Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00181/04.4BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/26/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS
IVA
PRESSUPOSTOS DOS MÉTODOS INDIRETOS
ERRO DE JULGAMENTO DE MATÉRIA DE FACTO
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO
Sumário:I. Face às regras do ónus da prova (art.º 324.º do Código Civil e 74.º da LGT) compete à administração tributária, quando pretende utilizar o mecanismo do métodos indiretos, demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por esse método, mostrando, de forma clara e inequívoca que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
II. Após que recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:H...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Seção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, Fazenda Pública, não se conformou com a sentença emitida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente a impugnação judicial intentada por H..., e esposa, melhor identificado nos autos, visando as liquidações de IVA, do ano de 1999, e de juros compensatórios, no valor global de € 30 334,01.

A Recorrente interpôs o presente recurso, formulando nas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

“(…) 1. O Mº Juiz a quo, reputou de ilegal a aplicação dos métodos indiretos para o apuramento da matéria coletável porque entende que no Relatório de Inspeção, não constam as razões pelas quais o apuramento da matéria tributável não foi efetuado com base em elementos que possam ter sido fornecidos pelo SP aquando da inspeção.

2. E que não constam factos objetivos e claros donde se possa concluir que resulta inviável a determinação da matéria tributável com base em métodos de avaliação direta, sendo que mesmo quando a presunção do artigo 75º da LGT é abalada, a prevalência deverá ser dada aos métodos diretos de avaliação.

3. A convição do Tribunal baseou-se nos documentos e informações constantes do processo, mas foi desvalorizada totalmente a prova documental constituída pelos pontos IV.1.2, páginas 4 a 6 e ponto 2.3 páginas 6 e 7 do relatório de inspeção e ponto D.5, páginas 5 e 6 do termo de resolução do Diretor de Finanças de Aveiro, onde se relatam os pressupostos de que partiu a inspeção para aplicar os métodos indiretos, e onde se demonstra como é que foi quantificada a matéria coletável.

4. Na douta sentença é posto em causa o procedimento utilizado pela AT para avaliar a matéria tributável.

5. Esse procedimento consistiu na designada avaliação indireta, ou aplicação de métodos indiciários.

6. Como ensina, J.L. Saldanha Sanches, em “ A quantificação da obrigação tributária”, 2ª Edição, Lisboa 2000, pág. 302, a expressão métodos indiciários, significa métodos de prova indireta, onde avulta a utilização de indícios, a que recorre a Administração tributária sempre que não pode basear a existência ou quantificação da matéria coletável nos elementos voluntariamente fornecidos pelo sujeito passivo no cumprimento dos deveres que lhe são imputados pela lei.

7. Primeiro que tudo é importante salientar que a aplicação deste procedimento de métodos indiretos é uma forma de reação aos incumprimentos do sujeito passivo. E se nos debruçarmos sobre o relatório de inspeção tributária, conseguimos apurar quais foram esses incumprimentos.

8. Segundo interpretamos o relatório, o principal motivo para pôr em causa a contabilidade está relacionado com a análise dos inventários.

9. Com efeito, no ponto IV.1.2, pág. 4 a 6 do Relatório diz-se que as quantidades e valores dos inventários não merecem credibilidade pelas anomalias aí indicadas, e aqui salientadas nas páginas 4 a 6 destas alegações.

10.Como determina o artº 75º nº 1 da LGT, há uma regra geral de presunção de veracidade das declarações e da contabilidade dos contribuintes, que deve ser ilidida pela verificação de “erros, inexatidões e outros indícios fundados” de que ela se encontra falseada.

11.Ora como é sabido, para a AT aplicar os métodos indiretos, é necessário que demonstre a existência de vícios na escrita, que destruam o seu valor probatório.

12.As anomalias detetadas pelos serviços de inspeção tributária no seu relatório, designadamente ao nível dos inventários, que eram insupríveis à data da realização da ação inspetiva revelam-se suficientes para concluir que se encontravam reunidos os pressupostos para aplicar os métodos indiretos.

13.No que concerne á quantificação, a IT partiu do pressuposto que o SP tinha registado em excesso no inventário final de 1999, 540 viaturas, que presumiu que tinham o valor de custo de 35.000$00 cada. E para apurar o valor daquelas existências finais que considerou em excesso, multiplicou a referida quantidade por aquele valor de custo e obteve o resultado de 18.900.000$00.

14.E deste modo, quantificou a importância que estava inventariada em excesso, e presumiu que as viaturas inventariadas em excesso foram vendidas.

15.De realçar que os números a que os serviços de inspeção chegaram (as 540 viaturas que estavam em excesso no inventário final) foram obtidos por presunção, tendo sido considerados para este efeito a entrada semanal de 3 viaturas a “custo zero” e o peso de 500 Kg por carcaça enviada para a fundição, conforme resulta do relatório de inspeção ponto 2.3 Página 6 e 7.

16. E perante as conclusões da inspeção, o contribuinte em fase posterior ao procedimento de inspeção, vem dizer que deu entrada no estabelecimento 540 viaturas a custo zero.

17.Aliás conforme é reconhecido pelo Diretor de Finanças, no termo de resolução de 6/10/2013, ponto D.3, pág. 6.

18.É assim inequívoco que as 540 viaturas que se considerou estarem registadas, a mais no inventário, foram quantificados, não com base em elementos trazidos pelo SP, mas sim com base em indícios ou presunções.

19.A douta sentença sob recurso omitiu por completo estes factos.

20.Ora atendendo ás deficiências contabilísticas detetadas bem como, ao facto de a ação inspetiva ter sido iniciada em março de 2003, era impossível à AT, ou mesmo ao sujeito passivo, quantificar e valorizar de forma direta e exata as existências em armazém á data de 31/12/1999, tornando-se, deste modo, impossível esta valorização e quantificação exata e concreta das existências iniciais e finais.

21.E consequentemente era impossível a quantificação direta e exata da matéria tributável, já que o CMVMC é um dos componentes essenciais para a determinação da matéria tributável sujeita ao imposto.

22.O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter entendido que não se encontra fundamentado de forma objetiva as razões pelas quais o apuramento da matéria tributável não foi efetuado com base em elementos que possam ter sido fornecidos pelo impugnante aquando da inspeção.

23.Pois conforme atrás se expôs a IT demonstrou inequivocamente no relatório de inspeção quais foram os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação que subjazem á aplicação dos métodos indiretos.

24.A administração fiscal está obrigada a fundamentar as suas decisões e no que ao caso interessa, ao abrigo do artº 77º da LGT, que prescreve no seu número 4, que deve especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável.

25.Conforme resulta do relatório de inspeção, nas páginas que temos vindo a salientar, encontram-se demonstradas todas as diligências efetuadas pela inspetora tributária, e espelha-se as razões da impossiblidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável, pelo que se encontra cumprido o artº 77º nº 4 da LGT, não estando o ato administrativo impugnado viciado por ilegalidade.

26.A douta sentença sob recurso fez uma incorreta apreciação dos factos, e violou os artigos 75º nº 1 e 77º nº 4 da LGT.

TERMOS EM QUE, deve ordenar-se a revogação da douta sentença, como é de LEI E JUSTIÇA (…)”


O Exmo. Procurador- Geral Adjunto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se há erro de julgamento e se a sentença, fez uma incorrecta apreciação dos factos, e violou os artigos 75º nº 1 e 77º nº 4 da LGT.

3. JULGAMENTO DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“(…)1 - A impugnante foi objeto de uma inspeção tributária e que deu lugar a correções em sede IVA no ano de anos de 1999, conforme relatório elaborado em 06.06.2003 pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Aveiro e constante do PA de fls. 3 a 13 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
2 - Os fundamentos para as correções acima enunciadas são em resumo os seguintes: "(...) O sujeito passivo iniciou a sua actividade em 1989/01 /01, estando enquadrado em sede de IRS na categoria B.
(...) A actividade exercida consiste essencialmente na aquisição de viaturas usadas sinistradas, que se destinam a ser desmanteladas, para posterior vendas dar peças, bem como na compra e venda de peças e acessórios para veículos automóveis. (...) Os materiais são adquiridos no mercado nacional e no mercado intracomunitário, nomeadamente em França.(...) Existem algumas situações de viaturas sinistradas que após reparação efectuada nas próprias instalações(...)são posteriormente vendidas, sendo militado o “Regime Especial dos Bens em Segunda Mão", aprovado pelo DL 199/96 de 18 de Outubro de 1996.(...)Da análise comparativa do valor do volume de negócios(...) verificamos que o sujeito passivo deveria ter contabilidade organizada, a partir do exercício de 1999, pois ultrapassou o limite definido à data no art° 110° do CIRS.(...) após ter sido notificado para o efeito regularizou a situação em falta.(...) (…)
MOTIVOS E EXPOSIÇAO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A METODOS INDIRECTOS (...) Análise dos valores declarados pelo Sujeito Passivo nas suas Declarações de Rendimentos(..)Da análise comparativa dos valores declarados nos últimos 5 anos ressaltam-nos as seguintes situações(...) aumento sucessivo das existências finais(...) variações positivas e negativas das compras e dos consumos; (...) variações positivas e negativas nas vendas; ligeiro aumento dos resultados líquidos apurados, com excepção do ano de 1999 que teve uma redução acentuada de 43,3%, relativamente ao ano anterior; (...) rentabilidades fiscais oscilando entre os 5,2 e os 6,78%; (...) relativamente ao ano de em análise (1999), verificamos que houve uma redução no valor das comprar e dos consumos, no entanto aumentaram as existências finais em 18,9%.(...) Houve também uma redução das vendas, dos resultados e da rentabilidade fiscal desse ano.(...) Análise dos Inventários (...) Os valores de inventário não nos merecem qualquer credibilidade pelo seguinte: (...) conforme relatado no ponto anterior verifica-se um aumento sucessivo das existências.(...) o valor das compras diminuiu de (- 5,9%), enquanto que as existências aumentaram de 18,9%(..)da consulta aos bens constantes do inventário final deste ano, surgem-nos várias situações que indiciam que os mesmos não têm qualquer credibilidade, impossibilitando a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.(...) Anomalias verificadas:(...) Valometria (...) O valor das existências iniciais das viaturas sinistradas para retirar peças e outros componentes está valorizada a 70.000;00 cada, enquanto que nas existências finais o seu valor é de apenas 35.000$00,(...) não existe qualquer controlo das peças retiradas de cada viatura, (…) uma vez que não possui fichas de controlo de viatura. (...) O contribuinte exibiu dois tipos de inventários, uma listagem manual feita em livros de guias de remessa (com denominação da actividade da esposa que já não exerce) com um valor que se afasta muito do que foi declarado e outro com valores que foram declarados na sua Declaração de Rendimentos (...) Quanto aos valores das peças usadas constantes no inventário, não é possível a sua comprovação, relativamente às peças retiradas das viaturas acidentadas bem como às adquiridas em estado de uso, em que a descrição nas facturas não permite a sua identificação pois são debitadas a maioria das vezes por lotes de peças"(...) Verificamos ainda, a existência de viaturas nas listagens manuais de 1998 e 1999,(..)que são valorizadas por valores diferentes e não constam nas existências registadas na contabilidade; (...) Depois de visitarmos as instalações reconhecemos que inventariar tal número de peças e outros componentes que não especificam quaisquer referências e quaisquer valores(o valor de venda segundo nos apercebemos está na cabeça do contribuinte), é impossível apurar concretamente o valor das existências.(...) Aliás, muitas das peças, outros componentes e pneus, são adquiridos em lotes, não especificando a identificação dos mesmos, nem o seu custo. (...) Quantificação (...) Outro ponto importante (...) é o facto do contribuinte ter declarado em existência inicial (1999) a quantidade de 725 viaturas para desmantelar e em existência final (1999) a quantidade de 1153 viaturas, talo valor representa 35% do valor total do inventário, o que se nos afigura um número excessivo tendo em conta as viaturas adquiridas e vendidas no próprio ano, de acordo com os elementos contabilísticos(...) Se considerarmos que todas as viaturas adquiridas no ano (118) seriam para desmantelar, os valores apurados são os seguintes:(...) O contribuinte declara em existências finais 1153 viaturas quando segundo estes cálculos apenas deveria ter 843 viaturas.(...) Agora se entrarmos em linha de conta com o número de viaturas que saíram para a empresa P… Sucatas, (...) para fundição e cujas facturas de venda especificam o número de quilos de sucata vendida, desconhecendo-se com precisão o peso de cada viatura(carcaça), daqui se depreende que a diferença das viaturas será ainda muito maior (...) Também de acordo com a informação verbal do contribuinte, semanalmente são rebocadas para as instalações viaturas oferecidas, portanto a custo zero, das quais não possui qualquer registo que permita saber exactamente qual o n° de viaturas nestas condições. Segundo nos informou será um média de dois a três carros por semana dos quais poderá retirar e vender peças, sendo a parte restante também enfardada e vendida como sucata. (...) Assim, no montante da sucata vendida (enfardada) estão englobados valores referentes a viaturas registadas na contabilidade e aquelas que foram oferecidas e não registadas.(...) As viaturas oferecidas não estão registadas na contabilidade, mas estarão consideradas nas existências finais, uma vez que se encontram no mesmo espaço das restantes. (...)Como se depreende não é possível quantificar com precisão qual o número de viaturas enfardadas, no entanto, a serem quantificáveis e consideradas como não existentes nos inventários, o número de viaturas em excesso no inventário final seria muito maior.(...) Considerando as viaturas usadas para venda constantes nas existências iniciais, as compras de viaturas feitas no ano e as constantes em existências finais, bem como ainda o n° de viaturas vendidas no ano, calculamos o n° de viaturas adquiridas para desmantelar (..)Sendo o número de viaturas em excesso no inventário final de 1999, de 540, conforme abaixo discriminamos: (...) Daqui se depreende que o inventário final apresenta um n° de viaturas inventariadas superior ao que efectivamente o contribuinte possuía em existências.(...) De realçar ainda, o facto de na listagem manual do ano de 2000(...) o número de viaturas que constam como sendo para desmantelar são de 600 e que o número normal de viaturas para desmantelar existentes nos inventários poderá oscilar entre os 600 e os 700 carros, aliás inicialmente informado pelo próprio contribuinte, antes de confrontado com os valores apurados.(…) Pelo que, relativamente às quantidades o inventário não nos oferece qualquer credibilidade.(...)Análise da parcela referente ao material usado/1999(…) Relativamente ao material usado, por representar cerca de 92% do valor total do inventário final, elaboramos o mapa abaixo discriminado (…) Como se pode verificar estas mercadorias não têm quaisquer referências, o que impossibilita o seu controlo.(...) Temos então que os bens usados em inventário com valores totais superiores a 1.000.000800, representam 74% do valor total do inventário e que os carros para desmantelar representam 35% do mesmo.(...) Por nos parecer que o n. de viaturas em existências(1153), é bastante elevado, fomos relacionar todas as aquisições destes bens no ano de 1999, na União Europeia e também no mercado nacional (...) Dada a característica da actividade, as viaturas são desmanteladas nas suas várias componentes e vendidas individualmente.(…) Pelo que acabamos de expor e sendo as “existências" uma forma simples de 'fabricar" resultados através de uma inventariação de mercadorias que não corresponde às que afectivamente o Sujeito Passivo possuía e não sendo possível controlar clara e inequivocamente estes valores, por deficiência de organização da própria escrita, como ainda, não foi possível fazer uma amostragem às peças usadas pelas razões atrás apontadas e assim comparar com a % do Lucro Bruto declarado, a determinação da matéria colectável vai ser calculada por avaliação indirecta com os pressupostos da alínea b) do art° 87° da Lei Geral Tributária e alínea a) do art° 88° do mesmo diploma legal (...)".
3 - O impugnante apresentou reclamação contra a fixação da matéria tributável nos termos do art° 91° da LGT, cfr. fls. 190 do PA e que aqui se dá por reproduzido.
4 - O pedido de revisão identificado em 3), não foi atendido, conforme fls. 153 a 160 do PA e que aqui se dão por reproduzidas.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da matéria dada como assente, no teor dos documentos identificados e não impugnados.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem com interesse para a presente decisão..(…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
A questão fundamental dos autos reduz em saber se há erro de julgamento e se a sentença, fez uma incorrecta apreciação dos factos, e violou os artigos 75.º n.º 1 e 77.º n.º 4 da LGT.
Vejamos:
O n.º 1 do art.º 75.º do Lei Geral Tributária (LGT) determina que “ Presumem-se verdadeiras de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando este tiverem organizada de acordo com a lei comercial e fiscal.”
Determina o n.º 2 do mesmo preceito que tal presunção não se verifica no caso de a contabilidade revelar omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
Assim, o artigo 75.º da LGT consagra o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei fiscal e comercial.
Esta presunção vincula a administração fiscal à realização da liquidação com base nas declarações dos contribuintes, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, ao controlo dos factos declarados.
Por sua vez o n.º4 do art.º 77.º da LGT, na redação anterior ao decreto – lei n.º 30-G/2000 de 29.012, preceituava queA decisão da tributação por métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exactas da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade base científica, e indicará os critérios utilizados na sua determinação.”
Assim, o n.º4 do art.º 77.º da LGT obrigava a Administração quando recorresse à tributação por métodos indiretos, nos casos e com os fundamentos previstos na lei, a especificar os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exatas da matéria tributável e indicar os critérios utilizados na sua determinação.
Determinava ainda o n.º 2 do art.º 85.º da LGT que À avaliação indirecta aplicam-se, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação directa.”.
No que respeita à avaliação indireta, por força do art.º 85.º da LGT esta é subsidiária da avaliação direta.
O n.º 2 do art.º 83.º da LGT preceitua que “A avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha.
Assim todas as correções devem ser efetuadas com base nos elementos contabilísticos, só excecionalmente se poderá recorrer à avaliação indireta que é subsidiária.
Por imposição do n.º 1 art.º 84.º do CIVA a liquidação do IVA, com base em presunções ou métodos indiretos efetua-se nos casos e condições previstos nos artigos 87.º e 89.º da Lei Geral Tributária.
A alínea b) do art.º 87.º da LGT estabelece que a avaliação indireta só se pode efetuar no caso de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.
O art.º 88.º da LGT, na redação à data dos factos, prevê que: “A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos da aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal. (…)”.
Face às regras do ónus da prova (art.º 342.º do Código Civil e 74.º da LGT) compete à administração tributária, quando pretende utilizar o mecanismo dos métodos indiretos, demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por esse método, mostrando, de forma clara e inequívoca que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
É também jurisprudência do acórdão do TCAN 01717/04 Viseu de 30.09.2015 o qual sumaria queI – Cabe à AF demonstrar que os erros ou irregularidades detectados na contabilidade do contribuinte são de tal forma relevantes que inviabilizam a comprovação directa e exacta da matéria tributável e que o recurso aquele método se tornou a única forma de a determinar, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, só então se mostrando legitimada a tributação com base nas operações que o contribuinte presumivelmente efectuou.
III. Se da fundamentação apresentada pela AF não resultam demonstrados aqueles pressupostos, a liquidação que na sua sequência foi efectuada, mostra-se inquinada por vício de violação de lei e, como tal, tem de ser anulada.” bem como dos Acórdãos n.º 04634/04 Viseu de 28.02.2008, 00045/03 Coimbra de 13.11.2014.
Importa agora verificar se a Administração Fiscal demonstrou os pressupostos legais e se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento.
A Recorrente alega que a sentença recorrida baseou-se nos documentos e informações constantes do processo no entanto, desvalorizou a prova documental constituída pelos pontos IV.1.2 e 2 e ainda D.5 do Termo de Resolução do Diretor de Finanças de Aveiro, onde se relatam os pressupostos de que partiu a inspeção para aplicar os métodos indiretos e onde se demonstra como foi quantificada a matéria tributável.
A Administração no ponto IV 1.2 fez análise dos valores declarados pelo Recorrido nas suas declarações dos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999 e 2000 e concluiu que :
Aumento sucessivo das existências finais, variações positivas e negativas das compras e dos consumos; variações positivas e negativas nas vendas; ligeiro aumento dos resultados líquidos apurados, com exceção do ano de 1999 que teve uma redução acentuada de 43,3%, relativamente ao ano anterior; rentabilidades fiscais oscilando entre os 5,2 e os 6,78%;.
E relativamente ao ano de em análise (1999), verificaram que houve uma redução no valor das compras e dos consumos, no entanto aumentaram as existências finais em 18,9%.
E que houve também uma redução das vendas, dos resultados e da rentabilidade fiscal desse ano.
No ponto IV.1.2 a Inspeção procedeu análise dos inventários referindo que estes não merecem qualquer credibilidade, enunciou anomalias verificadas e procedeu à quantificação. Referindo que “de acordo com a informação verbal do contribuinte, semanalmente são rebocadas para as instalações viaturas oferecidas, portanto a custo zero, das quais não possui qualquer registo que permita saber exactamente qual o n° de viaturas nestas condições. Segundo nos informou será um média de dois a três carros por semana dos quais poderá retirar e vender peças, sendo a parte restante também enfardada e vendida como sucata.
Assim, no montante da sucata vendida (enfardada) estão englobados valores referentes a viaturas registadas na contabilidade e aquelas que foram oferecidas e não registadas.(...)
As viaturas oferecidas não estão registadas na contabilidade, mas estarão consideradas nas existências finais, uma vez que se encontram no mesmo espaço das restantes.
Como se depreende não é possível quantificar com precisão qual o número de viaturas enfardadas, no entanto, a serem quantificáveis e consideradas como não existentes nos inventários, o número de viaturas em excesso no inventário final seria muito maior.(...).
Por sua vez, do Termo de Resolução do Diretor de Finanças de Aveiro, efetuado ao abrigo do art.º 92.º n.º6 da LGT, consta uma apreciação no ponto D.3 na qual refere os serviços de inspeção procederam a um controlo das entradas e saídas de viaturas para desmantelar e respetivas existências tendo verificado uma diferença de 540 viaturas entre as quantidades apuradas e as quantidades declaradas no inventário final do ano de 1999 e que esse facto só por si é prova suficiente que os registos contabilísticos não refletem todas as operações realizadas pelo sujeito passivo.
E que o perito do contribuinte veio justificar que se devia a entrada no estabelecimento de 540 viaturas a custo zero.
No ponto D5 do mesmo Termo– relativamente à quantificação- refere que “torna-se particularmente difícil o controlo das existências, digamos, se não impossível, perante os elementos de escrita apresentados” sancionando as quantificação efectuada pela inspecção.
Na sentença recorrida consta que: “Resulta do exarado no relatório da inspeção tributária, que na contabilidade do impugnante existiam irregularidades, porquanto os valores dos inventários não mereciam qualquer credibilidade, designadamente pelo facto de ter ocorrido entre outros, um aumento sucessivo das existências e uma diminuição das compras, tendo concluído ainda que nas existências finais de 1999 estariam declaradas a mais 540 viaturas.
Por outro lado, o impugnante reconhece efetivamente que incluiu nas existências finais de 1999 a quantidade de 1153 de carros usados, dos quais 540 foram adquiridos a custo zero, e que ao contrário do que concluiu a inspeção tributária estas 540 viaturas não foram vendidas.
Ora, atento o que acima se encontra descrito, concluímos desde já que assiste razão ao impugnante ao invocar a ilegalidade de aplicação dos métodos indiretos para o apuramento da matéria coletável respeitante ao ano de 1999.
Com efeito, e embora se reconheça a ocorrência de irregularidades a nível da inventariação de peças e outros componentes, bem como um aumento sucessivo das existências, a verdade é que tais factos por si só não são suficientes para se concluir sem mais, pela aplicação dos métodos indiretos e daí, partir para a conclusão de que haviam sido sonegadas vendas, designadamente no que concerne às 540 viaturas acima enunciadas.
Na verdade, tendo a inspeção concluído pela falta de contabilização destas viaturas, nada impedia que a mesma procedesse à determinação da matéria tributável com base em métodos diretos, após as competentes averiguações e correções, pois, e tal como é alegado pelo impugnante, as eventuais irregularidades apontadas não justificam a conclusão de que as 540 viaturas foram vendidas.
Assim sendo, resta concluir, que o relatório da inspeção tributária não revela factos objetivos e claros donde se possa concluir que resultava inviável a determinação da matéria tributável com base em métodos de avaliação direta, sendo que, e como acima se encontra enunciado, mesmo quando a presunção do art. 75° da LGT é abalada, a prevalência deverá ser dada aos métodos diretos de avaliação.
Nestes termos, e face às disposições legais acima enunciadas, o recurso a métodos indiretos de tributação tem de implicar, um acrescido esforço de fundamentação não só formal, mas sobretudo material através de uma inequívoca e segura demonstração probatória dos pressupostos justificativos do recurso a tais métodos por parte da administração tributária.
O que não sucedeu in casu, pois que embora seja reconhecido pelo impugnante a entrada das 540 viaturas, que o mesmo alega terem sido adquiridas a custo zero e que não se encontravam contabilizadas, a verdade é que tal facto não é suficiente para se concluir da impossibilidade da determinação da matéria coletável de forma direta.
Para além disso, não se encontra fundamentado de forma objetiva as razões pelas quais o apuramento da matéria tributável não foi efetuado com base em que elementos que possam ter sido fornecidos pelo impugnante aquando da inspeção.
E assim sendo, conclui-se pela ilegalidade do recurso aos métodos indiretos para a fixação da matéria tributável para o ano de 1990.(...)”
Apreciado o Relatório de Inspecção, Termo de Resolução e a matéria de facto não impugnada, a sentença recorrida não nos merece reparo.
Como supra se disse a avaliação indireta só pode efetuar-se no caso de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.
In casu não se explica por que razão a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto.
O relatório de inspeção limita-se a remeter para o art.º 87.º e alínea a) do art.º 88.º da LGT, sem cuidar de explicar a impossibilidade de quantificação da matéria tributável.
Se atentarmos no Termo de Resolução, elaborado de acordo com o n.º 6 do art.º 92.º da LGT – ponto D.3 e D.5- sustenta-se nas obrigações contabilísticas dos sujeitos passivos e que os Serviços de Inspeção procederam ao controle das entradas e saídas de viaturas e respetivas existências e que verificaram uma diferença de 540 viaturas, facto que no seu entender justifica o recurso a métodos indiretos. Tendo os Serviços de Inspeção concluído pela falta de contabilização destas viaturas, como bem refere a sentença recorrida, nada impedia que a mesma procedesse à determinação da matéria tributável com base em métodos diretos.
Assim, não é explicado quer no relatório de inspecção quer no termo de resolução clara e inequivocamente que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto.
Assim, teremos de concluir que não estão reunidos os pressupostos do recurso a métodos indiretos pelo que a sentença recorrida não violou os artigos 75.º n.º 1 e 77.º n.º 4 da LGT.

E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário:
I. Face às regras do ónus da prova (art.º 324.º do Código Civil e 74.º da LGT) compete à administração tributária, quando pretende utilizar o mecanismo do métodos indiretos, demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por esse método, mostrando, de forma clara e inequívoca que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
II. Após que recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 26 de outubro de 2017

Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira

Ass. Mário Rebelo

Ass. Cristina Travassos Bento