Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00571/12.4BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/28/2019
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL; PRESUNÇÃO DE CULPA; QUEDA DE ÁRVORE.
Sumário:
1 – O ato ilícito pode integrar quer um ato jurídico quer um ato material, podendo consistir um comportamento ativo ou omissivo, sendo que, neste último caso, a ilicitude apenas se verifica quando exista, por parte da Administração, a obrigação, o dever de praticar o ato que foi omitido.
2 - É jurisprudência firme e reiterada que à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública é aplicável a presunção de culpa prevista no artigo 493.°, n.º1, do Código Civil.
3 – Em concreto, dúvidas não subsistem de que nos autos e face à matéria factual dada como provada, estão verificados factos que permitem concluir que foi praticado um facto ilícito e danoso e que esse facto ilícito foi a causa adequada da produção dos danos que determinaram a lesão participada. Tanto basta para que funcione a presunção de culpa da Infraestruturas de Portugal SA, nos termos do art. 493º nº 1 do Código Civil.
É indubitável que a Infraestruturas de Portugal SA tinha o dever de vigiar a árvore causadora do acidente, e as demais adjacentes à via, única forma de poder assegurar uma circulação em segurança.
4 - O facto da Recorrente efetuar singelamente “ações de vigilância sobre árvores que, próximas das estradas nacionais, possam constituir perigo na utilização daquelas vias”, sem que se concretize a regularidade, dimensão e rigor dessa operação, não permite desresponsabiliza-la pelo ocorrido.
Para se considerar ilidida a presunção necessário se tornava alegar e provar o modo, profundidade e adequação desse controlo, vigilância e fiscalização para se aferir da eficácia e eficiência no cumprimento do respetivo dever, bem como para desvalorizar a circunstância de não ter sido detetado pelos serviços qualquer motivo a justificar a sua intervenção.
5 – Na realidade, não se alegou e, como tal, menos ainda se provou, quais as providências concretas desencadeadas em relação á árvore que caiu no veículo automóvel em questão, para que se pudesse concluir que o controlo, vigilância e fiscalização foram adequados, sistemáticos e continuados, e assim permitir ao Tribunal poder aferir se a Infraestruturas de Portugal SA «organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância de anomalias previsíveis». *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:EP Estradas de Portugal/Infraestruturas de Portugal SA
Recorrido 1:VCRCG
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A EP Estradas de Portugal/Infraestruturas de Portugal SA, devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, intentada por VCRCG, na qual peticionou a atribuição de indemnização de 15.900€ relativa a danos patrimoniais e não patrimoniais resultante de acidente de viação ocorrido em 18 de setembro de 2009, na Estrada Nacional nº 327, no sentido Norte/Sul, em virtude do facto do veículo de que é titular, matricula xx-xx-ZU, ter sido atingido pela queda de uma árvore, inconformada com a Sentença proferida em 29 de junho de 2018 no TAF de Aveiro, na qual a ação foi julgada parcialmente procedente, tendo sido condenada a pagar à Autora, quantia a determinar em Execução de Sentença, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, em 24 de outubro de 2018.
*
Formulou a aqui Recorrente/Infraestrutura de Portugal SA nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
1) O recurso ora submetido à mui douta e criteriosa apreciação de Vossas Excelências vem da sentença final proferida em primeira instância pelo Mmº. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, no âmbito do processo acima identificado.
2) Recorre a IP – e com o devido respeito – por não poder conformar-se, quer de facto quer de direito, com a sentença proferida em primeira instância, assim impugnando quer a decisão aí proferida sobre a matéria de facto e respetiva fundamentação, quer a aplicação que do direito fez o Mmº. Juiz a quo, violando, entre outras, as normas dos arts. 483.º e 493º do C. Civil.
3) A douta sentença de fls julgou a ação parcialmente procedente, condenando a Ré EP, atualmente, Infraestruturas de Portugal, S.A., “… a pagar ao Autor a quantia a determinar em execução de sentença resultante do valor comercial do veículo sinistrado, por não ser viável a reparação da viatura que sofreu os danos, quer em termos de uso, quer em termos de valor, características e aptidão idênticas para o exercício da atividade a que se destinava o acidentado, bem assim, resultante dos meios em que a Autora ficou impedida de utilizar o veículo, acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos a partir da citação até integral pagamento.”
4) A Autora veio reclamar o pagamento da quantia de €15.900 relativo a danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do acidente, acrescidos de juros de mora até efetivo e integral pagamento, sendo €5.000 relativos ao valor comercial do veículo, que não reparou, por o custo da reparação ser superior a este, €2.500 a título de privação de uso do veículo e €6.500, a título de danos não patrimoniais.
5) Entende, a Recorrente, sempre com o devido respeito, que foi incorretamente julgada a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, porquanto,
6) A responsabilidade civil dos entes públicos, de natureza extracontratual ou contratual, assenta na verificação dos mesmos pressupostos da responsabilidade civil de índole civilista, pelo que, a presunção legal de culpa prevista no artigo 493.° do Código Civil, também alcança a responsabilidade civil dos entes públicos; - Cfr. Acórdãos do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de Abril de 1998, no processo n.º 36463, e 27 de Abril de 1999, no processo n.º 041712, in www.dgsi.pt.
7) Para que esta se verifique por parte daquelas entidades por atos dos seus agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
8) De acordo com o decidido no Acórdão do STA (Processo 48.300 9.5.2002), “A presunção de culpa estabelecida no artigo 493º nº 1 do C.C. é aplicável à responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos culposos praticados no exercício de gestão pública“.
“Neste caso, contudo, ao Autor lesado cabe, primeiramente, o ónus de alegação e prova da base de presunção, ou seja, da ocorrência do facto causal dos danos.”
9) A Autora tinha que alegar e provar, que houve culpa na vigilância e conservação das árvores que estão sob jurisdição da IP.
10) O que não aconteceu, já que ficou provado que a árvore se encontrava implantada em terreno sob jurisdição do domínio público hídrico que pertencia à Ré Administração da Região Hidrográfica do Centro, a quem sucedeu a Agência Portuguesa do Ambiente, conforme decorre do facto provado sob o n.º 14:
“14) A árvore que se projetou sobre a estrada no momento da passagem do veículo antes identificado, encontrava-se implantada em terreno sob jurisdição do domínio público hídrico jurisdição pertencia à Ré Administração da Região Hidrográfica do Centro, a quem sucedeu a Agência Portuguesa do Ambiente – cfr. depoimento da testemunha por esta arrolada, AJAS, Arquiteto, que exerce funções nos serviços da Ré ARH Centro.”
11) Para que esta se verifique por parte daquelas entidades por atos dos seus agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
12) Assim, o que se logrou provar no caso dos autos foi que a árvore que caiu era propriedade da Administração da Região Hidrográfica do Centro, a quem sucedeu a Agência Portuguesa do Ambiente, não integrando, em consequência, o património arbóreo a cargo da Recorrente, uma vez que não se encontrava implantada em terreno do domínio público rodoviário.
13) Face à prova produzida, não pode concluir-se, como fez o Tribunal “a quo”, que a Recorrente não demonstrou ter sido devidamente cumprido o dever de vigilância, nem que não resultou concretamente provada a adoção de medidas concretas tendentes a evitar o dano ocorrido, até porque como decorre do facto provado em 14 e 25:
“14) A árvore que se projetou sobre a estrada no momento da passagem do veículo antes identificado, encontrava-se implantada em terreno sob jurisdição do domínio público hídrico jurisdição pertencia à Ré Administração da Região Hidrográfica do Centro, a quem sucedeu a Agência Portuguesa do Ambiente – cfr. depoimento da testemunha por esta arrolada, AJAS, Arquiteto, que exerce funções nos serviços da Ré ARH Centro.
”25) A A Ré Estradas de Portugal efetua ações de vigilância sobre árvores que, próximas das estradas nacionais, possam constitui perigo na utilização daquelas vias – cfr depoimento da testemunha CMDCM.”
14) Face ao depoimento prestado pela Testemunha Eng.ª CMDCM e pela Testemunha AJAS, outro deveria ter sido o entendimento do tribunal a quo, na medida em que a árvore não se encontrava sob jurisdição do domínio rodoviário.
15) Face ao depoimento prestado pela Testemunha Eng.ª CMDCM, a IP exerceu cabalmente a fiscalização ao estado fitossanitário das árvores que se encontram sob a sua alçada, a árvore estava para além dos 3 metros da faixa de rodagem, a IP nunca foi alertada para qualquer ameaça da árvore.
16) Ora já decidiu também o STA (Acórdãos de 2.7.96; AD nº 428.429 pág. 973 e de 2.7.96, processo nº 39343 ) “ que não há dever de indemnizar por ausência do nexo causal entre o facto ilícito e o dano, … “.
17) Face ao sobredito, não se demonstrou que foi, qualquer omissão da Recorrente, que constituiu causa adequada do evento danoso, já que, nada fazia prever a queda daquela árvore, que não estava sequer sob jurisdição da IP, incumbindo a sua fiscalização à Administração da Região Hidrográfica do Centro, a quem sucedeu a Agência Portuguesa do Ambiente.
18) Ou seja, não se demonstrou, como seria mister que fosse feito, para a Autora da ação lograr êxito, que nas descritas circunstâncias, foi qualquer omissão de conservação das árvores que ladeiam a EN 327 e que estão sob jurisdição da IP, que deu causa à produção do acidente, mas sim a omissão de fiscalização da Administração da Região Hidrográfica do Centro, a quem sucedeu a Agência Portuguesa do Ambiente.
19) Assim, dúvidas não restam, que houve uma errada valoração de todo o circunstancialismo em que ocorreu o acidente, na medida em que a IP não detém a jurisdição do local onde ocorreu o acidente.
20) Deste modo, como afinal não se comprovou a verificação do pressuposto de responsabilidade civil extracontratual, nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano ocorrido, haveria que concluir-se, pela absolvição da IP e não a sua condenação.
21) De todo o exposto, tendo presente que a árvore que caiu não se encontrava sob jurisdição da IP, não lhe pode ser assacada o não cumprimento dos deveres de conservação e manutenção de árvores que não se encontram no seu domínio, desresponsabilizando sem mais, a Edilidade a quem a árvore pertence.
22) Questionando-se assim, onde está demonstrado e provado os deveres de manutenção e conservação da árvore, por parte da Administração da Região Hidrográfica do Centro?
23) Assim, a douta sentença de que se recorre decidiu em infração, aplicou ou inaplicou incorretamente, entre mais do douto suprimento de Vossas Excelências, os artigos 483º e 493º, do CC.
24) Pelo exposto, deve a sentença ora em crise ser revogada e substituída por outra que adeque os factos provados e não provados, de acordo com a prova produzida, devidamente explanada supra, e consequentemente Recorrente ser absolvida da totalidade do pedido.
Termos em que, nos mais de Direito e com mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve dar-se provimento ao presente recurso, e em consequência alterar-se a douta sentença aqui impugnada, modificando-se, nos termos do disposto no artigo 662º do CPC, a decisão proferida pelo Mmº. Tribunal de 1ª. Instância sobre a matéria de facto e de direito, no sentido que aqui ficou exposto, com todas as demais consequências, assim se fazendo, como sempre a costumada JUSTIÇA.”
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A Recorrida/VG, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 3 de dezembro de 2018, concluindo:
A) O Tribunal a quo fez uma correta interpretação dos factos e da prova produzida, na audiência de julgamento.
B) Não subsistem quaisquer dúvidas quanto à correta aplicação dos normativos pelo Tribunal a quo.
C) A douta sentença recorrida é exemplar no que concerne quer a interpretação da matéria de facto, quer à aplicação em matéria de direito, não subsistindo qualquer erro ou lapso a relevar.
D) Mantendo-se a decisão recorrida, o que deve ser decidido por este Tribunal, rejeitando o recurso interposto pela recorrente sobre a decisão da tal matéria de facto e, uma vez que tal constitui fundamento único de divergência da Recorrente quanto a tal decisão, negando-se provimento ao douto recurso.
E) Porquanto, a não haver alteração da decisão da matéria de facto. Não será defensável estar-se perante uma má aplicação do Direito.
Termos em que, e nos mais de direito aplicáveis, que V. Exas. como sempre, doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente por não provado, e em consequência, deverá confirmar-se integralmente a douta sentença recorrida, s6 assim se fazendo inteira e sã Justiça.”
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A Agencia Portuguesa do Ambiente IP, veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 20 de fevereiro de 2019, tendo concluído:
I - O tribunal “a quo”, efetuou uma correta valoração da prova produzida na audiência de julgamento, bem como dos documentos constantes do processo.
II – A sentença especificou os fundamentos de facto e de direito de cada um dos pedidos formulados pela autora na petição inicial.
III – Decorre daí, que andou bem o douto Tribunal ao proferir a sentença que absolveu a ora recorrida APA, I.P. dos pedidos, pois, considerou e bem, que a mesma não tem qualquer dever de vigilância ou conservação da via em causa nos autos, nem tem deveres de vigilância quanto ao bom funcionamento da mesma.
IV - Ao decidir como decidiu absolvendo a APA, I.P., bem andou o tribunal “ a quo”, pois, como se viu e foi aceite pela recorrente, esta só tem jurisdição sobre os recursos hídricos, consubstanciada no poder de fazer cumprir a lei no que respeita às suas competências e atribuições nessa matéria.
V – No âmbito da sua jurisdição cabe à APA; I.P. licenciar e fiscalizar eventuais ações a efetuar por terceiros em domínio hídrico, mas já não, como se viu, competências de fiscalização e controle quanto à proteção das estradas da rede nacional, entre as quais se inclui a competência para preservação da zona de proteção da estada onde se encontrada a árvore em causa nos autos.
VI – Nos termos da lei, como bem referiu a sentença, encontrando-se a árvore implantada na zona de proteção da estrada era sobre a entidade com jurisdição na referida zona que cabia o dever de vigilância e proteção dos utilizadores da estrada, ou seja, tal dever recaia sobre a recorrente.
VII – Assim, a sentença não está ferida de nenhum erro de interpretação de depoimento, nem de aplicação do direito.
VIII – Bem andou o tribunal “a quo”, ao absolver a ré APA, I.P., pois, como se viu, a única atribuição no caso, seria o licenciamento de qualquer atividade ou operação a efetuar no local, excluindo-a assim de qualquer dever fiscalização ou prevenção da via rodoviária, como se viu.
IX – A APA, I.P., embora possa ter jurisdição sobre o local onde se encontrava a árvore, por ser domínio hídrico, não é proprietária, não sendo por isso obrigada a proceder a qualquer ação de fiscalização ou controle na zona de proteção da estrada, no sentido de prevenir prejuízos a terceiro daí resultantes.
Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado e confirmar-se a douta sentença recorrida assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
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Em 20 de março de 2019 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 10 de maio de 2019, nada veio dizer, requerer ou promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, designadamente verificando do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, mais se atendendo à questionada fixação da matéria de facto e sua Fundamentação, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, como provada e não provada, a qual aqui se reproduz:
“Com relevância para a decisão que importa proferir nos presentes autos, mostra-se provada a seguinte factualidade:
1) No dia 118 de setembro de 2009, pelas 1 horas, na Estrada Nacional 327, (FCP), no sentido Norte/Sul (Ovar-Torrão do Lameiro), em Ovar, ocorreu um sinistro.
2) Na altura as condições atmosféricas eram de tempo seco e não havia obstáculo à visibilidade.
3) No local do embate a via é uma estrada pavimentada, formada por uma reta, com boa visibilidade.
4) Foi interveniente neste sinistro o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula xx-xx-ZU, da marca H…, modelo G…, conduzido e propriedade da autora e uma árvore de grande porte que se projetou sobre a estrada onde circulava o veículo antes identificado.
5) O veículo ligeiro de passageiros circulava na Estrada Nacional 327, no sentido Norte/Sul (Ovar -Torrão do Lameiro), pela hemifaixa da direita quando uma árvore caiu sobre a via.
6) Perante a queda da árvore a autora e condutora do veículo, pese, embora, haja tentado desviar-se, não o conseguiu.
7) A queda da árvore, atingiu o veículo conduzido pela autora na zona esquerda do tejadilho, capô e frente, causando-lhe estragos.
8) Com o embate provocado pela queda da árvore, a autora perdeu o controlo do veículo, vindo a colidir com outra árvore e arbustos que se encontravam na berma esquerda da via por onde circulava, ficando imobilizada.
9) À hora relatada, havia pouco trânsito, estava Sol e não existia qualquer informação naquela Estrada Nacional a avisar do eventual perigo de queda da árvore.
10) O A. conduzia o seu veículo, imprimindo uma velocidade de cerca de 50 Km/h, a perto de 0,5 m da berma direita.
11) A árvore cuja queda se projetou sobre a estrada encontrava-se implantada a cerca de 6 m da linha delimitadora da faixa de rodagem da Estrada Nacional n.º 327.
12) A árvore cuja queda se projetou sobre a estrada, apresentava inclinação sobre a estrada - cfr. depoimento da testemunha, AVG
13) Previamente à ocorrência do acidente foram emitidos avisos sobre a inclinação da árvore em causa sobre a estrada, dirigidos a trabalhadores do Município O… – cfr. depoimento da testemunha, AVG
14) A árvore que se projetou sobre a estrada no momento da passagem do veículo antes identificado, encontrava-se implantada em terreno sob jurisdição do domínio público hídrico jurisdição pertencia à Ré Administração da Região Hidrográfica do Centro, a quem sucedeu a Agência Portuguesa do Ambiente – cfr. depoimento da testemunha por esta arrolada, AJAS, Arquiteto, que exerce funções nos serviços da Ré ARH Centro.
15) A Estrada Nacional n.º 327 encontra-se implantada em zona de domínio público hídrico - cfr. depoimento da testemunha por esta arrolada, AJAS, Arquiteto, que exerce funções nos serviços da Ré ARH Centro.
16) Do descrito acidente resultaram para o veículo da Autora danos na parte lateral dianteira esquerda e frente.
17) O veículo carecia de reparação para o que era necessário um jogo de air bags, um para-brisas, 1 para choques da frente, faróis de nevoeiro, duas óticas com motor de regular, 1 capô, uma frente, radiadores, dois ventiladores, braços de suspensão charriot e outras peças danificadas que não são de observação a olho nu – cfr. doc. de fls. 69 dos autos.
18) Acresce ao material a aplicar na reparação, os custos de material e mão-de-obra com serviço de chaparia, pintura e eletricista.
19) A Autora não levou a efeito a reparação da viatura envolvida no sinistro, por o custo dessa reparação ser superior ao valor comercial da viatura.
20) O veículo ficou imobilizado desde a data em que ocorreu o sinistro, 18/09/2009.
21) A autora procedeu ao abate da viatura com a matrícula xx-xx-ZU, em 23/06/2015 – cfr. fls. 455 dos autos.
22) A Autora diligenciou juntos das Rés no sentido de estas assumirem o pagamento dos danos que sofreu.
23) Após o acidente, a Autora manifestou sentir dores no peito – cfr. depoimento das testemunhas MCOLM, MLPS e AVG
24) Na sequência do embate do veículo da Autora na árvore que se projetou, a Autora foi conduzida ao Hospital onde permaneceu internada– cfr. depoimento das testemunhas MCOLM e AVG.
25) A Ré Estradas de Portugal efetua ações de vigilância sobre árvores que, próximas das estradas nacionais, possam constituir perigo na utilização daquelas vias – cfr depoimento da testemunha CMDCM
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Factos não provados:
Não se mostra provada a factualidade invocada pela Autora que sustente o direito a indemnização por danos não patrimoniais pedida nos autos
Não se mostram provados os dias em que a Autora fiou privada do uso do veículo sinistrado.”
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IV – Do Direito
Importa agora analisar, ponderar e decidir o suscitado.
No que aqui releva, e no que ao direito concerne, discorreu-se em 1ª instância:
“(...)
Defende a autora que no dia 18/09/2009, pelas 11 horas, circulava na EN 327 com uma viatura com a matrícula xx-xx-ZU, no sentido Ovar-Torrão do Lameiro e colidiu com uma árvore de grande porte, caído transversalmente em toda a via. Ora, sustenta a autora que a referida árvore se encontrava se encontrava sobre a estrada pelo que a queda da árvore se deveu à falta de cuidado, de vigilância e de conservação.
Sendo o regime aplicável aos presentes autos o Regime da Responsabilidade civil extracontratual.
(...)
Vejamos, então os pressupostos da responsabilidade:
Apresentam-se como pressupostos, no essencial, e de acordo com jurisprudência constante do STA, os estatuídos na lei civil, ou seja, no art. 483º e seguintes do Código Civil onde se dispõe que só há responsabilidade civil se se verificarem, cumulativamente, os seguintes pressupostos:
O Facto: aquele que é dominável ou controlável pela vontade do órgão ou seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas, excluindo assim os factos naturais;
(...)
Uma vez identificadas as coordenadas, os factos e o direito, nas quais se alicerça a decisão das questões que vêm submetidas à apreciação deste Tribunal, importa averiguar, em face das circunstâncias concretas, se se mostram preenchidos todos os requisitos legais para que se verifique a obrigação de indemnizar, e em caso afirmativo, determinar qual o seu “quantum”.
(...)
O que significa que à Autora incumbe o ónus de alegar e provar os factos que servem de base à presunção legal de culpa, não tendo, porém, que provar a culpa do lesante, aqui os Réus, antes incumbindo a este o ónus de elisão da aludida presunção (Acs do STA, de 06/03/2001, de 01/06/2000 e de 11/04/2002).
Ora, atentando na matéria provada, resulta que todos os Réus alegam a ausência de responsabilidade no que tange aos deveres de conservação e manutenção da árvore caída sobre a estrada na qual o veículo da Autora embateu.
Resulta do probatório que a árvore em causa se encontrava implantada a cerca de 6 metros do limite da estrada nacional 327 e que ao cair se projetou contra toda a largura da estrada. O Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 219/72, de 27 de junho, 260/2002, de 23 de novembro, e 215-B/2004, de 16 de setembro e 175/2006, de 28/8, em vigor à data dos factos, estabelece as competências da atual Infraestruturas de Portugal, SA, anteriormente Junta Autónoma das Estradas, no âmbito do licenciamento e controlo quanto á proteção das estradas da rede nacional.
Entre as quais se verifica a sua competência para preservação a designada zona de proteção da estrada, como exibe o seu artigo 8.º, que, em certos casos, atinge uma área de 20 m a contar do limite da estrada.
Como resulta do probatório, a árvore em causa situava-se a cerca de 6 m do limite da estrada, pelo que, pese, embora resultar também do probatório que a árvore se situava em espaço do domínio público marítimo, certo é também que a estrada nacional se encontra construída e em uso público, em face do que, a Ré Infraestruturas de Portugal, SA, (ex Estradas de Portugal, SA), detinha jurisdição sob o controlo da zona de proteção da estrada que, abrange, necessariamente o espaço em que se encontrava implantada a árvore.
(...)
E sobre a estrada em causa projetou-se uma árvore, cuja queda foi determinante para a ocorrência do sinistro dos autos.
Por isso, incumbia sobre a Ré Estradas de Portugal um especial dever de cuidado quanto a elementos que, encontrando-se na zona de proteção a estrada, sejam suscetíveis de colocar em perigo os utilizadores da estrada nacional n.º 327.
Por conseguinte, a exigibilidade de tal conduta recaí exclusivamente sobre a Ré Estradas de Portugal, SA, o que determina a absolvição do pedido quanto aos demais Réus e, consequentemente, a Interveniente F…, SA, enquanto associada do Réu Município.
E como resulta do probatório, a Ré Estradas de Portugal, SA, não conseguiu provar, como lhe competia, o cumprimento dos deveres de conservação e manutenção e de vigilância da estrada onde ocorreu o acidente e que assim nenhuma culpa houve da sua parte, ou que os danos igualmente se teriam produzido ainda que tivesse agido diligentemente.
Designadamente, não provou que a estrada sobre a qual ocorreu a queda da árvore identificada nos autos tivesse ocorrido apenas e tão só devido a condições que extravasassem a sua capacidade de ação.
Pelo contrário, o Autor provou os factos que servem de base à presunção de culpa do Réu, pois como resulta da matéria de facto assente, apurou-se que o acidente consistiu no embate numa árvore de grande porte que se projetou a toda a largura da estrada e provocou o embate com o veículo conduzido pela Autora.
Resulta da matéria provada que o veículo ligeiro com a matrícula xx-xx-ZU, circulava no sentido Ovar-Torrão do Lameiro e colidiu com uma árvore de grande porte, caído transversalmente em toda a via. Ora, sustenta a autora que a referida árvore se encontrava sobre a estrada pelo que a queda da árvore se deveu à falta de cuidado, de vigilância e de conservação.
(...)
Perante esta factualidade, não conseguindo o Réu provar que a estrada em causa era vigiada e regularmente acompanhada pelos seus serviços e que só anormais condições temporais ou qualquer outro facto estranho ao cumprimento dos seus deveres é que provocou a queda da árvore, ou que, apesar de terem sido tomadas todas as medidas para o evitar, este sempre ocorreria por qualquer outra causa.
Deste modo, verifica-se que o Réu não procedeu de acordo com as regras a que estava obrigado, designadamente, no que respeita a que o talude estivesse em segurança não permitindo o desmoronamento para a estrada o que provocou insegurança na circulação.
Nos termos do art. 5.º do DL. n.º 44/2005, de 23 de fevereiro, diploma que alterou o Código da Estrada, as vias públicas devem ser convenientemente sinalizadas nos pontos em que o trânsito ou o estacionamento estejam vedados ou sujeitos a restrições, onde existam obstáculos, curvas encobertas ou passagens de nível, bem assim, cruzamentos, entroncamentos ou outras circunstâncias que imponham aos condutores precauções especiais.
(...)
Por sua vez o art. 10º nº 1 sempre do Dec-Lei 374/2007 no que se refere ao estatuto da R. estipula que “compete à EP - Estradas de Portugal, S. A., relativamente às infraestruturas rodoviárias nacionais que integrem o objeto da concessão a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º, zelar pela manutenção permanente de condições de infraestruturação e conservação e de salvaguarda do estatuto da estrada que permitam a livre e segura circulação”. Acrescenta o nº 2 da disposição que “para o desenvolvimento da sua atividade, a EP - Estradas de Portugal, S. A., detém os poderes, prerrogativas e obrigações conferidos ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis no que respeita: … h) À responsabilidade civil extracontratual, nos domínios dos atos de gestão pública”. Por outro lado, determina o art. 8º nº 1 do mesmo diploma que “as infraestruturas rodoviárias nacionais que integram o domínio público rodoviário do Estado e que estejam em regime de afetação ao trânsito público ficam nesse regime sob administração da EP - Estradas de Portugal, S. A.”, donde decorre, que pertence a esta a representação do Estado no que toca às infraestruturas rodoviárias.
(...)
Deste modo, vale, no presente caso, “mutatis mutandis”, o que assim se concluiu no referido Acórdão do STJ, de 16/10/2012: «Destas normas é possível inferir-se que a responsabilidade extracontratual por que a R. é demandada, derivada das suas legais atribuições (designadamente conservação e requalificação da rede rodoviária nacional), se desenvolve num quadro de índole pública. A R. é notoriamente chamada a colaborar com a Administração na execução de uma tarefa administrativa de gestão pública, tarefa a que, como se viu, a lei atribui expressamente poderes de autoridade do Estado. – Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05/05/2015, Processo n.º 3/14.8TBPCV-A.C1.
Por sua vez, o DL 13/71, …, refere no respetivo preâmbulo que «A importância vital da rede de estradas nacionais impõe que se protejam essas vias em todos os aspetos que o seu uso postula, especialmente no respeitante à segurança do trânsito, proteção que não pode limitar-se à própria zona de estrada, mas, sob determinados aspetos, tem de abranger as faixas limítrofes», referindo-se no art. 1.º, que «a área de jurisdição da JAE, em relação às estradas nacionais: (a) Zona de estrada e (b) Zona de proteção à estrada, constituída pelas faixas com servidão non edificandi e pelas faixas de respeito» e no art. 2.º que «1. Constitui zona de estrada: (a) O terreno por ela ocupado, abrangendo a faixa de rodagem, as bermas e, quando existam, as valetas, passeios, banquetas ou taludes; (b) As pontes e viadutos e os terrenos adquiridos por expropriação ou qualquer título para alargamento da plataforma da estrada ou acessórios, tais como parques de estacionamento e miradouros. 2. A plataforma da estrada abrange a faixa de rodagem e as bermas» (…).
Ora, legislação é perfeitamente clara no sentido de que constituía atribuição da EP, garantir a vigilância, limpeza e conservação das infraestruturas rodoviárias sob sua jurisdição, o que inclui, como vimos, não só as faixas de rodagem, mas também as demais infraestruturas a elas associadas, designadamente as bermas, valetas e taludes e toda a envolvente.
Portanto, do exposto há que concluir que cabia, na altura do acidente, à EP, hoje Infraestruturas de Portugal, a conservação das infraestruturas rodoviárias sob sua jurisdição, entre elas a EN 327 e a sua envolvente.
Assim sendo, basta atentar na matéria provada para se verificar que o Réu não procedeu de acordo com as regras legais e regulamentares a que estava obrigado.
(...)
Ora, o Réu apesar de indicar como organiza a sua vigilância na sua área de jurisdição, e naquele ponto em concreto, a verdade é que não verificou que tal árvore apresentava debilidades, não sendo apenas e porque o tipo de árvore seria suscetível de derrube com maior facilidade, o que não pode ser considerado como caso de força maior, pois impendia sobre o Réu o dever de fiscalização de todas as suas vias e suprimir os perigos que eventualmente pudessem causar acidentes, como foi o caso, não é apenas efetuar obras de conservação e reparação na via, há que verificar toda a envolvente à estrada, nomeadamente a suscetibilidade de a árvore ou arvores que se situam na envolvente poderem sofrer queda para a faixa de rodagem.
Deste modo, não se mostra ilidida a presunção de culpa, por parte do Réu.
Assim, considera-se ilícita e culposa a atuação do Réu nos factos que originaram o acidente.
Todavia, ainda precisamos de aferir da conduta imputada ao condutor da viatura pois, atentas as circunstâncias fácticas dadas por provadas, o estado do tempo, hora antes do acidente, o local que descrevia uma reta, onde ele admite ter conduzido a 50Km/H, o que se traduz que a Autora conduzia segundo as regras de prudência que lhe eram exigidas, pelo que não lhe é imputável qualquer grau de responsabilidade na ocorrência do acidente.
Decorre do n.º 1 do art. 24.º do CE que o “… condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente …”.
(...)
O quadro factual apurado não permite descortinar a demonstração de que se o veículo conduzido pela Autora seguisse mais devagar os danos seriam menores.
Nesta conformidade, atento o local onde o acidente ocorreu as suas características e as circunstâncias que o determinaram, importa concluir que a Autora não contribuiu para a ocorrência do sinistro.
Posto isto, resulta provado existir nexo de causalidade entre a verificação do acidente, a conduta omissiva, ilícita e culposa da Ré, e os danos reclamados, já que não fosse a queda da árvore, o veículo não entraria em despiste e não teria sofrido danos, como também a Autora não teria sofrido dores em resultado do embate do veículo.
(...)
Pelo exposto e, sem necessidade de mais considerações, entendemos estarem verificados os pressupostos, facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade, pressupostos estes de que depende a obrigação de indemnizar em pelo que, termos de concluir no essencial pela procedência parcial da ação.
Estipula o art. 562.º do CC que havendo dano existe a obrigação de indemnizar devendo os obrigados “reconstituir a situação que existiria, se não tivesse verificado o evento que obriga a reparação”.
Por sua vez, o art. 563.º do mesmo diploma dispõe que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, sendo o seu cálculo efetuado nos termos do art. 564.º do CC.
Deste modo, atenta a matéria provada e considerando que o veículo acidentado ficou paralisado, e a sua reparação não ocorreu em face do seu valor comercial, sendo o valor da reparação superior a este impõe que o Réu indemnize o Autor em quantia a apurar relativa ao valor comercial do veículo da Autora imediatamente antes do sinistro, por não ser viável a reparação da viatura que sofreu os danos, quer em termos de uso, quer em termos de valor, características e aptidão idênticas para o exercício da atividade a que se destinava o acidentado, bem assim, quanto aos dias em que a Autora ficou impedida de utilizar o veículo.
(...)”
Quanto aos danos não patrimoniais, não resulta dos autos qualquer prova do alegado pela Autora, quer quanto ao circunstancialismo do internamento, quer quanto á dores sofridas, muito menos em que circunstâncias deixou de auferir o rendimento cuja indemnização peticiona.
E na ausência de tal prova, a ação terá que improceder quantos aos peticionados danos não patrimoniais.”
Vejamos:
Da Matéria de Facto
Suscita desde logo a Recorrente, conclusivamente, a necessidade de reapreciação da decisão relativa a matéria de facto, por entender que a decisão terá contrariado elementos probatórios constantes dos Autos, nomeadamente o depoimento da Eng.ª CM, sem que, no entanto, se percecione em que medida é que o referido depoimento poderia contribuir para a inflexão da decisão recorrida, sendo certo que em momento algum se questiona objetivamente o julgamento de facto feito na decisão recorrida.
Em bom rigor a Recorrente limita-se a transcrever parcialmente o depoimento da referida testemunha, sem que daí se retirem as consequentes ilações.
Aqui chegados, refira-se que a prova produzida e fixada nos parece suficiente por, como lhe competia, o tribunal a quo se ter limitado a fixar a factualidade demonstrada, sem entrar em considerações de caráter conclusivo ou opinativo.
Efetivamente, o tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam à decisão, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz, apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo os factos notórios ou de conhecimento geral (cf. artigos 5º, n.ºs 2 e 3, e 412º do Código de Processo Civil 2013 - artigos 264º, 514º e 664.º, 2.ª parte, do Código de Processo Civil 1995).
Na realidade, não obstante a tentativa da Recorrente em destacar e evidenciar as declarações prestadas, por forma a procurar validar o seu ponto de vista, o que é facto é que, em qualquer caso, não se mostra censurável a factualidade fixada.
Em qualquer caso, sempre se dirá que, pretendendo a recorrente que o tribunal ad quem procedesse à alteração da decisão do tribunal de 1 ª instância sobre a matéria de facto, sempre teriam de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os concretos meios de prova que impunham decisão divergente da adotada, sendo que as questões suscitadas se mostrariam predominantemente redundantes, sem acrescentar nada de substancial à factualidade provada (cfr. artº 685º-B, nº1, do CPC – Atual Artº 640º).
Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2011, no processo 1079/07.0 TVPRT.P1.S1:
“A lei impõe ao recorrente que indique (concretamente) os depoimentos em que se funda, não sendo suficiente indicar um conjunto de testemunhas que depuseram a determinado facto (mesmo que venham devidamente identificadas pelos nomes e outras referências), para depois se concluir, sem mais, que ouvidos os seus depoimentos, se deveria decidir diferentemente. Importa alegar o porquê da discordância, isto é, em que é tais depoimentos contrariam a conclusão factual do tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decidido e o que consta do depoimento ou parte dele.” E acrescenta “(…) trata-se da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detetada. Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório”
Determinava o artigo 712º do Código de Processo Civil (Atual Artº 662º), sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:
“A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas; (…)”
Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo n.º 394/05, de 19.11.2008, processo n.º 601/07, de 02.06.2010, processo n.º 0161/10 e de 21.09.2010, processo n.º 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo n.º 00205/07BEPNF, e de 14.09.2012, processo n.º 00849/05BEVIS).
Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.
Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 657:
“Esse contacto direto, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reações do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”.
Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.
A prova fixada nos autos não impõe, no entanto, respostas diversas das que foram dadas pelo Tribunal a quo, não se evidenciando qualquer erro grosseiro na apreciação da prova.
Não existiu assim, face ao exposto, qualquer erro no julgamento da matéria de facto, menos ainda evidente e grosseiro, que impusesse a sua alteração.
Importa, em qualquer caso e desde já, sublinhar um conjunto de factos justamente dados como provados que necessariamente condicionarão tudo quanto se disser e decidirá.
Com efeito, se é certo que a árvore que se projetou sobre a estrada no momento da passagem do veículo, se encontrava implantada em terreno sob jurisdição do domínio público hídrico (Facto 14), é igualmente verdade que a própria Estrada Nacional n.º 327 se encontra implantada em zona de domínio público hídrico (Facto 15). A referida jurisdição não equivale a titularidade.
Assim, e em bom rigor, o que está em causa não é a dominialidade dos terrenos onde está implantada a estrada e a árvore que causou os danos participados, mas antes, a titularidade da própria via e a necessidade de garantir a segurança de circulação, assegurando-se que as zonas adjacentes à estrada não possam constituir um perigo para o próprio trânsito.
Com efeito, a controvertida árvore encontrava-se implantada na zona de proteção da Estrada Nacional n.º 327, faixa, cuja fiscalização, preservação e controlo cabe à recorrente, no âmbito das suas atribuições e competências, uma vez que “A árvore cuja queda se projetou sobre a estrada encontrava-se implantada a cerca de 6 metros da linha delimitadora da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº327” (Facto 11), encontrando-se a mesma inclinada sobre a estrada (Facto 12).
Assim sendo, a zona onde se encontrava implantada a árvore, mesmo que em domínio público hídrico, era zona de proteção da estrada nacional, sendo a que prevenção e conservação na referida zona sempre caberia à Infraestruturas de Portugal SA
A prova fixada nos autos não impõe pois respostas diversas das que foram dadas pelo Tribunal a quo, não se evidenciando qualquer erro grosseiro na apreciação da prova.
Não existiu assim, face ao exposto, qualquer erro no julgamento da matéria de facto, menos ainda evidente e grosseiro, que impusesse a sua alteração.
Da Responsabilidade Civil
Importa agora analisar e decidir o suscitado.
Desde logo importa sublinhar que tendo-se o acidente objeto da presente Ação verificado em 18 de setembro de 2009, o diploma relativamente à Responsabilidade Civil aplicável será a Lei nº 67/2007, no qual assenta a decisão recorrida.
Diz o art.º 7º deste diploma, sob a epígrafe “Responsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas coletivas de direito público”, que:
“1 - O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.
(...)
3 - O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da ação ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço.
4 - Existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos.
(...)”
Ainda na pendência do anterior regime, no âmbito do regime do DL nº 48.051, o STA entendia que a responsabilidade civil da Administração por atos de gestão pública assentava em pressupostos idênticos aos enunciados no artigo 483.º do Código Civil:
O facto; A ilicitude; A culpa; O dano e; O nexo de causalidade entre o facto e dano
São assim pressupostos deste tipo de responsabilidade civil:
a) o facto, comportamento ativo ou omissivo voluntário;
b) a ilicitude, traduzida na ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios;
c) a culpa, nexo de imputação ético - jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência exigida de um homem médio ou de um funcionário ou agente típico;
d) a existência de um dano, ou seja, a lesão de ordem patrimonial ou moral, esta quando relevante;
e) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.01.1987, de 12.12.1989 e de 29.01.1991, in Ac. Dout. n.º 311, p. 1384, n.º 363, p. 323 e n.º 359, p. 1231).
Esta responsabilidade corresponde pois, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no artigo 483º, nº1, do Código Civil (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.10.2000, recurso n.º 40576, de 12.12.2002, recurso n.º 1226/02 e de 06.11.2002, recurso n.º 1311/02).
Efetivamente, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos, pressupõe a existência de um facto ilícito, imputável a um órgão ou agente e a existência de danos que tenham resultado como consequência direta e necessária daquele.
No atual regime, estatui ainda o art.º 9º da Lei nº 67/2007, relativamente à “ilicitude”:
“1 - Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”
Refira-se desde já que se acompanhará no presente aresto muito do invocado e fundamentado no acórdão deste TCAN nº 219/08BEMDL de 22-10-2015, que por sua vez tem suporte em inúmera jurisprudência do STA, que cita.
As questões aqui a decidir resumem-se a saber:
– Se ocorreu erro na apreciação da prova;
– Se existe presunção de culpa que onere a Infraestruturas de Portugal SA;
- Se a Infraestruturas de Portugal SA ilidiu ou não essa presunção;
No que diz respeito à apreciação da Prova, já foi a questão tratada precedentemente.
Da presunção de Culpa
Desde logo, o ato ilícito pode integrar quer um ato jurídico quer um ato material, podendo consistir um comportamento ativo ou omissivo, sendo que, neste último caso, a ilicitude apenas se verifica quando exista, por parte da Administração, a obrigação, o dever de praticar o ato que foi omitido.
De qualquer forma, conforme se dispõe na parte final o nº 1 do artº 9º da Lei nº 67/2007, acima transcrito, a verificação de um facto ilícito pressupõe sempre uma ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Assim, o ato ilícito pode integrar quer um ato jurídico quer um ato material, podendo consistir um comportamento ativo ou omissivo, sendo que, neste último caso, a ilicitude apenas se verifica quando exista, por parte da Administração, a obrigação, o dever de praticar o ato que foi omitido.
A verificação de um facto ilícito pressupõe pois uma ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
In casu, importará verificar o cumprimento por parte da Infraestruturas de Portugal SA dos seus deveres de promover as condições de conservação do património arbóreo adjacente à via.
O conceito de ilicitude consagrado naquele preceito é, pois, mais amplo que o consagrado na lei civil (vd. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10º ed., vol. II, p. 1125; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.05.1987, in Ac. Dout. 310, p. 1243 e segs.).
A propósito do requisito da ilicitude refere aquele Professor na citada obra, ainda que, e naturalmente, reportadamente ao DL nº 48.051 que: “É necessário, em primeiro lugar, que tenha sido praticado um facto ilícito. Este facto tanto pode ter consistido num ato jurídico, nomeadamente um ato administrativo, como num facto material, simples conduta despida do carácter de ato jurídico. O ato jurídico provém por via de regra de um órgão que exprime a vontade imputável à pessoa coletiva de que é elemento essencial. O facto material é normalmente obra dos agentes que executam ordens ou fazem trabalhos ao serviço da Administração. O artigo 6º do Decreto-lei n.º 48 051 contém, para os efeitos de que trata o diploma, uma noção de ilicitude. Quanto aos atos jurídicos, incluindo portanto os atos administrativos, consideram-se ilícitos “os que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis”: quer dizer, a ilicitude coincide com a ilegalidade do ato e apura-se nos termos gerais em que se analisam os respetivos vícios. Quanto aos factos materiais, por isso mesmo que correspondem tantas vezes ao desempenho de funções técnicas, que escapam às malhas da ilegalidade estrita e se exercem de acordo com as regras de certa ciência ou arte, dispõe a lei que serão ilícitos, não apenas quando infrinjam as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis, mas ainda quando violem as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.
No mesmo sentido, Jean Rivero, Direito Administrativo, pág. 320, e Margarida Cortez, Responsabilidade Civil da Administração por Atos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado, página 96.
No que toca à culpa "Agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo" – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6ª edição, p. 531).
É também jurisprudência firme e reiterada que à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública é aplicável a presunção de culpa prevista no artigo 493.°, n.º1, do Código Civil (por todos, ver os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 25.10.2000 (Pleno), recurso n.º 37 510, de 20.03.2002, recurso n° 45 831, e de 03.10.2002, recurso n° 45 621).
Este regime radica nas seguintes razões:
- nas regras da experiência comum, segundo as quais normalmente os danos provocados por coisas procedem de falta de adequada vigilância;
- na necessidade de acautelar o direito de indemnização do lesado contra a extrema dificuldade de provar, neste tipo de casos, os factos negativos que consubstanciam a violação do dever objetivo de cuidado;
na conveniência de estimular o cumprimento dos deveres de vigilância que recaem sobre o detentor da coisa (Antunes Varela, "Das Obrigações Em Geral" volume I, páginas 590-591; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.05.1996, Apêndices ao D.R., de 23.10.1998, p. 3697).
Assim como é pacífico o entendimento de que, por beneficiar dessa presunção, o autor só tem que demonstrar a realidade dos factos causais que servem de base àquela para que se dê como provada a culpa do réu, cabendo a este ilidir a presunção (artigos 349º e 350.° n.ºs 1 e 2, do Código Civil; Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20.03.2002, recurso n° 45 831, e de 03.10.2002, recurso n° 45 621).
A elisão de uma presunção (iuris tantum) só é feita com a prova do contrário, não sendo bastante a mera contraprova (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.02.2005, proc. n.º 1758/03).
Face ao supra explanado, dúvidas não subsistem de que no caso em apreciação nos autos e face à matéria factual dada como provada, estão verificados factos que permitem concluir que foi praticado um facto ilícito e danoso e que esse facto ilícito foi a causa adequada da produção dos danos que determinaram a lesão participada.
Tanto basta para que funcione a presunção de culpa da Infraestruturas de Portugal SA, nos termos do art. 493º nº 1 do Código Civil.
Reproduz-se infra, parcialmente, o teor do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. nº 0373/10, datado de 22/06/2010, aqui aplicável mutatis mutandis, com o qual, naturalmente, se concorda:
“O art. 493º, 1, do C. Civil consagra a responsabilidade civil das pessoas com o dever de vigiar coisas ou animais, impondo uma presunção legal de culpa, desde que se prove que o dano foi causado «pela coisa ou animais». Com efeito, diz-nos concretamente o art. 493º, 1 do C. Civil que a pessoa com o encargo de vigiar a coisa «responde pelos danos que a coisa causar…»”.
O recorrente não põe em causa que tenha o dever de vigiar a Estrada e as árvores “implantadas” junto à sua berma. O que põe em causa é a prova dos factos que justificam a presunção, ou como diz a fls. 222: cabia ao autor provar “a base de presunção, ou seja, da ocorrência do facto causal e dos danos, que, em nossa opinião não logrou demonstrar”.
Todavia, no caso dos autos tal nexo de causalidade verifica-se de modo muito claro.
O dano foi causado pela queda de árvore na estrada, que o réu tinha o dever de vigiar.
Há, neste caso, um nexo de causalidade adequada evidente entre a queda da árvore na estrada (coisa vigiada) o embate do veículo com a árvore e o dano que este embate provocou no veículo. Na verdade para além da causalidade naturalística (a queda da árvore ser uma condição do dano) é evidente que essa condição só deixaria de poder como tal considerar-se se fosse de todo indiferente para a produção do dano e só se tivesse tornado condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, o que não sucede em geral, uma vez que uma árvore a beira da estrada, pode sempre cair sobre um carro.
Estabelecido esse nexo de causalidade adequada entre a “coisa” e o “dano” (base da presunção) o réu para afastar a responsabilidade civil deveria provar (art. 493º, 1, 2º parte) que (i) não teve culpa ou (ii) que – tendo culpa - o dano se verificaria mesmo que a não tivesse. O “non liquet” sobre qualquer destes aspetos (falta de culpa, ou relevância negativa da causa virtual) é decidido contra o réu.
Dos factos não resulta que o réu tenha cumprido todas as regras de prudência exigíveis na vigilância da estrada e, sobretudo, no estado das árvores que a circundem de modo a evitar que, em casos de chuva intensa e persistente as mesmas não caíssem na faixa de rodagem. Em boa verdade sobre modo como esse dever de vigilância, em concreto, foi exercido nada se provou. Há, nesta medida, um claro “non liquet”.
O réu sustenta ainda a tese, segundo a qual a queda da árvore foi devida a um caso de força maior, imprevisível e, portanto, inevitável. Mas, em boa verdade os factos provados não permitem essa conclusão.
Provou-se, é certo, que estava mau tempo, com chuva intensa e persistente e que o pinheiro foi arrancado pela raiz.
Mas não se alegou que, naquela ocasião e local, todos os pinheiros (ou a maioria deles) tenham sido arrancados pela raiz e, embora tal tenha sido tenha sido alegado não se provou que o pinheiro que caiu estava viçoso “nada fazendo prever a sua queda” (al. b) dos factos não provados).
Ora, mesmo perante o mau estado do tempo (chuva intensa e persistente) fica de pé a possibilidade de aquela concreta árvore não estar nas condições que lhe assegurassem a devida estabilidade e, por isso, não ter resistido ao mau tempo. Daí que, não existam factos provados suficientes para podermos concluir que ocorreu um caso de calamidade impossível de prever e desse modo evitar o dano (força maior).
Ou seja, a matéria de facto dada como assente não permite, de modo algum, considerar provado que “nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
Em concreto, não há dúvida de que os danos foram causados pela queda de árvore em cima do veículo automóvel identificado, quando este circulava no local indicado.
Também é indubitável que a Infraestruturas de Portugal SA tinha o dever de vigiar essa árvore e as demais adjacentes à via, única forma de poder assegurar uma circulação em segurança.
O facto da Recorrente efetuar singelamente “ações de vigilância sobre árvores que, próximas das estradas nacionais, possam constitui perigo na utilização daquelas vias” (Facto 25), sem que se concretize a regularidade, dimensão e rigor dessa operação, não permite desresponsabiliza-la pelo ocorrido.
Para se considerar ilidida a presunção necessário se tornava alegar e provar o modo, profundidade e adequação desse controlo, vigilância e fiscalização para se aferir da eficácia e eficiência no cumprimento do respetivo dever, bem como para desvalorizar a circunstância de não ter sido detetado pelos serviços qualquer motivo a justificar a sua intervenção (neste sentido se pronuncia o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. nº 0566/08, o de 27-05-2009).
Pela sua relevância, reproduz-se, igualmente, parte deste último Acórdão referenciado, aqui aplicável, igualmente mutatis mutandis:
“Com efeito integrando-se a árvore caída no Parque Florestal de Monsanto, e sendo este património arbóreo da responsabilidade do Município de Lisboa, sobre este impendia o correspondente dever de vigiar e fiscalizar de forma sistemática, adequada e eficaz as condições de implantação, desenvolvimento e estado fitossanitário das suas árvores, em particular, as existentes junto das vias, de modo a prevenir a queda das mesmas e consequentes danos aos utentes. Tal prova não foi, porém, produzida, de modo cabal e suficientemente persuasivo, pelo Réu. Não obstante ter alegado, o Réu não logrou provar que a fiscalização, patrulhamento e manutenção do Parque de Monsanto levado a efeito é executado de modo regular, periódico e adequado. A mera execução de tal atividade de fiscalização e manutenção, sem qualquer referência ao modo e à respetiva periodicidade média, afigura-se marcadamente insuficiente para aferir da eficácia e eficiência no cumprimento no respetivo dever, bem como desvaloriza a circunstância de não ter sido detetado pelos Serviços motivo algum a justificar a sua intervenção. Por outro lado, a demonstração feita em julgamento que a análise visual aos cepos de duas acácias caídas na zona do acidente não evidenciou doença ou podridão pouco releva para se concluir pela licitude da conduta do Réu desde logo, porque não se provou que a árvore tombada na viatura fosse uma das acácias visualizadas, e, mesmo que o fosse, a análise visual é marcadamente insuficiente para se poder afirmar se a árvore está ou não de boa saúde, pois, para tanto seria necessário proceder a exames laboratoriais específicos, tal como o reconheceu um dos técnicos responsáveis pela manutenção do Parque ouvido em Tribunal.
Assim sendo, face à matéria fáctica demonstrada, é forçoso concluir pela ilicitude da conduta do Réu por omissão do dever de vigilância e fiscalização sistemática, adequada e eficaz das condições de implantação, desenvolvimento e estado fitossanitário da árvore caída.
Por outro lado, no que tange à culpa, o Réu não logrou ilidir a presunção legal que sobre ele impende, pois, não provou ter cumprido com eficácia o referido dever de fiscalização da árvore em causa, em obediência às regras técnicas e de prudência comum exigíveis naquela situação concreta, nem que a mencionada queda do elemento arbóreo se ficou a dever em exclusivo a circunstâncias anormais e imprevisíveis, a causa alheia e estranha ao controlo do Réu. Na realidade, a exemplo do já decidido no STA, a prova do registo de período de chuva, por vezes intensa, e vento moderado a forte com rajadas é insuficiente para atribuir a queda da árvore a um caso de força maior ou fortuito, em sobreposição dos deveres de fiscalização a que a Administração está adstrita (cfr Ac. STA 11/03 de 15.10.2003). Aliás, as condições climatéricas registadas de chuva intensa e vento forte são, plenamente, normais e previsíveis no Inverno, o que exigia por parte da Administração uma atenção redobrada, ou melhor, uma atuação adequada às adversidades previsíveis do tempo invernoso, eventualmente, até o corte pontual do trânsito nas artérias de maior densidade florestal do Parque, face ao comunicado do Serviço Nacional de Proteção Civil, que entrou em alerta amarelo a partir das 14 horas (tendo o acidente ocorrido sete horas depois), e o comunicado da previsibilidade de queda de árvores.
Portanto, a atuação do Réu é ilícita e culposa.”
Não se vê razão para censurar esta ponderação da sentença recorrida, que a argumentação do Réu, a que acima se fez referência, não é suficiente para pôr em causa.
Efetivamente, por um lado, apesar de ser incluído na base instrutória, um quesito (23º) onde se indagava se no dia 6.12.2000 a queda da árvore teve origem em chuvadas e ventos anómalos que assolaram Lisboa, apenas se provou que, nesse dia, na região de Lisboa, ocorreram períodos de chuva, por vezes forte, e o vento tornou-se moderado e forte com rajadas. (cfr. fls. 123 e resposta ao quesito 23, a que corresponde o item 22 dos factos provados).
Ou seja, não se provou uma relação de causalidade entre as condições climatéricas do dia em que ocorreu o acidente – a que o Recorrente faz apelo na sua argumentação – e a queda da árvore que provocou os danos.
E, assim sendo, o Réu não logrou provar que a aludida queda se verificou devido a caso de força maior.
Por outro lado, embora o Réu, ora Recorrente, tenha alegado que, “através dos seus serviços, e agindo no âmbito das suas legais atribuições procedeu à fiscalização de todo o Parque Florestal de Monsanto incluindo os elementos arbóreos sitos no local referenciado nos autos, por forma regular e periódica, não detetando no decurso das mesmas qualquer motivo atinente aos exemplares existentes, que justificassem a sua intervenção ao nível de prevenção ou tratamento”, e tenha sido incluído, na base instrutória, um quesito (19º) com esse exato conteúdo, apenas se provou que “os serviços da Ré fiscalizam o Parque Florestal de Monsanto, incluindo os elementos arbóreos existentes, patrulham e procedem à sua manutenção, não tendo detetado no decurso das mesmas qualquer motivo que justificasse a sua intervenção”.
Não se provou, assim, designadamente, ao invés do invocado na contestação, que a fiscalização do Parque de Monsanto pelos serviços do Réu, fosse efetuada “de forma regular e periódica”.
Como a sentença recorrida considerou e bem, sobre o Réu, em cujo património se integrava a árvore causadora do acidente, “impendia o correspondente dever de vigiar e fiscalizar de forma sistemática, adequada e eficaz as condições de implantação, desenvolvimento e estado fitossanitário das suas árvores, em particular, as existentes junto das vias, de modo a prevenir a queda das mesmas e consequentes danos aos utentes”.
O Autor tinha, neste caso, a seu favor a presunção legal de culpa a que se refere o artº. 493º, nº 1 do Código Civil, conforme é, a este propósito, jurisprudência generalizada do Supremo Tribunal Administrativo (v. entre muitos outros, acs. do Pleno de 29.4.98, p. 36463; de 3.10.02, p. 45160; de 20.3.2002, p. 45831).
Para ilidir essa presunção, é insuficiente a simples prova em abstrato, de que “Os serviços do Réu fiscalizam o parque florestal de Monsanto, incluindo os elementos arbóreos existentes na zona do acidente, patrulham e procedem à sua manutenção, não tendo detetado no decurso das mesmas qualquer motivo que justificasse a sua intervenção”.
Como a sentença recorrida considerou e bem, “a mera execução de tal atividade de fiscalização e manutenção, sem qualquer referência ao modo e à respetiva periodicidade média, afigura-se marcadamente insuficiente para aferir da eficácia e eficiência no cumprimento do respetivo dever, bem como desvaloriza a circunstância de não ter sido detetado pelos Serviços motivo algum a justificar a sua intervenção”.
Conforme este Supremo Tribunal repetidamente tem afirmado, a alegação e consequente possibilidade de prova da inexistência de “faute de service” tem de ser feita a partir de factos que esclareçam o Tribunal sobre as providências que em concreto foram tomadas pelos serviços do Réu para obviar a eventos danosos como o que ocorreu (v. entre outros acs. do STA de 14.4.05, p. 86/04; de 5.5.04, p. 1203/03; de 12.7.07, p. 321/07), prova que, como a sentença corretamente considerou, não foi feita.”
No caso concreto aqui em apreciação, designadamente atenta a matéria dada como provada, não foi feita prova suficiente para ilidir a presunção de culpa do art. 493º nº 1 do Cód. Civil.
Com efeito, não se alegou e, como tal, menos ainda se provou, quais as providências concretas desencadeadas em relação á árvore que caiu no veículo automóvel em questão, para que se pudesse concluir que o controlo, vigilância e fiscalização foram adequados, sistemáticos e continuados, e assim permitir ao Tribunal poder aferir se a Infraestruturas de Portugal SA «organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância de anomalias previsíveis», exercendo uma adequada, sistemática e contínua fiscalização técnica (no sentido de que só a alegação e prova desses requisitos ilide a presunção de culpa em caso de queda de árvore causadora de danos se pronunciam os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15.10.2009, p. 02090/06.3BEPRT, de 17.12.2003, p. 01499/03, de 15-10-2003, p. 011/03, de 22-10-1998 p. 043616, de 11.01.1994, p. 034034, de 11-01-1994, p. 031468, de 20.02.1990, p. 027844, de 13-02-1997, p. 37290, e de 07.11.1989, p. 027240).
O que tem de similar a situação dos autos com as situações descritas nos acórdãos citados, é a circunstância de não ter ficado provado que a entidade demandada, aqui Recorrente, tenha procedido a uma vigilância cuidada da árvore que veio a causar os danos participados, de forma sistemática, adequada e continuada.
Pelo exposto, impõe-se julgar improcedente o Recurso, por não terem sido alegados factos suficientes para a elisão da presunção de culpa prevista no artigo 493º nº 1 do Cód. Civil.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão proferida em 1ª Instância.
Custas pela Recorrente
Porto, 28 de junho de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa