Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00300/05.3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/21/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Vital Lopes
Descritores:IEC
IABA
OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS
AÇÃO DE FISCALIZAÇÃO ADUANEIRA
Sumário:1. Conforme resulta do disposto no art.º24.º, n.º2, do aplicável Código dos Impostos Especiais de Consumo (IEC), aprovado pelo DL n.º566/99, de 22 de Dezembro, constituem obrigações acessórias do depositário autorizado, entre outras e nos termos das suas alíneas b) c) e d), “manter actualizada uma contabilidade das existências em sistema de inventário permanente, com indicação da sua proveniência, destino e os elementos relevantes para o cálculo do imposto”, “apresentar os produtos sempre que tal lhe for solicitado” e “prestar-se aos varejos e outros controlos determinados pela autoridade aduaneira”;
2. Constatadas em acção de fiscalização aduaneira diferenças para menos entre o saldo contabilístico e as existências em entreposto apuradas no varejo, à entidade fiscalizada cabe fazer a prova de que tais diferenças tiveram outro destino ou encontram outra justificação que não passa pela sua introdução no consumo.
3. Na falta dessa prova, que tem de ser concludente, não enferma de ilegalidade a liquidação, pela estância aduaneira, do imposto (IEC/ IABA) sobre as diferenças constatadas. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Caves..., CRL
Recorrido 1:Alfândega de Braga
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

Caves…, CRL, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada do acto de liquidação de IEC – Imposto sobre o Álcool e bebidas alcoólicas (IABA), efectuado pela Estância Aduaneira de Braga, no valor de 55.234,01€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.190).

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

1. A prova testemunhal carreada para os autos, foi mal valorada e, consequentemente, reapreciada que seja, o que ora se solicita, deve mui doutamente ser considerado provado que:
a. “o valor apurado pelo varejo da DON não foi transposto para a contabilidade de existências (conta corrente), atendendo ao estatuído no ponto II-4 do Comunicado de Vindima, por se encontrar na tolerância de existência de 5%”;
b. “a cuba de inox nº 10, continha à data do varejo 5.800 litros de aguardente”;
c. “a cuba de inox nº 10, não foi objecto de varejo;
d. “O empregado do armazém (adegueiro), por lapso seu, não referiu a existência da cuba n.º 10, nem os Srs inspectores questionaram a existência da mesma.”
e. “O presidente da cooperativa não acompanhou a acção de varejo, tendo-se limitado a assinar o respectivo termo sem proceder a qualquer tipo de certificação”
o que foi corroborado pelas testemunhas que em julgamento depuseram nesse sentido e infirmam os factos constantes do Relatório.

2. Nos termos do disposto no artigo 115.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), são admitidos em impugnação judicial os meios gerais de prova, incluindo, por isso, a produção de prova testemunhal.

3. Nos termos do art. 73º da Lei Geral Tributária “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, sob pena de violação da capacidade contributiva e da verdade material.

4. A decisão recorrida ao acolher a presunção de introdução no consumo, invocada pela Autoridade Aduaneira, consagra-a como uma presunção inilidível, violando, assim, o princípio da legalidade.

5. o facto considerado como não provado, face ao depoimento das testemunhas impunha solução diversa, pois que conforme depoimento da testemunha F…, foram comunicadas as quantidade aplicadas em lotas, através da carta junta aos autos e não através de formulário próprio

6. A decisão recorrida acolhe as exigências formais em detrimento da verdade material sem porém justificar plena e convincentemente a formação da sua convicção.

A sentença violou, entre outras, as disposições legais contidas nos art. 668º n.º 1, al. c) e d) do CPC e art. 73 da LGT, 115º do CPPT e os princípios da verdade material, da legalidade e da capacidade contributiva.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V EXSª, DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, DEVENDO, A FINAL SER JULGADA PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO OPORTUNAMENTE DEDUZIDA PELA ORA RECORRENTE,
ASSIM FAZENDO V. EXSª A COSTUMADA E HABITUAL
JUSTIÇA».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto teve vista do processo, mas não emitiu parecer.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente, o objecto do recurso consiste, nuclearmente, em indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao concluir pela legalidade das correcções levadas a efeito pela Alfândega de Braga, por introdução irregular no consumo de mercadoria em falta à data do varejo, quantificada em 7.840,62 litros de aguardente vínica e 1.971,24 litros de vinho generoso.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1.ª instância, deixou-se consignado factualmente:

«Pelos documentos juntos aos autos com relevância para a decisão a proferir, julgo provados os seguintes factos:
1. A Adega Cooperativa de A… beneficia do estatuto de depositário autorizado, desde 22.04.1993, tendo o NIEC 1…- cfr. fls. 11 do Processo administrativo;
2. A Adega Cooperativa de A… é titular do entreposto fiscal de produção n.° 3…, o qual se situa na Rua Dr…., em A… - cfr. fls. 11 do Processo administrativo;
3. Por escritura pública, lavrada no Cartório Notarial de Peso da Régua, em 06.01.2004, foi feita a fusão por incorporação da Adega Cooperativa CRL, na Cooperativa Vitivinícola do P…, Caves…, CRL, assumindo esta (cooperativa incorporante) os direitos e obrigações daquela (cooperativa incorporada), passando a nova cooperativa resultante da fusão a denominar-se “Caves…, CRL”;
4. Após o processo de fusão foi instalado na Adega de A… um programa informático de contabilidade, sendo que, até à data, a Adega não tinha gestão de stocks e a faturação era feita manualmente;
5. Na sequência da operação de fusão a ora impugnante solicitou o encerramento do referido entreposto fiscal;
6. Foi iniciada ação de fiscalização à Impugnante, tendo como finalidade a verificação do cumprimento integral do regime aplicado ao álcool e às bebidas alcoólicas nos termos do CIEC, na qual foi utilizada a seguinte metodologia:
• Varejo ao interposto fiscal dependente da delegação aduaneira do Peso da Régua;
• Conhecimento integral dos fluxos de entrada e saída dos produtos;
• Conferência documental;
Controlo da contabilidade de existências relativamente ao interposto fiscal - cfr. fls. 11 verso do Processo administrativo;
7. Aquando daquele varejo, na Adega ainda não havia sistema de inventário permanente;
8. O referido varejo, ocorrido em 17.05.2004, teve como ponto de partida os varejos realizados pela Divisão Operacional Norte da Direção de Serviços Antifraude que, no que respeita a aguardente vínica, ocorreu em 08.07.2002, e, no que respeita aos demais produtos (vinho generoso e vinhos tranquilos, branco e tinto) ocorreu em 17.07.2002 e foi corrigido em 13.09.2002 - cfr. fls. 11 verso do Processo administrativo;

9. Em 30.08.2004, foi elaborado o Relatório Final, com o teor constante de fls. 9 a 10 a 14 do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e onde, além do mais consta o seguinte:
“(…)
Encontra-se apurado o regime de suspensão de imposto especial sobre o consumo, das expedições amparadas pelos documentos administrativos de acompanhamento (DAA’s), emitidos pelo depositário autorizado.
7- EXISTÊNCIAS
À data de 17 de maio de 2004, o depositário autorizado detinha no entreposto fiscal as seguintes existências:

Produto
Contabilidade
(reconstituida nos Serviços)
Varejo
Diferenças
(Lts)
Vinho generoso a granel
13.841,50
7.100,000
(6.741,50)
Aguardente vínica a 77% vol.
12.052,00
3.022,000
(9.30,00)
Vinho de mesa Branco
417.795,64
390.668,875
(27.126, 77)
Vinho de mesa Tinto
1.309.047,00
1.284.993,375
(16. 003,625)
Ajuntos de vinho mesa
8.050,000

(...)
9 - CALCULO DA DÍVIDA ADUANEIRA

(...)
O saldo de vinho generoso, à data de 17.05.2004 era de 7.100 litros; o saldo inicial (varejo da DON e retficaçõo do mesmo) era de 14.960 litros; as entradas até à data do varejo totalizam 305.192 litros.
Seguindo o raciocínio, para cálculo da franquia, traduzido na al. A) do n.º1 do
artigo 39° CIEC, concluiu-se estar justificado o valor de imposto respeitante a 3.201,52
litros pelo que será alvo de cobrança a quantidade de 3.539.98 litros.

Já no que diz respeito à aguardente vínica, temos que o saldo à data de 08/07/2002 (varejo da DON) era de 36.725,00 litros; as entradas até à data do varejo totalizam 43.099,00 litros.
Seguindo o raciocínio, para cálculo da franquia, traduzido na ah A) do n.º1 do artigo 39° CIEC, concluiu-se estar justificado o valor de imposto respeitante a 798,24 litros pelo que será alvo de cobrança a quantidade de 8.231,76 litros.

Produto
Litragem a cobrar
IABA
Vinho generoso a granel 3.539,98 3.539, 98*52.29/100=1.851,06 Euros
Aguardente vínica 77% vol 8.231,76 8.231,76*898,12/100*77%vol=56.926,93 Euros

A diferença detetada entre os saldos, dos vinhos de consumo, traduzem um elevado grau de desordem do depositário autorizado na elaboração da contabilidade de existências para os produtos em causa, O depositário autorizado, contudo, em sede de audição prévia, retificou radicalmente as contas-correntes dos vinhos tranquilos. Assim, face aos valores atingidos, e atendendo às quantidades do varejo da DON (17.07.2002), importa introduzir no consumo 27.126,77 litros de vinho de mesa branco e 16.003,63 litros de vinho de mesa tinto.
Contudo, temos que o saldo de vinho de mesa tinto à data de 17.07.2002 (varejo da DON) era de 987.740,00 litros; as entradas até à data do varejo totalizam 1.572.975,00 litros.
Seguindo o raciocínio, para cálculo da franquia, traduzido na al. A) do n. °1 do artigo 39° CIEC, concluiu-se estar justificada a dferença apurada.
Relativamente ao vinho de mesa branco, o saldo, à data de 17/07/2002 (varejo da DON) era de 539,720,00 litros,’ as entradas até à data do varejo totalizam 859.219,00 litros.
Seguindo o raciocínio, para cálculo da franquia, traduzido na al. A) do n. °1 do artigo 39° CIEC, concluiu-se estar justflcada a quantidade 13.989,39 litros, importando introduzir no consumo a quantidade de 13.137,38 litros.

10 - CONCLUSÕES
10.1. Considerando que o depositário autorizado não apresentou a contabilidade de existências organizada, em sistema de inventário permanente, em sintonia com o definido na alínea b) do n.º2 do artigo 24° CIEC (esta infração, já foi detetada no decurso de inspeção desenvolvida pela DON e mantém-se inalterada);
10.2. Considerando que as vasilhas do entreposto fiscal de produção, titulado pelo depositário autorizado, não estão devidamente aferidas e munidas das respetivas escalas graduadas, o que inviabiliza a realização de varejos com o mínimo de certeza (esta infração, já foi detetada no decurso de inspeção desenvolvida pela DON e mantém-se inalterada);
10.3. Considerando que o depositário autorizado produziu para além do declarado na DCP 2002, vinho de mesa tinto (122,125 litros) violando o definido no n.° 1 do artigo 21º do CIEC;
10.4. Considerando que o depositário autorizado introduziu irregularmente no consumo mercadoria (13.137,38 litros de vinho de mesa branco) violando o definido no artigo 8° do CIEC;
10.5. Considerando que o depositário autorizado solicita a revogação da autorização para funcionamento do entreposto fiscal n.° 39929432, nos termos do n°1 do artigo 31° do CIEC.
10.6. Considerando que face aos elementos apresentados pela DON, surgem novos elementos, sobre os quais o depositário autorizado não se pronunciou, implicando que seja efetuada nova audição prévia deste;
11-PROPOSTAS
11.2. Promover a cobrança do IABA constante do ponto 9;

(…)”
10. Sobre o Relatório referido em 9., foi proferido pelo Diretor da Delegação Aduaneira de Peso da Régua, em 11.10.2004, o seguinte despacho: “Visto. Concordo. Cancelo o EFP, nos termos e fundamentos dão relatório e parecer. Cópia à C.F para instrução do proc. cob. à posteriori. Elaborar as competentes participações. Notifique-se.” - cfr. fls. 10 do Processo administrativo;
11. Por notificação datada de 03.11.2004, dirigida ao Representante da “Adega
Cooperativa de A… CRL”, foi a Impugnante notificada para pagamento da quantia de 55.254,01€, apurado no âmbito da inspeção referida em 6. - cfr. fls. 32 dos autos;

12. A Petição inicial que motiva os presentes autos foi expedida para o T.A.F. de Viseu, via e-mail, em 18.02.2005 - cfr. fls. 1 dos autos.
*
Julgo como não provada a seguinte factualidade:
Que tenham sido aplicados 3.410 litros de aguardente vínica (lotas) ao vinho generoso da campanha 2002/2003.
Os factos dados como assentes e, bem assim, o facto não provado tiveram por base o processo administrativo e os documentos juntos aos autos, e o facto elencado sob o número 12 decorreu da tramitação dos autos.
Além disso, foi produzida prova testemunhal, a qual, apesar de circunstanciada e credível, não logrou infirmar os factos constantes do relatório final, não se revelando particularmente relevante para o que se discute nos presentes autos.
As testemunhas inquiridas possuíam, considerando a razão de ciência que invocaram, um conhecimento direto dos factos sobre os quais depuseram.
A testemunha A…, funcionário do armazém, presenciou a atividade inspetiva, mormente o varejo realizado, relatando os procedimentos e afirmando que, por lapso seu, não foram contabilizadas duas cubas em inox que estavam no armazém. Quanto a procedimentos contabilísticos, disse desconhecer, por completo, como se processavam.
A testemunha F…, operador informático na impugnante, referiu que, até à data da fusão, a Adega não possuía a contabilidade em ordem, nomeadamente, a nível informático, sendo que foi ele quem instalou o programa informático e ajudou os demais funcionários com o seu funcionamento.
Indicou, ainda, que o Sr. A…, na qualidade de adegueiro é que era responsável pelo armazém e sabia de tudo o que ao armazém respeitava.
Por outro lado, a testemunha F…, diretor administrativo e financeiro da Impugnante, explicou em que consistiu a fusão das Cooperativas.
Quanto ao responsável pela adega, indicou ser o Sr. A…, o qual caracterizou como pessoa dotada dos conhecimentos práticos do movimento do armazém mas totalmente alheada das questões administrativas.
Relativamente ao Presidente da Cooperativa, a testemunha aduziu que era uma pessoa de idade.
A testemunha M…, escriturária da Impugnante, referiu que só após a fusão é que se começou a informatizar a contabilidade. Relativamente à pessoa que desempenhava as funções de adegueiro, indicou que o mesmo era uma pessoa responsável mas que não teria noção do que acarretava uma inspeção como aquela de que a Adega foi alvo; quanto ao Presidente da Cooperativa, referiu que o mesmo já tinha uma idade avançada e que, à data, acompanhava muitas vezes a mulher que estava bastante doente.
No mesmo sentido, foi prestado depoimento pela testemunha H…. Esta testemunha revelou saber dos dois varejos efetuados (2002 e 2004), indicou que a contabilidade não estava informatizada até à fusão das cooperativas e que não faziam contagem de existências.
Relatou, também, que, por ocasião do varejo, quem acompanhou os técnicos de inspeção foi o Sr. A… e que, no final, foi solicitada a comparência de alguém que representasse a Cooperativa, tendo a testemunha entrado em contacto com o Presidente da Adega.
Indicou que o Sr. A… era uma pessoa de parcos conhecimentos em termos administrativos, percebendo apenas do trabalho desenvolvido no armazém;
relativamente ao Presidente, afirmou que o mesmo já tinha perto de 80 anos e que andava sempre muito ocupado a prestar apoio à mulher que, à data, estava bastante doente. Referiu, igualmente, que o Presidente assinou o auto de varejo sem ler, confiando, como era seu hábito, no que os seus funcionários lhe diziam.
A testemunha António…, arrolada pela Impugnada, interveio no próprio ato de varejo, juntamente com um colega. Relatou que foram analisados todos os armazéns da Adega, não havendo hipótese de ter havido alguma cuba que não fora vista, até porque levaram uma planta do armazém, que seguiram, e que, no final, solicitaram contagem de existências e tal não foi disponibilizado porque não existia.
Mais tarde, já dias depois do varejo, foram entregues alguns documentos.
Referiu que o auto de varejo foi assinado pelo Presidente, que havia conferenciado com o Sr. A….
Relativamente a saídas para lotas, indicou que foi solicitada informação ao I.V.D.P. e que este se pronunciou no sentido de que não havia movimentos daquele género naquele período.
A instâncias da Exmª Mandatária da Impugnante, a testemunha revelou que o seu depoimento derivava mais da sua experiência do que propriamente do varejo realizado nas instalações da Impugnante, pelo que o seu teor foi valorado com alguma cautela.
Com interesse e relevância para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado ou não provado».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

A Recorrente impugna a matéria de facto, quer por entender que o facto considerado «não provado» [que tenham sido aplicados 3.410 litros de aguardente vínica (lotas) ao vinho generoso da campanha de 2002/2003] deveria ser considerado facto provado face à prova produzida, quer por entender que houve erro na selecção da matéria de facto, não tendo sido levados ao probatório factos alegados e provados, o que determinou o erro de julgamento em que a sentença incorreu.

Relativamente à discordância quanto ao facto considerado «não provado», a Recorrente aponta o depoimento da testemunha F… como impondo decisão diversa da que foi proferida pois que conforme o seu depoimento «foram comunicadas as quantidades aplicadas em lotas, através da carta junta aos autos e não através de formulário próprio» (Conclusão 5.ª)

Todavia, analisado o depoimento da testemunha indicada, nada resultou de esclarecedor e convincente, bem pelo contrário, pois afirma que as saídas para lotas têm de ser comunicadas à CIRDD, mas quando perguntado se foi feita comunicação à CIRD da incorporação de aguardente vínica respondeu que não sabe.

Outra testemunha, H…, por seu lado, confrontada com o doc.7 anexo à p.i., declara ser ela quem costuma elaborar tais comunicações à CIRDD, mas se elaborou aquela comunicação em concreto, não sabe.

Como se vê, do depoimento das testemunhas e nomeadamente daquela que a Recorrente especialmente indica, nada resulta de convincente a impor decisão diversa da que foi proferida, a qual se apresenta até como a única possível, pois o doc.7 que a impugnante juntou como se tratando da comunicação à CIRDD de que foram aplicados 3.410 litros de aguardente vínica (lotas) ao vinho generoso da campanha de 2002/2003, trata-se de uma carta simples que não está acompanhada de qualquer documento de remessa ou confirmação de recepção pela entidade destinatária e a testemunha António…, que interveio no acto de varejo, no seu depoimento, refere que solicitada informação ao I.V.D.P. (Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto), que entre outras funções controla as saídas para lotas dos produtores, o mesmo respondeu que, no período em causa, não tinha havido qualquer comunicação da impugnante quanto a saída para lotas. Acresce que tal comunicação obedece a formulário próprio, com a própria Recorrente parece não discordar, não se avançando qualquer explicação credível para que no caso concreto (e eventualmente noutros) se tivesse feito através de carta simples, fazendo tábua rasa de tal formalidade.

Assim, julga-se neste ponto improcedente a impugnação da matéria de facto.

Quanto ao mais, entende a Recorrente que deveriam integrar o probatório e como factos provados, os seguintes:
«a. “o valor apurado pelo varejo da DON não foi transposto para a contabilidade de existências (conta corrente), atendendo ao estatuído no ponto II-4 do Comunicado de Vindima, por se encontrar na tolerância de existência de 5%”;
b. “a cuba de inox nº 10, continha à data do varejo 5.800 litros de aguardente”;
c. “a cuba de inox nº 10, não foi objecto de varejo;
d. “O empregado do armazém (adegueiro), por lapso seu, não referiu a existência da cuba n.º 10, nem os Srs inspectores questionaram a existência da mesma.”
e. “O presidente da cooperativa não acompanhou a acção de varejo, tendo-se limitado a assinar o respectivo termo sem proceder a qualquer tipo de certificação”».

Relativamente ao facto que indica na alínea a), não há elementos de prova que confirmem o alegado (que o valor apurado pelo varejo da DON não foi transposto para a contabilidade das existências (conta corrente) da ora impugnante em virtude do estatuído no ponto II -4 do Comunicado de Vindima do I.V.D.P.); o que resulta demonstrado é que de acordo com o referido comunicado (consta a fls.50, como doc.5 junto à p.i.), não podia nem devia constar da conta corrente com esse organismo o excesso de produção tolerado do ano até 5%.

Quanto aos factos referidos nas alíneas b) a d), analisados os depoimentos de todas as testemunhas, não resulta minimamente evidenciado que a cuba n.º10 continha à data do varejo 5.800 litros de aguardente e não foi objecto de varejo.

Na verdade, os únicos depoimentos prestados com conhecimento directo dos factos foram os do adegueiro A…, que acompanhou os inspectores na acção de varejo e do inspector que interveio na acção de varejo, António….

Todos os demais, são testemunhas de “ouvir dizer”, sem conhecimento directo dos factos em questão.

Ora, o depoimento do adegueiro A… que afirma que não se lembrou de mostrar aos inspectores o armazém n.º3 onde se encontravam as cubas n.º10 e n.º11, sendo que a primeira tinha cerca de 5.800 litros de aguardente que os senhores inspectores não viram, resulta pouco convincente no confronto com o depoimento do inspector António… que declara que o varejo foi feito com base na planta do entreposto, que contém as vasilhas existentes, capacidades, memória descritiva e desenho dos armazéns, elementos esses que a testemunha F…, informático da impugnante, refere ter actualizado, mais esclarecendo o inspector que das fichas de produto anexas ao termo de varejo apenas constam listadas as cubas com conteúdo e delas não conta a cuba n.º10. Nestas condições, resulta improvável que não tenha sido varejado o armazém n.º3 onde a cuba n.º10 se encontraria localizada. Tanto mais que, como o próprio adegueiro refere, estaria habituado a acompanhar as regulares operações de controlo levadas a efeito por outros organismos reguladores da actividade e perguntado se nessas ocasiões mostrava os armazéns todos respondeu afirmativamente, pelo que, não é crível que se tenha esquecido de mencionar tal armazém aos inspectores na acção de varejo. De qualquer modo, nunca a convicção do tribunal se poderia fundar apenas no depoimento de uma única testemunha, para mais tratando-se de um colaborador da impugnante.

Quanto ao facto referido na alínea e), não resulta controvertido que o presidente da cooperativa não acompanhou a acção de varejo e embora do depoimento das testemunhas resulte convincente no sentido de que não terá confirmado o conteúdo do termo de varejo que assinou – pois como declaram se deslocava às instalações da impugnante esporadicamente, se encontrava perturbado pela doença da mulher, já era de avançada idade, fazia fé nos funcionários – não se alcança a relevância de tal facto para as questões controvertidas em vista do julgamento da restante matéria.

Já se entrevê que falece razão à Recorrente quando pretende que tais factos sejam considerados provados, posto que o material probatório dos autos não corrobora o que alega.

Assim, passam a constar do probatório como factos «não provados», para além do indicado na sentença, os seguintes:
Ø o valor apurado pelo varejo da DON não foi transposto para a contabilidade de existências (conta corrente), atendendo ao estatuído no ponto II-4 do Comunicado de Vindima, por se encontrar na tolerância de existência de 5%”;
Ø “a cuba de inox nº 10, continha à data do varejo 5.800 litros de aguardente”;
Ø “a cuba de inox nº 10, não foi objecto de varejo;
Ø “O empregado do armazém (adegueiro), por lapso seu, não referiu a existência da cuba n.º 10, nem os Srs. inspectores questionaram a existência da mesma.”

Estabilizado o probatório e passando ao conhecimento das restantes questões processais, vejamos.

A impugnante beneficia do estatuto de depositário autorizado, sendo como tal um sujeito passivo dos impostos especiais de consumo – art.º3.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo DL n.º566/99, de 22 de Dezembro.

No âmbito de um procedimento de fiscalização aduaneira visando o cumprimento integral do regime fiscal aplicado ao álcool e bebidas alcoólicas nos termos daquele Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo DL n.º566/99, de 22 de Dezembro, foi realizada uma acção de varejo em 17/05/2004 no seu entreposto fiscal de produção, em que se constatou nas existências físicas em armazém relativamente à contabilidade das existências uma diferença, para menos, de 6.741,50 litros de vinho generoso a granel e de 9.030,00 litros de aguardente vínica.

No que respeita ao vinho generoso a granel, alega a impugnante que o saldo inicial das existências de que partiu a fiscalização não está correcto pois corresponde ao valor apurado no varejo da DON (Direcção Operacional do Norte da Direcção de Serviços Anti-Fraude), realizado em 17/07/2002 e rectificado em 13/09/2002, que não foi transposto para a contabilidade das existências (conta corrente) da impugnante em virtude do estatuído no ponto II-4 do Comunicado de Vindima, ou seja, o valor apurado pela DON encontrava-se dentro da tolerância de existência de 5% a que alude o Comunicado, pelo que, não podia nem devia constar da respectiva conta corrente, o que influenciou o resultado a que chegou a fiscalização quanto ao valor das existências contabilizadas à data de 17/05/2004.

Todavia e, por um lado, como já sinalizamos acima, não há elementos de prova que confirmem a alegação de que o valor apurado pelo varejo da DON não foi transposto para a contabilidade das existências (conta corrente) da ora impugnante em virtude do estatuído no ponto II -4 do Comunicado de Vindima do I.V.D.P.), resultando unicamente demonstrado que de acordo com o referido Comunicado não podia nem devia constar da conta corrente com esse organismo o excesso de produção tolerado do ano até 5%.

Por outro, na conta corrente da Alfandega, que não se confunde com aquela que a Recorrente mantém com outros organismos reguladores da actividade, têm de estar contabilizadas as existências reais do entreposto, a contabilidade de existências tem de assumir o que produziu a mais, pelo que, a fiscalização não incorreu em erro nos pressupostos ao assumir como saldo inicial das existências o que resultou do anterior varejo da DON e rectificação do mesmo (cf. RIT, fls.44), uma vez que a alegada discrepância entre o valor apurado no varejo e o que reflecte a contabilidade de existências assente na tolerância de 5% de excesso de produção estatuído no Comunicado de Vindima, não encontra qualquer justificação, nem aliás resulta demonstrado nos autos.

Outrossim, pretende a impugnante que a desconformidade encontrada no varejo realizado em 17/05/2004 entre o registo contabilístico e a realidade física existente de aguardente vínica não corresponde a qualquer falta dessa aguardente no entreposto.

E por duas ordens de razão: a primeira porque na acção fiscalizadora não foi objecto de varejo a cuba de inox n.º10 que conteria 5800 litros de aguardente vínica; por outro, porque na contabilidade das existências, que evidencia à data do varejo 12.052 litros, estão incluídos 3.410 litros de aguardente saídos para lotas em 27/11/2003, referente à campanha de 2002/2003 devidamente comunicadas à CIRDD (Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro) através de carta datada de 27/12/2002, não considerados na acção fiscalizadora.

Todavia, mais uma vez a impugnante, ora Recorrente, não logrou provar o que alega.

Quanto à alegada existência dos 5800 litros de aguardente na cuba n.º10, o depoimento de uma única testemunha com válida razão de ciência, não logrou convencer o tribunal no confronto com o depoimento da testemunha da impugnada que consistentemente explicou ao tribunal ser improvável que a fiscalização não tivesse varejado o armazém n.º3 onde se encontrava localizada tal cuba. Neste particular, salienta-se que importa ao tribunal ter um acrescido grau de exigência probatória porque após a realização do varejo não mais será possível obter a certeza de que tal cuba estava naquele local e com aquela quantidade de produto, o que cria condições propiciadoras de fraude fiscal.

Quanto à desconsideração pela fiscalização dos 3.410 litros de aguardente saídos para lotas de vindima, tal facto não resultou provado na sentença e tal decisão foi validada por este tribunal de apelação pelo que, também quanto a este ponto nenhum erro nos pressupostos de facto se pode apontar à decisão correctiva.

Conforme resulta do disposto no art.º24.º, n.º2, do aplicável Código dos Impostos Especiais de Consumo (IEC), aprovado pelo DL n.º566/99, de 22 de Dezembro, constituem obrigações acessórias do depositário autorizado, entre outras e nos termos das suas alíneas b), c) e d), “manter actualizada uma contabilidade das existências em sistema de inventário permanente, com indicação da sua proveniência, destino e os elementos relevantes para o cálculo do imposto”, “apresentar os produtos sempre que tal lhe for solicitado” e “prestar-se aos varejos e outros controlos determinados pela autoridade aduaneira”;

E dispõe o art.º10.º do mesmo Código que “Na falta ou atraso de liquidação imputável ao sujeito passivo ou no caso de erro omissão, falta ou qualquer outra irregularidade que prejudique a cobrança do imposto, a estância aduaneira competente liquidá-lo-á, notificando o sujeito passivo e que tem 15 dias para proceder ao pagamento do respectivo imposto”.

Assim, constatadas em sede inspectiva diferenças entre o saldo contabilístico e as existências no entreposto fiscal em percentagens superiores às permitidas, há lugar à liquidação oficiosa do imposto.

No entanto o sujeito passivo pode fazer prova de que a irregularidade constatada não traduz a introdução no consumo do produto (no caso, aguardente vínica e vinho generoso a granel) que o inventário de existências não reflecte, antes encontrando outra explicação que não passa pela sua saída do entreposto fiscal onde deu entrada em regime de suspensão do IEC.

O ónus dessa prova compete ao sujeito passivo do imposto, nos termos gerais de direito (artigos 341.º e 342.º, n.º1, do Código Civil) e do disposto no art.º74.º, n.º1, da Lei Geral Tributária.

Com efeito, constatadas irregularidades na contabilidade das existências, fica logo afastada a presunção de veracidade dos dados nela reflectidos (art.º75.º, n.º1 e n.º2 alínea a), da LGT), pelo que não podendo invocar a seu favor a presunção legal (art.º344.º, n.º1 do Código Civil), ao sujeito passivo incumbe demonstrar, mediante prova concludente, que se não verificam os pressupostos da liquidação do imposto para que apontam as irregularidades detectadas.

Regressando aos autos e como vimos, constata-se que a impugnante não logrou fazer prova dos factos que invoca para justificar as diferenças para menos entre o saldo contabilístico e as existências em entreposto apuradas no varejo, ou seja, que as diferenças apuradas pela fiscalização tiveram outro destino ou encontram outra justificação que não passa pela sua introdução no consumo.

A impugnada liquidação de IABA efectuada pela Estância Aduaneira de Braga não enferma de ilegalidade por erro nos pressupostos, sendo de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu, negando-se provimento ao recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente em ambas as instâncias.
Porto, 21 de Dezembro de 2016
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro