Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00248/08.0BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/29/2015
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE PROCESSUAL
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
Sumário:I- O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, actualmente entendido como «direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo».
II- Não tendo o tribunal a quo notificado a Recorrente da junção de documentos, violou o princípio do contraditório, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil.
III- São irrelevantes, para a apreciação desta violação, os factos de a impugnante conhecer os documentos por força da sua qualidade de parte noutro processo e de aí não os ter impugnado.
IV- A falta de notificação desses documentos constitui a omissão de um acto exigido por lei que, porque susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, constitui nulidade secundária, sujeita ao regime dos artigos 201.º, 203.º e 205.º do Código de Processo Civil (actuais artigos 195.º e seguintes do CPC).
V - A nulidade que esteja sancionada, ainda que de modo implícito, por decisão judicial e que apenas seja conhecida pelo interessado com a notificação da mesma, deve ser arguida no recurso desta, não perante o tribunal a quo.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

J…– Construções, Ld.ª, pessoa colectiva n.º 5…, sociedade comercial por quotas com sede no Lugar…, Lousada, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 08/06/2010, que julgou verificada a caducidade do direito de acção da impugnante, e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A) A sentença notificada à recorrente veio acompanhada de documentos, que serviram para a fundamentar, sem que fosse dada possibilidade de se pronunciar à impugnante.
B) A impugnante pretende reagir contra o “facto consumado”, contra a inaceitável limitação do princípio do contraditório.
C) Por muito que o julgador tenha já conformado a sua convicção, deve sempre aguardar pela pronúncia das partes a quem interessem os documentos.
D) A sentença é nula por violação do Princípio do Contraditório, o que se arguiu para os devidos e legais efeitos,
Sem prescindir,
E) O facto provado PP) encontra-se incorrectamente julgado e em total contradição com o facto provado UU).
F) Diz o artigo 41° do C.P.P.T que as empresas podem ser notificadas na pessoa do seu legal representante, vulgo gerente.
G) No caso dos autos, e por carta registada datada de 30/05/2003 e repetida a 21/07/2003, a AF dirigiu carta contendo todas as liquidações adicionais de IVA e de IRC e juros, para J…, que à data não era seu gerente muito menos legal representante.
H) Esta missiva é inócua e não produz o efeito, já que o destinatário não obriga a sociedade.
I) Por outro lado, a repetição da carta datada de 21/07/2003 não foi enviada num dos 15 dias seguintes à 1ª missiva (30/05/2003), nem sequer posteriores à sua devolução 21/06/2003, pelo que não tem a virtualidade de fazer presumir a notificação.
J) A notificação não se efectivou, por ser nula a tentativa de notificação na pessoa de J…, como se legal representante se tratasse,
K) Não se podendo presumir a notificação por violação da previsão constante no artigo 39° do C.P.P.T.
L) Andou mal a sentença recorrida, que fez tábua rasa das normas 39° e 41° do C.P.P.T.
M) Não pode considerar-se caduco o direito à liquidação, quando estas notificações não aconteceram.
N) Neste sentido vide Acórdão do TCA do SUL de 16/11/2004 que refere que a notificação por carta com AR, devolvida por não reclamada sem que nos 15 dias a AT tenha remetido nova carta com AR não tem virtualidade de concretizar tal notificação
Por fim,
O) Também o facto constante da alínea R) dos factos assentes se encontra incorrectamente julgado,
P) Não basta um mero relatório de um Senhor inspector, sem que em concreto se saiba, quem, quando e como, para determinar que foram realizadas todas as diligências com vista à obtenção da contabilidade da impugnante.
Q) Faz-se notar que da certidão judicial junta aos autos, resulta mesmo que a AF notificou a impugnante por “via telefónica” e que esta, através do seu gerente fez juntar ao processo administrativo um anexo com a informação que em 15 dias entregaria todos os documentos.
R) Olvida a AF de referir que tal anexo e informação dizia respeito a pessoa colectiva distinta da impugnante, conforme também resulta da certidão judicial junta.
S) A nulidade é um vício absoluto, arguível a todo o tempo, não podendo atribuir-se ainda que de forma lateral qualquer tipo de efeito jurídico.
T) A impugnação é tempestiva, já que não podem ser repristinados actos nulos, nem sequer dar-se eficácia a notificações de notificações nulas e inexistentes.
U) Não pode iniciar-se um prazo de 90 dias para a impugnação, quando nenhuma notificação se efectivou.
V) Violou a sentença recorrida os artigos 39°, n° 5, 41º, 99° e 102° do C.P.P.T. e 133° do C.P.A.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, e consequentemente revogar-se a sentença proferida.
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 663 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.
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Sem novos vistos aos actuais meritíssimos juízes adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa ponderar se se verifica a invocada nulidade processual, por violação do direito ao contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC); apreciar o mencionado erro de julgamento facto, bem como de direito, por a sentença recorrida ter violado os artigos 39.°, n.° 5, 41.º, 99.° e 102.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 133.° do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Com interesse para a decisão da causa, o tribunal a quo considerou apurada a seguinte factualidade:
“(…)

A) A impugnação foi apresentada em 29/4/2008 (fls. 2). - -

B) À impugnação judicial foi atribuído o valor de 30.001,00 € (fls. 11). - -

C) Nestes autos impugna-se as liquidações adicionais de IVA de 1999 e 2000, no valor de respectivamente, 137.313,24 € e 35.953,35 €, e juros compensatórios no valor global de 23.077,26 € no ano de 1999 e de 5.352,52 €, no ano de 2000, que perfazem o montante total de 201.696,37 € (fls. 365/390).

D) Por decisão administrativa da Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de Lousada, de 18/10/2008, transitada em julgado em 28/10/2008 foi decretada a dissolução e o encerramento da liquidação da impugnante (fls. 349 e 443). - -

E) A decisão de dissolução e o encerramento da liquidação da impugnante foi registada na Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de Lousada em 3/12/2008, pela Insc. 3 – AP. 2/20081203 (fls. 349). - -

F) A decisão que decretou a dissolução decretou em simultâneo o encerramento da liquidação da impugnante por não ter sido apurada a existência de activo ou passivo a liquidar e não foram nomeados liquidatários (fls. 443). - -

G) O registo da dissolução e encerramento da liquidação foi comunicado aos autos pela impugnante em 24/7/2009 (fls. 338). - -

H) Por despacho de 22/10/2009, proferido a fls. 350 e 351, determinou-se o prosseguimento da acção considerando-se a impugnante substituída pelos sócios J… e J… (fls. 350 e 351). - -

I) Este despacho foi notificado ao ilustre mandatário da impugnante e aos seus sócios por carta registada com aviso de recepção (fls. 352 e seguintes e 433 a 435). -

J) Como nos autos é obrigatória a constituição de mandatário, em 29/1/2010 foi proferido o seguinte despacho: (fls. 449) - -
«A impugnante foi substituída pela generalidade dos sócios, uma vez que não existe liquidatário que os represente (art. 162.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)). - - -
Nestes autos é obrigatória a constituição de advogado (art. 6.º, n.º 1, do CPPT). - - -
Pelo exposto, com cópia deste despacho e de fls. 440 a 443, notifique J… e J…, por carta registada com aviso de recepção, para em 10 dias constituírem advogado, sob pena de o réu ser absolvido da instância (art. 33.°do CPC). - - -
Notifique igualmente o ilustre mandatário constituído. - - -». - -

K) Este despacho foi notificado ao ilustre mandatário da impugnante e aos sócios J… e J…, por carta registada com aviso de recepção (fls. 450 a 455). - -

L) O sócio J… constitui como seus ilustres mandatários, os Senhores Drs. C…, M… e G… (fls. 458 e 459). - -

M) O sócio J… não constitui mandatário (fls. 455 e seguintes). - -

N) O sócio J... foi nomeado gerente da impugnante em 19/09/1997 (fls. 322, 323, 348 e 349). - -

O) As liquidações impugnadas tiveram origem numa acção inspectiva ao IVA e IRC dos exercícios e 1999 e 2000, que teve origem no despacho n.º 38866, de 12/6/2002 (fls. 91 a 93). - -

P) Este despacho deu origem à ordem de serviço n.º 38866, por despacho de 1/7/2002 (fls. 88 a 90). - -

Q) A notificação prévia da realização da inspecção foi notificada à impugnante pelo ofício n.º 423548, de 13/6/2002, registado em 14/6/2002, cujo teor consta de fls. 94 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, remetida para J…., Ld.ª, … Lousada (fls. 94 e 95). - -

R) Depois de ordenada a realização da inspecção, os serviços de inspecção tributária deslocaram-se à sede da impugnante, no lugar…, Lousada, mas apesar das diligências aí realizadas não conseguiram contactar ninguém ligado à impugnante (fls. 23 e 24 do apenso). - -

S) Os serviços da administração tributária realizaram diligências junto da sede da impugnante, do local de construção das moradias construídas pela impugnante e do gabinete de contabilidade de outras firmas do sócio gerente da impugnante (fls. 23 e 24 do apenso). - -

T) Como não conseguiam contactar ninguém ligado à impugnante, os serviços de inspecção tributária pelo ofício n.º 437086, de 5/9/2002, registado em 6/9/2002, notificaram a impugnante para exibir a escrita e / ou documentos fiscalmente relevantes, nos precisos termos constantes da notificação de fls. 99, que aqui se dá por integralmente reproduzida (fls. 99 e 102). - -

U) Esta notificação foi devolvida aos serviços de inspecção tributária com a informação mudou-se (fls. 99 a 102). - -

V) Pelo ofício n.º 437083, de 5/9/2002, registado em 6/9/2002, com o mesmo conteúdo do referido em T), os serviços de inspecção tributária notificaram J..., para o lugar…Airães (fls. 103 e 104). - -

W) Pelo ofício n.º 437084, de 5/9/2002, registado em 6/9/2002, com o mesmo conteúdo do referido em T), os serviços de inspecção tributária remeteram uma notificação a J..., para …Nespereira, que foi devolvida aos serviços de inspecção tributária com a informação mudou-se (fls. 105 a 108). - -

X) Por carta registada com aviso de recepção registada em 17/10/2002, a impugnante foi notificada do despacho do director de finanças do Porto de 10/10/2002, que ampliou o prazo para conclusão do procedimento inspectivo, nos termos do n.º 3 do art. 36.º do RCPIT, por mais três meses, cujo conteúdo consta de fls. 39 e 40 do apenso, que aqui se dá por reproduzida (fls. 39 a 42 do apenso). - -

Y) Esta notificação estava dirigida à J…. Construções, Ld.ª, Lugar…Lousada e foi devolvida aos serviços da administração tributária com a anotação mudou-se (fls. 41 e 42 do apenso). - -

Z) A impugnante foi notificada do projecto de conclusões do relatório de inspecção e para exercer o direito de audição, no prazo de oito dias, por carta registada em 23/1/2003 (fls. 96 a 98 dos autos). - -

AA) Esta notificação estava dirigida à J…. Construções, Ld.ª, … Lousada e foi devolvida aos serviços da administração tributária com a anotação mudou-se (fls. 96 a 98 dos autos e 38, 73 e 74 do apenso). - -

BB) A impugnante não exerceu o direito de audição (fls. 38 do apenso). - -

CC) O projecto de conclusões do relatório de inspecção foi convertido em definitivo em 30/1/2003 e foi notificado à impugnante por carta registada com aviso de recepção, registada em 5/2/2003 (fls. 67 a 71 do apenso). - -

DD) Esta notificação foi dirigida à J…. Construções, Ld.ª, … Lousada e foi devolvida aos serviços da administração tributária com a anotação mudou-se (fls. 67 a 71 do apenso). - -

EE) Os serviços da administração tributária repetiram esta notificação por carta registada com aviso de recepção registada em 19/2/2003 (fls. 62 a 65 do apenso). - -

FF) Esta notificação foi dirigida à J… Construções, Ld.ª, … Lousada e foi devolvida aos serviços da administração tributária com a anotação ausente (fls. 67 a 71 do apenso e 488 e seguintes (correspondem a fls. 56 a 64 do apenso ao processo de impugnação judicial 712/08)). - -

GG) As notificações das conclusões do relatório de inspecção, referidas de CC) a FF), foram repetidas através do envio para J... – sócio firma J… Construções, Ld.ª, Airães – Felgueiras (fls. 75 a 82 do apenso). - -

HH) Estas notificações foram realizadas por carta registada com aviso de recepção registadas em 5/2/2003 e 28/2/2003 e foram devolvidas à administração tributária por não terem sido reclamadas (fls. 75 e seguintes do apenso, 327 a 334 e 488 e seguintes (correspondem a fls. 49 a 55 do apenso ao processo de impugnação judicial 712/08)). - -

II) A notificação da fixação dos rendimentos e da conclusão do relatório foi repetida por duas cartas registadas com aviso de recepção registadas em 26/3/2003 uma dirigida para a J…, Construções, Ld.ª, na pessoa do sócio gerente J..., Airães, Felgueiras, 4610 – Felgueiras e outra de conteúdo idêntico dirigida a J…., Construções, Ld.ª, … Lousada (fls. 488 e seguintes (correspondem a fls. 45 e 46 do apenso ao processo de impugnação judicial 712/08)). - -

JJ) Estas notificações foram devolvidas aos serviços da administração tributária (fls. 488 e seguintes (correspondem a fls. 45 e 46 do apenso ao processo de impugnação judicial 712/08)). - -

KK) A notificação da fixação dos rendimentos e da conclusão do relatório referida em II) foi repetida por carta registada com aviso de recepção registada em 31/3/2003 uma dirigida para J…., Construções, Ld.ª, Lugar… LSD (fls. 488 e seguintes (corresponde a fls. 47 do apenso ao processo de impugnação judicial 712/08)). - -

LL) Esta notificação foi devolvida aos serviços da administração tributária em 1/4/2003, com a anotação ausentou-se sem deixar nova morada (fls. 488 e seguintes (corresponde a fls. 47 do apenso ao processo de impugnação judicial 712/08)). - -

MM) A notificação da fixação dos rendimentos e da conclusão do relatório referida em II) foi repetida por carta registada com aviso de recepção registada em 9/4/2003 dirigida a J…, Construções, Ld.ª, na pessoa do sócio gerente J..., Airães, Felgueiras, (fls. 488 e seguintes (corresponde a fls. 48 do apenso ao processo de impugnação judicial 712/08)). - -

NN) Esta notificação foi devolvida aos serviços da administração tributária em 29/4/2003 com a anotação não reclamado (fls. 488 e seguintes (corresponde a fls. 48 do apenso ao processo de impugnação judicial 712/08)). - -

OO) A devolução de todas as notificações realizadas à impugnante com a anotação “mudou-se” foi confessada pela impugnante (artigo 32.º da petição inicial). - -

PP) A impugnante foi notificada das liquidações adicionais de IVA e dos juros compensatórios por cartas registadas dirigidas para J…., Construções, Ld.ª, … LSD, que consignavam como data limite de pagamento voluntário 31/7/2003 e 30/9/2003 (fls. 364 a 402). - -

QQ) Estas notificações foram todas devolvidas aos serviços da administração tributária em 29/5/2003 e 17/7/2003, com a anotação “ausente” (fls. 364 a 402). - -

RR) A impugnante teve sempre sede em …, Lousada (fls. 107 e 109 do apenso, 252 a 266 e 347 a 349). - -

SS) J... teve domicílio fiscal em …, LSD, até 6/1/2003, data em que alterou o seu domicílio fiscal para lugar…Airães, Felgueiras (fls. 277 a 286 e 412 a 416). - -

TT) Até 17/4/2008, J... teve domicílio fiscal no lugar de Cruzeiro, Airães, Felgueiras (fls. 267 a 276 e 409 a 411). - -

UU) J... foi gerente da impugnante desde a sua constituição em 9/1/1996 até 2/9/1997, data em que foi exonerado da gerência (fls. 322 a 327). - -

VV) Enquanto gerente da impugnante J... constitui J... procurador da impugnante, em que lhe conferia entre o mais poderes para a representar junto das Repartições de Finanças (fls. 325). - -

WW) No cadastro fiscal da impugnante, J... aparece como seu gerente (fls. 257 a 260). - -

XX) As notificações das liquidações de IVA devolvidas aos serviços da administração tributária foram remetidas J... por envelope registado com aviso de recepção, registados em 30/5/2003 e 21/7/2003 (fls. 391 e 402 e versos). - -

YY) Estas notificações foram devolvidas aos serviços da administração tributária, sendo a notificação de 20/5/2003 devolvida em 12/6/2003 com a anotação não reclamado (fls. 391 e 402 e versos). - -

ZZ) A fundamentação do recurso aos métodos indirectos consta do relatório de inspecção, designadamente de fls. 17 a 19 e 22 a 37 do apenso e respectivos versos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas (fls. 17 a 19 e 22 a 37 do apenso). - -

3.1.1 – Motivação. - -

O tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base nos documentos juntos aos autos e no processo administrativo que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)). - -

Relevou ainda a confissão da impugnante quanto ao motivo da devolução das notificações postais que lhe foram dirigidas (art. 352.º e seguintes do Código Civil (CC) e 38.º e 567.º do CPC). - -

Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou por não terem relevância para a decisão da causa.”

Ainda com interesse para a decisão do presente recurso, regista-se que na folha imediatamente anterior ao texto da sentença recorrida foi proferido o seguinte despacho:
“Junte a estes autos cópia de fls. 12 a 72, e respectivos versos, do processo administrativo apenso ao processo de impugnação judicial n.º 712/08. * Segue sentença em separado. (…)”
O tribunal a quo pronunciou-se da seguinte forma acerca da nulidade suscitada pela Recorrente:
“O recorrente veio invocar a nulidade da sentença, por ter sido fundamentada em documentos que não lhe foram notificados, violando dessa forma o princípio do contraditório.
Porém, o recorrente não tem razão.
Os documentos juntos a estes autos antes da prolação da sentença e notificados ao recorrente juntamente com esta (…) são documentos que constam do processo administrativo anexo ao processo de impugnação judicial n.º 712/08.0BEPNF, em que o recorrente também é impugnante e reportam-se à mesma acção inspectiva, embora de impostos diferentes.
Aliás, parte deles são repetidos, com os que constam destes autos.
Nesse processo de impugnação judicial o recorrente não os impugnou, conforme consta da sentença e do recurso aí proferidos, cuja cópia vai agora ser junta a estes autos.
Uma vez que esses documentos não foram impugnados nesse processo, juntou-se cópia a estes autos e não se notificou a sua junção antes por constituir um acto inútil (art. 137.º do CPC).
Pelo exposto, indefere-se a requerida nulidade (art. 668.º e 670.º do CPC).
Notifique, com cópia da sentença e do recurso do processo de impugnação judicial 712/08 ora juntos a estes autos.”

2. O Direito

Conheceremos em primeiro lugar da invocada violação do direito ao contraditório, por se tratar de questão – nulidade processual secundária, como procuraremos demonstrar adiante – susceptível de prejudicar o conhecimento do erro de julgamento imputado à decisão recorrida.
Na verdade, imediatamente antes da prolação da sentença recorrida, o tribunal a quo proferiu despacho judicial, na mesma data, determinando a junção aos autos de cópia de variados documentos constantes do processo administrativo apenso ao processo n.º 712/08.0BEPNF. Como se verifica pelo elenco da factualidade assente, esses documentos fundamentam alguns factos que se consideraram provados e relevantes para a decisão da causa (cfr. II) a NN) da matéria de facto).
Nessa sequência, a sentença recorrida foi notificada às partes e ao Ministério Público, acompanhada de cópia desses mesmos documentos, sem que tenha ocorrido qualquer pronúncia acerca dos mesmos, prévia à decisão.
Neste contexto, não residem dúvidas que estaremos, alegadamente, perante uma nulidade de processo, na medida em que a Recorrente invoca a verificação de desvio em relação ao formalismo processual prescrito na lei, que, in casu, consubstancia uma omissão.
Nos casos em que ocorre uma omissão e é proferida uma decisão judicial em momento em que poderia ser ordenada a prática do acto em falta, é a própria decisão judicial que dá cobertura à falta cometida, pois apenas com a sua prolação se consuma a falta/desvio.
Relativamente às nulidades processuais que se consumam com a prolação da sentença, como a omissão de actos que deveriam ser praticados antes dela, o STA tem vindo a entender que, embora se trate de nulidades processuais, a respectiva arguição pode ser efectuada nas alegações do recurso jurisdicional que for interposto da sentença, como, efectivamente, ocorreu no caso em apreço – cfr. Acórdão do Pleno do STA, da Secção de Contencioso Administrativo, de 02/10/2001, proferido no âmbito do recurso n.º 42385, publicado no AP-DR de 16/04/2003, página 985. Também o Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo, de 09/10/2002, recurso n.º 48236 e Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário, de 04/12/2002 e de 10/07/2002, proferidos nos recursos n.º 1314/02 e n.º 25998, respectivamente.
É esta a doutrina adoptada pela Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, como resulta do Acórdão de 6 Julho de 2011, do Pleno dessa Secção, proferido no processo com o n.º 786/10.
Dito isto, indaguemos da verificação da invocada nulidade, por violação do princípio do contraditório.
A Recorrente invocou a violação do direito ao contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, em virtude de não ter sido notificada da junção de documentos determinada pelo tribunal, que se encontravam ínsitos em processo administrativo apenso a outro processo de impugnação judicial da mesma Recorrente.
O n.º 5 do artigo 20.º da CRP determina que “[p]ara a defesa dos direitos, (…), a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”
O artigo 3.º, n.º 3, do CPC, aplicável ao contencioso tributário ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, dispõe:
«O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
Trata-se de um princípio basilar do processo, que hoje ultrapassou a concepção clássica, que o associava ao direito de resposta, para se assumir como uma garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se liguem ao objecto da causa (cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, in Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, pág. 96.).
O princípio do contraditório é um dos direitos fundamentais das partes no desenvolvimento de um processo justo e equitativo, garantindo-lhes a possibilidade de intervir em todos os seus actos, defender os seus interesses e influenciar a decisão do Tribunal.
O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, nos termos do disposto n.º 5 do artigo 20.º da CRP e n.º3 do artigo 3.º, do CPC.
Sobre o princípio do contraditório, é esta a jurisprudência do STA, espelhada, por exemplo, nos Acórdãos n.ºs 0978/14, de 24/09/2014 e n.º 63/10, de 03/03/2010.
Entre as várias manifestações daquele princípio, importa agora ter em conta especialmente a prevista no artigo 517.º do CPC, aplicável ao processo tributário por força da referida alínea e) do artigo 2.º do CPPT (e na redacção à data: “tempus regit actum” – daí não se aplicar a versão do novo CPC).
Diz o artigo 517.º, n.º 1, do CPC:
«Salvo disposição em contrário, as provas não serão admitidas nem produzidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas».
Não obstante, no caso, o tribunal ter tido conhecimento de factos em virtude do exercício das suas funções no âmbito do processo de impugnação judicial n.º 712/08.0 BEPNF (cfr. artigo 514.º do CPC), deu cumprimento a este normativo, pois, socorrendo-se desses factos, fez juntar ao processo os documentos que comprovavam os mesmos.
Das normas legais que vimos de transcrever resulta que nas situações em que o tribunal, por sua iniciativa, se socorrer de factos que tenha tido conhecimento por via de outro processo, é obrigatória a notificação às partes da apresentação desses documentos, de forma a assegurar o princípio do contraditório.
Ora, manifestamente estes comandos legais não foram observados no caso sub judice. Na verdade, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel juntou documentos aos presentes autos e serviu-se deles para discriminar a factualidade assente, sem que tenha notificado previamente as partes. Relembra-se que as provas não podem ser admitidas nem produzidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas.
Saliente-se ser irrelevante a Recorrente ser a mesma nos presentes autos e no processo de impugnação n.º 712/08.0BEPNF e neste não ter impugnado os documentos em crise. Realmente, pode não o ter efectuado nesse outro processo, mas podia tê-lo feito nos presentes autos e o tribunal obviou a essa possibilidade. Acresce que a própria admissão desses documentos nos presentes autos está sujeita a audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostos os documentos, no caso a audiência da ora Recorrente. Nesta conformidade, não acompanhamos o meritíssimo juiz a quo na afirmação de ser a notificação para exercício do direito ao contraditório um acto inútil.
A violação destas normas legais, que visam assegurar o princípio do contraditório, constitui uma flagrante e grave violação desse princípio.
As nulidades processuais “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais” - cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pag.176.
Tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório (como é o caso dos documentos extraídos de processo administrativo não apenso aos autos), os quais relevaram para a especificação da matéria de facto julgada provada (cfr. II a NN), impunha-se que se concedesse às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre esta matéria, não só sobre a relevância factual que podem ter os elementos em questão, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podem retirar; daí a importância da audiência contraditória não só com referência à produção da prova documental em causa, mas da própria admissão da mesma nos presentes autos.
Porque o Tribunal a quo omitiu a notificação do teor dos referidos documentos, violou o disposto no artigo 517.º do CPC. Exige-se «que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios processualmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos (principais ou instrumentais) da causa, que lhes seja consentido fazê-lo até ao momento em que melhor possam decidir da sua conveniência, tidas em conta, porém, as necessidades de andamento do processo, que a produção ou admissão da prova tenha lugar com audiência contraditória de ambas as partes e que estas possam pronunciar-se sobre a apreciação das provas produzidas por si, pelo adversário ou pelo tribunal» (JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ob. cit., págs. 98/99.).
Como já referimos, a referida preterição da notificação à Recorrente constitui nulidade processual, por ser um desvio do formalismo processual seguido em relação ao formalismo processual prescrito na lei.
Porque tal nulidade não consta da lista taxativa de nulidades insanáveis que o legislador consagrou no artigo 98.º do CPPT, será à luz do regime do artigo 201.º e seguintes do CPC que deveremos aferir se estamos perante uma irregularidade processual susceptível de ser qualificada como nulidade (secundária) – cfr. Acórdão do STA, de 08/02/2012, proferido no âmbito do 0684/11.
Nos termos do artigo 201.º, n.º 1, do CPC, «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».
Ou seja, as nulidades, enquanto violações da lei processual, têm que revestir uma de três formas: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas. E, concomitantemente, têm de poder influir no exame ou na decisão da causa. Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 9 d) ao artigo 98.º, pág. 87, «como decorre do citado art. 201.º, n.º 1, do CPC, na falta de norma especial que comine a sanção de nulidade para determinada irregularidade, estas só produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Isto significa que, quando não há tal possibilidade de influência, não há nulidade, mas também que, para haver nulidade basta a mera possibilidade de influência da irregularidade na decisão da causa, não dependendo a existência de uma nulidade da demonstração de que houve efectivo prejuízo. No entanto, se se demonstrar positivamente que a irregularidade que tinha potencialidade para influenciar a decisão da causa acabou por não ter qualquer influência negativa para a parte a quem o cumprimento da formalidade ou o eliminação do acto indevidamente praticado podia interessar, a nulidade deverá considerar-se sanada, pois, nessas condições, seria cumprir essa formalidade ou eliminar o acto indevidamente praticado».
Ora, manifestamente, a falta de notificação dos documentos juntos tem potencialidade para influir na apreciação e decisão, na medida em que não permitiu que a Recorrente pudesse pronunciar-se, eventualmente impugnando os documentos.
Na verdade, a notificação dos documentos juntos impunha-se como modo de garantir à Recorrente a possibilidade de se pronunciar sobre os mesmos, pois foi também com base neles e em concatenação com o restante probatório que o tribunal a quo concluiu de forma determinante para o sentido da decisão, desfavorável aos interesses da Recorrente; dada a conclusão de caducidade do direito de acção.
Há, pois, que declarar a nulidade decorrente da falta de notificação dos documentos juntos aos autos em simultâneo com a prolação da sentença recorrida, o que, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º 2, do CPC, implica também a anulação dos actos ulteriores que dependam absolutamente dessa notificação, ou seja, no caso sub judice, a anulação da decisão recorrida. Devem, pois, os autos voltar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, para que aí, observado que seja o mencionado princípio do contraditório, com a realização das notificações em falta, se profira, no momento próprio, nova decisão.
Em consequência do exposto, procede o recurso nesta parte, o que acarreta a prejudicialidade do conhecimento das restantes questões nele colocadas.

Conclusões/Sumário

I- O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, actualmente entendido como «direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo».
II- Não tendo o tribunal a quo notificado a Recorrente da junção de documentos, violou o princípio do contraditório, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil.
III- São irrelevantes, para a apreciação desta violação, os factos de a impugnante conhecer os documentos por força da sua qualidade de parte noutro processo e de aí não os ter impugnado.
IV- A falta de notificação desses documentos constitui a omissão de um acto exigido por lei que, porque susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, constitui nulidade secundária, sujeita ao regime dos artigos 201.º, 203.º e 205.º do Código de Processo Civil (actuais artigos 195.º e seguintes do CPC).
V - A nulidade que esteja sancionada, ainda que de modo implícito, por decisão judicial e que apenas seja conhecida pelo interessado com a notificação da mesma, deve ser arguida no recurso desta, não perante o tribunal a quo.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, conceder provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência, anular todo o processado posterior à junção dos documentos, o que inclui a decisão recorrida, e determinar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a fim de serem seguidos os ulteriores termos se a isso nada mais obstar - para que aí se proceda à notificação dos ditos documentos, e, no momento próprio, seja proferida nova decisão.

Sem custas.

D.N.

Porto, 29 de Janeiro de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves