Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01291/14.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/15/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:LITISPENDÊNCIA.
CRITÉRIO PARA AFERIR A IDENTIDADE DE PEDIDOS.
Sumário:1. A exceção de litispendência (e do caso julgado) pressupõe a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado (art. 580º/1 do NCPC).
2. Para sabermos se há ou não repetição de ação, deve atender-se não só ao critério formal assente na identidade dos elementos que definem a ação, mas também à directriz essencial traçada no art. 580º/2 do CPC onde se afirma que a exceção tem em vista evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.
3. A litispendência ocorre entre duas acções propostas no tribunal, e não entre uma ação e os requerimentos apresentados no SF.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:S..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Síntese do processado relevante.
Foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3182200201010085, contra S... – Gestão Imobiliária, SGII, SA (anteriormente denominada P..., sociedade de Gestão e Investimento Imobiliário, SA) por dívida de IRC referente ao exercício de 1996, no valor de € 39 299,69.

Para pagamento da dívida exequenda foram efectuadas várias penhoras.

Em 30/4/2014 a reclamante requereu ao Exmo. Chefe do Serviço de Finanças o levantamento da penhora e de qualquer outra eventualmente efectuada nos presentes autos executivos.
Este pedido foi indeferido por despacho de 8/5/2014.

Contra esta decisão que foi apresentada a presente reclamação em 22/5/2014, pedindo a final, a anulação do despacho aqui reclamado e as demais consequências legais.

O MMº juiz «a quo» absolveu a ATA da instância por julgar verificada a exceção de litispendência com o processo n.º 1160/14 na qual se pedia a anulação das penhoras aqui reclamadas e de quaisquer outras eventualmente efectuadas neste processo de execução fiscal, com as legais consequências.

O recurso.
Inconformada com esta sentença proferida no TAF do Porto, S... dela recorreu formulando alegações e concluindo como segue:

i. Entende o Tribunal a quo que existe litispendência, por suposta identidade de pedido e causa de pedir, quando, como documentalmente evidenciado: no pedido formulado nos presentes autos, a Recorrente peticionou a anulação do despacho comunicado pelo Ofício n.º 3641/3182-30; no pedido formulado no processo n.º 1160/14.9BEPRT, a Recorrente peticionou a anulação dos actos de penhora que lhe foram notificados.

ii. De resto, como resulta dos autos, quando a Recorrente invocou perante a AT que o processo de execução fiscal deveria estar suspenso, desconhecia, inclusivamente, a existência quer da penhora de créditos à empresa “T…, S.A.”, quer a penhora de rendas comunicada a “F…” (Cfr. fls. 374 a 396 dos autos) e, nem sequer ainda lhe havia sido formalmente notificada a penhora de créditos no banco “B…”.

iii. Assim, quanto à penhora de créditos no banco “B...”, a Recorrente ainda nem sequer poderia apresentar reclamação judicial peticionando a sua anulação – na medida em que a lei determina que esse meio judicial apenas pode ser apresentado no prazo de 10 dias após a notificação (Cfr. artigo 5.º do requerimento a fls. 60 a 62 dos autos).

iv. Precisamente porque apenas teve conhecimento informal da realização de uma penhora, a Recorrente invocou perante a AT que “Estão verificados os pressupostos legais de que depende a suspensão do processo executivo (art. 169.º n.º 1 CPPT)” (Cfr. artigo 4.º do requerimento a fls. 60 a 62 dos autos) e, também por esse motivo, a Recorrente solicitou à AT o levantamento dessa única penhora de que tinha (informalmente) conhecimento – tendo também, por mera cautela, solicitando o levantamento de qualquer outra penhora “eventualmente efectuada nos presentes autos”.

v. Simplesmente, quando foi formalmente notificada das penhoras efectivamente realizadas, a Recorrente apresentou contra as mesmas a competente reclamação judicial - peticionando a sua anulação, como resulta do processo n.º 1160/14.9BEPRT.


vi. Daqui decorre que, ao invés do pretendido pelo Tribunal a quo, as reclamação judiciais em causa não têm, nem nunca poderiam ter, o mesmo objecto, não se vislumbrando que tenham, também, o mesmo pedido.

vii. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, e tal como resulta da recentíssima pronúncia do Supremo Tribunal Administrativo Cfr. Ac. STA de 15.10.2014, proc. n.º 906/14, dado em situação similar, relativa a outra empresa do Grupo Sonae., “a litispendência só ocorrerá se, cumulativamente, nas acções em apreciação, intervierem as mesmas partes, sob a mesma qualidade jurídica, pretendendo obter, nessas acções, o mesmo efeito jurídico e esse efeito jurídico tiver por causa o mesmo facto jurídico”.

viii. Mais se clarificando na referida no douto acórdão que:
«Por conseguinte, sendo distintos os actos sindicados, são distintos os efeitos jurídicos (anulatórios) pretendidos. E, de todo o modo, tais efeitos jurídicos não têm por causa o mesmo facto jurídico; por muito semelhantes que pudessem ser as razões que motivaram as reclamações judiciais apresentadas, a verdade é que, bem ou mal, o órgão de execução fiscal emitiu duas decisões, em dois despachos distintos, e a eventual anulação de apenas um desses despachos sempre deixaria o outro incólume. É que o julgado apenas se estende aos precisos limites e termos em que julga (art. 621º do CPC).».

ix. O objecto das reclamações judiciais nem sequer é o mesmo, já que nos presentes autos não estão em causa – porque não foram considerados no pedido à AT, nem mencionados na resposta desta - os actos de penhora de créditos e rendas cuja legalidade se encontra a ser sindicada no processo n.º 1160/14.9BEPRT.

x. Ao assim não decidir, incorreu o Tribunal a quo, simultaneamente, em erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento da matéria de direito – tudo a impor a revogação da sentença recorrida.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, o que se deverá fazer por obediência à Lei e por imperativo de

J U S T I Ç A !



CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. PGA junto deste TCAN emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

DISPENSA DE VISTOS.
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 657º/4 CPC e artigo 278º/5 do CPPT), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, consistem em saber se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito

III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
A) Em 09/01/2002, foi instaurado contra a sociedade “P... – Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliário, S.A.” (atualmente “S... – Gestão Imobiliária, S.G.I.I., S.A.”) o processo de execução fiscal n.º 3182200201010085, por dívida de IRC referente ao exercício de 1996, no valor de € 39 299,69 – cfr. fls. 193 e 231 dos autos.
B) Em 29/03/2014, no âmbito do processo de execução fiscal mencionado na alínea antecedente, foi registado no “Sistema de Penhoras Eletrónicas” uma penhora de créditos comunicada à “T…, S.A.”, uma penhora de rendas comunicada a “F...” e uma penhora de valores mobiliários comunicada ao “B... – Banco de Investimento, S.A.” – cfr. pedidos de penhora n.os 318220140000037281, 318220140000037285 e 318220140000037273, insertos a fls. 240, 242 e 244 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
C) Em 30/04/2014, a ora Reclamante requereu ao Chefe do Serviço de Finanças Porto 2 o levantamento da penhora, nos seguintes termos (cfr. fls. 60 a 62 dos
autos):

(…)


D) Em 08/05/2014, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3182200201010085, foi prestada a seguinte informação (cfr. fls. 65 e 66 dos autos):
(…)
E) Sobre a informação mencionada na alínea antecedente, recaiu, em 08/05/2014, o seguinte despacho do Chefe do Serviço de Finanças Porto 2:
“Concordo, pelo que indefiro o pedido. Notifique-se”despacho reclamado – cfr. fls. 65 dos autos
F) Em 12/05/2014, a ora Reclamante apresentou reclamação contra os atos de penhora mencionados na alínea B) supra, que corre termos neste tribunal sob o n.º 1160/14.9BEPRT, reclamação essa na qual a Fazenda Pública foi notificada para responder em 28/05/2014 – cfr. fls. 374 a 396 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
G) A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças Porto 2, por correio eletrónico, em 22/05/2014 – cfr. fls. 8 e 9 dos autos.



III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3182200201010085, por dívida de IRC referente ao exercício de 1996, no valor de € 39 299,69, no âmbito do qual foram efectuadas várias penhoras.
Em 30/4/2014 a reclamante requereu ao Exmo. Chefe do Serviço de Finanças o levantamento das penhoras e de qualquer outra eventualmente efectuada nos presentes autos executivos.
Este pedido foi indeferido por despacho de 8/5/2014.
E foi contra esta decisão que foi apresentada a reclamação em 22/5/2014, pedindo a final, a anulação do despacho aqui reclamado e as demais consequências legais, e de cuja sentença a reclamante agora recorre imputando-lhe os vícios de erro no julgamento da matéria de facto e de direito.

Vejamos então o erro na matéria de facto.
Como se referiu, um dos vícios imputados à sentença é o erro de julgamento da matéria de facto. Tal erro ocorre quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto (ac. deste TCAN n.º 00390/05.9BEBRG de 30-10-2014 Relator: Cristina Flora).

O erro deve ser demonstrado pelo recorrente através do exercício de um duplo ónus: delimitar o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera padecerem desse erro; e fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.

É o que resulta do art.º640.º/1 do CPC: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Como refere Abrantes Geraldes a propósito desta norma (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, a págs.132) sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além das especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos (…); e) O recorrente deixará expressa a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto (…)».

Tendo em conta o exposto, o recurso não pode deixar de improceder na parte em que impugna a decisão da matéria de facto por manifesta falta de cumprimento do ónus previsto no art.º640.º do CPC. A recorrente não indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, não menciona os meios probatórios que impunham decisão diferente da recorrida, nem adianta qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art.º 640/1,b) c) do CPC.

Apreciemos agora o alegado erro de julgamento de direito.
Contra o despacho de 8/5/2014 proferido pelo chefe do SF 2 do Porto foi apresentada (nestes autos) a reclamação em 22/5/2014 de cuja sentença a reclamante agora recorre.

Porém, já em 12/5/2014 a reclamante apresentara reclamação contra os actos de penhora, que correu termos no TAF do Porto com o n.º 1160/14.9BEPRT, pedindo, a final, a anulação das penhoras aqui reclamadas e de quaisquer outras eventualmente efectuadas neste processo de execução fiscal, com as legais consequências (cfr. cópia da petição inicial do processo n.º 1160/14.9BRPRT junta a fls. 374 a 395 dos autos).

O MMº juiz «a quo» decidiu que entre a presente reclamação e a que fora apresentada anteriormente – n.º 1160/14 – existia identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, pelo que oficiosamente verificou a exceção de litispendência e absolveu a Fazenda Pública da instância.

A recorrente começa por defender não haver qualquer identidade de pedidos e de causa de pedir porquanto nesta reclamação se peticiona a anulação do despacho comunicado pelo Ofício n.º 3541/3182 e no processo n.º 1160/14 peticionou a anulação dos actos de penhora que lhe foram notificados.

Efectivamente entre o pedido de anulação de despacho e pedido de anulação dos actos de penhora parece não haver qualquer identidade.

Mas essa aparência não se confirma e só o modo como os pedidos foram efectuados induz uma aparente diversidade.
Aparente, porque na realidade visam obter o mesmo resultado, como se verá.

Antes de prosseguirmos, lancemos um breve olhar sobre a caracterização jurídica da exceção de litispendência.

A exceção de litispendência (e do caso julgado) pressupõe a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado (art. 580º/1 do NCPC).

Pretende-se com a exceção de litispendência e do caso julgado evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (art. 580º/2 do CPC).

Como na base da litispendência (e do caso julgado) está a repetição de uma causa, o art. 581º do mesmo diploma esclarece quando esta ocorre e define os conceitos de pedido e causa de pedir, em termos que nos parece oportuno transcrever:

1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 -Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.

Por força do n.º 4 deste preceito, para sabermos se há ou não repetição de ação, deve atender-se não só ao critério formal assente na identidade dos elementos que definem a ação, mas também à directriz essencial traçada no art. 580º/2 do CPC onde se afirma que a exceção tem em vista evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (A. Varela e outros in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1985, pp 302).

Dando por adquirida a identidade dos sujeitos, sem necessidade de mais indagação, vejamos o (primeiro) requisito de identidade de causa de pedir, munidos com a definição constante dos arts.º 581º/4 CPC e 108º/1 do CPPT.

Lendo as duas petições, parece-nos claro que a causa de pedir nas duas reclamações é idêntica. Os artigos 1 a 13 são absolutamente iguais nas duas ações; depois, retoma-se uma redação quase idêntica, e na maior parte dos casos igual mesmo, com ligeira diferença na numeração (por exemplo, o artigo 23º da pi neste processo corresponde ao art. 24 da pi no processo n.º 1160/14 e assim sucessivamente) de tal modo que até o número de artigos é quase igual (neste processo a petição inicial tem 66 artigos enquanto no processo n.º 1160/14 tem 68).

Por conseguinte, devemos concluir que entre as duas ações existe identidade de causa de pedir.

Debrucemo-nos agora sobre o requisito da identidade do pedido, que a lei diz ocorrer quando nas duas causas se pretende obter o obter o mesmo efeito jurídico.

Isto significa que identidade do pedido não quer dizer pedido igual, mas sim que a identidade se concretiza no alcance do mesmo efeito jurídico, o qual se traduz pela identidade de providência jurisdicional solicitada pelo autor (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. III, pp. 107).

Ora pese embora a aparente diferença de pedidos, na verdade é formulada a mesma pretensão jurídica, na medida em que o despacho cuja anulação a reclamante pretende é o despacho que indeferiu o requerimento de 30/4/2014 na qual peticionava o levantamento da penhora do saldo credor na conta B... no montante de € 20.385,37 (sem contar que a reclamante acrescentou outras penhoras causa de pedir).
E cujo levantamento também é peticionado no processo n.º 1160/14.
Ou seja, o efeito jurídico pretendido é exactamente o mesmo nos dois processos.

O prof. Alberto dos Reis fornece um exemplo claro de como uma aparente divergência no pedido esconde uma identidade substancial, ou no dizer da lei, o mesmo efeito jurídico. O exemplo é dado para uma hipótese de caso julgado, mas também serve para a litispendência, ora vejamos: «…Procedia-se a inventário por óbito de determinado indivíduo; quando se ia pôr em arrematação certo prédio, apareceu um terceiro a arrogar-se o direito de preferência sobre o prédio a arrematar e a requerer que fosse interpelado para exercer esse direito. Foi indeferido o requerimento.
Adjudicado o prédio ao arrematante que ofereceu preço mais alto, a pessoa que se arrogava direito de preferência propôs contra ele acção de preferência; o réu deduziu a excepção de caso julgado, com fundamento no despacho que indeferira o requerimento apresentado no inventário. A Relação e o Supremo disseram: não há caso julgado, porque falta a identidade de objecto. O que o autor pediu no inventario (que fosse interpelado) é coisa diversa do que pede na acção (que lhe seja reconhecido o direito de preferência).
(…)
Para negarem esta identidade a Relação e o Supremo ativeram-se à aparência superficial dos factos, em vez de descerem ao fundo da situação. A realidade era esta: o autor pretendera obter no inventário precisamente o que depois se propôs obter na acção. Pediu no inventário que fosse interpelado; mas o que estava por detrás deste pedido era a pretensão de exercer, no acto da praça, o seu direito de preferência. Dissera-o expressamente: interpelado para o efeito de exercer o direito de preferência. A. interpelação era, pois, simples meio para conseguir o fim: exercício do direito de preferência» (Código de Processo Civil anotado, vol. III, pp. 107).

A recorrente pretende negar a identidade de pedidos defendendo que «desconhecia, inclusivamente, a existência quer da penhora de créditos à empresa “T…, S.A.”, quer a penhora de rendas comunicada a “F...” (Cfr. fls. 374 a 396 dos autos) e, nem sequer ainda lhe havia sido formalmente notificada a penhora de créditos no banco “B...” (conclusão ii).

«Assim, quanto à penhora de créditos no banco “B...”, a Recorrente ainda nem sequer poderia apresentar reclamação judicial peticionando a sua anulação – na medida em que a lei determina que esse meio judicial apenas pode ser apresentado no prazo de 10 dias após a notificação (Cfr. artigo 5.º do requerimento a fls. 60 a 62 dos autos)».

Precisamente porque apenas teve conhecimento informal da realização de uma penhora, a Recorrente invocou perante a AT que “Estão verificados os pressupostos legais de que depende a suspensão do processo executivo (art. 169.º n.º 1 CPPT)” (Cfr. artigo 4.º do requerimento a fls. 60 a 62 dos autos) e, também por esse motivo, a Recorrente solicitou à AT o levantamento dessa única penhora de que tinha (informalmente) conhecimento – tendo também, por mera cautela, solicitando o levantamento de qualquer outra penhora “eventualmente efectuada nos presentes autos(conclusões ii, ii, e iv).

Antes do mais, deve dizer-se que a litispendência ocorre entre duas acções propostas no tribunal, e não entre a ação e os requerimentos apresentados no SF.
Ora na petição inicial deste processo a reclamante alega a penhora de créditos do B... (art. 2º) e alega também as penhoras sobre créditos de T… SA e F... (art. 5) invocando depois a ilegalidade das penhoras nos artigos subsequentes.

Sob os mesmos artigos, a reclamante no processo 1160/14 alega exactamente os mesmos factos. E embora diga neste recurso que «…quanto à penhora de créditos no banco “B...”, a Recorrente ainda nem sequer poderia apresentar reclamação judicial peticionando a sua anulação – na medida em que a lei determina que esse meio judicial apenas pode ser apresentado no prazo de 10 dias após a notificação» e que «…apenas teve conhecimento informal da realização de uma penhora…» a verdade é que pugnou pela sua ilegalidade em ambos os processos confrontando o tribunal com a alternativa de contradizer ou reproduzir decisão anterior, em violação do disposto no art. 580º/2 do CPC.

Não há pois quaisquer dúvidas de que se verifica a exceção dilatória (art. 577º/i) CPC) de litispendência (art. 580º e 581º CPC) de conhecimento oficioso (art. 578º CPC), que conduz à absolvição da instância (art. 576º/2 CPC) devendo por isso ser integralmente confirmada a douta sentença sob recurso.


IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.


Porto, 15 de janeiro de 2015.

Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Bento
Ass. Paula Teixeira