Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01354/05.8BEBRG-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/08/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:SUSPENSÃO EFICÁCIA; PONDERAÇÃO DE INTERESSES
Sumário:Não mantendo os Requerentes a sua residência nas fracções expropriadas e limitando-se a fazer delas uma utilização ocasional, os interesses que defendem, ou seja, a perda daqueles activos patrimoniais, que é perfeitamente compensável em termos pecuniários e, por outro, a fruição ocasional das mesmas, não têm relevância suficiente para contrabalançar o peso social dos interesses públicos em causa, que exigem a expropriação de tais fracções e a demolição do imóvel para reordenamento urbanístico da cidade de Viana do Castelo e, assim, nos termos do artigo 120º/2 do CPTA, a providência cautelar deve ser indeferida.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:V... - SOCIEDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DO PROGRAMA PÓLIS EM VIANA DO CASTELO, SA,
Recorrido 1:MINISTÉRIO DO AMBIENTE
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de que deve ser revogada a sentença recorrida, concedendo-se provimento aos recursos interpostos por V... e pelo Município de Viana.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
V... - SOCIEDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DO PROGRAMA PÓLIS EM VIANA DO CASTELO, SA, MUNICÍPIO DE VIANA DO CASTELO e MINISTÉRIO DO AMBIENTE vieram interpor recursos da sentença pela qual o TAF de BRAGA, na presente PROVIDÊNCIA CAUTELAR intentada por MASL, MTSLG e LFSG, proferiu a seguinte decisão:
«Pelo exposto, determino a suspensão de eficácia despacho n.º 17461/2005 (2º série) do Senhor Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, de 2005.07.15, publicado no Diário da República, II Série, n.º 156, de 2005.08.16, na parte em que declarou a urgência da expropriação das fracções 133 MC do "Edifício C..." sito no Largo JTC, n.º 34-A, 122 e 143, (três entradas), da cidade de Viana do Castelo.»
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A culminar a sua alegação de recurso, a recorrente V... formulou as seguintes conclusões:

1.ª Mal andou a sentença recorrida, incorrendo num patente erro de julgamento, ao julgar verificado, no caso concreto, o requisito do fumus non malus iuris previsto no artigo 120.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, designadamente por considerar que o “diminuto” número de apreciações jurisdicional referenciado pela ora Recorrente não permite concluir pela existência de uma posição reiterada e suficientemente consolidada sobre a matéria em discussão nos autos tramitados a título principal da presente providência cautelar.

2.ª Isto porque foram invocadas pela ora Recorrente nada menos do que 8 (oito) decisões de mérito sobre a mesma matéria de direito em apreciação na ação principal, 4 (quatro) das quais proferidas pelo Tribunal a quo, 3 (três) das quais proferidas por este douto Tribunal ad quem e 1 (uma) proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo.

3.ª Sendo certo que o próprio Supremo Tribunal Administrativo considerou que se encontra esgotado o relevo jurídico das questões submetidas a revista naqueles autos principais, tendo já recusado a sua reapreciação.

4.ª Mormente quando foi igualmente levado ao conhecimento do Tribunal a quo que as providências cautelares que haviam sido decretadas à data da propositura das ações administrativas especiais aqui elencadas, foram sendo sucessivamente revogadas, por se entender, ao abrigo do artigo 124.º do CPTA, que não subsistia já o requisito do fumus boni iuris que havia, nessa ocasião, justificado o seu decretamento.

5.ª Pelo que não se afigura admissível que venha a sentença recorrida, em absoluta contradição com a posição que vem sendo reiterada no próprio Tribunal a quo e nos Tribunais superiores, considerar que não se deve ter por verificado um fumus malus sobre a pretensão formulada pelos Requerentes no processo principal.

6.ª A sentença recorrida incorreu noutro erro de julgamento, ao considerar verificado o requisito do periculum in mora, em virtude da potencialidade de geração de uma situação de facto consumado.

7.ª Não obstante, não considerou o Tribunal a quo uma circunstância determinante para a aferição da gravidade da lesão que se produziria em caso de não decretamento da providência requerida e, designadamente, para a ponderação da dificuldade associada à necessária reparação dos prejuízos incorridos, que é o facto, dado como provado que os Recorridos não são residentes na fração em causa e que apenas a utilizam esporadicamente.

8.ª Nessa medida, a lesão incorrida pelos Recorridos apresenta um caráter eminentemente patrimonial, a qual será perfeitamente reparável por via de uma indemnização, garantia que, note-se, encontra-se perfeitamente assegurada no contexto do processo de expropriação a tramitar.

9.ª Com efeito, os prejuízos a incorrer pelos Recorridos não se afiguram, no caso concreto, irreparáveis, pelo que mal andou a sentença recorrida ao ter julgado verificado o requisito do periculum in mora.

10.ª Não pode deixar de se concluir que laborou em erro, a sentença recorrida, ao não identificar a existência de um interesse público que devesse prevalecer sobre a tutela cautelar reclamada pelos Recorridos.

11.ª Isto quando, atendendo ao lastro de litigância que vem evidenciado no presente articulado, designadamente por via dos sucessivos recursos interpostos pelos proprietários do Edifício J..., numa estratégia de persistente entropia dos processos judiciais em curso, não se antevê que os autos tramitados a título principal dos presentes venham a alcançar uma decisão definitiva nos próximos tempo, já que a ação principal dos presentes autos se encontra a aguardar julgamento no Tribunal a quo há mais de 10 (dez) anos.

12.ª Sendo certo que não se antevê que uma futura eventual decisão desfavorável à ora Recorrente a constituísse na obrigação de reconstruir o Edifício J..., já que, considerando o grave prejuízo interesse público que tal solução acarretaria, seria mais provável verificar-se uma causa legítima de inexecução, o que redundaria na obrigação de atribuição aos ora Recorridos de uma indemnização, ponderando ainda, como acima se fez, que estão em causa interesses de ordem meramente patrimonial.

13.ª Pelo que, ao contrário do que se decidiu na sentença recorrida, não se encontra verificado nenhum dos requisitos de que a lei faz depender o decretamento das providências cautelares.

NESTES TERMOS e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se a sentença ora recorrida e proferindo-se nova decisão, que julgue improcedente o pedido formulado tendente ao decretamento da providência cautelar requerida.


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MINISTÉRIO DO AMBIENTE em alegações formulou as seguintes conclusões:
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A - No âmbito da presente providência cautelar as partes chegaram a um acordo no âmbito da acção principal o que determinou a extinção da lide.

B - A Sentença ora impugnada não considerou a extinção do processo principal motivo pelo qual incorreu no vício de incorrecta determinação da matéria de facto.

C - Motivo pelo qual deverá ser revogada.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, E, EM CONSEQUÊNCIA DEVERÁ SER REVOGADA A DOUTA DECISÃO ORA RECORRIDA, DEVENDO, EM CONSEQUÊNCIA, SER DECLARADA EXTINTA A PROVIDÊNCIA CAUTELAR POR FALTA DE OBJETO IMPUGNÁVEL.

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MUNICÍPIO DE VIANA DO CASTELO, na sua alegação de recurso, formulou as seguintes conclusões:

I. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não apreciou a verificação concreta e objectiva do requisito do fumus non malus iuris tal como alegado pelos requerentes, tendo-se limitado a concluir pelo preenchimento do requisito sem enunciar os factos e as premissas que permitiram ao Tribunal chegar à conclusão de que não é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada pelos requerentes no processo principal, tendo-se limitado antes a discorrer e a concluir no sentido de considerar que o argumento da V..., S.A não era suficiente para afastar a verificação do requisito;

II. Por outro lado, o Tribunal a quo não atendeu ao facto de que nas acções administrativas especiais n.º 1333/05.5 BEBRG, 1343/05.2 BEBRG, 1204/05.5 BEBRG e 1253/05.3 BEBRG que correram termos no TAF de Braga foi apreciada a legalidade do mesmo acto administrativo em crise nestes autos – o despacho do Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional que declarou a utilidade pública da expropriação das fracções do Prédio C... e o carácter urgente da mesma – sendo que, as questões de direito que são abordadas e os vícios que são imputados ao acto em crise são, exactamente os mesmos, ou essencialmente os mesmos, em todas as acções principais, sendo que, todas respeitam ao mesmo prédio;

III. Aliás, nas acções administrativas especiais n.º 1333/05.5 BEBRG e 1343/05.2 BEBRG são abordadas as mesmíssimas questões de direito das da acção administrativa especial n.º 1354/05.8 BEBRG, a acção principal de que o presente processo cautelar é dependente;

IV. Nas acções administrativas especiais referidas em II. foram proferidas já oito decisões de mérito pelas três instâncias da jurisdição administrativa (quatro decisões em 1.ª instância do TAF de Braga, três decisões em 2.ª instância do TCA Norte e uma decisão do STA), no sentido de julgar o acto sindicado legal, duas com trânsito em julgado (processos n.º 1253/05.3 BEBRG e 1204/05.5 BEBRG), facto de que o Tribunal a quo tem conhecimento, em virtude do exercício das suas funções;

V. O Tribunal recorrido chamado, pois, a apreciar a título principal a questão da legalidade do despacho do Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, que declarou a utilidade pública da expropriação do Prédio C..., e bem assim, o carácter de urgência da mesma, julgou nos quatro processos supra referidos, improcedentes as acções correspondentes, por inexistirem os vícios que os respectivos AA. imputaram ao despacho impugnado;

VI. Não se pode, assim, passar por cima do facto de que existem já decisões de toda a hierarquia da jurisdição administrativa no mesmo exacto sentido, isto é, o de que o despacho em crise é perfeitamente válido e eficaz;

VII. Ora, ao contrário do considerado pelo Tribunal a quo, o número de apreciações jurisdicionais com o mesmo exacto âmbito e proferidas por Tribunais de diferentes instâncias da jurisdição administrativa permite já concluir que existe um padrão, um entendimento pacífico e uniformizado dos Tribunais Administrativos quanto à legalidade do acto ora suspenso;

VIII. O Tribunal a quo deveria ter considerado que face ao padrão de decisões em processos principais já conhecidas sobre o mesmo acto administrativo no sentido da total improcedência das acções instauradas, se teria necessariamente que considerar verificado um fumus malus sobre a pretensão formulada pelos requerentes nos autos principais;

IX. Face a todas as decisões jurisdicionais de que o Tribunal a quo tem conhecimento, deveria o mesmo ter considerado não se verificar o requisito do fumus non malus iuris previsto no art. 120.º/1/b) do CPTA, na redacção aplicável e, consequentemente negar a concessão da providência cautelar requerida;

X. Por outro lado, ao contrário do que consta da douta sentença recorrida, existe, efectivamente, uma preponderância do interesse público defendido pelos requeridos relativamente aos interesses privados dos requerentes;

XI. Na sequência do que se alegou, é de presumir que existem fortíssimas possibilidades de a acção principal vir a ser julgada totalmente improcedente porquanto é já manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada pelos requerentes na mesma;

XII. Todavia, ainda que a acção principal viesse a proceder, o que apenas se admite por mera hipótese académica, jamais os requeridos se constituiriam na obrigação de reconstruir o edifício, com 13 pisos e com mais de 100 fracções autónomas, tal como consta da douta sentença recorrida, porquanto o Plano de Pormenor do Centro Histórico do concelho de Viana do Castelo impede a construção/reconstrução de um edifício com a cércea da do Prédio C... (13 pisos), pelo que, qualquer acto de licenciamento que viesse a ser praticado em violação de um instrumento de gestão territorial implicaria a nulidade do mesmo; – art. 103.º do RJIGT.

XIII. Por outro lado ainda, apesar de o acto suspenso se aplicar apenas à fracção dos requerentes e de a V..., S.A poder prosseguir com a expropriação relativamente às restantes parcelas/fracções, o que é certo é que, a requerida tem já a propriedade plena sobre 70 fracções do “Prédio C...”, e tem já adjudicadas 28 outras fracções, num total de 98 fracções;

XIV. Ou seja, neste momento a V..., SA. tem já na sua posse a quase totalidade do prédio, sendo de presumir que dentro em breve estará em condições de prosseguir com a demolição do prédio, não podendo, todavia, avançar com esse propósito por causa da suspensão da eficácia do despacho em crise;

XV. Salvo o devido respeito, não é legítimo que a V..., S.A tenha que esperar pela decisão do processo principal que demorará, seguramente, vários anos até transitar em julgado, para poder prosseguir com a demolição do prédio, quando é expectável que o acto venha a ser julgado legal nessa mesma acção;

XVI. O Tribunal ao quo deveria também ter atendido ao prejuízo para o interesse público resultante da não reposição da legalidade urbanística violada e do não cumprimento dos instrumentos de gestão territorial em vigor no concelho de Viana do Castelo (RPPCHVC);

XVII. Tal como deveria ter tido em conta o prejuízo para os vianenses e para quem se desloque à cidade de não poder usufruir do mercado municipal que sempre existiu no centro histórico e que há vários anos a esta parte foi deslocalizado para os arredores da cidade a fim de se poder construir um edifício de habitação para realojar os moradores do prédio C...;

XVIII. Sem esquecer o prejuízo para os vianenses e para quem se desloque à cidade e queira estacionar na zona do Prédio C..., estacionamento esse que actualmente é absolutamente caótico e selvagem, privando a comunidade por não se sabe quantos anos mais, da construção e do usufruto de um parque de estacionamento no local, que obviará ao actual caos;

XIX. Ora, não faz sentido privar toda uma cidade da necessidade de ter um parque de estacionamento numa zona em que ele é imprescindível, e bem assim, do regresso do mercado municipal ao casco histórico da cidade, à zona onde ele sempre existiu, para que os requerentes que vivem em Lisboa, trabalham em Lisboa, têm o centro da sua vida na capital, há dezenas de anos a esta parte, e portanto estão desraízados da cidade de Viana do Castelo, possam usufruir da sua fracção quando se deslocam a Viana do Castelo nas festas da Sra. da Agonia, na Páscoa, no Natal e em alguns fins-de-semana durante o ano;

XX. O interesse público é superior a este interesse privado e naturalmente egoístico e de mera comodidade e facilidade dos requerentes, os quais, de resto não habitam a fracção em causa no seu dia a dia, não têm necessidade da mesma e vivem a uma longa distância de Viana do Castelo, não fazendo sentido privar a cidade de infra-estruturas importantes para a população para satisfazer o interesse de três pessoas concretas que nem habitam o prédio;

XXI. Nem muito menos fará sentido sobrecarregar os requeridos e o contra-interessado com mais não sei quantos anos de espera para prosseguir com o processo de expropriação, com os custos económicos e financeiros inerentes a essa demora, para que no final tenhamos uma decisão que neste momento já sabemos com grande grau de probabilidade dever ser no sentido da improcedência da acção;

XXII. Salvo o devido respeito, o interesse que prevalece tem que ser o de toda uma população que precisa de um parque de estacionamento e de um mercado municipal de regresso à zona onde sempre existiu, de forma a relançar o comércio tradicional no centro histórico, sobre o de três pessoas concretas que apenas usam a fracção em causa esporadicamente;

XXIII. Salvo o devido respeito, dos elementos que constam dos autos, e bem assim, dos factos dados como provados na douta sentença recorrida, terá de considerar-se, ao invés do decidido pelo Meritíssimo Juiz a quo, que o interesse público prevalece sobre o interesse privado dos requerentes, pelo que os danos que resultariam para os requerentes da não concessão da providência cautelar são manifestamente inferiores àqueles que resultariam para o interesse público da respectiva concessão;

XXIV. A suspensão da instância nos autos deveu-se à circunstância de à data terem sido confirmadas pelo STA, as decisões proferidas pelo TAF de Braga que suspenderam a eficácia do mesmo acto administrativo, no âmbito de outros processos cautelares, tendo-se entendido que não haveria necessidade de se decretar outra providência cautelar relativa ao mesmo acto, por manifesta inutilidade, porquanto à data ainda não existiam decisões sobre as acções principais;

XXV. Neste momento existem já várias decisões jurisdicionais de todos os Tribunais da jurisdição administrativa no sentido de considerarem o acto legal, pelo que, quaisquer dúvidas que existissem à data da suspensão da instância foram sendo dissipadas pelas decisões posteriores proferidas nas acções especiais respectivas, motivo pelo qual a V... S.A veio requerer o levantamento da suspensão da instância e o prosseguimento dos autos para decisão, por considerar que face ao entendimento entretanto uniformizado dos Tribunais sobre a questão, o Tribunal a quo decidiria em conformidade com o mesmo, o que não veio a acontecer;

XXVI. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não deveria tirar ilações de uma decisão das partes tomada em 2008 e motivada por uma determinada realidade (inexistência de decisões jurisdicionais em processos principais com trânsito em julgado sobre o acto em crise), devendo, antes preocupar-se com a realidade existente à data da decisão (2015), ou seja, tendo em conta que neste momento existe um entendimento pacífico sobre a questão, retirando daí as ilações devidas;

XXVII. A douta sentença recorrida viola, pois, a norma do art. 120.º/1/b) e n.º 2 do CPTA, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22.02, e alterado pelas Leis n.º 4-A/2003, de 19.02, 59/2008, de 11.09 e 63/2011 de 14.12.;

XXVIII. Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida encontra-se ferida do vício de erro de julgamento de direito porquanto existe uma errada interpretação e apreciação do preceituado no art. 120.º/1/b) e n.º 2 do CPTA ao caso concreto;

XXIX. Na verdade, no entender do ora recorrente as normas do art. 120.º/1/b) e n.º 2 do CPTA deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de considerar que não se verifica o requisito do fumus non malus iuris sobre a pretensão formulada pelos requerentes no processo principal porquanto é antes manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada na acção administrativa especial respectiva, e bem assim, não se verifica a preponderância do interesse privado dos requerentes sobre o interesse público defendido pelos requeridos e pelo contra-interessado, sendo que os danos que resultam da concessão da providência são manifestamente superiores aos que resultariam da sua recusa;

XXX. Não se encontram, pois, preenchidos os requisitos cumulativos consagrados naquela disposição legal e que depende a concessão da providência requerida;

XXXI. Nesta conformidade, a douta sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que indefira a providência cautelar de suspensão de eficácia do acto em crise, o que expressamente se requer, nos termos e com os fundamentos supra expostos.

PEDIDO:

TERMOS EM QUE, E NOS DO DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXªS., DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO RECORRENTE MUNICÍPIO DE VIANA DO CASTELO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA QUE DECRETOU A SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DO DESPACHO N.º 17461/2005, DE 15.07.2005, DO SR. MINISTRO DO AMBIENTE, DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL, NA PARTE EM QUE DECLAROU A UTILIDADE PÚBLICA E ATRIBUIU CARÁCTER DE URGÊNCIA À EXPROPRIAÇÃO DA FRACÇÃO 133 MC DO “PRÉDIO C...”, SITO NO LARGO JTC, N.º 34-A, 122 E 143 (TRÊS ENTRADAS), EM VIANA DO CASTELO, SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE NÃO CONCEDA A PROVIDÊNCIA CAUTELAR REQUERIDA, COM TODAS AS CONSEQUENCIAS DAÍ DECORRENTES COMO É, ALIÁS, DE INTEIRA J U S T I Ç A.

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Contra alegando os RECORRENTES formularam as seguintes conclusões:

1. O presente recurso tem efeito meramente devolutivo nos termos do artigo 143º, nº 2 do CPTA.

2. Os Recorridos louvam-se nos fundamentos de facto e de direito da douta sentença recorrida.

3. O recurso é delimitado pelas conclusões e escalpelizadas as conclusões (e até as alegações) resulta de forma cristalina que nenhum dos Recorrentes recorreu da matéria de facto!

4. A matéria de facto assente é aquela que consta da matéria de facto da sentença recorrida.

5. Os Recorrentes V..., S.A e Município apesar de não recorreram da matéria de facto, estribaram os seus recursos em matéria de facto que não consta dos articulados, não foi provada, nem está dada por assente, condenando dessa feita ao insucesso os recursos interpostos.

6. As alegações dos Recorrentes V..., S.A e Município está integralmente sustentada em factos não articulados, não provados e que nem constam da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida.

7. A tese das Recorrentes quanto à não verificação dos pressupostos está apenas e integralmente estribada em matéria de facto que não foi dada por assente, que não constava, nem consta da matéria de facto dos articulados, nem sobre ela foi produzida qualquer prova ou direito ao contraditório, aliás, é a própria Recorrente que o confessa ao dizer nas suas alegações de recurso que apenas falou de parte desses aspectos em sede de alegações orais. – cfr. 2º parágrafo do ponto 2, pág. 7 do recurso da Recorrente V..., S.A..

8. A jurisprudência do STA citada pelas Recorrentes não diz respeito ao caso dos autos, e, por outro lado, não é aplicável ao caso dos autos pois nesse Acórdão, o STA está apenas a apreciar a admissibilidade ou não da revista e o thema do acórdão não é o decretamento de uma providência.

9. Nenhum dos “impressivos” (mas falsos) argumentos esgrimidos pelas Recorrentes, tem sustentação na matéria de facto dada como provada e, não há matéria de facto articulada e/ou provada que dê aos Recorrentes a possibilidade de neste recurso alegarem a matéria factual que alegam.

10. As alegações do Recorrente Ministério só podem ser um tremendo equívoco e que os requerentes da providência não são os referidos JJA nem LMCOS, sendo irrelevante para os presentes autos a extinção da instância quanto a alguém que não faz parte dos presentes autos.

11. As providências ditas conservatórias são adoptadas quando

- há fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado;

- ou produção de prejuízos de difícil reparação;

- não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada no processo principal;

- da ponderação dos interesses pelo Juiz. (artigo 120º do CPTA)

12. Os requerentes desta providência (aqui Recorridos) são Autores na acção principal apensa e na acção principal ainda não foi produzida uma única decisão/sentença (e muito menos definitiva)

13. Os aqui Recorridos não são parte em nenhuma das acções judiciais referidas pelos Recorrentes e as acções e decisões judiciais apenas produzem efeitos inter – partes.

14. A Douta Sentença recorrida está devidamente fundamentada, de facto e de direito e não viola qualquer disposição legal e no que à prova diz respeito o julgador é livre na sua apreciação e, nessa medida, considerou como provados os factos de fls. da Douta Sentença Recorrida.

15. Em face da matéria de facto apurada e das normas jurídicas invocadas e correctamente interpretadas não se pode concluir de outra forma que não fosse a de decretar a providência nos termos em que a sentença recorrida fez.

16. A Douta Sentença recorrida está bem estruturada, não aprecia mais do que aquilo que deve apreciar, tem bem explícita a fundamentação de facto e de direito e é perfeitamente inteligível, cumprindo na íntegra os requisitos do artigo 659º do C.P.C., o que não podem as Recorrentes pretender é que se apreciem questões sem que haja, relativamente a essas questões, matéria factual dada como assente.

17. Não se verificam nenhum dos vícios imputados à Douta Sentença recorrida.

18. É, resulta que:

- a acção principal tem fundamento sério e

- existe possibilidade de a tese dos Recorridos obter vencimento;

- sem o decretamento da providência teremos uma situação de facto consumado e a sentença a proferir na acção principal não teria utilidade;

- para além do facto consumado o prosseguimento do processo advêm graves prejuízos para os Recorridos;

- com a suspensão não advêm quaisquer prejuízos para o interesse público, a não suspensão pode gerar prejuízos avultadíssimos até na perspectiva da entidade pública e do interesse público.

19. O Meritíssimo Juiz “a quo”, no cumprimento estrito da legalidade, não decide agora sobre as eventuais ilegalidades, limita-se a fazer um juízo perfunctório, e que lhe permitiu concluir e bem pela existência do fumus non malus iuris, até porque, basta que “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”

20. Na sentença de fls. o requisito do fumus non malus iuris foi preenchido e bem porque:

- não se verifica qualquer uma das situações normativamente previstas no nº 1 do artigo 89º do CPTA;

- a pretensão dos aqui Recorridos não é destituída de fundamento.

21. Os Recorrentes entendem (erradamente) que este pressuposto não está preenchido invocando para tanto matéria de facto que não está articulada, provada nem assente, nem os aqui Recorridos fazem parte das acções judiciais invocadas pelos Recorrentes.

22. Na acção judicial em que esta providência é apensa e de que os Recorridos são autores, não existe uma única decisão judicial que permita afirmar a inexistência do fumus non malus iuris, sendo que:

- em acção principal que apreciou o mérito e transitada em julgado, foi a mesma inteiramente favorável à Autora Carmen Tarrio Soto, a qual declarou e conheceu a anulabilidade da DUP por falta de notificação da resolução de expropriar (proc. 1333/05.5BEBRG)

- ora, à semelhança do sucedido com a referida Carmen Soto, também os aqui Recorrentes não foram notificados da resolução de expropriar, pelo que, antevê-se uma séria probabilidade de vitória dos Recorrentes na acção principal tal como sucedeu na referido proc. 1333/05.5BEBRG, com a referida Autora Carmen Tarrio.

- por outro lado ainda, importa dizer que, é inteiramente falso que os fundamentos de direito da acção principal sejam idênticos aos das acções invocadas pelos Recorrentes (nem isso está provado), aliás, há fundamentos nesta acção principal que não constam de nenhuma daquelas acções judiciais.

23. A existência de diversas acções ainda pendentes, incluindo a acção principal a que esta providência é apensa e a inexistência de qualquer acórdão uniformizador de jurisprudência ou do pleno do STA, reforça ainda mais convicção de que não é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada, nem há circunstâncias que obstam ao seu conhecimento de mérito.

24. Neste sentido: “A alínea b) do nº1 do artº120º do CPTA satisfaz-se, no que a este ponto diz respeito, com uma formulação negativa, nos termos da qual basta que «não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular» pelo requerente no processo principal «ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito» para que uma providência conservatória possa ser concedida. Consagra-se, deste modo, o que já foi qualificado como um fumus non malus iuris: não é necessário um prejuízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, basta que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento de pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa…”

Neste sentido vide jurisprudência do STA (Ac. 0857/11, 12.01.2012, Rel. Pires Esteves in www.dgsi.pt) e a Doutrina (entre outros Carla Amado Gomes, in Cadernos da Justiça Administrativa, nº39, págs.3 e segs, Fernanda Maçãs, O Debate Universitário, fls. 461 e ss. e Miguel Prata Roque, in Novas e Velhas Andanças do Contencioso Administrativo, pág. 579)

25. O artigo 120º, b) do CPTA, apenas exige que aquando da interposição/decretamento da providência não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular é, pois, apenas no momento da interposição que se exige que o julgador verifique perfunctoriamente a existência ou não desse mínimo de indício de fundamento da pretensão. (artigo 120º b) do CPTA).

26. Aliás, no acórdão proferido pelo TCA Norte (Proc. nº 01384/08.BEBRG, 15.01.2009) foi decretada providência de tipo conservatório, não obstante já ter sido proferida decisão final de indeferimento do pedido – apesar de não transitada em julgado – no âmbito da acção principal. - Miguel Prata Roque, in “Cinco anos de reforma da tutela cautelar”, CJA, nº 76, p. 77.

27. É, pois, manifesta a existência do fumus non malus iuris e é, neste sentido que deve ser interpretado o artigo 120º, b) do CPTA.

28. A fracção em causa é a casa da família, a casa onde os Recorridos passaram parte relevante da infância e da juventude, adolescência e onde a família se continua a encontrar e reunir, designadamente, em festas de família e por ocasião das festas do Natal, Páscoa e Festas da Nossa Senhora da Agonia. A fracção em causa é a habitação dos Recorridos em Viana do Castelo, que é a sua terra e onde têm as suas raízes e família e não têm outra em Viana do Castelo e aquela sempre foi a casa dos Recorridos incluindo quando intentaram a presente providência.

29. Mas a sentença recorrida deu por verificado o pressuposto do periculum in mora por causa do facto consumado ou seja, a forte probabilidade da demolição do edifício enquanto que a acção principal está a ser apreciada.

30. É a própria Recorrente que acaba por confessar a verificação do facto consumado e da ponderação de interesses, ou seja, a demora do processo principal (pelo menos 10 anos nas palavras da Recorrente) levaria à demolição do edifício e depois não o reconstruiriam invocando um valor gerador de grave prejuízo para o interesse publico.

31. Sendo a “causa legítima de inexecução” uma falsa questão invocada ex novo pelos Recorrentes, pois depende sempre da apreciação do tribunal (que pode considerar que não se verifica e obrigar à reconstrução) e sempre geraria uma obrigação de indemnização cujos valores podem ser avultadíssimos.

32. O Meritíssimo Juiz “a quo” entendeu e bem que é mais do que provável que o edifício já estivesse demolido quando viesse a ser proferida a sentença na acção principal o que a tornaria inútil e ou estéril, e a propósito louvamo-nos na douta sentença recorrida:

“…o argumento de força da posição dos Requerentes reconduz-se ao perigo da criação de uma situação de facto consumado, porquanto a não suspensão do acto impugnado permite e legitima a demolição do “Edifício J...”, demolição esta que caso venha a suceder, criará uma situação fáctica que não será reversível…atenta a impossibilidade e a excessiva onerosidade de se proceder à reconstrução do edifício em causa.”

33. A verificação do periculum in mora pela circunstância do facto consumado tem sido pacífica e unanimemente aceite pela jurisprudência deste Tribunal e do STA em providências similares a esta e referentes a outras fracções do edifício – cfr. entre outros Ac. do TCA Norte, 25.10.2007, proc. nº 01147/05.2BEBRG in www.dgsi.pt e jurisprudência do STA (Ac. 0857/11, 12.01.2012, Rel. Pires Esteves in www.dgsi.pt) e a Doutrina (entre outros Carla Amado Gomes, in Cadernos da Justiça Administrativa, nº39, págs.3 e segs, Fernanda Maçãs, O Debate Universitário, fls. 461 e ss. e Miguel Prata Roque, in Novas e Velhas Andanças do Contencioso Administrativo, pág. 579)

34. O Meritíssimo Juiz “a quo” em cumprimento do disposto no nº 2 do artigo 120º do CPTA efectuou a ponderação dos interesses, tendo concluído e bem que em face dos interesses em causa deveriam prevalecer os interesses dos Recorridos e que “não se descortina a existência de um interesse público que deva prevalecer sobre a tutela cautelar reclamada pelos Autores”, e como refere e bem o Meritíssimo Juiz “a quo” há “…razões de interesse público que justificam uma actuação prudente, no sentido de não se proceder à imediata demolição do Edifício onde se mostra integrada a fracção que é pertença dos…” Recorridos “…e de se aguardar por uma decisão definitiva do litígio, pois, a assim não suceder, uma futura decisão favorável aos Requerentes constituiria os Requeridos na obrigação de reconstruir o Edifício referenciado nos autos, edifício este que possui mais de 10 pisos e mais de 100 fracções autónomas”, o que implicaria um enorme dispêndio para o erário público.

35. Neste mesmíssimo sentido se tem pronunciado pacífica e unanimemente jurisprudência deste Tribunal e do STA em providências similares a esta e referentes a outras fracções do edifício – cfr. entre outros Ac. do TCA Norte, 25.10.2007, proc. nº 01147/05.2BEBRG in www.dgsi.pt.

36. A este fundamento o Meritíssimo Juiz “a quo” acrescenta um outro que não é de somenos, ou seja, as Recorrentes por sua livre e espontânea vontade acordaram e mantiveram neste caso a suspensão de 2008 a 2014, logo, pelo que, resulta daí por demais evidente, que as Recorrentes não têm qualquer necessidade, pressa ou urgência, nem a suspensão lhes acarreta qualquer prejuízo.

37. O edifício em causa está em bom estado de conservação e devidamente licenciado, existe no local há mais de 30 anos, não advém qualquer consequência se aí permanecer até final da acção principal, aliás, o mercado municipal existe e está em pleno funcionamento e, a Recorrente V..., S.A prosseguiu a execução do restante programa Polis.

38. A suspensão também em nada prejudica os demais proprietários das fracções e/ou os demais expropriados das fracções.

39. A Recorrente V..., S.A não tem verba para proceder à reconstrução do edifício, nem para suportar as indemnizações na hipótese de ter que o reconstruir, aliás, se tal sucedesse muito possivelmente a Recorrente V..., S.A não podia proceder a essa reconstrução por tal não constar do seu objecto ou por até nem existir.

40. É inequívoco que

- a acção principal tem fundamento sério e

- existe possibilidade de a tese dos Recorridos obter vencimento;

- sem o decretamento da providência a sentença a proferir na acção principal não teria utilidade;

- do prosseguimento do processo de expropriação advêm graves prejuízos para os Recorridos;

- não advêm quaisquer prejuízos para o interesse público;

- os prejuízos que advêm para o interesse particular são muito superiores aos que possam advir para o interesse público .

41. O Meritíssimo Juiz “ a quo” em face da matéria de facto apurada e das normas jurídicas invocadas não poderia concluir de outra forma que não fosse a de decretar a providência nos termos em que o fez e, ainda que devesse ter considerado o factualismo que as Recorrentes invocam, o que não se concede, sempre se diria que, ainda assim, o Meritíssimo Juiz “a quo” decidiria da mesma forma que decidiu.

42. O Meritíssimo Juiz “a quo” apreciou todos os requisitos de que depende o decretamento da providência (previstos no artigo 120º do CPTA), aplicando correctamente o direito à matéria factual que, também ela, foi correctamente dada por assente, sendo que, na realidade o que as Recorrentes pretendem é que se apreciem questões sem que haja, relativamente a essas questões, matéria factual dada como assente, nem se o possa fazer.

Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, como é de inteira JUSTIÇA!

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O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu o douto parecer de fls. 2341 e seguintes no sentido de que deve ser revogada a sentença recorrida, concedendo-se provimento aos recursos interpostos por V... e pelo Município de Viana.
*
Os Recorrente responderam ao parecer do MP conforme fls. 2348 e seguintes.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Consta da sentença:

III- FACTOS PROVADOS

Com relevância para a boa apreciação da causa, é esta a matéria de facto que se tem por provada:

1. V... – Sociedade para o desenvolvimento do Programa Polis em Viana do Castelo, S.A., foi criada com a publicação do Decreto-Lei n.ºn.º 186/2000, de 11 de Agosto.

2. Mediante despacho publicado no DR II Série de 16.08.2005, proferido pelo Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, de duas parcelas identificadas com os ns. 82 e 133 na respectiva planta parcelar de expropriações, anexa àquele despacho, e necessárias à construção do edifício do mercado municipal e de espaço público, em execução do Plano de Pormenor do Centro Histórico de Viana do Castelo – doc. 8 junto pelos Requerentes no processo principal.

3. A parcela n.º 133 é relativa a um lote de terreno no qual se mostra implantado um edifício de 13 andares, conhecido como “Edifício J...” ou “Edifício C...” sito no Largo JTC, n.º 34-A, 122 e 134, sito em Viana do Castelo;

4. Tal edifício mostra-se constituído em propriedade horizontal, com a composição de 105 fracções autónomas, que se distribuem por dois tendo um 4 pisos acima do solo e o outro 13;

5. O terreno onde se mostra implantado o Edifício J... foi desafectado do património municipal e vendido em hasta pública, para construção privada, tendo o construído sido edificado em 1976, com materiais de 1ª qualidade – docs. 9 a 17 junto pelos Autores na acção principal;

6. O Edifício J... encontra-se em bom estado de conservação;

7. Mediante despacho publicado em DR II Série, n.º 164, de 26.08.2005, foi publicado o mapa de expropriações – 3.ª fase do Plano de Pormenor do

Centro Histórico de Viana do Castelo – doc. 18 junto pelos Autores no processo principal.

8. No mapa referido no n.º anterior encontra-se descrita como parcela a expropriar, com a designação de fracção n.º 133-MC, com a indicação de ser propriedade dos Requerentes, morador no Largo JTC, 122, 10.º direito, em Viana do Castelo.

9. Em 2005, a expropriação e demolição do “Edifício J...” mostrava –se orçamentada em € 12.604.126,69 – cfr. doc. 16 junto pela Requerida V... no processo principal.

10. Encontram-se presentemente construídos dois conjuntos de edifícios, destinados ao realojamento de todos os moradores do “Edifício J...”, distanciados, num caso a cerca de 50 metros e noutro a cerca de 850 metros do referido edifício, dispondo ambos de estacionamento privativo.

11. O mercado municipal de Viana do Castelo encontra-se a funcionar nas antigas instalações da EPAC.

12. Os Requerentes adquiriram a fracção autónoma de que são titulares em 1976, tendo a aquisição sido suportada pelo pai dos Requerentes JLG;

13. Os Requerentes costumam passar as épocas festivas (Natal, Páscoa e Festas da Senhora da Agonia) na fracção expropriada.

14. O Requerente LFLG tem presentemente 43 anos, a Requerente MTSLG tem 48 anos e a Requerente Maria Alice tem 58 anos.

15. Os Requerentes vivem em Lisboa, deslocando-se com frequência a Viana do Castelo, pelo menos uma vez por mês ou de dois em dois meses;

16. Na presente data, habitam no Edifício J... aproximadamente 20 pessoas ocupando cerca de 10 fracções.

FACTOS NÃO PROVADOS: inexiste outra matéria que revelasse pertinência para a apreciação das questões suscitadas e que deve ter sido provada pelas partes.

MOTIVIÇÃO DA DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO

Para efeitos da matéria tida aqui como provada, o Tribunal valorou os documentos juntos ao processo (cautelar e principal), a posição firmada pelas partes relativamente à matéria que foi alegada e, bem assim, a prova testemunhal produzida em sede de Audiência.

Neste particular, o Tribunal valorou a globalidade dos testemunhos, atenta a forma espontânea, séria e determinada como os depoimentos foram prestados.

No que tange ao depoimento prestado pela testemunha Alcino Ferreira Lemos, e não obstante a testemunha ser tio dos Requerentes, o depoimento veio a ser valorado pelo Tribunal para efeitos da convicção formada pelo Tribunal em relação ao núcleo factual referente ao modo de utilização da fracção pelos Requerentes ao longo dos anos, e da sua ligação à mesma, e características do prédio, tendo a testemunha revelado conhecimento directo da matéria a que depôs, seja pela ligação familiar que o une aos Requerentes, seja também por ter sido titular de fracção autónoma no mesmo edifício.

Apesar de alguma emotividade que mercou o depoimento, que se explica pela ligação que tem ao edifício em questão, o relato mostrou-se espontâneo, seguro e directo, o que permitiu a sua valoração.

De igual modo, no que tange ao depoimento prestado por JLG, pai dos Requerentes, que prestou um depoimento livre e firme quanto à matéria a que depôs, sendo que, não obstante a manifestada ligação afectiva ao imóvel que foi objecto de expropriação, nunca se furtou às perguntas que lhe foram colocadas, sempre respondendo com assertividade e prontidão.

Finalmente, e quanto ao depoimento prestado pela testemunha da Requerida V..., CRVS, administrativa que se mostra ao serviço da V..., o depoimento mostrou-se igualmente firme, espontâneo e desapegado dos interesses em disputa nos presentes autos, tendo o depoimento relevado para que o Tribunal firmasse a sua convicção relativamente ao núcleo factual relativo ao número de fracções que, no presente se mostram habitadas em regime de permanência.

*
DIREITO

Em contra alegação os Recorrentes começam por alegar e enfatizar que “nenhum dos Recorrentes recorreu da matéria de facto!” assente na sentença recorrida.

E, na sequência, dizem, entre outras coisas (ver conclusão 6) que “As alegações dos Recorrentes V..., S.A e Município estão integralmente sustentadas em factos não articulados, não provados e que nem constam da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida”.

A primeira asserção é verdadeira. A segunda não, porque as alegações dos referidos Recorrentes não são integralmente sustentadas em factos estranhos a decisão de 1ª instância.

Tendo em conta a factualidade assente – e só essa será ponderada por se mostrar suficiente à decisão das preensões recursivas – entende-se que a decisão do TAF está adequadamente fundamentada na generalidade do aspecto jurídico das questões tratadas, excepto no que concerne à apreciação da causa no domínio do critério de decisão consignado no artigo 120º nº2 do CPTA.

Segue-se, portanto de imediato para a análise desta matéria, sem entrar em considerações que seriam inúteis e refratárias ao espírito provisório e instrumental da tutela cautelar, além de, em termos sistémicos só servirem para exacerbar ainda mais as agruras daqueles que acedem aos tribunais na expectativa de obterem “em prazo razoável” uma decisão judicial, como lhes prometia o artigo 2º/1 CPC ex vi artigo 1º CPTA.

Lê-se a este propósito na sentença:

Aqui chegados, cumprirá ainda proceder à ponderação dos diversos interesses em jogo, em ordem a apurar se os eventuais danos que poderão resultar do decretamento da providência se mostram superiores àqueles que resultarão do não decretamento da medida cautelar que aqui é requerida.

Neste particular, não se descortina que exista aqui uma preponderância dos diversos interesses contrapostos aos dos Requerentes que imponha a recusa da concessão da providência cautelar que vem Requerida.

Desde logo, a eventual suspensão da eficácia do acto expropriativo, com efeitos limitados à parcela de que os Requerentes se mostram titulares, não contende com os eventuais interesses dos demais proprietários que tenham entretanto logrado alcançar acordo com a entidade expropriante, que não ficam assim afectados pelo eventual decretamento da providência cautelar.

E no que tange ao interesse público subjacente à actuação das Entidades Requeridas, não obstante as finalidades prosseguidas pela expropriação subjacente aos presentes autos (construção de edifício de mercado municipal e de espaço público em execução do Plano de Pormenor do Centro Histórico de Viana do Castelo), não se descortina a existência de um interesse público que deva prevalecer sobre a tutela cautelar reclamada pelos Autores.

Pelo contrário, existem razões de interesse público que justificam uma actuação prudente, no sentido de não se proceder à imediata demolição do Edifício onde se mostra integrada a fracção que é pertença dos Requerentes e de se aguardar por uma decisão definitiva do litígio, pois, a assim não suceder, uma futura decisão favorável aos Requerentes constituiria os Requeridos na obrigação de reconstruir o Edifício referenciado nos autos, edifício este que possui mais de 10 pisos e mais de 100 fracções autónomas, reconstrução essa que implicaria – por certo – um enorme dispêndio para o erário público.

Finalmente, a não prevalência dos interesses contrapostos aos dos Requerente, acaba também por ficar evidenciada pela circunstância de todas as partes terem assentido na suspensão da presente instância cautelar por um largo período temporal (de 2008 a 2014), sem que, para esses efeitos, tenham considerado existir qualquer lesão para os interesses públicos ou privados opostos aos dos aqui Requerentes.

Aqui chegados, restará então, concluir pela verificação de todos os pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar que vem requerida, e tendo presente o que se mostra estatuído nos n.ºs 1 e 2 do art.º 120º do CPTA.

*
A Recorrente V... dedicou à impugnação desta questão, sobretudo, as conclusões 7ª, 8ª, 10ª e 12ª.

Quanto ao Recorrente Município dedicou-lhe também diversas conclusões, maxime as conclusões XX e XXIII.

Não pode dizer-se que os interesses defendidos pelos Requerentes/Recorridos são de carácter exclusivamente patrimonial, pois merecem também consideração os aspectos de ordem pessoal descritos nos pontos 13 a 15 da matéria de facto assente.

No entanto é certo que os Requerentes não mantêm a sua residência nas fracções expropriadas, limitando-se a fazer delas uma utilização ocasional e perfeitamente secundária.

Ora, este Tribunal “ad quem” entende, por um lado, que a perda da propriedade das fracções, enquanto activos patrimoniais, é perfeitamente compensável em termos pecuniários e, por outro, que a fruição das mesmas para aquele tipo de utilização ocasional descrito nos factos 13 a 15, ainda que respeitável, não tem relevância suficiente para contrabalançar, e muito menos superar, o peso social dos interesses públicos que estão em causa, devidamente demonstrados nos factos 1 a 11 da sentença.

Os Recorridos invocam em sentido contrário o acórdão deste TCAN de 25-10-2007, proc. nº 01147/05.2BEBRG, proferido em providência que qualificam de similar.

Ora o que se decidiu neste acórdão de pertinente foi (cfr. sumário):

«Quanto à ponderação de interesses – n.º 2 do art. 120.º do CPTA - os danos que resultariam da recusa da providência requerida (suspensão do acto de expropriação, por utilidade pública, com carácter urgente, e consequente tomada de posse administrativa, conducente à demolição do prédio em causa) configuram-se como sendo superiores àqueles que resultam da concessão, pois que os interesses públicos e privados em litígio, consubstanciados em valores específicos, como a salvaguarda do direito à qualidade de vida das pessoas que vivem há cerca de trinta anos num certo prédio, com os valores da boa gestão do erário público relativos à demolição de um prédio de dez andares e com mais de cem habitações, com o risco de procedência de uma acção que anule aquele despacho de demolição, assumem manifesta superioridade, confrontados com os interesses da administração, traduzidos na imediata realização do Programa Polis de reabilitação da cidade de Viana do Castelo, impondo a imediata demolição daquele prédio, sem que se espere pelo resultado da acção principal».

Trata-se, portanto, por assim dizer, de um enredo diferente no mesmo cenário.

Tem-se por irrefutável que a residência permanente há 30 anos numa determinada habitação é uma situação que merece tutela jurídica incomparavelmente mais intensa do que a mera expectativa da fruição ocasional de uma fracção que se mantém normalmente desocupada.

Por outro lado, entende-se que os argumentos utilizados pelo TAF na minimização do interesse público em causa não são concludentes e, pelo contrário, são em certa medida reversíveis.

Na verdade, o que os factos destes autos e de muitos outros processos já julgados demonstram – sendo de resto facto notório pela mediatização do caso – é uma longa, infatigável e coerente persistência dos vários organismos públicos implicados, no exercício normal das suas atribuições, em prosseguirem uma requalificação urbanística da cidade de Viana do Castelo que passa, necessariamente, pela demolição do chamado Edifício C....

A tal ponto que, conforme descrito nos factos 4 e 16, já só restam 10 fracções habitadas por cerca de 20 pessoas, das 105 fracções autónomas do edifício.

Quanto à prudência da actuação dos organismos públicos, em termos de dispêndio para o erário público, não é seguramente ao poder judicial que cabe ditar orientações nessa matéria – cfr. artigos 2º e 11º da CRP.

Encurtando razões, entende-se que no caso os interesses públicos dos Recorrentes prevalecem sobre os interesses invocados pelos Requerentes e que, portanto, a presente providência deveria ter sido recusada por aplicação do artigo 120º/2 CPTA.

Deste modo, os recursos de V... e do Município de Viana do Castelo merecem provimento, não devendo manter-se a decisão recorrida.

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DECISÃO

Pelo exposto acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e negar a providência cautelar requerida.
Custas pelos Recorridos.

Porto, 8 de Abril de 2016
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: Alexandra Alendouro