Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00581/17.0BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/31/2019
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:NOVO REGIME DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 59/2015, DE 21 DE ABRIL;
PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE REQUERIMENTO PARA PAGAMENTO DE CRÉDITOS EMERGENTES DE CONTRATO DE TRABALHO; CADUCIDADE; ARTIGOS 2º, Nº. 8 DO D.L Nº. 59/2015, DE 21 DE ABRIL; ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.º 328/2018, DE 27/06/2018.
Sumário:I – Os requerimentos para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho apresentados após 04.05.2015 ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.

II- Nos termos do art.º 2.º, n.º 8 do citado D.L. nº. 59/2015, o Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos o Fundo assegura o “(…) pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”

III- Em função do decidido pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 328/2018, de 27/06/2018, que julgou inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão, deve admitir-se a existência de causas de interrupção ou de suspensão, sob pena de, assim não sendo, tal norma violar - para além do direito da União Europeia e da Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia -, os princípios ínsitos nos art.ºs 13.º, 59.º, n.ºs 1 e 3 e 2.º da Constituição da República Portuguesa, incluindo o da igualdade e o da efetividade.

IV- Na situação recursiva, em face das regras de contagem de prazos prescritas nos art.ºs 297.º, 296.º e 279.º, al. c) do Código Civil, e aplicáveis ao prazo introduzido pelo art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS, e sopesando a jurisprudência emanada pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 328/2018, deve entender-se que o prazo de caducidade de 1 ano previsto no nº. 8 do art.º 2.º do D.L. nº. 59/2015, de 21 de abril, iniciou a sua contagem em 04.05.2015, suspendendo-se, porém, no período que mediou 01.07.2015 e 04.07.2016, para depois a partir daqui retomar o seu curso normal e, consequentemente, esgotar-se em 01.05.2017.

V- Pelo que, tendo o Recorrente apresentado os seus requerimentos ao Réu em 17.08.2016, sempre a apresentação de tal requerimento é tempestiva.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J.C. . S.
Recorrido 1:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

J.C. . S., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel [doravante T.A.F. de Penafiel], de 24.10.2018, proferida no âmbito da presente Ação Administrativa intentada pelo Recorrente contra o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, também com os sinais dos autos, que julgou improcedente a presente ação, e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido.

Em alegações, o Recorrente formulou as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso:

(…)
1 - Do art.° 1.° do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (NRFGS), aprovado pelo DL n.° 59/2015, de 21 de abril, resulta, claramente, ser apenas um o requisito para pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, o qual consiste na existência de sentença que declare a insolvência do empregador.
2- A leitura da norma constante no art.° 2.°, n.° 8, do NRFGS, tem de ser harmonizada com o art.° 1.°, n.° 1, al. a), do mesmo diploma legal.
3- O requisito de acionamento do Fundo de Garantia Salarial é o da declaração de insolvência da entidade patronal.
4- O Recorrente diligenciou atempadamente pelo reconhecimento dos seus créditos salariais, junto da entidade competente - O Administrador da Insolvência.
5- Qualquer interpretação do art.° 2.°, n.° 8, do NRFGS, que impeça o Recorrente de reclamar e receber o seu crédito, por via do Fundo de Garantia Salarial, por ter cessado o seu contrato de trabalho há mais de um ano, é contrária à Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, ao art.° 59.°, n.° 1, al. a) e ao art.° 13.°.
6- É inconstitucional o prazo de um ano, previsto no n.° 8 do artigo 2.° do NRFGS para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência (1a Secção, Acórdão 328/2018 de 27 de junho de 2018, Processo 555/2017).
7 - A decisão proferida pelo FGS é anulável (art.° 163.° do C.P.A.).
8 - A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 8.°, n.° 2 e 2.°, n.° 4, do DL 59/2015, de 21/04, e 13.° e 59.°, n.° 1, al. a), da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deverá conceder-se provimento ao presente recurso e, revogando-se a decisão recorrida, V. Exas farão a habitual JUSTIÇA.
(…)”.

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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma:

“(…)

A. O requerimento do A foi apresentado ao FGS em 17.08.2016, altura em que se encontrava em vigor o novo diploma legal regulador do FGS, DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015.

B. Assim, o referido requerimento do A foi apreciado à luz deste diploma legal.

C. Este diploma previa um prazo de 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho para que seja apresentado junto dos serviços da Segurança Social o requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho.

D. De resto, já o anterior regime legal, previsto na Lei 35/2004, de 29/07, estabelecia no seu art.° 319.° 3, um prazo para a apresentação do requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho, que era de 3 meses antes do termo do prazo de prescrição, ou seja 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho.

E. Deste modo se verifica que sempre existiu um prazo para apresentação dos requerimentos ao FGS, sendo que o atual regime prevê um prazo de caducidade findo o qual cessa o direito de os ex-trabalhadores das EE insolventes requererem o pagamento dos créditos ao FGS.

G. Sendo aplicável o novo regime, de acordo com o art.° 3.° do DL 59/2015, de 21.04, e consequentemente o prazo de caducidade nele previsto, temos de considerar como estando legalmente esgotado o prazo para a apresentação dos requerimentos ao FGS, à luz do diploma DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015,

Termos em que, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que mantenha a decisão de indeferimento proferida pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial.

(…)”.


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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional.

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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir nos autos resume-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos descritos nos autos, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do “(…) disposto no artigos 8.°, n.° 2 e 2.°, n.° 4, do DL 59/2015, de 21/04, e 13.° e 59.°, n.° 1, al. a), da Constituição da República Portuguesa (…)”.
* *
III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
“(…)

A) O Autor trabalhou por conta, sob a direção e fiscalização da sociedade “T.A.I, Lda” desde 01.04.2009 [cfr. fls.2 do PA];

B) Em 15.04.2015 o contrato de trabalho do Autor cessou em virtude da morte do empregador/encerramento da empresa [cfr. documento n°5 junto à PI];

C) Em 19.03.2015 foi instaurada ação de insolvência contra a sociedade supra referida que correu termos no Tribunal da Comarca do Porto - Inst. Central - 1a Secção Comércio - J4 Santo Tirso, que ali correu termos com o n.° de processo 1017/15.6T8STS, tendo em 27-03-2015 sido proferida sentença a declarar a insolvência da dita sociedade [cfr. fls.32 do PA e documento n° 6 junto à PI];

D) Em 11.07.2015 foi emitida Declaração da situação de desemprego em nome do Autor devidamente certificada pela ACT [cfr. documento n°6 junto à PI];

E) Em 04.07.2016 foi emitida declaração pelo Sr. Administrador de insolvência na qual refere que o Autor apresentou reclamação de créditos laborais no montante de € 5.453,39 [cfr. documento n°8 junto à PI];

F) Em 17.08.2016 o Autor remeteu aos serviços da ED requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho [cfr. documentos juntos a fls.5/11 do PA e cujo teor se dá por reproduzido];

G) Por despacho de 04.05.2017 e notificado ao Autor por ofício datado da mesma data, foi indeferido o pedido formulado pelo Autor com fundamento no facto de que o requerimento referidos em F) não foi apresentado no prazo de 1 ano previsto no art. 2° n8 do NRFGS [cfr. documento n°11 junto à PI].

(…)”.


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Nos termos do artigo 662º do CPC, aplicável ex vi artigos 1º e 140º do CPTA, adita-se a seguinte factualidade:
H) A declaração referida em E) foi requerida pelo Autor, Aqui Recorrente, ao Administrador de insolvência em data nunca posterior a 01.07.2015 [cfr. fls. 17 e seguinte dos autos -suporte físico].
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III.2 - DO DIREITO
O Autor intentou a presente ação visando, em substância, a (i) anulação do ato administrativo praticado pelo Sr. Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, datado de 04.05.2017, que indeferiu o requerimento de pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho apresentado pelo mesmo, bem assim, a (ii) condenação da ED a pagar ao Autor a quantia de € 5.453,39.
Todavia, o T.A.F. de Penafiel, como é sabido, julgou improcedente a presente ação, tendo absolvido o Réu do pedido.
Fê-lo, sobretudo, com a seguinte fundamentação jurídica:
”(…)

Á data da apresentação do requerimento m.i. na alínea F) já se encontrava em vigor o Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (NRFGS) aprovado pelo DL n° 59/2015, de 21/04 e mais concretamente o art.° 2° n°8 do Anexo do DL n.° 59/2015 de 21/04.

Este diploma procede à revogação dos artigos 316° a 326° da Lei n.° 35/2004, de 29 de julho, alterada pela Lei n.° 9/2006, de 20 de março, pelo Decreto -Lei n.° 164/2007, de 3 de maio, e pela Lei n.° 59/2008, de 11 de setembro, e institui no seu Anexo o NRFGS previsto no artigo 336° do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12 de fevereiro, transpondo a Diretiva n.° 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, pretendendo, ainda, proceder à “unificação do regime jurídico do FGS, o que se faz através do presente decreto-lei, que aprova o novo regime do Fundo de Garantia Salarial” cfr. refere o se refere no Preâmbulo do DL n° 59/2015.

Este NRFGS é indubitavelmente aplicável ao caso em apreço por força do disposto no art. 3° n°1 do DL n° 59/2015, onde se refere que ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.

De facto, o requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho apresentado pelo Autor deu entrada em 17-08-2016, ou seja, já na vigência do NRFGS - alínea F) do probatório.

Assim sendo, como é, impõe-se agora aquilatar se assiste ao Autor o direito em ver a sua pretensão satisfeita e em obter sentença condenatória da ED no pagamento dos créditos requeridos por aquele a título de créditos emergentes de contrato de trabalho por os mesmos se encontrarem abrangidos à luz do NRFGS.

Porém, a resposta é negativa.

O NRFGS não deixou de versar sobre as regras atinentes à sua aplicação no tempo, prevendo-se expressamente no artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21/04, que, por um lado, aos requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor aplicava-se de imediato o novo regime (cfr. n.° 1), e, concomitantemente, seriam apreciados de acordo com a lei aplicável no momento da sua apresentação os requerimentos apresentados no Fundo de Garantia Salarial e pendentes de decisão (cfr. n.° 2), sem prejuízo do determinado no n.° 3 para os casos previstos de reapreciação oficiosa, nas situações d[os] requerimentos apresentados, na pendência de Processo Especial de Revitalização, instituído pela Lei n.° 16/2012, de 20 de abril [cfr. al. a)], e os requerimentos apresentados entre 1 de setembro de 2012 e a data da entrada em vigor do presente decreto-lei, por trabalhadores abrangidos por plano de insolvência, homologado por sentença, no âmbito do processo de insolvência [cfr. al. b)].

Atenta a data em que o Autor apresentou nos serviços da ED o seu requerimento para pagamento dos créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho - 17-08-2016 -, já se encontrava em vigor o NRFGS, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21 de abril, pelo que nos termos do art.° 3.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21 de abril, '“ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor”, ou seja, a pretensão do Autor deve ser apreciada à luz do regime estabelecido pelo NRFGS, razão pela qual, tratando-se de uma situação abrangida pelo disposto na al. b) do n.° 1 do art.° 1.° do NRFGS - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja proferido despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização -, o acolhimento da pretensão do Autor não pode deixar de cumprir o requisito estabelecido no art.° 2.°, n.° 8 do NRFGS.

Todavia, o referido art.° 2° n°8 do NRFGS dispõe que 'o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.

Ora, no caso sub juditio resulta do probatório que o contrato de trabalho do Autor cessou em 15-04-2015 e o requerimento foi apresentado em 17-08-2016, portanto, depois de ter decorrido o prazo de um ano sobre o dia seguinte à data em que cessou o referido contrato de trabalho, sendo certo que o prazo previsto na aludida norma, tem sido entendido pela jurisprudência como se tratando de um prazo de caducidade (veja-se, neste sentido, o Acórdão proferido pelo TCAS proferido no processo n.° 3462/15.8BESNT, datado de 01-06-2017 e os Acórdãos do TCAN proferidos nos processos n°s 1014/16.4BEPNF e 1015/16.2BEPNF não se ignorando que a questão não é pacifica na jurisprudência dos tribunais superiores como resulta do Acórdão n° 328/2018 do Tribunal Constitucional que, não obstante, não afasta a natureza, em nosso entender, de que o prazo previsto no art. 2° n°8 do NRFGS é de caducidade mas apenas as questões relativas à sua interrupção ou suspensão), pelo que atendendo ao disposto no art.° 329.° do Código Civil (CC), começa a correr a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

In casu, resulta provado que o contrato de trabalho cessou em 15-04-2015 pelo que assim sendo, atendendo a que os créditos laborais se vencem com a cessação do contrato de trabalho, a caducidade do direito do Autor ocorreria em 16-04-2016.

Deste modo, tendo o Autor apresentado o requerimento junto da ED em 17-08-2016, já havia sido ultrapassado o prazo de caducidade de um ano previsto no citado artigo 2.°, n.° 8, motivo pelo qual se conclui que a apresentação do requerimento em 17-08-2016 se mostra intempestiva.

Poder-se-ia questionar se o prazo estabelecido para o pagamento dos créditos requeridos, sendo condição de admissibilidade e constitutivo do exercício do direito, poderia ser compatibilizado com a formulação anterior prevista no artigo 3.° do artigo 319.° do Regulamento do Código do Trabalho, que rezava o seguinte: “o fundo de garantia salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição”.

É certo que considerando as datas a que se reportam a formação dos créditos laborais em causa (ano de 2015), ocorreu uma alteração das regras de contagem para a apresentação tempestiva dos requerimentos para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, por força do novo regime legal aplicável.

Nos termos do disposto no artigo 337.°, n.° 1, do anexo da Lei n.° 7/2009 de 12 de fevereiro, “o crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”, o que permite concluir que os créditos laborais reclamados, por efeito das referidas normas, prescreveriam em 16-04-2016, sendo que, atendendo à regra do já citado no artigo 319.°, n.° 3, do Regulamento, o fundo de garantia salarial só assegurava o pagamento dos créditos que lhe fossem reclamados até três meses antes da respetiva prescrição. Não se ignora o entendimento sufragado no recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo 00840/16.9BEPRT, e datado de 28-04-2017, segundo o qual, “Sendo de 20 anos — prazo ordinário de prescrição dos direitos — o prazo para reclamar créditos salariais junto do Fundo de Garantia Salarial que foram reconhecidos por sentença judicial, face ao disposto nos artigos 309° e 311.°, n.°1, do Código Civil e no artigo 319.° n° 3 da Lei n° 35/2004, de 29.07, e faltando assim anos para a caducidade do direito de reclamar o pagamento dos referidos créditos, o prazo de caducidade de um ano a contar da cessação do contrato de trabalho que resulta da aplicação do artigo 2°, n° 8, do Decreto-Lei n° 59/2015, de 21.04, só começa a contar-se a partir da entrada em vigor deste último diploma legal, 4 de maio de 2015, face ao disposto no 297° do Código Civil”, analisada a argumentação aí expendida, conclui-se que o mesmo não tem aplicabilidade ao caso que nos ocupa uma vez que ao contrário do que sucede no caso em apreço, naquele outro processo ficou demonstrado que foi instaurada uma ação judicial na qual os ali Autores viram reconhecidos os seus créditos, e, tendo a citação interrompido o prazo de prescrição, o reconhecimento desses créditos tem como consequência que o prazo de prescrição dos mesmos só ocorra passados vinte anos, conforme resulta do disposto no artigo 311.°, n.° 1, conjugado com o artigo 309.°, ambos do Código Civil.

Ora no caso sub juditio, não se extrai do probatório que tenha sido proferida uma qualquer sentença que, conhecendo do mérito, se tenha pronunciado sobre a relação substancial - os créditos salariais - em litígio e reconhecido o direito do Autor às quantias pecuniárias, que constitua, nessa parte, um título condenatório inequívoco para a sociedade empregadora, com efeito interruptivo ou suspensivo do prazo de prescrição, nem o Autor assim invoca que tenha transitado em julgado uma sentença de condenação ao pagamento dos créditos em que tivesse sido visada a sua antiga sociedade empregadora (mormente, emitida por um Tribunal do Trabalho).

Assim, por determinação legal expressa, exceto nos casos em que a lei o determine, os prazos de caducidade não se suspendem nem se interrompem, nos termos do disposto no artigo 328.° do CC, sendo de aplicar o prazo de caducidade a que se refere o art.° 2.°, n.° 8, do NRFGS, e constatando-se que o mesmo se iniciou no dia 16-04-2015, em 17-08-2016 já tinha decorrido o prazo de caducidade para o exercício do direito que o Autor pretende efetivar em juízo.

Pelo exposto, aquando da apresentação do requerimento m.i. na alínea F) do probatório, á se encontrava em vigor o novo regime do Fundo de Garantia Salarial que estabelece um prazo especifico de caducidade, sendo que, o mesmo requerimento será analisado à luz do regime aplicável no momento da sua apresentação (cfr. artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 59/2015), que estipula um prazo de caducidade que não foi observado pelo Autor, não podendo proceder a pretensão material deduzida em juízo pelo Autor.

E nem se diga que só em julho de 2016 é que, por ter sido emitida a declaração constante da alínea E) do probatório, o Autor ficou em condições de instruir o requerimento, uma vez que o legislador foi especialmente assertivo ao referir que no caso de insolvência ou PER, além da apresentação do requerimento, dos documentos de identificação do trabalhador, de declaração comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída, emitida pelo empregador, o requerimento para pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho deve ainda ser acompanhado de declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório (AJP) mas que caso tais documentos - os referidos na alínea a) e b) do n°2 do art. 5° do NRFGS -, então nos termos do art. 5° n°2 al. c) do NRFGS deveria ter sido apresentada declaração de igual teor, emitida pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, o que não sucedeu mas poderia ter sucedido, quer dentro do prazo de 1 ano contado quer da cessação do contrato, quer dentro do prazo de 1 ano a contar da entrada em vigor do NRFGS, pois estando em vigor uma nova lei e com novos requisitos de acesso, impendia sobre o Autor atuar em conformidade com a mesma e procurando reunir toda a documentação necessária para o efeito com especial diligência e dentro de todo o quadro legal aplicável, o que no nosso entendimento não sucedeu.

Uma palavra, também, relativamente às questões relacionadas com a violação dos arts. 13° e 59° n°1 a) da CRP e à Diretiva 2008/94/CE, além de que se trata de um prazo de prescrição e ao qual se aplica o prazo de prescrição de 20 anos previsto no art. 325° do CC.

Relativamente à questão da aplicação do prazo de prescrição dos créditos laborais, a que já aludimos supra, também não assiste razão ao Autor quanto à aplicação de um prazo de prescrição de 20 anos previsto no art. 309° do CC na medida em que quanto ao prazo de prescrição dos créditos laborais, esta norma do CC se mostra afastada por força do art. 337° do CT que fixa o prazo de prescrição especial dos créditos laborais em um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho (sendo certo que tal prazo não contende com o prazo para requerer o pagamento de créditos laborais ao FGS previsto no art. 2° n°8 do NRFGS que constitui um prazo de caducidade como referimos supra).

Quanto à alegada violação dos princípios da igualdade (art.° 13° da CRP) e do art. 59° da CRP, considerámos que o Autor não concretiza minimamente de que forma tais preceitos constitucionais se mostram violados, quedando-se pela simples invocação dos preceitos.

De todo o modo sempre se dirá nenhum dos preceitos veda a possibilidade de que trabalhadores nas mesmas circunstâncias - trabalhadores da mesma empresa declarada insolvente e despedidos na mesma data -, sejam tratados de forma diferenciada e que o ato em crise violou o princípio da igualdade previsto no art.° 13° ou 59° n°1 a) da CRP na medida em que nos encontrámos no domínio de atividade administrativa e no domínio de poderes vinculados e dentro deste âmbito, o principio da igualdade cede perante o principio da legalidade, ao qual administração está vinculada.

O princípio da igualdade, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio, i.e., o princípio da igualdade consagrado na CRP define os limites externos da discricionariedade legislativa, proibindo o arbítrio, não podendo, no entanto, ser castrador da liberdade legislativa infraconstitucional, cabendo ao legislador ordinário definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar desigualmente.

O princípio da igualdade consagrado constitucionalmente, não impede o legislador ordinário de estabelecer prazos para o exercício de direitos por parte dos destinatários da norma legal, em obediência ao princípio da certeza e segurança jurídica, nem impede o legislador ordinário de consagrar soluções para situações da vida que mereçam tutela através de normas transitórias entre regimes legais, desde que, como acima ficou explicitado, não sejam violados os limites externos da discricionariedade legislativa, através da proibição do arbítrio.

A este respeito, transcreve-se o entendimento do Acórdão do TCAN proferido em 15-07-2014 no processo n° 166/11.4BEAVR e aqui aplicável mutatis mutandis onde se referiu no que concerne à violação do principio da igualdade pelo FGS que como se expende no Ac. do TCAS de 10.07.2008, proferido no Rec. n.º 12555/03 «(...) em situações de aplicação estritamente vinculada da lei (...), opera apenas o princípio da legalidade e não tem expressão relevante o princípio da igualdade, uma vez que este funciona como limite interno da discricionariedade e só tem sentido na medida em que a Administração goza de liberdade para escolher a conduta a adotar (Cfr. Esteves de Oliveira e Sérvulo Correia, apud Santos Botelho, Pires Esteves e C. Pinho in CPA anotado, 5a edição, pág. 65).

Daí se segue que, mesmo com o intuito de evitar casos de manifesta divergência de tratamento em casos idênticos, o princípio da igualdade não impõe à Administração o dever de afastar o cumprimento da lei.

É que, como se refere no Acórdão de 29-01-2002 da 2ª Subsecção do C.A. do S.T.A., processo 047525, não existe um «direito à igualdade na ilegalidade» ou à «repetição dos erros». Na mesma linha, vide ainda o Acórdão de 06-11-2001, também da 2a Subsecção do C.A. do S.T.A., processo 047833, que «Embora o princípio da igualdade postule a autovinculação da administração no âmbito dos seus poderes discricionários, devendo ela utilizar critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos, sob pena de total desrazoabilidade e com forte incidência no regular funcionamento da atividade administrativa, não existe um «direito à igualdade na ilegalidade», ou à «repetição dos erros», podendo a administração afastar-se de uma prática anterior que se mostre ser ilegal». No caso, não existia margem para o exercício de poderes discricionários e, por isso, a Administração tinha, mais que o poder, o dever de decidir a pretensão do Recorrente da única forma legalmente admissível, como fez.».(-)”.

Quanto à existência de causas interruptivas do prazo de um ano previsto no art. 2° n°8 do NRFGS propugnado pelo Autor e como já referimos supra, não é aplicável ao caso o disposto nos arts.323° a 325° do CC uma vez que o prazo previsto no art. 2° n°8 do NRFGS é um prazo de caducidade e não de prescrição, razão pela qual não tendo sido respeitado tal prazo nem tão pouco existirem causas de suspensão ou interrupção deste prazo de caducidade (que não existindo nem no DL n°59/2015, nem no NRFGS qualquer referência à existência de causas interruptivas ou suspensivas dos prazos ali constantes a não ser por via da apresentação do requerimento para pagamento dos créditos ou, no limite, por via da instauração de ação laboral), não estão reunidos os pressupostos, nomeadamente o do art. 2° n°8 do NRFGS para que o Autor possa vir a obter a condenação da ED no sentido de praticar novo ato de determine o pagamento dos créditos reclamados, tratando-se esta norma, sublinha-se, de uma norma de caráter especial consubstanciado um requisito legal imposto pelo NRFGS e que constitui conditio sine qua non para deferimento do pagamento pelo FGS dos créditos emergentes de contrato de trabalho correspondendo a um prazo de caducidade e não a um prazo de prescrição.

Finalmente, e quanto à alegada natureza da declaração emitida pela ACT ou da declaração emitida pelo Sr. Administrador de insolvência constituírem um reconhecimento de dívida face ao seu trabalhador, não acompanhámos este entendimento na medida em que não é despiciendo recordar que tais elementos apenas constituem meros documentos com vista a instruir o requerimento, sendo certo que a apresentação do requerimento ao FGS é independente do reconhecimento dos créditos salariais em sede de insolvência (cfr. art. 5° n° 2 do D.L. n.° 59/2015 de 21/04), não sendo despiciendo referir que o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho requeridos pelos trabalhadores constitui mera expectativa jurídica e não um direito adquirido visto que, mesmo perante o reconhecimento dos créditos em sede de processo de insolvência ou ação laboral, sempre se impõe à ED - perante um impulso dos interessados traduzido na apresentação de um eventual requerimento e no qual estes identifiquem e peticionem o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho - que aprecie o mesmo e profira uma decisão (um ato administrativo) em cuja apreciação está (a ED) balizada pelos preceitos legais aplicáveis - in casu o NRFGS - não decorrendo ipso facto da reclamação ou do reconhecimento, verificação e graduação dos créditos dos interessados, designadamente, em sede de processo de insolvência ou laboral, o direito de estes obterem o pagamento ali reconhecido e naquela exata medida por parte do FGS uma vez que, repete-se, estando tal pagamento sujeito à emissão de um ato administrativo, o mesmo está sujeito à aplicação dos princípios que norteiam a atividade administrativa como o princípio da legalidade, do qual decorre e desde logo que o pagamento a efetuar ao trabalhador está, designadamente, limitado quantitativa e temporalmente, tratando-se de poder vinculado da Administração (como sucede no n°2 do art. 8° do NRFGS por exemplo), pelo que (o eventual) direito do(a) Autor(a) só após a prolação de tal ato nasceria na sua esfera jurídica.

Em suma, entendemos que o ato impugnado não padece dos vícios apontados, tendo a ED se limitado a aplicar ao caso a regra inserta no art. 3° n°1 da Lei n° 59/2015, ou seja, que “ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao presente decreto-lei, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor” pelo que assim sendo, como é, pelas razões supra expostas impõe-se concluir que os créditos emergentes de contrato de trabalho reclamados pelo Autor, não se mostram abrangidos pelo disposto no art. 2° n°8 do NRFGS, razão pela qual o tribunal não pode dar resposta afirmativa à pretensão do Autor e condenar a ED no pagamento dos créditos requeridos por aquele, por falta de fundamento legal improcedendo, assim, a presente ação.

(…)”.

Recapitulando o que se vem de transcrever, temos que o Tribunal a quo considerou no mais essencial, que a apresentação do requerimento do Autor, aqui, Recorrente em 17.08.2016 é intempestiva, porquanto, resultando provado que o contrato de trabalho cessou em 15.04.2015, o termo do prazo de 1 ano aludido no nº.2 do artigo 8º do D.L. nº. 59/2008, de 21.04., ocorreu em 16.04.2016, o que não é afastado pelo facto de só em julho de 2016 ter o Autor ficado em condições de instruir o requerimento junto do FGS, por só nesta data ter sido emitida a certidão comprovativa dos créditos salariais, pois podia sempre o Recorrente ter apresentado alternativamente a declaração referida na alínea c), nº.2 do artigo 5º do citado D.L. nº. 59/2008, impendendo-lhe diligenciar atempadamente no sentido da obtenção da documentação necessária para o efeito.
Mais considerou que in casu não tem lugar à aplicação de um prazo de prescrição de 20 anos previsto no art. 309° do C.C., porquanto esta norma se mostra afastada por força do art. 337° do CT, que fixa o prazo de prescrição especial dos créditos laborais em um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, não se vislumbrando causas interruptivas do mesmo, nos termos dos artigos 323º a 326º do C.C.
Derradeiramente, entendeu não ocorrer qualquer violação do princípio da igualdade, na medida em que nos situamos no domínio da atividade vinculada da Administração, para a qual aquele cede em face do princípio da legalidade, ao qual Administração está vinculada.
Do assim fundamentado e decidido, discorda o Recorrente, que lhe imputa erro de julgamento de direito, por violação do “(…) disposto no artigos 8.°, n.° 2 e 2.°, n.° 4, do DL 59/2015, de 21/04, e 13.° e 59.°, n.° 1, al. a), da Constituição da República Portuguesa (…)”.
Arrima tal convicção no entendimento, no mais fundamental, de que diligenciou atempadamente pelo reconhecimento dos seus créditos junto da entidade competente – Administrador de Insolvência, que só a emitiu mais de um ano após a cessação do contrato de trabalho, pelo que não lhe pode ser assacada nenhuma responsabilidade nesse domínio.
Neste enquadramento, considera que qualquer interpretação do artigo 2º, nº. 8 do NRFGS, que o impeça de reclamar e receber o seu crédito laboral por via do Fundo de Garantia Salarial, por ter cessado o seu contrato de trabalho há mais de um ano, é contrária à CRP, por violação do artigo 59º, nº.1, alínea a) e artigo 13º.
Espraiadas as considerações pertinentes da constelação argumentativa das partes, adiante-se, desde já, que a razão está do lado do Recorrente.
Explicitemos pormenorizadamente esta nossa convicção, assentando, desde já, que, atenta a data em que os Recorrentes apresentaram nos serviços do R. os seus requerimentos para pagamento dos créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho – 17.08.2016 -, já se encontrava em vigor o Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial [doravante, NRFGS], aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
Com efeito, nos termos do prescrito no art.º 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial “(…), os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.”
Por conseguinte, tendo o mencionado regime entrado em vigor em 04.05.2015, consonantemente com o estipulado no art.º 5 do mesmo diploma, resulta inequívoco que a pretensão da Recorrida deve ser apreciada à luz do regime estabelecido pelo NRFGS.
Sendo assim, assoma como óbvio que o acolhimento da pretensão da Recorrida não pode deixar de cumprir o requisito estabelecido no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS.
Ora, o aludido art.º 2.º dispõe, no seu n.º 8, que o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Neste domínio, cabe salientar que já o regime anteriormente vigente, plasmado nos art.ºs 316.º a 326.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, estabelecia que só estavam abrangidos pelo Fundo de Garantia Salarial os créditos laborais desde que tivessem sido reclamados até três meses antes da prescrição.
Mais se saliente que prevê-se no nº.1 do artigo 337º nº 1 da Lei nº 7/2009, de 12.02, que aprovou a revisão do Código do Trabalho, um prazo prescricional de um ano contado do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho para os créditos laborais, prazo esse que, no entanto, interrompe-se, designadamente, pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito – artigo 323º, nº 1, do Código Civil.
Ora, o contrato de trabalho do Recorrente cessou em 15.04.2015, pelo que prescreveria, se não se verificasse interrupção, seguida de alteração do prazo, em 15.04.2016.
Porém, emerge do probatório que, em 19.03.2015, foi instaurada ação de insolvência contra a sociedade “T.A.I, Lda”, na qual o Autor reclamou créditos laborais, e sobre a qual foi, em 27.03.2015, proferida sentença a declarar a insolvência da dita sociedade, o que determinou a interrupção do prazo de prescrição, que só viria a ocorrer passados vinte anos, como resulta do artigo 311º nº 1, conjugado com o artigo 309º, ambos do Código Civil.
Neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.12.2014, proferido no processo nº. 0632/12, 03188/11.1BEPRT, disponível in site: www.dgsi.pt, do qual destacamos o seguinte trecho decisório:
”(…)

XII. Assim, importa apurar e determinar qual e quando prescrevem os créditos laborais, questão essa a que responde o referido art. 381.º do Código Trabalho então vigente, prevendo-se no mesmo um prazo prescricional de um ano contado do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho para os créditos laborais, prazo esse que, no entanto, é suscetível de interrupção na sua contagem nos termos e situações previstos, mormente, nos arts. 323.º, 324.º e 325.º todos do CC.

XII. Ocorre, todavia, que não se atenderá a tal prazo prescricional se no caso o crédito laboral se mostrar reconhecido por decisão judicial ou outro título executivo já que, por força do disposto no n.º 1 do art. 311.º do CC, nesse caso vale o prazo de prescrição ordinário previsto no art. 309.º do mesmo Código, ou seja, de 20 anos [cfr. neste sentido, Ac. do STJ de 21.02.2006 - Proc. n.º 05S1701 (proferido no quadro do vigente art. 38.º da LCT similar ao normativo do Código Trabalho em referência)

(…)”.

Pelo que, à data em que o Recorrente formulou o requerimento perante o Recorrido [17.08.2016], ainda faltavam muitos anos para prescreverem os créditos laborais reclamados por aquele.
O que serve para concluir que, claramente, ainda não se mostrava ultrapassado o termo do prazo previsto para apresentação de requerimentos ao Réu [três meses antes da prescrição] previsto no regime anteriormente vigente.
Idêntica conclusão, embora com acréscimo de suporte jurisprudencial, é atingível no que tange ao prazo de um ano prescrito no citado n.º 8 do art.º 2.º do NRFGS.
Na verdade, a nova previsão deste prazo configura, em face do regime anteriormente vigente, uma alteração de prazo para o exercício de um direito.
Assim sendo, interessa convocar o preceituado no art.º 297.º, n.º 1 do Código Civil, que prescreve que “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.
Sendo assim, impera salientar que o prazo de um ano, descrito no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS, aplica-se à totalidade do universo dos trabalhadores requerentes do pagamento dos seus créditos salariais ao R., desde que o respetivo requerimento seja apresentado após a data de 04.05.2015 e independentemente da data da cessação do contrato de trabalho.
Todavia, a contagem do citado prazo, na medida em que “encurta” o prazo anteriormente vigente para apresentação do mencionado requerimento ao R., “só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei”.
Quer isto significar, no que releva para o caso posto e atento o disposto no art.º 297.º, n.º 1 do Código Civil, que, independentemente da data em que tenha cessado o contrato de trabalho da Recorrida, o prazo de um ano estipulado no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS apenas inicia a sua contagem no dia 04.05.2015, findando tal prazo um ano depois, ou seja, em 04.05.2016 [em consonância com o estipulado nos art.ºs 296.º e 279.º, al. c) do Código Civil].
Ora, uma das questões que frequentemente se tem colocado é a de saber qual a natureza do prazo de um ano estipulado no normativo transcrito.
Ou seja, se o prazo de um ano constitui um prazo de prescrição do direito, ou antes um prazo de caducidade do exercício do direito.
A dissolução da problemática elencada deve ser buscada na diferenciação plasmada nos n.ºs 1 e 2 do art.º 298.º do Código Civil.
Realmente, estipula o n.º 1 do citado preceito que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
Por seu turno, o n.º 2 consagra que, quando, por força da lei ou da vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.
Revertendo ao caso concreto, emerge com clareza que o prazo estipulado no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS pretende impor o exercício de um direito até um certo momento temporal, motivado por razões de segurança e certeza jurídica.
Anote-se, que não está em causa um prazo do qual dependa a subsistência de um direito substantivo, uma vez que a existência do crédito salarial não se extingue pelo facto do seu pagamento não ser requerido ao R..
O que está em causa é, meramente, um prazo impositivo e certo para o exercício do direito de requerer o pagamento do crédito ao R..
O que quer dizer, portanto, que devendo tal direito ser exercido naquele prazo de um ano, este prazo assume, cristalinamente, a natureza de prazo de caducidade.
Os prazos de caducidade, por regra, não se suspendem nem se interrompem, conformemente o estipulado no art.º 328.º do Código Civil.
Porém, não se pode ignorar que a (i) duração dos processos judiciais, seja de insolvência, seja de revitalização, (ii) os trâmites respeitantes ao reconhecimento dos créditos salariais, ou a (iii) preparação da documentação necessária à demonstração dos requisitos e da situação do trabalhador para efeitos de acesso ao Fundo de Garantia Salarial, constituem matérias relativamente às quais o trabalhador não possui qualquer domínio, antes constituindo procedimentos e processos que se desenrolam completamente à margem da sua vontade, restando ao trabalhador aguardar pelo desfecho dos procedimentos e processos judiciais, por forma preencher os requisitos de acesso ao dito Fundo e a aceder, nomeadamente, à documentação imprescindível para espoletar o procedimento tendente ao pagamento dos créditos salariais por banda do R..
Sendo assim, de imediato se impõe ponderar sobre a situação concreta do trabalhador, no sentido de indagar se é justa e constitucionalmente compatível a interpretação do art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS, segundo a qual o prazo de um ano estabelecido não admite causas de suspensão ou interrupção, visto que, estando em causa um prazo de caducidade, não está prevista concretamente qualquer causa de suspensão ou interrupção.
Ora, sobre esta problemática, debruçou-se o Tribunal Constitucional no recentíssimo Acórdão n.º 328/2018, de 27.06.2018.
Com efeito, após profunda ponderação, a Colenda Instância decidiu julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.
A fundamentação exarada pela Suprema Instância Constitucional foi, além do mais, a seguinte:
“(…)
2.4.1. A proteção da retribuição inclui, nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição, a previsão de “garantias especiais”, cuja modelação cabe ao legislador, que, para o efeito, goza de “ampla liberdade” (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., Coimbra, 2010, p. 1166). Não obstante, a instituição do mecanismo do Fundo de Garantia Salarial (para além de – como vimos – consistir numa obrigação para o Estado Português decorrente do Direito da União) não pode deixar de ser vista como concretização de uma das garantias a que se refere aquele n.º 3 (nesse sentido, v. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2014, p. 777).
Não é inócua a apontada ligação entre o mecanismo do FGS e a norma do n.º 3 do artigo 59.º da CRP. Tratando-se de uma das garantias ali previstas, ao escolher (apesar de, nessa escolha, se encontrar vinculado pelo Direito da União) instituir o FGS como uma das garantias especiais da retribuição, o legislador está vinculado à construção de um regime que lhe assegure um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitucional, com respeito pela igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1, da CRP). Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efetividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objetivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
2.5. Tendo presentes as linhas essenciais do NRFGS – em particular a norma objeto do presente recurso (cfr. itens 2.1. e 2.2., supra) – verificam-se aporias que o afastam do padrão de efetividade e certeza acabado de traçar.
De acordo com o sentido das normas relevante para a presente decisão (cfr. item 2.2., supra), a declaração de insolvência faz nascer o direito ao acionamento do FGS. Sucede que a declaração judicial constitui um momento num processo judicial contraditório, de cujos termos o trabalhador tem (ou pode ter) unicamente o domínio do impulso processual inicial, sendo que, subsequentemente, o desenvolvimento do processo como que lhe “sai das mãos”, sendo muito limitada a respetiva capacidade de determinar no elemento tempo os ulteriores passos processuais até à efetiva declaração do devedor em estado de insolvência. De facto, basta pensar que, não sendo um dos casos excecionais de dispensa da audiência do devedor (artigo 12.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante CIRE), há lugar à citação deste, que poderá ser mais ou menos demorada, podendo ser apresentada oposição e realizada audiência de julgamento, gerando-se uma dilação assinalável entre o pedido de declaração da insolvência e essa mesma declaração – circunstâncias das quais o caso dos autos constitui, aliás, exemplo vivo, tendo a declaração de insolvência ocorrido cerca de seis meses e meio após ter sido requerida pelo primeiro Recorrente. Ou seja, pegando precisamente no exemplo que os autos ilustram, observamos que se consumiu mais de metade do prazo de acionamento do FGS em vicissitudes processuais que o trabalhador credor da insolvente não esteve em condições de dominar, sendo certo que a declaração de insolvência foi pedida decorridos que foram menos de seis meses do prazo de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS.
Não estamos – deve sublinhar-se – perante a questão, sucessivamente apreciada pela jurisprudência europeia, de saber se o legislador pode fixar prazos mais ou menos alargados para o exercício do direito ao acionamento do FGS, sob pena de caducidade ou prescrição: ninguém aqui discute a existência de prazos nem o prazo em concreto estabelecido na norma referenciada na decisão.
O que está em causa é saber se, na contagem desse prazo, é possível incluir um período temporal (que, como vimos, pode ser assinalável) especificamente determinado e tendente à criação de um pressuposto essencial do direito ao acionamento do FGS (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito. Assim se cria uma evidente antinomia: o trabalhador-credor de um empregador insolvente que queira ver tutelado o direito à prestação pelo FGS vê-se obrigado a pedir a declaração de insolvência e, a partir desse momento, as vicissitudes próprias do processo que fez nascer com essa finalidade, comprometem o exercício desse mesmo direito, sem que um comportamento alternativo lhe seja exigível – rectius, possa por ele ser adotado – no sentido de evitar essa preclusão.
Ao fazer nascer, ainda que potencialmente, na própria condição de realização de um direito a causa da sua extinção, à qual o respetivo titular se vê impossibilitado de obstar, o legislador deixa de conferir à retribuição – e ao “remédio” (talvez mais até ao paliativo) para a sua perda – a tutela que lhe era devida nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição. Sendo certo que o sistema do FGS “pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida” (acórdão do TJUE de 28 de novembro de 2013, cfr. supra 2.3.2.3.), seria o próprio processo judicial com aptidão para estabelecer o referido nexo que constituiria causa da preclusão do direito.
Geram-se, por outro lado, diferenciações arbitrárias na concessão (na realização) daquele direito a distintos titulares, subordinado que fica este à duração maior ou menor da fase inicial dos processos de insolvência, em função de ter sido deduzida oposição, da duração das audiências de julgamento, das diferentes capacidades de resposta dos tribunais, etc. Tudo fatores alheios à vontade do trabalhador-credor e que, por isso mesmo, não suportam a afirmação de existência de algo semelhante a um “domínio do facto” por este, cujo efeito de condicionamento do respetivo direito não encontra justificação na tutela de qualquer outro valor que possamos considerar relevante no confronto com a necessidade de tutela da retribuição que se verifica no contexto apontado.
A este respeito, não releva, propriamente, de forma direta, a qualificação do prazo como de caducidade ou de prescrição – questão que, na ausência de uma opção legal expressa, se prefigura como de âmbito fundamentalmente doutrinário que, em todo o caso, nos aparece aqui ligada a uma opção interpretativa do direito infraconstitucional –, relevando antes a circunstância de, no contexto descrito, a contagem de tal prazo ocorrer sem qualquer suspensão ou interrupção, gerando um sinal – rectius, potenciando um efeito – de valor contrário ao próprio direito.
Note-se, todavia – sublinhando o sentido atuante que a qualificação jurídica do prazo aqui acabou por assumir –, que o Fundo, na fundamentação da respetiva posição de indeferimento da pretensão dos ora Recorridos (cfr. item 1.2.1. supra) – e sublinha-se, pois, que foi nesse quadro que a decisão recorrida, como não podia deixar de ser, se forjou –, qualificou expressamente o prazo em causa no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS como de caducidade, referindo-lhe expressamente a circunstância, que é própria do regime da caducidade nos termos do artigo 328.º do CC, de só comportar suspensão ou interrupção mediante previsão legal, no caso inexistente. E, de facto, é neste contexto que se afirma que, “[e]m matéria de contagem do prazo de caducidade[,]aplicam-se, em princípio, tal como na prescrição, as regras gerais, com uma importante diferença. Na caducidade vale muito mais plenamente o princípio segundo o qual o tempo se conta ininterruptamente”, já que, “[…] como resulta do artigo 328.º do CC, ‘o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine’. Assim, se a lei, em cada caso concreto, não admitir, expressamente, a suspensão e a interrupção do prazo de caducidade (ou algum destes institutos), o prazo corre sempre sem intermitências de qualquer ordem” (Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 4.ª ed., Lisboa, 2007, p. 703). Ora, tendo sido a invocação, por parte do FGS, desta característica do regime da caducidade que conduziu à construção do indeferimento (por inexistir previsão legal a permitir a suspensão ou a interrupção do decurso do prazo), não poderia a decisão recorrida, ao sindicar esse indeferimento, deixar de pressupor essa interpretação e construir em função dela a questão de inconstitucionalidade que constituiu a respetiva ratio decidendi.
Porém, não é irrelevante a pouca clareza do regime legal, espelhada na norma em causa, considerada em si mesma ou sistematicamente inserida no diploma que a contém. O elemento de incerteza deste regime (evidenciado à saciedade, nestes autos, pelas posições assumidas na decisão recorrida, nas alegações e contra-alegações de recurso e no item 2.2., supra) compromete seriamente a efetividade da tutela que corresponde ao mecanismo do FGS, apresentando-se o complexo normativo do NRFGS, ao gerar estas interpretações díspares, com uma consistência pouco definida – para não dizer insuportavelmente ambígua –, cuja interpretação muito dificilmente assumirá um sentido minimamente claro, gerador de segurança nos destinatários beneficiários do seu âmbito de proteção. Isto ao ponto destes não disporem, consistentemente, da possibilidade de, agindo com normal diligência, anteverem com suficiente segurança o comportamento que devem adotar para formular atempadamente a sua pretensão junto do FGS, assim se comprometendo as exigências mínimas de certeza decorrentes do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
2.5.1. Aliás, em hipóteses como a dos presentes autos, pode mesmo dizer-se, tomando de empréstimo as palavras do acórdão do TJUE de 16 de julho de 2009, no caso Visciano (referido supra no item 2.3.2.1.), que a configuração do prazo pode tornar “[…] impossível na prática ou excessivamente difícil” o exercício do direito do trabalhador credor, além de que – como justamente se assinalou naquela decisão – “[…] uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efetividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um Estado Membro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza”.
2.6. As razões que antecedem são, pois, aptas a fundar um juízo de censura constitucional à norma sub judicio, confirmando a esse respeito a decisão recorrida. Complementarmente, justificam-se duas observações adicionais, referidas à incidência na situação do Direito da União e à referenciação da intervenção do Tribunal Constitucional exclusivamente à questão de inconstitucionalidade.
2.6.1. Assim, como primeira nota, respeitante às incidências do caso relativas ao Direito da União, cumpre-nos salientar, quanto ao âmbito da intervenção deste Tribunal no quadro referencial do artigo 8.º, n.º 4 da CRP (aqui relevante no trecho que estabelece que “[…] as normas emanadas das […] instituições [da União Europeia], no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos no Direito da União […]”), a ausência de justificação para que equacionemos (neste recurso) um reenvio prejudicial de interpretação ao TJUE, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (TFUE).
Vale esta opção – como adiante explicitaremos – em função da constatação de não se prefigurar aqui, na sequência da jurisprudência do TJUE referida ao longo deste Acórdão, uma dúvida quanto à interpretação do Direito da União que apresenta relevância no caso concreto, designadamente quanto ao sentido prescritivo dos artigos 3.º sucessivamente incluídos nas Diretivas 80/987/CEE e 2008/94/CE, referidas no item 2.3.1 supra. Estas, consubstanciando “atos jurídicos da União” vinculativos do Estado português “[…] quanto ao resultado a alcançar […]”, na aceção do terceiro parágrafo do artigo 288.º do TFUE (“[a] diretiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios”), mostram-se já devidamente esclarecidas pela jurisprudência do TJUE, no seu sentido operante relativamente à norma de Direito interno aqui sujeita à apreciação do Tribunal Constitucional (o artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS na interpretação em causa na decisão recorrida).
Aliás, conforme indicámos no item 2.5.1. supra, o ora decidido encontra-se, assumidamente, em linha com o sentido evidente dessa jurisprudência relevante na matéria aqui em causa – referimo-nos às decisões, todas proferidas em processos de reenvio, do TJUE referenciadas no item 2.3.3. supra e respetivas subdivisões (2.3.3.1 a 2.3.3.4.) –, concretamente com o ponto 46. acima transcrito, no item 2.3.3.1., constante do acórdão Visciano c. INPS, de 16 de julho de 2009 (processo C-69/08).
Com efeito, estando em causa uma obrigação de reenvio, nos termos do terceiro parágrafo do artigo 267.º do TFUE, “[…] para os órgãos jurisdicionais que julguem sem hipótese de recurso judicial previsto no direito interno” [Inês Quadros, “Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 1982 – Processo 283/81 Srl Cilfit et Lanificio di Gavardo SpA c. Ministero della sanità”, in Princípios Fundamentais de Direito da União Europeia. Uma Abordagem Jurisprudencial, Sofia Oliveira Pais (coord.), 3.ª ed., Coimbra, 2014, p. 223], verifica-se neste caso uma das circunstâncias nas quais, segundo o TJUE no acórdão Cilfit, está o tribunal nacional dispensado desse reenvio.
Referimo-nos em concreto, seguindo o ponto 14. desse acórdão de 1982 (que é invariavelmente assumido como precedente de forte valor persuasivo), às situações em que exista “[…] uma orientação jurisprudencial do Tribunal que esclareça o ponto de direito em causa, qualquer que seja a natureza do procedimento que deu lugar a esta jurisprudência, mesmo na ausência de uma estrita identidade das questões em litígio”. Nestes casos, o esclarecimento anterior pelo TJUE de uma situação equivalente, em termos aptos a suportar, consistentemente, um juízo de identidade de razão, confere à norma interpretanda a natureza de “ato clarificado” (Inês Quadros, “Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 1982…”, cit. p. 229).
2.6.2. A isto acresce – como segunda nota complementar acima indicada no item 2.6. – a seguinte observação. Cabe ao Tribunal Constitucional a última palavra sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, não lhe cabe, porém, determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional na sequência do afastamento dessa norma (dessa construção normativa). Assim, na falta de uma opção legislativa expressa, caberá aos tribunais comuns a solução das questões que o presente julgamento deixa em aberto (designadamente, se deve tratar-se de interrupção ou suspensão do prazo, se o efeito interruptivo ou suspensivo em relação a todos os credores pode depender do pedido de declaração de insolvência de um só credor ou de um credor de certa categoria ou até quando se deve verificar a suspensão ou interrupção).
Cinge-se, pois, a presente decisão, à questão de inconstitucionalidade, nos termos em que esta emergiu da decisão de recusa do Tribunal a quo.
2.7. Pelas razões que antecedem, improcede o recurso, devendo confirmar-se a decisão recorrida.
É o que nos resta afirmar, conferindo-lhe expressão decisória.
III – Decisão
3. Face ao exposto, na improcedência do recurso, decide-se:
A) julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão; e, consequentemente,
B) confirmar a decisão recorrida.
(…)”.
Escrutinando o Aresto vindo de transcrever, impera retirar do mesmo a conclusão de que, independentemente da consideração da natureza do prazo descrito no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS como de caducidade ou de prescrição, deverá admitir-se a existência de causas de interrupção ou de suspensão, sob pena de, assim não sendo, tal norma violar - para além do direito da União Europeia e da Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia -, os princípios ínsitos nos art.ºs 13.º, 59.º, n.ºs 1 e 3 e 2.º da Constituição da República Portuguesa, incluindo o da igualdade e o da efetividade.
Assim sendo, a supremacia dos assinalados princípios constitucionais dita que a interpretação do preceituado no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS não pode deixar de incorporar a admissibilidade - no mínimo - de causas de suspensão do prazo descrito no normativo em apreciação.
Na verdade, não se descortina outra via possível em face da profunda e minuciosa análise e argumentação contidas no Aresto do Tribunal Constitucional.
Nessa senda, impõe-se, em nosso entender, assumir como admissível a existência de possíveis causas de suspensão do prazo a que se refere o n.º 8 do art.º 2.º do NRFGS, causas estas atinentes ao desenrolar e ao desfecho de procedimentos burocráticos e de processos judiciais, e sem os quais o trabalhador não logra reunir as condições e requisitos para aceder ao pagamento dos créditos salariais por parte do FGS.
Uma das causas de suspensão a admitir é, como se viu supra, a que se refere à preparação da documentação necessária à demonstração dos requisitos e da situação do trabalhador para efeitos de acesso ao Fundo de Garantia Salarial, cujo desfecho assume valor de requisito ou condição imprescindível de acesso ao FGS.
Por conseguinte, o decurso destes trâmites procedimentais deve constituir uma causa de suspensão do aludido prazo de caducidade, devendo o início da suspensão coincidir com o momento em que foi requerida a documentação visada e o fim da mesma suspensão coincidir, no mínimo, com a notificação da sua emissão por parte da entidade competente, uma vez que, a partir desta data, o Recorrente entrou já no domínio dos factos, no sentido de que lhe cabe, em exclusivo, diligenciar no sentido de peticionar ao FGS o pagamento dos respetivos créditos salariais.
A partir deste momento, portanto, a conduta do Recorrente passa a merecer relevância, especialmente para efeitos de apreciação da diligência ou negligência da sua atuação.
Revertendo ao caso em discussão, e sopesando o enquadramento que se traçou antecedentemente, não pode deixar de se conferir relevância ao facto de que só em 04.06.2016 o Recorrente ter tido acesso aos elementos instrutórios do Administrador de Insolvência, não obstante os mesmos já terem sido requeridos em data nunca posterior a 01.07.2015.

Quer tanto significar que, em bom rigor, o prazo de caducidade de 1 ano previsto no nº. 8 do art.º 2.º do D.L. nº. 59/2015, de 21 de abril, iniciou a sua contagem em 04.05.2015, suspendendo-se, porém, no período que mediou 01.07.2015 e 04.07.2016, para depois a partir daqui retomar o seu curso normal e, consequentemente, esgotar-se em 01.05.2017.
Sendo assim, tal implica que, no momento em que a A. apresentou ao R. o requerimento para pagamento dos seus créditos salariais - 17.08.2016 -, ainda não tinha decorrido o prazo de caducidade de 1 ano aludido no nº. 8 do art.º 2.º do D.L. nº. 59/2015, de 21 de abril.
Deste modo, não tendo sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir pela procedência do erro de julgamento de direito ora em análise.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso interposto, e, em conformidade, revogada a sentença recorrida e julgada parcialmente procedente a presente ação administrativa, condenando-se o Réu a reapreciar o requerimento do aqui Recorrente à luz da sua tempestividade.
Assim se decidirá.

* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em conceder provimento ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar a sentença recorrida e julgar parcialmente procedente a presente ação administrativa, condenando-se o Réu a reapreciar o Requerimento do aqui Recorrente à luz da sua tempestividade.
Custas a cargo do Recorrente e Recorrido, na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente.
Registe e Notifique-se.
* *
Porto, 31 de outubro de 2019,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão
Frederico de Frias Macedo Branco