Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03319/10.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/16/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IMI
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO IMOBILIÁRIO
Sumário:I) A partir da entrada em vigor do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, em 1 de Dezembro de 2003, e por força das disposições combinadas do seu artigo 122.º e do artigo 744.º do Código Civil, os créditos provenientes de IMI só gozam de privilégio creditório imobiliário desde que inscritos para cobrança no ano corrente da penhora ou acto equivalente e nos dois anos anteriores.
II) Os juros de mora gozam dos mesmos privilégios que as dívidas objecto de incidência, nos termos do artigo 8º do DL 73/99, de 16 de Março.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:W..., Lda. e A...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 30-11-2013, proferida nos presentes autos de verificação e graduação de créditos, relacionados com a execução fiscal nº 1910200201009249 e apensos que a Fazenda Pública instaurou a A….

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos presentes autos, a qual, perante a factualidade e os considerandos sobre o Direito nela expressos, julgou verificados os créditos reclamados e exequendos, graduando-os pela seguinte ordem,
1. O crédito reclamado pela W..., que goza da garantia da hipoteca, nos seus precisos limites e com a limitação dos juros a 3 anos;
2. Crédito exequendo referente a IMI dos anos de 2004, 2005 e 2006;
3. Restantes créditos exequendo.
B. Não se conforma, porém, a Fazenda Pública com o doutamente decidido, com a ressalva do sempre devido respeito, porquanto não pode a Fazenda Pública concordar com a factualidade dada como assente pela douta sentença de que ora se recorre, nem com as conclusões assim colhidas, como a seguir se argumentará e concluirá, atendendo ao conspecto dos documentos tidos nos autos.
C. Deu como provado o Tribunal a quo no ponto 1. da matéria de facto assente que “Em 10.07.2007 no âmbito da referida execução e para garantia da quantia exequenda foi penhorado o prédio sito em Avintes, descrito na C.R. Predial de VNGaia, sob o n.º 2… (fls. 72 e ss), cfr. ponto 2 da matéria de facto provada.
D. Contudo, na realidade, a penhora foi realizada a 23-10-2009, e registada na competente conservatória de registo predial a 02-11-2009 (ap. 1432), cfr. resulta da certidão de teor a fls. 31, na qual está indicado o processo de execução fiscal, assim como, a quantia exequenda correspondente à dos presentes autos, e não em 10-07-2007, conforme estipulado na sentença sob recurso.
E. Pelo que, para a boa decisão da causa, importa corrigir a matéria de facto dada como assente, nos termos acima expostos, de acordo com a verdade factual e ao abrigo do disposto no art. 662º, n.º 1, do CPC, de modo a que, no ponto 2. dos factos provados na sentença sob recurso, se passe a dar como provado que,
F. “Em 23-10-2009 no âmbito da referida execução e para garantia da quantia exequenda foi penhorado o prédio sito em Avintes, descrito na C.R. Predial de VNGaia, sob o n.º 2…”.
G. Alterando desta forma a matéria de facto assente, e uma vez que, como bem refere a douta sentença recorrida, os créditos de IMI gozam das garantias especiais previstas no CC para a contribuição predial, cfr. art. 122º, n.º 1, do CIMI, mais concretamente, de privilégio imobiliário especial a que se refere o art. 744º, n.º 1, do CC, com o limite de 3, a sentença deveria ter graduado os créditos da seguinte forma,
1. Os créditos exequendos de IMI dos anos de 2006, 2007 e 2008, acrescidos de juros;
2. O crédito reclamado pela W..., que goza da garantia da hipoteca, nos seus precisos limites e com a limitação dos juros a 3 anos;
3. Restantes créditos exequendos.
H. Pelo que, não graduando desta forma os créditos exequendos e reclamados, a sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e em erro de julgamento de direito.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, em conformidade com as conclusões do recurso e ser substituída por outra nos termos ora alegados.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 163/164 dos autos, no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir:
- Alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto
- Graduação dos créditos reclamados e exequendos

III – FUNDAMENTAÇÃO

III - 1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:

1. No Serviço de Finanças de Gondomar foi instaurada a execução fiscal com o número 1910200201009249 e apensos, contra A…, com o NIF 1…, para cobrança coerciva da quantia exequenda referente a dívidas provenientes de CA, IMI, IVA e coimas (fls. 77 e ss.);
2. Em 10.07.2007 no âmbito da referida execução e para garantia da quantia exequenda foi penhorado o prédio sito em Avintes, descrito na C.R.Predial de VNGaia, sob o número 2… (fls. 72 e ss.);
3. A penhora foi registada a favor da Fazenda Pública pela AP. 60, da mesma data (fls. 72);
4. A reclamante detém sobre o reclamado um crédito no montante de €119.460,29, garantido por hipoteca constituída sobre o prédio penhorado nestes autos, registada pelas Ap. 69, de 28.07.2000, por transmissão de crédito, registada pela Ap. 72, de 12.08.2008 (fls. 73);
5. O Banco Internacional de Crédito (integrado por fusão no Banco Espírito Santo), no exercício da sua actividade, celebrou com o reclamado um contrato de mútuo com hipoteca (fls. 14 e ss.);
6. O BES cedeu aquele crédito à N…, SA. (fls. 33 e ss. e 70 e ss.);
7. A N… SA cedeu o seu crédito à New…, SA (fls. 33 e ss. e 70 e ss.);
8. A New… SA cedeu o seu crédito à ora reclamante (fls. 33 e ss. e 70 e ss.);
9. O reclamado deve ainda o montante de €21.710,55, proveniente de:
a) CA, de 2000, 2001 e 2002, inscrita para cobrança em 2001, 2002 e 2003, respectivamente;
b) IVA dos anos de 1999 a 2007;
c) IMI dos anos de 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, inscrito para cobrança em 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010, respectivamente; e
d) Coimas fiscais
(Tudo conforme fls. 77 e ss.).
(…)
Motivação

A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, bem como no PEF em anexo, indicados por remissão no probatório.

A Fazenda Pública recorreu da factualidade fixada pelo tribunal a quo no ponto 2 (não obstante na conclusão C das suas alegações se referir ao ponto 1 da matéria de facto assente, transcreveu o ponto 2 da factualidade apurada, pelo que a delimitação do objecto do recurso se subsume ao ponto 2, entendendo este tribunal a menção do ponto 1 como um lapso evidente de escrita).
Efectivamente, o tribunal a quo deu como provado que “Em 10.07.2007 no âmbito da referida execução e para garantia da quantia exequenda foi penhorado o prédio sito em Avintes, descrito na C.R. Predial de VNGaia, sob o n.º 2… (fls. 72 e ss)” - cfr. ponto 2 da matéria de facto apurada.
Na verdade, a certidão a que se refere o tribunal recorrido consta dos autos a fls. 70 a 74 do processo físico. No entanto, reporta-se a informação em vigor em 05/09/2008 e por referência a quantia exequenda no valor de €1.165,59.
Contudo, encontra-se ínsita certidão da Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia no processo de execução fiscal, apenso aos autos, contendo informação em vigor em 13/11/2009 – cfr fls. 17 a 20. Na realidade, mostra-se registada na competente conservatória de registo predial a 02/11/2009 (ap. 1432) penhora sobre o mesmo prédio inscrito com o n.º 2…, a favor da Fazenda Pública, e por referência ao processo de execução fiscal em apreço, apenso aos autos, n.º 1910200201009249, com indicação de quantia exequenda no montante de €23185,90.
Este tribunal oficiou o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia para juntar aos autos auto de penhora datado de 23/10/2009. No entanto, apenas foi apresentado o registo informático do despacho, proferido em 23/10/2009, onde se efectuou o pedido de penhora sobre o mesmo prédio – cfr. fls. 157 e 157 verso do processo físico.
É um facto que dos elementos constantes dos autos somente consta um auto de penhora lavrado em 04/05/2007, no âmbito do processo de execução fiscal em causa n.º 1910200201009249, referente ao mesmo prédio sito em Avintes – cfr. fls. 6 e 7 do processo apenso. De seguida, está incorporada a requisição de registo e a fls. 13 o recibo da conta de emolumentos devidos pelo registo da penhora, efectuado em 02/11/2009.
Ora, o registo predial destina-se, essencialmente, a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário – cfr. artigo 1.º do Código de Registo Predial (CRP).
Não residem dúvidas que, in casu, a penhora estava sujeita a registo – cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea n) do CRP.
Relembramos, ainda, que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo – cfr. artigo 5.º do CRP.
Assim, estando em causa um bem imóvel, bem sujeito a registo, releva, para efeitos de apreciação de preferência e graduação dos créditos, a data do registo da penhora. Salienta-se que o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior. O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos – cfr. artigo 6.º, n.º 1 do CRP e artigo 822.º, n.º 1 do Código Civil – salvo existência de privilégio – cfr. artigo 733.º do Código Civil.
Ora, os elementos constantes dos autos são suficientes para verificar ser inequívoco o registo da penhora sobre o imóvel, inscrito na freguesia de Avintes sob o n.º 2…, efectuado em 02/11/2009, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1910200201009249 aqui em análise – cfr. extracto de certidão da Conservatória do Registo Predial a fls. 20 do processo apenso.
Pelo que, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), importa aditar esta factualidade à matéria de facto dada como assente, por se mostrar pertinente para a graduação dos créditos, como segue:
7. Em 02/11/2009, no âmbito da execução referida em 1 e para garantia da quantia exequenda foi registada a penhora do prédio sito em Avintes, inscrito na matriz da freguesia de Avintes sob o artigo n.º 119 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 2…, a favor da Fazenda Pública. (fls. 17 a 20 do processo apenso).
III – 2. De Direito

Alterada a decisão da matéria de facto, importa, agora, apreciar se a sentença recorrida se pode manter ou se deverá proceder-se à graduação dos créditos conforme adiantado na conclusão G das alegações formuladas pela Fazenda Pública.
O objecto do recurso não abrange a verificação e reconhecimento dos créditos, pelo que este tribunal nada sindicará a esse respeito, mantendo-se o julgamento efectuado na primeira instância.
A análise e construção jurídica efectuadas na sentença recorrida mostram-se irrepreensíveis. No entanto, atento o facto aditado à matéria relevante para a decisão da causa, a subsunção dos factos ao direito terá que ser a seguinte:
Ater-nos-emos à questão essencial de saber se os créditos exequendos, resultantes de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), com referência aos anos de 2006, 2007 e 2008, acrescidos de juros, deverão ser graduados em primeiro lugar (cfr. conclusão G).
Constitui jurisprudência assente do STA que, a partir da entrada em vigor do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, em 1 de Dezembro de 2003, e por força das disposições combinadas do seu artigo 122.º e do artigo 744.º do Código Civil, os créditos provenientes de IMI só gozam de privilégio creditório imobiliário desde que inscritos para cobrança no ano corrente da penhora ou acto equivalente e nos dois anos anteriores, não devendo ser reconhecidos e graduados créditos de IMI inscritos para cobrança em momento posterior, pois que não gozam de tal privilégio (cfr. Acórdãos do STA de 07/01/2009, Proc. nº 863/08, de 29/04/2009, Proc. nº 1008/08, de 24/02/2010, Proc. nº 1194/09 e de 10/03/2010, Proc. nº 954/09 ).
É ponto assente que no processo executivo n.º 1910200201009249 foi penhorado um prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Avintes sob o artigo n.º 119 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 2…e que a penhora foi registada na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia em 02/11/2009.
Logo, à partida, beneficiam de privilégio creditório os créditos de IMI, respeitantes ao imóvel penhorado, inscritos para cobrança nos anos de 2007, 2008 e 2009, isto é, inscritos para cobrança no ano da penhora e nos dois anos anteriores, devendo, assim, ser graduados de acordo com o privilégio creditório de que gozam à luz do disposto no artigo 122º, n.º 1 do Código do IMI e dos artigos 735º e 744º, n.º 1 do Código Civil.
Nesta sequência, como se extrai do documento de certificação de dívidas junto aos autos (cfr. fls. 77 a 91 do processo físico), os créditos exequendos referidos pela Fazenda Pública (provenientes de IMI dos anos de 2006, 2007 e 2008, respeitantes ao processo de execução fiscal nº 1910200201009249) foram inscritos para cobrança nos anos de 2007, 2008 e 2009 e dizem inequivocamente respeito ao prédio urbano inscrito sob o artigo 119; o que significa que se encontra documentado que os créditos exequendos referentes a IMI dos anos de 2006, 2007 e 2008, no âmbito do processo de execução fiscal nº 1910200201009249, dizem respeito ao imóvel penhorado, tratando-se dos créditos a que a Fazenda Pública se refere no presente recurso.
Por outro lado, nos termos do n.º 2 do artigo 240.º do CPPT, os créditos exequendos não carecem de ser reclamados, sendo incluídos na graduação de créditos e graduados no lugar que lhes compete, da mesma forma que o são os créditos reclamados.
Acresce que os créditos exequendos de IMI gozam de privilégio imobiliário, nos termos do artigo 122.º do Cógido do IMI e do artigo 744.º do Código Civil, e os juros de mora gozam dos mesmos privilégios que as dívidas objecto de incidência nos termos do artigo 8.º do DL 73/99, de 16 de Março.
Pelo exposto, devem os aludidos créditos exequendos de IMI de 2006, 2007 e 2008, no âmbito do processo de execução fiscal nº 1910200201009249, ser graduados em primeiro lugar, por estarem em condições de beneficiar do privilégio imobiliário especial decorrente da penhora sobre o prédio identificado nos autos, acrescidos de juros.
Note-se que os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores – cfr. artigos 751.º e 686, n.º 1 do Código Civil.
Assim, apesar da hipoteca que garante o crédito do reclamante se encontrar registada antes da penhora vinda a referenciar, a Fazenda Pública goza de privilégio especial quanto aos créditos referentes a IMI, pelo que os créditos garantidos pela hipoteca cedem na graduação o lugar aos créditos de IMI relativos a 2006, 2007 e 2008 e respectivos juros de mora.
O que significa que o presente recurso tem de proceder.

Conclusões/Sumário

I) A partir da entrada em vigor do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, em 1 de Dezembro de 2003, e por força das disposições combinadas do seu artigo 122.º e do artigo 744.º do Código Civil, os créditos provenientes de IMI só gozam de privilégio creditório imobiliário desde que inscritos para cobrança no ano corrente da penhora ou acto equivalente e nos dois anos anteriores.
II) Os juros de mora gozam dos mesmos privilégios que as dívidas objecto de incidência, nos termos do artigo 8º do DL 73/99, de 16 de Março.

IV - Decisão

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no segmento aqui sindicado e graduar os créditos da seguinte forma:
1. Os créditos exequendos de IMI dos anos de 2006, 2007 e 2008, acrescidos de juros;
2. O crédito reclamado pela W..., que goza da garantia da hipoteca, nos seus precisos limites e com a limitação dos juros a 3 anos;
3. Restantes créditos exequendos.

Sem custas.

D.N..
Porto, 16 de Outubro de 2014
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves