607/10).
Sem embargo, cabe ao Tribunal, face a todos os elementos legalmente admissíveis de que dispõe, formular um juízo sobre a conformidade com a realidade dos pressupostos de facto que a Administração teve em conta aquando da prolação do acto impugnado (acórdão do STA de 12/03/2009, Proc. 0545/08).
Acresce que “a função de controlo judicial limita-se (...) a detectar se a apreciação das provas tem uma base racional, se o valor das provas produzidas foi pesado com justo critério lógico, não enfermando de erro de facto ou erro manifesto de apreciação. É através da fundamentação da decisão que se deve averiguar se a valoração das provas está racionalmente justificada e se ela é capaz de gerar uma convicção de verdade sobre a prática dos ilícitos disciplinares imputados ao recorrente”. E do ac. deste TCAN de 27/05/2010, Proc. 00102/06.0 BEBRG(2) resulta “(...) dada a natureza inquisitória do procedimento disciplinar e em conjugação com o princípio da verdade real (cfr. arts. art. 93.º, n.º 1 da Lei n.º 145/99, de 1/9 e artigos 56.º e 86.º do CPA), em regra, vigora o princípio da livre apreciação das provas, segundo o qual o órgão instrutor tem a liberdade de, em relação aos factos que hajam servir de base à aplicação do direito, os apurar e determinar como melhor entender, interpretando e avaliando as provas de harmonia com a sua própria convicção. (...) O tribunal não está vinculado à apreciação que esse órgão tenha feito das provas recolhidas. O juiz fará o seu próprio juízo a propósito dos factos e elementos que o processo forneça, certamente persuadido racionalmente por uma certeza subjectiva e positiva convicção de que os factos ocorreram muito provavelmente de uma certa maneira”.
Ora, voltando ao caso em concreto, tal como sustentado pela decisão recorrida, temos que os autos não fornecem uma prova cabal, segura e convincente, da prática, pelo Recorrido, dos factos que lhe são imputados.
Com efeito, como bem observado no parecer do MP, perante duas versões contraditórias dos factos participados, cumpriria ao Réu/Ministério da Justiça explicitar o iter lógico-dedutivo que culminou no juízo que formou sobre a prática pelo Recorrido desses factos disciplinarmente puníveis, em detrimento do juízo oposto, ou seja, da sua desresponsabilização, consentânea com a versão carreada para os autos pelo próprio Recorrido e pelas suas testemunhas de defesa.
Só que o Réu, ora Recorrente não logrou tal desiderato. E, a ser assim, mostram-se efetivamente violados in casu os princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo, decorrentes do artigo 32.º, nºs 1 e 2(3) da CRP.
Já o princípio da justiça foi afastado uma vez que o A. se limitou a convocar a violação do mesmo de modo conclusivo, não cuidando de explicitar ou substanciar qual o conteúdo da violação.
Temos, pois, que não podem proceder as conclusões da alegação, elas sim ambíguas e pouco consistentes.
E, desta feita, será mantido o acórdão em referência que, contrariamente ao invocado, fez uma correta e adequada leitura da factualidade assente, subsumindo-a também de forma adequada à lei e aos referidos comandos constitucionais.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas a cargo do Recorrente.

Notifique e DN.

Porto, 20/05/2016
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
__________________________________
(1) …do art. 52.º, n.º 1 do CPTA resulta que a impugnabilidade dos atos administrativos não está dependente da forma sob a qual eles tenham sido praticados, sendo que os n.ºs 2 e 3 do aludido normativo têm de ser lidos em conjugação com o art. 53.º do CPTA na medida em que os mesmos introduzem desvios ou exceções a esta regra tradicional de que não são suscetíveis de impugnação os atos que se limitem apenas a confirmar definições jurídicas introduzidas por anteriores atos administrativos [vide a propósito J.C. Vieira de Andrade in: ob. cit., págs. 189/190]. (In ac. do T.C.A. Norte (P. 01073/10.3BEAVR) 03-mai-2013 (doutrina e jurisprudência trazidas à lide pelo Recorrente).
(2) Cujo sumário é o seguinte:
1O órgão instrutor do procedimento não pode avaliar as provas simplesmente segundo as suas opiniões individuais, mas segundo as regras da verdade histórica e com fundamentação da decisão.
2. O condicionamento da ampla zona de liberdade probatória pelo fim de se obter a verdade material, conduz necessariamente à revisibilidade jurisdicional do juízo efectuado pelo órgão instrutor ou decisor sobre a apreciação e valoração das provas.
3. A intervenção procedimental do autor, ainda que sob a forma de audiência contraditória, não preclude o direito de desfazer ou destruir o resultado probatório que a Administração extraiu dos meios de prova produzidos no procedimento.

4….
(3) Artigo 32.º
Garantias de processo criminal

1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.