Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00092/01-Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/12/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IRC
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
BENEFÍCIO FISCAL
Sumário:I- É permitido a este tribunal, nos termos do n.º 1 do artigo art.º 662.º do CPC (antigo 712.º) alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
II- Decorre da interpretação efetuada no acórdão n.º 0638/06 de 02.11.20006, do STA que “[ o] benefício fiscal previsto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 409/82, de 29 de Setembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 182/85, de 27 de Maio, consiste na dedução, no lucro tributável da contribuição industrial (ou do IRC), do montante dos dividendos distribuídos, resultantes dos actos de aumento do capital social, desde que provenientes dos lucros obtidos nos 5 primeiros exercícios encerrados após a data da emissão, até ao limite anual de 10% do capital representado pelas acções emitidas entre a publicação do predito diploma e 31 de31 de Dezembro de 1987.”*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M... SGPS, SA
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
M...SGPS, SA, melhor identificado nos autos, veio deduzir impugnação relativamente à liquidação adicional do IRC dos exercícios de 1990, no valor de 50 941 716$00 ( 254 096,43).
Por sentença proferida no TAF do Porto em 29.05.2005, foi anulada a liquidação impugnada e no que tange ao objeto de recurso aqui em causa, a correção (dedução) efetuada de Esc. (-) 72 600 000$00, pela Administração Fiscal, ao montante de benefício fiscal (n.º 1 do art.º 2.º do Dec-lei n.º 409/82 de 29.09 na redação que lhe foi dada pelo Dec-lei n.º 182/85 de 27.05), por considerar que a dedução permitida por lei era de 10% do aumento do capital social ocorrido em 1987.
A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso para o STA, o qual por acórdão n.º 0638/06 de 02.11.20006 deu provimento ao recurso, anulou a decisão recorrida e ordenou a baixa dos autos ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto e aplicação do direito nos termos prescritos.
Por sentença proferida no TAF do Porto em 29.11.2007, foi anulada a liquidação impugnada e dado cumprimento ao decidido pelo STA, nomeadamente aplicando a interpretação efetuada por aquele tribunal, ao referido normativo.
É do julgamento da matéria de facto desta sentença que foi interposto o presente recurso jurisdicional tendo a Recorrente formulado nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

“(…) CONCLUSÕES:


14. A douta Sentença, em III S) dos “Factos Provados”, padece de erro de julgamento sobre a matéria de facto (artigo 690º-A do CPC).
15. Com efeito, o capital social da “M...Supermercados, SA”, em 1985, aumentou de Esc. 300.000.000$00 para Esc. 440.000.000$00.
16. E o valor do aumento do capital social, nesse ano, foi, assim, de Esc. 140.000.000$00.
17. É o que resulta do teor conjugado das referidas escrituras públicas de aumento de capital, celebradas em 12.06.1985 e 31.10.1985, no 4º CN de Lisboa.
18. Deve, por isso, ser rectificado o teor de III S) da douta Sentença.
19. O Tribunal “ad quem” pode proceder à concomitante rectificação (artigos 712º nº 1 a) e b) e 749º do CPC).(…)”.

A Recorrida não apresentou contra-alegações:
A Exma. Procuradora - Geral Adjunta junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso revogando-se a sentença recorrida.
Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Recorrente, a qual é delimitada pela conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto.


3. FUNDAMENTOS

3.1 DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:


“(…)Da análise dos elementos contidos nos autos, documentos, informações oficiais e depoimentos resulta provada a seguinte factualidade.

A. Em 08/10/1993 foi liquidada adicionalmente à impugnante a quantia de 50.941.761$00 relativamente a IRC de 1990, fls. 20 e 21 dos autos.
B. A liquidação adicional em crise nos autos foi feita com base em correcções efectuadas pelos Serviços e Inspecção tributária à declaração mod.22, fls.24 do P.A. de Reclamação Graciosa apenso aos autos e com a fundamentação de fls. 25 e 26 do mesmo P.A. e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
D. A fundamentação da liquidação adicional aqui impugnada não se refere a qualquer tipo de juros compensatórios, fls. 25 e 26 do P.A.
E. Em 07/12/93 a impugnante apresentou reclamação graciosa, fls. 22 a 29 dos autos.
F. Por Despacho de 14/05/01 a reclamação graciosa apresentada pela impugnante foi parcialmente deferida, tendo sido notificada a impugnante em 08/06/01, fls. 31 a 43 dos autos.
G. O deferimento parcial da reclamação foi decidido com base nos fundamentos constante da proposta de decisão constante de fls. 37 e 38 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
H. Em 31/12/1992 a impugnante alterou a sua firma e sede, para “M...– Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.” e Lugar…, Maia, fls. 54 a 69 dos autos.
I. ... Vide alteração do julgamento da matéria de facto, no final deste item, segundo o ditame do Ac. STA.

J. Em 1990 foram distribuídos dividendos no montante de 506.800.000$00, fls. 48 e 49 dos autos.
L. Em 30/05/1990 foi apresentada pela impugnante a Declaração Modo. 22 relativa ao ano de 1989, fls. 138 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
M. Em 26/06/1990 foi apresentada pela impugnante a Declaração de Substituição Mod. 22, referente ao ano 1989, fls. 150 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
N. Em 28/05/1991 foi apresentada pela impugnante a Declaração Mod. 22 relativa ao ano 1990, fls. 162 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
O. As falhas de caixa correspondem ao apuramento diário dos movimentos das caixas dos diversos supermercados explorados pela “M...Supermercados, S.A…
P. O apuramentos das falhas de caixa em efectuado pela diferença entre os movimentos registados nos rolos das máquinas e os meios de pagamento que se encontram na própria caixa.
Q. A diferença referida em P., é registada num documento interno, levado á contabilidade onde é registado numa conta de proveitos ou custos consoante se trate de falhas ou sobras, sendo depois sujeitas a tributação por parte da impugnante.
R. Em 11/01/1995, foi prestada garantia no valor de 82.481.049$00 sendo que o ultimo pagamento de encargos com a manutenção da mesma foi realizado em 02/10/2002, fls. 192 e 193 dos autos.

Aditam-se os seguintes novos factos:
S) Por escritura outorgada em 1985.12.31, no 4ª Cartório Notarial de Lisboa, a sociedade M...Supermercados SA, aumentou o capital social para PTE 400 000 000$00, sendo o aumento de PTE 100 000 000$00, representado por 100 000 novas acções, do valor nominal de PTE 1 000$00 cada uma, atribuídas aos actuais accionistas, na proporção das que já possuem (cfr. escritura pública a fls. 226 a 230 dos autos);
T) Por escritura pública de 1986.07.23, outorgada no 4º Cartório Notarial de Lisboa, a sociedade M...Supermercados SARL, aumentou o capital social de PTE 440 000 000$00 para PTE 1 200 000 000$00, sendo o aumento de PTE 760 000 000$00, representado por 760 000 novas acções do valor nominal de PTE 1 000$00 cada uma, inteiramente subscritas (cfr. extracto publicado no DR III Série, nº 194, de 1986.08.25, a fls. 172 e 173 dos autos e certidão de fls. 220 a 225 dos autos);
U) Por escritura pública outorgada em 1987.12.31, no 4º Cartório Notarial de Lisboa, o capital social da sociedade M...Supermercados, SA, foi aumentado de PTE 1 200 000 000$00 para PTE 3 620 000 000$00, sendo que o aumento de PTE 2 420 000 000$00 representado por 2 420 000 novas acções, do valor nominal de PTE 1 000$00 cada uma; as novas acções representativas do aumento, foram emitidas ao preço de PTE 3 000$00 cada uma, a realizar em dinheiro, no momento da subscrição; em relação a 20 000 destas novas acções ficou limitado o direito de preferência dos accionistas por serem reservadas a subscrição pelos trabalhadores da empresa (ao abrigo do artigo 460/3 do CSC); as novas acções não têm direito a que lhes seja atribuído qualquer dividendo referente ao exercício de 1987 (cfr. extracto publicado no DR III Série, nº 36, de 1988.02.12);

Os factos dados como provados baseiam-se nos documentos trazidos aos autos e nos depoimentos das duas testemunhas inquiridas que, sendo contabilista e economista ao serviço da impugnante, apresentam razão de ciência bastante.

IV – FACTOS NÃO PROVADOS

Os factos constantes dos artigos 55º e 56º da Petição Inicial e as demais asserções dela constantes constituem conclusões de facto e/ou direito..(…)” (sublinhados nosso).

3.2 DE DIREITO

A questão a decidir prende em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto.
É permitido a este tribunal, nos termos do n.º 1 do artigo art.º 662.º do CPC (antigo 712.º) alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A Recorrente somente questiona o facto constante da alínea S) da matéria assente na qual consta que “Por escritura outorgada em 1985.12.31, no 4ª Cartório Notarial de Lisboa, a sociedade M...Supermercados SA, aumentou o capital social para PTE 400 000 000$00, sendo o aumento de PTE 100 000 000$00, representado por 100 000 novas acções, do valor nominal de PTE 1 000$00 cada uma, atribuídas aos actuais accionistas, na proporção das que já possuem (cfr. escritura pública a fls. 226 a 230 dos autos);
Face aos documentos existentes nos autos, nomeadamente duas cópias autenticadas de escrituras públicas, importa proceder à correção da data da escritura identificada na alínea S) de 31.12.1985 para 12.06.1985 e aditar à matéria assente a alínea V) nos seguintes termos:
V) Por escritura outorgada em 31.10.1985, no 4ª Cartório Notarial de Lisboa, a sociedade M...Supermercados S.A.R.L, por deliberação de Conselho de Administração de 09.07.1985, aumentou o capital social para PTE 440 000 000$00, sendo o aumento de PTE 40 000 000$00, representado por 40 000 novas ações, do valor nominal de PTE 1 000$00 cada uma, atribuídas aos atuais acionistas, na proporção das que já possuem (cfr. escritura pública a fls. 221 a 225 dos autos);
Resulta assim da escritura de 12.06.1985 e de 31.10.1985 que o aumento de capital do ano de 1985 na M...Supermercados S.A.R.L foi de 100 000 000$00 e 40 000 000$00, respetivamente.
A Recorrente na sua petição inicial impugna a correção efetuada pela Administração Fiscal, no valor de Esc. 72 600 000$00 ao benefício fiscal imputando-lhe o vício de violação do n.º 1 do art.º 2.º do Dec-lei n.º 409/82 de 29.09 na redação que lhe foi dada pelo Dec-lei n.º 182/85 de 27.05.
Como se referiu por sentença proferida no TAF do Porto em 29.05.2005, foi anulada a liquidação impugnada e a Representação da Fazenda Pública interpôs recurso para o STA, ao qual foi dado provimento anulando-se a decisão recorrida.
No acórdão n.º 0638/06 de 02.11.20006, o STA concluiu que: “I - O benefício fiscal previsto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 409/82, de 29 de Setembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 182/85, de 27 de Maio, consiste na dedução, no lucro tributável da contribuição industrial (ou do IRC), do montante dos dividendos distribuídos, resultantes dos actos de aumento do capital social, desde que provenientes dos lucros obtidos nos 5 primeiros exercícios encerrados após a data da emissão, até ao limite anual de 10% do capital representado pelas acções emitidas entre a publicação do predito diploma e 31 de Dezembro de 1987.
II - Não contendo a decisão recorrida matéria de facto suficiente para a decisão de direito – actos de aumento de capital da sociedade em 1985 e 1986 - deve ser revogada em ordem à respectiva ampliação e subsequente aplicação daquele, já definido pelo Tribunal ad quem - artigos 729.º e 730.º do Código de Processo Civil.”
A sentença proferida no TAF do Porto em 29.11.2007, anulou as liquidação e ordenou o cálculo nos termos apontados no referido acórdão.
A ora sentença recorrida dando cumprimento ao decidido pelo STA apurou a matéria facto e aditou as alíneas S), T) e U) no entanto, cometeu imprecisões na data da escritura e ignorou a escritura de 31.10.1985.
Na interpretação efetuada no acórdão do STA “[ o] benefício fiscal previsto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 409/82, de 29 de Setembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 182/85, de 27 de Maio, consiste na dedução, no lucro tributável da contribuição industrial (ou do IRC), do montante dos dividendos distribuídos, resultantes dos actos de aumento do capital social, desde que provenientes dos lucros obtidos nos 5 primeiros exercícios encerrados após a data da emissão, até ao limite anual de 10% do capital representado pelas acções emitidas entre a publicação do predito diploma e 31 de Dezembro de 1987.”
Como supra se referiu, resulta da matéria dada como provada através daas escrituras públicas outorgadas em 12.06.1985 e de 31.10.1985 o aumento de capital do ano de 1985 na M...Supermercados S.A.R.L foi de 100 000 000$00 e 40 000 000$00, respetivamente.
Por escritura pública de 1986.07.23, outorgada no 4º Cartório Notarial de Lisboa, a sociedade M...Supermercados SARL, aumentou o capital social de PTE 440 000 000$00 para PTE 1 200 000 000$00, sendo o aumento de PTE 760 000 000$00, representado por 760 000 novas ações do valor nominal de PTE 1 000$00 cada uma, inteiramente subscritas
E por escritura pública outorgada em 1987.12.31, no 4º Cartório Notarial de Lisboa, o capital social da sociedade M...Supermercados, SA, foi aumentado de PTE 1 200 000 000$00 para PTE 3 620 000 000$00, sendo que o aumento de PTE 2 420 000 000$00 representado por 2 420 000 novas ações, do valor nominal de PTE 1 000$00 cada uma; as novas ações representativas do aumento, foram emitidas ao preço de PTE 3 000$00 cada uma, a realizar em dinheiro, no momento da subscrição.
Nesta conformidade e dando cumprimento ao Acórdão do STA, impõem-se o cálculo do benefício fiscal previsto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 409/82, de 29 de Setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 182/85, de 27 de Maio, do montante dos dividendos distribuídos, resultantes dos atos de aumento do capital social, desde que provenientes dos lucros obtidos nos 5 primeiros exercícios encerrados após a data da emissão, até ao limite anual de 10% do capital representado pelas ações emitidas até 31 de Dezembro de 1987.
Face ao exposto a sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto pelo que se dá provimento ao recurso.

E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário:
I- É permitido a este tribunal, nos termos do n.º 1 do artigo art.º 662.º do CPC (antigo 712.º) alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
II- Decorre da interpretação efetuada no acórdão n.º 0638/06 de 02.11.20006, do STA que “[ o] benefício fiscal previsto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 409/82, de 29 de Setembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 182/85, de 27 de Maio, consiste na dedução, no lucro tributável da contribuição industrial (ou do IRC), do montante dos dividendos distribuídos, resultantes dos actos de aumento do capital social, desde que provenientes dos lucros obtidos nos 5 primeiros exercícios encerrados após a data da emissão, até ao limite anual de 10% do capital representado pelas acções emitidas entre a publicação do predito diploma e 31 de31 de Dezembro de 1987.”

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, e revogar nessa parte a decisão recorrida.

Sem custas nesta instância, sem prejuízo das custas fixadas na 1.ª instância.

Porto, 12 de dezembro de 2014

Ass. Paula Moura Teixeira

Ass. Cristina Flora
Ass. Ana Patrocínio