Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00001/99-Mirandela
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/29/2015
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:PRESCRIÇÃO
IVA
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
Sumário:I - Muito embora a prescrição da obrigação tributária não constitua vício invalidante do acto de liquidação e não seja fundamento da respectiva impugnação, isso não deve impedir que o Tribunal no processo de impugnação não considere a prescrição da obrigação para concluir pela inutilidade superveniente da lide, pois que prescrita a obrigação se torna inútil a decisão sobre a legalidade do acto da liquidação.
II - As causas de inutilidade superveniente da lide são também de conhecimento oficioso em fase de recurso.
III - O dever de conhecimento oficioso dessas questões pelo tribunal ad quem pressupõe que existam nos autos os elementos necessários ao seu julgamento.
IV) Das normas contidas nos artigos 169.º, n.º 1 do CPPT e 49.º, n.º 3 da LGT decorre que a execução fica suspensa até à decisão do pleito que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda “desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido” e que o “prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de (…) impugnação ou recurso”, sendo que a suspensão da execução nos termos do artigo 169.º, nº 1 do CPPT opera-se, ope legis, por força da prestação de garantia ou efectivação da penhora que garante a totalidade da quantia exequenda e acrescido, desde que sejam utilizados os meios processuais de discussão da legalidade da dívida exequenda ali elencados, ou seja, trata-se, pois, de acto predominantemente processual em que o órgão de execução fiscal actua no âmbito do processo executivo, vinculado a um quadro normativo que regula o legal andamento do processo, e sujeito a estritas regras e princípios processuais.
V) Tal significa que, uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso.
VI) Se a garantia (bancária) foi prestada nos termos das leis tributárias vigentes à data da sua prestação, na pendência de regime prestacional - Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto e Decreto-Lei n.º 73/99, demonstrando o serviço de finanças o carácter suspensivo do processo por não prossecução para penhora, revelando, mesmo após exclusão do plano prestacional, aceitação da garantia, aliada à pendência de processo de impugnação judicial; fica suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, determinando a suspensão do prazo de prescrição.
VII) O imposto sobre o valor acrescentado (IVA) deve ser qualificado como imposto de obrigação única, e não como imposto periódico, pois incide sobre factos tributários de carácter instantâneo, reportando-se a cada um dos actos concretos praticados, não relevando, para tal qualificação, que o sujeito passivo exerça continuada ou só ocasionalmente a respectiva actividade.
VIII) Sendo o IVA um imposto de obrigação única, o período de caducidade do direito à liquidação contava-se, nos termos do artigo 33.º do Código de Processo Tributário, tendo em conta o prazo de cinco anos entre a data em que ocorreu o facto tributário e a data em que teve lugar a notificação da liquidação.
IX) A fundamentação de um acto de liquidação deve ser o esteio, o suporte, por que foi efectuada aquela concreta liquidação e não qualquer uma outra, de molde a permitir ao contribuinte apreender os concretos factos donde ela emerge e poder determinar-se pela sua aceitação ou impugná-la, se entender que a mesma se encontra eivada de qualquer um vício que a inquine de ilegal, variando, assim, a densidade fundamentadora, consoante o tipo de acto em causa e a participação ou não do mesmo no procedimento da sua formação.
X) O acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado. Porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração.
XI) Na liquidação adicional, longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida, não ocorrendo violação do disposto no artigo 140.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 e no artigo 143.º, ambos do CPA.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ass. Nac. Criadores de ...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – Relatório

A… - Associação Nacional de Criadores de…, contribuinte fiscal n.º 5…, com sede na Quinta…, Torre de Moncorvo, deduziu impugnação judicial contra as liquidações de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), e dos correspondentes Juros Compensatórios, respeitantes aos anos de 1993, 1994, 1995, 1996 e 1997.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela foi proferida sentença, em 31/03/2008, que julgou improcedente a impugnação, decisão com que a impugnante não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
1.ª - As liquidações de IVA dos exercícios de 1993, 1994, 1995, 1996 e 1997 estão prescritas por sobre qualquer daquelas liquidações já ter decorrido o prazo máximo de prescrição previsto na lei, como se alcança do Art.º 259.º e Art.º 34.º, ambos do CPT; Art.º 175.º do CPPT; Art.º 48.º da LGT e Art.º 297.º do Código Civil;
2.ª - Também a liquidação do 1.º e 2.º trimestres do ano de 1993 à data da respectiva notificação já tinha caducado por ter decorrido o prazo máximo de 5 anos dentro do qual a liquidação deveria ter sido notificada à Recorrente;
3.ª - Sendo certo que esta notificação deveria ter sido efectuada a partir da data da ocorrência do facto tributário e não do ano seguinte à ocorrência do facto tributário, já que o IVA é considerado um imposto de obrigação única, como se alcança do Art.º 33.º do CPT e do Art.º 45.º da LGT, na redacção anterior à Lei n.º 32-B/2002 de 30.12;
4.ª - Além disso também aquelas liquidações estão inquinadas do vício de falta de fundamentação legal já que o autor das mesmas (o chefe da repartição de finanças) não procedeu, ele próprio, fundamentadamente à rectificação das declarações da Recorrente;
5.ª - Antes se louvando no relatório elaborado por um outro funcionário para cuja liquidação não tinha competência, sendo certo que também sobre tal relatório não lavrou qualquer despacho expresso de concordância, avocando para si as razões constantes de tal relatório, violando claramente o Art.º 82.º do CIVA;
6.ª - Por outro lado as próprias liquidações sob censura não são da autoria do chefe de repartição de finanças como impõe obrigatoriamente a disposição citada supra;
7.ª - As liquidações do IVA de 1993 e 1994 também padecem de ilegalidade consubstanciada no vício de violação da lei, já que naqueles anos a Recorrente requereu, com sucesso, o reembolso do IVA pago e não devido, o que tudo foi despachado favorável e expressamente, por reunião dos requisitos legais e formais, sendo certo que tais despachos nunca foram revogados pelo seu autor e pela mesma forma, no prazo legal, como impõe o Art.º 140.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 e Art.º 143.º do CPA;
8.ª - Por isso e face à consolidação na esfera jurídica, tanto do Fisco como da Recorrente, daqueles pedidos de reembolso e respectivos despachos de deferimento, nunca, após o prazo legal dentro do qual tais despachos e só por motivos de ilegalidade poderiam ter sido revogados, poderia ter sido liquidado qualquer imposto à Recorrente.
Assim, nestes termos, e nos demais de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão deve o presente recurso ser considerado procedente e provado e por via dele ser proferido Acórdão que acolha as pretensões do Recorrente e anule as liquidações impugnadas.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se a fls. 220/221 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir:
- Prescrição
- Caducidade do direito de liquidar
- Vício de falta de fundamentação
- Vício de violação de lei, por infracção ao disposto no artigo 140.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 e artigo 143.º do CPA

III – FUNDAMENTAÇÃO

III - 1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:

1. A impugnante foi notificada das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), e correspondentes Juros Compensatórios, respeitantes aos anos de 1993, 1994, 1995, 1996 e 1997, tal como constam dos documentos de cobrança juntos aos autos com a petição inicial;
2. A liquidação adicional do IVA relativo ao 1° e 2° trimestres de 1993 foi notificada à ora impugnante em Julho de 1998;
3. O enquadramento da impugnante em sede de IVA, bem como o respectivo processamento de reembolsos, encontram-se devidamente explicados na documentação constante dos autos, nomeadamente no relatório dos serviços de fiscalização e outros documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

Acorda-se em alterar a decisão da matéria de facto, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aditando os seguintes factos, que se consideram provados, com base na prova documental ínsita e apensa aos autos:

4. Na Repartição de Finanças de Torre de Moncorvo encontra-se a correr contra a aqui recorrente o processo de execução fiscal n.° 0558-99/100033.0, por dívidas relativas a IVA e juros compensatórios dos anos de 1993, 1994, 1995, 1996 e 1997, no montante de Esc. 40.008.058$00.
5. Este processo de execução fiscal foi instaurado em 10/03/1999.
6. A presente impugnação judicial havia sido instaurada no Tribunal Tributário de Primeira Instância de Bragança em 22/12/1998.
7. Esta impugnação judicial não foi objecto de qualquer tramitação processual desde 28/02/2001 até 04/04/2002 – cfr. fls. 163 do processo físico.
8. A ora recorrente foi citada no referido processo de execução fiscal em 12/03/1999.
9. Em 26/03/1999, a aqui recorrente apresentou requerimento para regularização de dívidas, no montante de Esc. 33.223.779$00, a que se refere o n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto.
10. Por despacho com a mesma data, foi deferido este pedido de adesão ao Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, com início em 01/1997, sendo autorizado o pagamento da dívida em 150 prestações mensais e iguais.
11. A notificação deste despacho de deferimento foi efectuada à recorrente em 12/08/1999.
12. Em 05/04/1999, foi junta ao processo de execução fiscal garantia bancária no valor de Esc. 20.000.000$00, destinada a caucionar o bom pagamento da dívida da recorrente, cujo pagamento foi autorizado em regime prestacional ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto.
13. Em 25/10/1999, a ora recorrente solicitou a redução da garantia prestada, em virtude de a dívida actual ser no montante de Esc. 11.362.632$00 – cfr. fls. 51 do processo de execução fiscal apenso aos autos.
14. Em 04/11/1999, foram efectuados três pagamentos das prestações, nos seguintes montantes: Esc. 2.100.717$00, Esc. 5.312.641$00 e Esc. 1.336.804$00, não tendo sido efectuado outro pagamento que não o referido no seguinte ponto 15. – cfr. fls. 13 a 21 do processo de regularização tributária apenso aos autos.
15. Foram efectuados estes três pagamentos e utilizado um cheque de reembolso no âmbito do processo de execução fiscal, pelo que, em 05/11/1999, foi informado que a dívida era apenas de Esc. 11.362.632$00 – cfr. fls. 54, 55 e 56 do processo de execução fiscal apenso aos autos.
16. Nesta sequência, por ofício datado de 10/11/1999, a recorrente foi notificada que a garantia bancária no valor de Esc. 20.000.000$00 podia ser reduzida, nos termos do artigo 9.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 73/99.
17. Em 19/01/2000, foi emitida garantia bancária no valor de Esc. 6.000.000$00, no âmbito do processo de execução fiscal, destinada a caucionar o bom pagamento da dívida da recorrente, cujo pagamento foi autorizado em regime prestacional ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto.
18. Desde a apresentação desta garantia no processo de execução fiscal, em 09/03/2000, até 28/11/2002, data em que o chefe do serviço de finanças convidou a executada a regularizar a sua situação tributária nos termos do Decreto-Lei n.º 248-A/2002, de 14 de Novembro, este processo executivo manteve-se sem qualquer tramitação – cfr. fls. 58 e 59 do processo de execução fiscal apenso aos autos.
19. Em 02/06/2006, foi proferido despacho que determinou a exclusão da aderente, ora recorrente, do âmbito do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, com caducidade de todos os benefícios nele previstos – cfr. fls. 23 do processo de regularização tributária apenso aos autos.
20. Desde 02/06/2006, o processo de execução fiscal manteve-se sem qualquer impulso processual.

III – 2. O Direito

A primeira questão sobre a qual este tribunal é chamado a tomar posição é a de saber se o tribunal de recurso tem o dever de conhecer da prescrição da obrigação tributária suscitada ex novo – e como questão prévia – em recurso da decisão que julgou improcedente a impugnação judicial que incluía no seu objecto as liquidações respectivas.
Trata-se, por isso, de saber se o tribunal de recurso tem o dever de conhecer oficiosa e incidentalmente, em primeira mão, da questão da prescrição, por lhe ter sido oposta por uma das partes: pela recorrente.
A este respeito, importa começar por salientar que os tribunais superiores têm entendido que a impugnação judicial não é o meio processual adequado para o conhecimento da questão da prescrição da obrigação tributária, por este processo visar apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação e a prescrição não ter a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação. Admite-se, contudo, o conhecimento incidental desta questão, para aferir se tem utilidade prática a apreciação da legalidade do acto impugnado. Ou seja, em impugnação judicial, a prescrição é apreciada apenas para aferir se deve a instância prosseguir ou deve ser declarada a inutilidade superveniente da lide (neste sentido, cfr. Jorge Lopes de Sousa in «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», I volume, Áreas Editora, 2006, página 708).
Por identidade ou até maioria de razão, a mesma questão só pode ser incidentalmente colocada no recurso dessa decisão para aferir da utilidade da apreciação do próprio recurso.
Assim, a questão que aqui se coloca é a do conhecimento oficioso das causas de inutilidade da lide.
Nesta parte, tem-se entendido que as causas de inutilidade superveniente da lide são também de conhecimento oficioso, por estarem conexionadas com o interesse processual ou interesse em agir, que é assumido pela doutrina como pressuposto processual ou condição da acção. E que não tem de existir apenas no momento em que o processo se inicia, mas também ao longo dele, justificando a sua falta a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Assim sendo, as causas de inutilidade superveniente da lide são também de conhecimento oficioso em fase de recurso – cfr. Acórdão do TCAN, de 11/01/2013, proferido no âmbito do processo n.º 00739/05.4BEPRT.
No entanto, o dever de conhecimento oficioso dessas questões pelo tribunal ad quem pressupõe que existam nos autos os elementos necessários ao seu julgamento (neste sentido, cfr. António Santos Abrantes Geraldes in «Recursos em Processo Civil - Novo Regime», segunda edição, rev. e act., página 26).
Sendo que, no caso, existem, nos autos e apensos aos mesmos, elementos que objectivamente apontam para a inutilidade superveniente da lide, designadamente o processo de regulalização tributária a que se refere o Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto e o processo de execução fiscal onde estão a ser cobradas as dívidas relativas às liquidações de IVA impugnadas nos presentes autos.
Saliente-se, portanto, que a prescrição da obrigação tributária constitui questão de natureza substantiva e de conhecimento oficioso pelo juiz, nos termos do artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
In casu, as dívidas exequendas dizem respeito a IVA, relativas aos exercícios de 1993, 1994, 1995, 1996 e 1997, no montante global de Esc.40.008.058$00 (€199.559,00).
Estava, então, em vigor o Código de Processo Tributário (CPT), cujo artigo 34.º, n.º 1 estabelecia o prazo de prescrição de dez anos.
Sucede que, em 1 de Janeiro de 1999, entrou em vigor a Lei Geral Tributária (LGT) que estabeleceu um novo prazo de prescrição de oito anos (artigo 48.º da LGT).
Ao novo prazo de prescrição aplica-se o disposto no artigo 297.º do Código Civil (cfr. artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT) que dispõe “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.
Cumpre, então, antes do mais, saber qual o prazo de prescrição aplicável, se o do CPT, ou se o da LGT.
Atento ao disposto no artigo 297.º do Código Civil, há que averiguar se à data em que entrou em vigor a LGT (lei que encurtou o prazo de prescrição), faltava menos tempo para o prazo de prescrição se completar à luz da lei antiga (CPT), porque só se tal se verificar é que se aplicará o prazo do CPT (nesse sentido, cfr. o Acórdão do STA, de 21/08/2013, proferido no âmbito do processo n.º 01316).
Jorge Lopes de Sousa explicita como proceder à contagem: “[n]este momento da entrada em vigor da lei nova, à face dela falta todo o tempo que ela prevê, naturalmente. Por isso, apenas é necessário calcular o tempo que, nesse momento, falta para a prescrição à face da lei antiga. Se faltar menos tempo do que o previsto no novo prazo, é de aplicar a lei antiga.
Esta contagem do prazo que falta faz-se considerando tudo o que consta da lei antiga (início, causas de suspensão e de interrupção) como se depreende do texto da parte final do n.º 1 do art. 297.º do CPPT, ao referir que o novo prazo aplica-se «a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar»; «segundo a lei antiga» significa calcular o prazo de prescrição que decorreu até à data da entrada em vigor da lei nova nos termos que a lei antiga prevê a respectiva contagem” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2008, página 87).
Assim, começando pela dívida mais recente, referente a IVA do ano de 1997, o prazo de prescrição de dez anos do CPT conta-se a partir de 1 de Janeiro de 1998 (cfr. artigo 34.º, n.º 2, do CPT).
Por outro lado, o prazo de prescrição interrompeu-se em 22/12/1998, por força da dedução da presente impugnação judicial (cfr. ponto 6 dos factos provados e o n.º 3 do artigo 34.º do CPT), tendo o seu feito interruptivo próprio e eliminando para a prescrição o tempo já decorrido.
Ora, apenas é necessário calcular o tempo que, à data de entrada em vigor da LGT, 1 de Janeiro de 1999, faltava para a prescrição se completar em face da lei antiga (CPT).
Assim, desde 22 de Dezembro de 1998 até 1 de Janeiro de 1999, não chegou a decorrer um ano, o que significa que, à data da entrada em vigor da LGT, faltavam mais de nove anos para se completar o prazo de prescrição ao abrigo do CPT, e oito anos ao abrigo da LGT, pelo que, nos termos do art. 297.º do Código Civil, aplica-se este último prazo, pois não faltava menos tempo para o prazo de prescrição se completar à luz da lei antiga.
O mesmo é válido para as dívidas mais antigas de 1993, 1994, 1995, 1996, pois também para estas o prazo de prescrição se interrompeu em 22/12/1998, por força da dedução da presente impugnação judicial, eliminando o tempo já decorrido até 22/12/1998. A interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único efeito próprio da interrupção – cfr. artigo 326.º, n. 1 do Código Civil.
Em suma, o prazo de prescrição da dívida exequenda em análise é o de oito anos previsto na LGT para todas as dívidas, e conta-se da data da entrada em vigor desta Lei (cfr. artigo 297.º do Código Civil ex vi n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro).
Sucede que, como decorre do processo apenso de regularização tributária e da matéria de facto aditada, em 26/03/1999, a recorrente requereu a sua adesão ao plano de regularização das dívidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, tendo tal pretensão sido deferida e sido autorizadas 150 prestações, a terem início em Janeiro de 1997, sendo certo que, por despacho de 02/06/2006, a recorrente foi excluída de aderente.
O processo de execução fiscal em apreço, por força do disposto no n.º 10 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto, esteve suspenso logo após instauração em 10/03/1999.
Ora, em face do disposto no artigo 5.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, o prazo prescricional das dívidas esteve suspenso durante o período de pagamento em prestações até exclusão da recorrente.
A interpretação do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Lei nº 124/96 no sentido de que a suspensão da prescrição apenas cessa com o despacho de exclusão do regime de pagamento em prestações das dívidas fiscais não viola os princípios constitucionais da legalidade e da segurança jurídica, antes é a que melhor se adequa ao espírito do diploma - que consagra medidas excepcionais de recuperação de créditos das quais frequentemente são devedores empresas em situação económica difícil, pelo que dificilmente se compatibilizaria com o rigor da exclusão automática por incumprimento integral e pontual de uma única prestação - e a que representa o justo equilíbrio entre o interesse do devedor (que vê suspensa a execução) e o do credor (que vê suspenso o decurso do prazo de prescrição) – cfr. Acórdão do STA, de 18/02/2012, proferido no âmbito do recurso n.º 01162/11.
Por tudo o exposto e por virtude da suspensão, “a prescrição não começa nem corre” – cfr. artigo 318.º, do Código Civil, somente a partir de 02/06/2006 iremos considerar a contagem do prazo prescricional.
A Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, deu nova redacção ao n.º 3 do artigo 49.º da LGT estabelecendo que «sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar».
Assim, com esta Lei, os factos com potencial efeito interruptivo que ocorram após a primeira interrupção deixam de ter tal efeito.
E, esta regra valerá tanto nos casos em que uma nova causa de interrupção ocorre enquanto uma anterior ainda está a produzir efeitos como em relação a um novo prazo que se inicie após o termo do processo.
Porém, esta Lei (Orçamento do Estado para 2007) entrou em vigor em 01/01/2007 e, sendo aquela uma norma que estabelece os efeitos (ou não) de factos, ela só se aplica após a sua entrada em vigor, por força da regra do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil (CC).
Por isso, as causas de interrupção da prescrição que ocorreram anteriormente produziram os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência.
Isso significa, assim, que as causas de interrupção da prescrição que ocorram a partir de 01/01/2007 só têm efeito interruptivo se, antes de elas ocorrerem, não ocorreu qualquer outra com idêntico efeito; mas, as que ocorreram anteriormente têm o seu efeito interruptivo próprio, de eliminar para a prescrição o tempo anteriormente decorrido e obstar ao decurso do prazo de prescrição até ao termo do processo ou até à paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.
A LGT (artigo 49.º) refere que, tanto a citação como a impugnação, interrompem a prescrição. No entanto, na data em que ocorreram nenhuma é relevante.
Ora, no caso em apreço, primeiro foi instaurada a presente impugnação judicial em 22/12/1998, antes da entrada em vigor da LGT. Como referimos, por força da regra do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil, este facto interruptivo não poderá ser considerado.
Depois, ocorreu a citação da executada no âmbito do processo executivo em 12/03/1999. Nesta data, ainda não tinha sido alterada a redacção do artigo 49.º da LGT, que somente veio a ocorrer com a entrada em vigor da Lei n.º 100/99, de 26 de Julho. Nesta conformidade, a citação não poderá ser considerada enquanto facto interruptivo relevante.
Note-se, ainda, que, desde 02/06/2006, quando cessou o facto suspensivo, até à entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, em 01/01/2007, que alterou a redacção do artigo 49.º da LGT, não se verificou qualquer causa de interrupção da prescrição. Logo, haverá unicamente que apreciar se o prazo prescricional se suspendeu novamente por efeito de qualquer facto previsto no artigo 49.º, n.º 4 da LGT: “o prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida”.
Ora, cumpre notar que das normas contidas nos artigos 169.º, n.º 1 do CPPT e 49.º, nº 3 da LGT decorre que a execução fica suspensa até à decisão do pleito que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda “desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido” e que o “prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de (…) impugnação ou recurso”.
Além disso, a suspensão da execução nos termos do artigo 169.º, n.º 1 do CPPT opera-se, ope legis, por força da prestação de garantia ou efectivação da penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda e acrescido, desde que sejam utilizados os meios processuais de discussão da legalidade da dívida exequenda ali elencados – cfr. Acórdão do STA, de 19-12-2012, proferido no âmbito do processo n.º 01372/12.
Trata-se, pois, de acto predominantemente processual em que o órgão de execução fiscal actua no âmbito do processo executivo, vinculado a um quadro normativo que regula o legal andamento do processo, e sujeito a estritas regras e princípios processuais.
Tal significa que, uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação de algum efeito interruptivo da prescrição (cfr. Acórdãos do STA, de 04-03-2009, Proc. nº 0160/09, de 26-01-2011, Proc. nº 01/11 e de 25-05-2011, Proc. nº 0465/11). Assim, a presente impugnação judicial, desde que a dívida exequenda esteja garantida ou haja dispensa de prestação de garantia, determina a suspensão do prazo de prescrição até que haja decisão transitada em julgado - cfr. Acórdão do STA, de 08/05/2013, proferido no âmbito do processo n.º 0629/13.
Segundo informação constante no processo de execução fiscal, a aqui recorrente substituiu a garantia bancária prestada por outra no montante de Esc. 6.000.000$00, ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 73/99 (altera o regime dos juros de mora das dívidas ao Estado e a outras entidades públicas), com o seguinte teor:
“Artigo 9.º
Planos prestacionais em curso
1 - Os devedores com planos prestacionais em curso ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, beneficiarão de uma redução, com efeitos reportados ao seu início, de 3 pontos percentuais da taxa de juros de mora vincendos prevista no n.º 2 do artigo 4.º daquele diploma legal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 235-A/96, de 9 de Dezembro, sendo essa redução de 6 pontos percentuais se, até 31 de Março de 1999, constituírem garantias reais ou garantia bancária cobrindo pelo menos metade do remanescente do capital em dívida naquela data.(…)”
Ora, na data da redução do montante da garantia bancária, o capital remanescente em dívida ascendia a Esc. 11.362.632$00; pelo que, não tendo sido realizada penhora, resta averiguar se foi prestada garantia idónea, tendo em vista a suspensão da execução fiscal até à decisão do pleito.
Com o fito de uma mais detalhada análise, vejamos os normativos pertinentes:
Estabelece o artigo 52º da LGT:
“1. A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem nº 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre as empresas associadas de diferentes estados.
2. A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias. (…) ”.
Por outro lado, a norma do artigo 169º, nº 1 do CPPT, preceitua o seguinte: “A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195º ou prestada nos termos do artigo 199º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente”.
A “garantia idónea” a prestar pela executada consiste, nos termos resultantes da norma do artigo 199.º do CPPT (ex vi artigo 169.º, n.º 1 do mesmo diploma legal), em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente (n.º 1), podendo ainda consistir, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária (n.º 2).
E, nos termos do n.º 4 do mesmo normativo, vale como garantia para efeitos do n.º 1 a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Da conjugação destes normativos resulta que a idoneidade da garantia se afere pela capacidade de esta, em caso de incumprimento do devedor, ser ou não susceptível de assegurar o cumprimento dos créditos do exequente.
Por conseguinte, garantia idónea há - de ser a garantia adequada a assegurar o pagamento da totalidade do crédito exequendo e do acrescido - assim, entre muitos, acórdãos do STA de 21/9/2011, Processo 0786/11, de 11/7/2012, Processo 730/12, de 10/10/2012, Processo 916/12 e de 30/1/2013, Processo 034/13 e, bem assim, Rui Duarte Morais, in A Execução Fiscal, pág. 77 e Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, Volume III, pág. 412.
Se, por um lado, foi prestada garantia bancária, considerada idónea nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 199.º do CPPT; por outro lado, não consta qualquer informação no processo de execução fiscal, prestada pelo funcionário competente, que o mesmo se encontre suspenso, por ter sido prestada garantia nos termos do artigo 199.º ou realizada penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido.
Contudo, tudo indica que a garantia bancária foi prestada nos termos das leis tributárias vigentes à data da sua prestação, dado que o foi na pendência do regime prestacional referido.
Ora, como resulta apurado, na data da redução do montante da garantia bancária, embora o capital remanescente em dívida ascendesse a Esc. 11.362.632$00, a garantia bancária prestada no montante de Esc. 6.000.000$00 mostrou-se idónea, pois foi prestada de acordo com o disposto no artigo 9.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 97/99, que dispõe acerca do regime dos juros de mora das dívidas ao Estado e a outras entidades públicas; tendo como objectivo beneficiar da redução da taxa dos juros de mora, que pressupunha que a garantia bancária constituida cobrisse pelo menos metade do remanescente do capital em dívida – daí, em cumprimento do normativo, a prestação de garantia bancária no valor de Esc. 6.000.000$00.
No momento em que a Recorrente foi excluída do regime prestacional, em 02/06/2006, havia garantia idónea. Ora, havendo garantia idónea e estando ainda pendente o presente processo de impugnação, somente se o serviço de finanças não conferir carácter suspensivo ao processo é que prossegue com a penhora.
Conforme resulta apurado, não foi realizada qualquer penhora e o processo de execução fiscal permaneceu sem qualquer tramitação mesmo após a exclusão do plano prestacional aprovado, inculcando a sua suspensão, por força da garantia constante do mesmo, que visava assegurar o pagamento da dívida exequenda.
Deste modo, é nossa convicção que a paragem do processo de execução fiscal se deveu ao pedido de prestação de garantia (e depois à solicitação da sua redução), com vista à sua suspensão, a requerimento da executada, ora recorrente. Logo, a paragem é-lhe imputável, impedindo a sua actuação que o órgão de execução fiscal prosseguisse com o processo de execução fiscal.
Assim sendo, nos termos do disposto nos artigos 49.º, n.º 3 da LGT (actualmente, artigo 49.º, n.º 4 da LGT) e 169.º do CPPT, aceite a garantia bancária, tendo o processo de execução fiscal ficado suspenso, o prazo de prescrição também ficou suspenso.
Suspensão que se mantém, uma vez que a garantia em causa permanece e não há ainda decisão definitiva ou passada em julgado que tenha posto termo ao contencioso suscitado pela Recorrente (cfr. os já mencionados acórdãos do STA, de 04/03/2009, processo n.º 0160/09, de 26/01/2011, processo n.º 1/11, de 25/05/2011, processo n.º 465/11 e, ainda, o Acórdão do STA, de 14/02/2013, proferido no âmbito do processo n.º 03/13).
Nestes termos, a partir de 02/06/2006, há que considerar novo período de suspensão decorrente do uso de meios procedimentais ou processuais associados a prestação de garantia idónea (artigo 49.º, nº 3 da LGT, na sua versão inicial e n.º 4, na versão da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12).
Nesta medida, tem de concluir-se que, por virtude da suspensão, em todo o período em causa, a contagem da prescrição não chegou a começar nem a correr – cfr. artigo 318.º, do Código Civil; não se verificando, portanto, a invocada prescrição.
Mostrando-se, assim, útil a apreciação das restantes questões colocadas no presente recurso, que passamos a analisar.

O direito de liquidar IVA do 1.º e 2.º trimestres do ano de 1993 à data da respectiva notificação já tinha caducado, por ter decorrido o prazo máximo de 5 anos dentro do qual a liquidação deveria ter sido notificada à Recorrente. Sustentando esta que a notificação deveria ter sido efectuada a partir da data da ocorrência do facto tributário e não do ano seguinte à ocorrência do facto tributário, já que o IVA é considerado um imposto de obrigação única, como se alcança do artigo 33.º do CPT e do artigo 45.º da LGT, na redacção anterior à Lei n.º 32-B/2002 de 30.12.
Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere. A necessária brevidade da relação jurídica que comporta um direito caducável determina que o não exercício do mesmo no prazo legal ou convencionalmente definido acarreta a sua extinção. Refira-se, ainda, que a caducidade, determinando a extinção do direito e da correspondente vinculação sem mais, não gera o consequente aparecimento de uma obrigação natural, contrariamente ao que acontece com o instituto da prescrição (cfr.artigos 328.º e 331.º do Código Civil; Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, A.A.F.D.L., 1983, pág. 567 e seg.; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª.edição, Coimbra Editora, 1989, pág.372 e seg.; Aníbal de Castro, A Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência, 3ª.edição, 1984, pág.29 e seg.).
A liquidação realizada para além dos prazos legalmente estipulados traduz-se numa ilegalidade pelo que constitui fundamento de impugnação: corpo do artigo 120.º do anterior Código de Processo Tributário (CPT), em vigor à data das liquidações e da apresentação da presente impugnação judicial (1998).
Em 01/01/1999, entrou em vigor a Lei Geral Tributária (LGT) , cujo artigo 45.º, n.º 1 veio encurtar o prazo de caducidade do direito à liquidação para 4 anos.
Contudo, não será este o prazo a atender no presente caso, uma vez que, de acordo com o artigo 5.º, n.º 5 do Dec.-Lei n.º 389/98, de 17.12, que aprovou a LGT, esse novo prazo de caducidade só se aplica aos factos tributários ocorridos a partir de 01/01/1998, o que não é o caso, pois o IVA aqui em causa é relativo a 1993 (1994, 1995, 1996 e 1997).
A questão decidenda será, portanto, abordada à luz do regime do CPT.
Visto qual o regime legal aplicável, para o conhecimento desta questão importa ter presente que:
• O IVA aqui em causa e fundamento da presente impugnação, por liquidação para além do prazo legalmente previsto, é relativo aos 1.º e 2.º trimestre do exercício de 1993;
• As liquidações foram notificadas à impugnante, ora recorrente, em Julho de 1998.
A questão que vem suscitada nos presentes autos reporta-se à forma de contagem do prazo de caducidade do imposto face às normas do Código do IVA e do Código de Processo Tributário.
Prescrevia o artigo 88.º do Código do IVA, na redacção anterior ao DL 472/99, de 8 de Novembro, na parte que interessa:
“1. Só poderá ser liquidado imposto nos cinco anos civis seguintes àquele em que se verificou a sua exigibilidade.
2. Até final do período referido no número anterior, as rectificações e as tributações oficiosas podem ser integradas ou modificadas com base no conhecimento ulterior de novos elementos.”.
Por seu turno, referia o artigo 33.,º n.º1 do Código de Processo Tributário:
“O direito à liquidação de impostos e outras prestações de natureza tributária caduca se não for exercido ou a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que se verificar o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.”.
De referir, ainda, que o artigo 11.º do DL 154/91, de 23 de Abril, que aprovou o Código de Processo Tributário, revoga toda a legislação anterior contrária ao código que aprova, salvo as excepções que refere, preconizando o artigo 4.º do mesmo diploma que “os novos prazos de caducidade e prescrição só serão aplicáveis à sisa e imposto sobre sucessões e doações após a introdução no respectivo código das normas necessárias de adaptação”.
A interpretação dos artigos citados terá que ser feita tendo em atenção o entendimento doutrinário de ser o IVA um imposto de obrigação única ou um imposto periódico.
Um imposto será de obrigação única se se reporta a cada acto ou facto isoladamente e será periódico se a obrigação fiscal se renovar periodicamente, acontecendo que em certos casos um mesmo imposto poderá em certos casos inserir-se numa ou noutra das classificações.
No caso do IVA, incidindo ele sobre as transmissões de bens e prestação de serviços efectuadas a título oneroso e ao qual estão sujeitas as pessoas singulares ou colectivas que exerçam com carácter de habitualidade e de um modo independente, nomeadamente actividades de comércio ou prestação de serviços (artigos 1.º e 2.º do CIVA), parece poder concluir-se que se trata de um imposto de obrigação única e não de um imposto periódico, não obstante o seu pagamento e o seu apuramento assumirem certa periodicidade.
Por ser esclarecedor deste entendimento refira-se Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, 2.ª edição, fls. 611, de que se transcreve:
“A característica essencial apontada pela doutrina aos impostos periódicos é a de assentarem num facto tributário de carácter duradouro, enquanto o elemento caracterizador do imposto de obrigação única é ter por base um facto instantâneo.
A esta luz, o I.V.A., como imposto que incide sobre transacções de bens e actos de prestação de serviços, é de considerar um imposto de obrigação única, pois o facto tributário é de carácter instantâneo.
A essa caracterização não pode obstar a circunstância de os sujeitos passivos de IVA que se dediquem a actividades comerciais ou industriais ou ao exercício de profissões liberais poderem pagar IVA com regularidade, por praticarem, com habitualidade, actos que constituem factos tributários para efeitos deste imposto, pois, mesmo neste caso, o IVA reporta-se aos actos concretos praticados e não ao exercício continuado da actividade.
E, mesmo durante o período de exercício da actividade, apenas haverá tributação a título de IVA se e na medida em que houver transacções ou prestações de serviços a ele sujeitas.
No caso do IVA os factos tributários não perduram no tempo nem se renovam pelo mero decurso do tempo, mas apenas, eventualmente, pela prática de novos factos tributários instantâneos que, ainda que se possam repetir, são considerados autonomamente para efeitos de tributação.
A dívida de IVA surge e efectiva-se em conexão com a ocorrência dos actos ou factos isolados sobre que incide, não se renovando automaticamente pelo mero decurso do tempo.
Por outro lado, o IVA pode ser devido pela prática de um único acto tributável [art. 2.º, n.º 1, alínea a), 2.ª parte, do C.I.V.A.], tipo de situações em que será indefensável considerá-lo como um imposto de obrigação periódica. E, eventualmente, quando é praticada uma operação tributável, pode não ser detectável se é ou não o início de uma prática continuada.
Assim, o IVA caberá no conceito de imposto de obrigação única, pois só essa qualificação é adequada a todas as situações que podem surgir no âmbito de incidência deste imposto.
Para além disso, por aplicação do regime de apuramento do IVA, previsto nos artigos 19.º a 25.º do C.I.V.A., pode não resultar sequer uma dívida de imposto mas um crédito, no caso de os montantes que o sujeito passivo têm direito a deduzir superarem o imposto que liquidou no período e, mesmo nesse caso, continuam a existir os factos tributários que estão subjacentes ao IVA liquidado.
Por isso, não se podem confundir os factos tributários (actos autónomos entre si) que geram a dívida de imposto com os momentos (que, em certos casos, pode ocorrer com periodicidade) da entrega do imposto liquidado.”.
Por isso, concluímos que o imposto em causa é de obrigação única.
Assim sendo, tendo em atenção o teor do artigo 33.º do Código de Processo Tributário, a contagem do prazo de caducidade deverá ser feita a partir do momento em que o facto tributário ocorreu. Ou seja, a partir da data da ocorrência dos factos tributários e não do início do ano seguinte ao da ocorrência do facto tributário (Cfr. Acórdãos do STA, de 17/04/2002 e de 20/03/2002, proferidos no âmbito dos processos n.º 065/02 e n.º 026806, respectivamente).
E, não obsta a este entendimento o facto de o artigo 45.º, n.º 4 da LGT ter sido alterado pelo artigo 43.º, n.º 1 da Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, no sentido de que, relativamente ao IVA, o prazo de caducidade se conta a partir do ano civil seguinte aquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, uma vez que esta alteração passou a ser aplicável apenas a partir da entrada em vigor da referida Lei (em 01 de Janeiro de 2003) e o caso em apreço se reporta a IVA do ano de 1993. Tendo esta alteração normativa carácter inovador é, por isso, de aplicação apenas para o futuro (Cfr. Acórdão do Pleno do STA, de 07/05/2003, proferido no âmbito do processo n.º 026806B e Acórdão do TCAN, de 24/02/2005, proferido no âmbito do processo n.º 0359/04).
Tendo em conta que o efeito extintivo do direito à liquidação do IVA é o decurso do "inteiro" prazo de caducidade e não a ocorrência do seu "dies a quo", decidiu-se mais tarde, devido a oposição de julgados, que a nova redacção do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária seria aplicável ao prazo em curso, atento ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, conforme julgamento efectuado pelo Pleno da Secção Tributária do STA em Acórdão de 17/03/2011, proferido no âmbito do processo n.º 01076/09.
De todo o modo, a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2003, pelo que, na situação em análise, o prazo de caducidade do facto tributário ocorrido no ano de 1993 não se encontrava a decorrer nessa data.
Nesta conformidade, ao invés do decidido na sentença recorrida, aplica-se à situação em apreço que o prazo de caducidade se conta, nos impostos de obrigação única, como é o caso, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
Deste modo, temos de aceitar que, tendo a notificação da liquidação sido efectuada em Julho de 1998, quanto ao IVA referente a factos ocorridos até Julho de 1993 caducou o direito do Estado à liquidação.
Como se alcança do probatório, as liquidações foram notificadas à impugnante em Julho de 1998, pelo que caducara o direito à liquidação relativamente ao IVA de Janeiro de 1993 a Junho de 1993.
O facto impeditivo da caducidade do direito à liquidação é a notificação desta ao sujeito passivo dentro do prazo legalmente estabelecido para a Administração Tributária exercitar tal direito. Assim, tem-se por verificada a caducidade do direito à respectiva liquidação, na ausência de prova que haja sido efectivada a notificação do sujeito passivo pela forma legal dentro do referido prazo.
Ocorrendo a caducidade do direito à liquidação do IVA, referente aos 1.º e 2.º trimestres do exercício de 1993, torna parcialmente inválido o acto tributário impugnado, acarretando a sua anulabilidade, pois constitui um vício gerador de ilegalidade do acto, consubstanciador da prática de acto tributário ferido de vício de violação de lei.
Por tudo o que ficou dito, a sentença recorrida merece, pois, censura, devendo, quanto a esta parte, ser concedido provimento ao recurso.

Vejamos, agora, no tange às restantes liquidações efectuadas e aqui impugnadas.
Quanto à falta de fundamentação (formal) dos actos de liquidação de IVA e juros compensatórios impugnados, diremos, que a fundamentação dos actos administrativos em geral, constitui um imperativo constitucional, expressamente previsto no artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (veja-se a abundante jurisprudência do STA atinente a esta matéria, bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 1993, pp. 936 e Vieira de Andrade, «O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», 1990, pp. 53 e ss), cujo escopo imediato é esclarecer concretamente a motivação do acto, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo e valorativo que determinou a adopção do acto, com determinado conteúdo (na esteira das lições de Diogo Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo", Almedina, 2001, Vol. II, páginas 351 e ss.).
O disposto no Código de Procedimento Administrativo (C.P.A.) é aplicável ao direito tributário antes da entrada em vigor da Lei Geral tributária (artigo 77.º) e do Código de Procedimento e de Processo Tributário (artigo 36.º, n.º 2), que introduziram regras próprias.
Vejamos, então, se existe violação dos artigos 124.º e 125.º do C.P.A..
O artigo 124.º do C.P.A., na esteira do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), consagra um dever geral de fundamentação dos actos administrativos, dever que o artigo 125.º do C.P.A. concretiza.
Preceitua o artigo 125.º do C.P.A. – sob a epígrafe “Requisitos da fundamentação” – nos n.º 1 e 2, o seguinte:
“1. A fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.”
A fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer (ou não) o particular e permitir-lhe o controlo do acto.
Traduz-se isto em dizer que o particular deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, ou seja, deve dar-se-lhe, ainda que de forma sucinta, nota do “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada de decisão.
Só assim o particular pode analisar a decisão e ponderar se lhe dá ou não o seu acordo; também só por essa via, ele fica munido dos elementos essenciais para poder impugnar a decisão: só sabendo quais os factos concretos considerados pela Administração, ele pode argumentar se eles se verificam ou não; só conhecendo os critérios valorativos da Administração sobre esses factos, ele pode discuti-los, apresentar outros ou até valorá-los doutra forma; finalmente, só em face das normas legais invocadas, ele pode discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso.
Pretende-se, pois, que fique ciente do modo e das razões por que se decidiu num ou noutro sentido.
Nas notificações remetidascom as liquidações impugnadas, refere-se tratarem-se de liquidações adicionais, feitas nos termos do artigo 82.º do Código do IVA, e com base em correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária.
Em face do relatório de inspecção tributária, mostram-se elencados todos os elementos de facto que a administração fiscal considerou relevantes para as conclusões a que chegou (correcções), designadamente, quanto ao facto de se encontrar indevidamente enquadrado no regime normal trimestral:
Aí se descreve a actividade da ora Recorrente de “apoio técnico, apuramento da Raça Churra, controle de produção e qualidade dos ovinos de raça churra, efectuado aos seus associados”, sendo a única contraprestação destes as quotas e jóias. Simultaneamente com esta actividade, pratica actividade sujeita a IVA, traduzida na elaboração de projectos e cedência de pessoal a outras entidades, sendo esta actividade complementar da actividade principal.
Deste modo, uma vez que esta Associação exerce actividade isenta, sem direito a dedução, e, simultaneamente, actividade sujeita a IVA, que confere esse direito, gera um direito a dedução incompleta, consequentemente, obrigando-se à disciplina do disposto no artigo 23.º do Código do IVA, para efeitos de determinação do montante de imposto dedutível, o que não tem vindo a praticar.
Tem vindo , isso sim, a exercer o direito a dedução de todo o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços e do imobilizado, isto é, utilizando o direito a dedução completa.
Verificando-se que esta prática não é a correcta, procedeu-se ao apuramento da percentagem do pro rata (artigo 23.º) e que resultou de 0% para 1993, 17% para 1994, 12% para 1995, 47% para 1996 e 46% para 1997, procedendo-se, agora, às correcções relativas ao imposto indevidamente deduzido, para cada um dos quatro trimestres dos exercícios antes indicados e que resultou no imposto indevidamente deduzido, cuja totalidade foi de Esc. 26.340.074$, remetendo para anexos com apuramentos e cálculos.
A fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
Assim, a fundamentação adiantada pelos Serviços de Inspecção Tributária mostra-se suficiente, pois permite a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a decisão da Administração, sendo clara, porque inteligível e sem ambiguidades ou obscuridades, e congruente, porque exprime concordância entre os pressupostos normativos do acto e os motivos do mesmo.
E, como se salienta no Acórdão do STA, de 02/02/2006, in rec. nº 1114/05, «este dever legal da fundamentação tem, a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.»
Utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (cfr. Vieira de Andrade - O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pag. 239, na citação do Acórdão do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02).
Como é sabido, a fundamentação de um acto de liquidação, situação em apreço, deve ser o esteio, o suporte, por que foi efectuada aquela concreta liquidação e não qualquer uma outra, de molde a permitir ao contribuinte apreender os concretos factos donde ela emerge e poder determinar-se pela sua aceitação ou impugná-la, se entender que a mesma se encontra eivada de qualquer um vício que a inquine de ilegal, variando assim, a densidade fundamentadora, consoante o tipo de acto em causa e a participação ou não do mesmo no procedimento da sua formação.
O esteio, a base da liquidação do imposto, assenta precisamente, no IVA deduzido indevidamente (por o ter efectuado de forma completa), apurado pela fiscalização tributária, mediante as diligências encetadas e levadas a cabo no âmbito do procedimento de fiscalização, as quais foram discriminadas no relatório, conduziram ao apuramento do IVA em falta, relatório esse, cujo conteúdo foi informado (artigo 22.º do CPT) à ora Recorrente.
Assim, a liquidação do imposto, emerge, directamente, do IVA indevidamente deduzido nos exercícios de 1993 a 1997 pela Impugnante, decorrente do apuramento pela AT, por via da actividade instrutória desenvolvida, que lhe permitiu concluir com segurança, através da análise à actividade da ora Recorrente, que exercia actividade em parte isenta e noutra parte sujeita a IVA, motivo por que o sujeito passivo não tinha direito a dedução completa do IVA, fechando o silogismo judiciário, num raciocínio suficiente, claro e congruente, por referência às normas jurídicas apontadas; não padecendo a mesma de falta de fundamentação (formal), desta forma facilmente se apreendendo porque houve lugar a estas liquidações e não quaisquer outras, sendo este o resultado normal, típico, das premissas consideradas.
Se isto corresponde ou não à realidade e se, mais do que isso, é ou não adequado à prática dos actos tributários impugnados, ou seja se constitui, ou não, esteio bastante à conduta da AF enquanto realidade ontológica intra decisória (cfr. David Duarte, in Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa como Parâmetro Decisório), é questão que tem a ver com o mérito e não com a forma e que, portanto, se coloca numa outra dimensão que não cumpre conhecer em sede de recurso, sendo que no aqui releva importa apenas dizer que, nos termos acima referidos, nomeadamente na fundamentação constante da decisão sob recurso, se entende que a decisão da AT, no caso vertente, não padece de falta de fundamentação formal, seja por obscuridade ou contradição.
É neste contexto que a Recorrente defende estarem as liquidações inquinadas do vício de falta de fundamentação legal, apontando que o autor das mesmas (o chefe da repartição de finanças) não procedeu, ele próprio, fundamentadamente à rectificação das declarações da Recorrente. Antes se louvando no relatório elaborado por um outro funcionário para cuja liquidação não tinha competência, sendo certo que também sobre tal relatório não lavrou qualquer despacho expresso de concordância, avocando para si as razões constantes de tal relatório, violando claramente o artigo 82.º do CIVA.
Acrescentou que as próprias liquidações sob censura não são da autoria do chefe de repartição de finanças como impõe obrigatoriamente a disposição citada supra.
Como decorre da própria notificação, não residem dúvidas que as liquidações foram efectuadas nos termos do artigo 82.º do Código do IVA, que se refere expressamente ao chefe de repartição de finanças.
No entanto, a situação concreta tem (teve) enquadramento no disposto no artigo 87.º do Código do IVA: “Nos casos previstos no artigo 82.º, a Direcção de Serviços de Cobrança do IVA, quando disponha de todos os elementos necessários ao apuramento do imposto ou dos juros compensatórios, procederá à notificação dos sujeitos passivos, por carta registada, com aviso de recepção, comunicando o facto à repartição de finanças competente, que dará continuidade ao processo de cobrança”.
Efectivamente, observando as notificações constantes dos autos, verifica-se que as mesmas têm origem na Direcção de Serviços de Cobrança do IVA e que o procedimento administrativo se iniciou com pedido de reembolso do IVA na Direcção Distrital de Finanças de Bragança, passando pela sua Divisão de Inspecção Tributária.
Por tudo o que ficou dito, não se vislumbra qualquer desconformidade com influência na fundamentação dos actos em crise, pelo que, nesta parte, a sentença recorrida não merece, pois, censura, devendo ser negado provimento ao recurso.

Por último, a Recorrente alega que as liquidações do IVA de 1993 e 1994 também padecem de ilegalidade consubstanciada no vício de violação da lei, já que naqueles anos a Recorrente requereu, com sucesso, o reembolso do IVA pago e não devido, o que tudo foi despachado favorável e expressamente, por reunião dos requisitos legais e formais, sendo certo que tais despachos nunca foram revogados pelo seu autor e pela mesma forma, no prazo legal, como impõe o artigo 140.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 e artigo 143.º do CPA.
Releva, nesta matéria, de forma nuclear, como de seguida se compreenderá, a delimitação dos conceitos de acto de anulação, de liquidação adicional e de reforma de tal tipo de actos tributários. Ora, como doutamente doutrina o Prof. Alberto Xavier a anulação é o acto pelo qual a Administração Fiscal revoga, total ou parcialmente, o acto tributário que, em virtude de erro de facto, erro de direito ou omissão, tenha definido uma prestação tributária superior à que decorre directamente da lei. A liquidação definitiva excessiva (ou infundada) padece de um vício em sentido próprio. Os seus efeitos cessam de se produzir mercê de um acto jurídico que os constata e que, consequentemente, os destrói retroactivamente. Por sua vez, o acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado. Porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida. Por último, a reforma do acto tributário verifica-se quando, por posterior variação da matéria colectável, a lei manda substituir a liquidação praticada, ainda que correctamente, com base na expressão daquela matéria ao tempo em que a Administração Fiscal a realizou. Ao contrário do que se passa na anulação e no acto tributário adicional não se verifica aqui um vício originário mas uma modificação superveniente do seu objecto (cfr. Acórdão do STA-2ª.Secção, de 22/3/2006, rec. 1284/05; Acórdão do STA-2ª.Secção, de 9/5/2007, rec.133/07; Acórdão do T.C.A.Sul, de 25/11/2009, proc. 2981/09; Acórdão do T.C.A.Sul, de 3/7/2012, proc.4076/10; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.127 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, 2012, pág.370).
Ora, reiterando que as liquidações em crise foram efectuadas nos termos do disposto no artigo 82.º do Código do IVA, facilmente se constata que, no caso, estando em causa deduções de IVA superiores às devidas, foram efectuadas as liquidações adicionais em análise pela diferença - “liquidando-se adicionalmente a diferença” – cfr. artigo 82.º do Código do IVA.
Logo, in casu, verificou-se que mercê do enquadramento incorrecto do sujeito passivo foi definida uma prestação inferior à legal, fixando-se o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Como referimos, ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado. Porque se trata de uma invalidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração.
Neste contexto, nenhum cabimento têm as normas invocadas pela Recorrente – o artigo 140.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 e artigo 143.º do CPA – dado pressuporem que ocorreu a revogação do acto primitivamente praticado (revogação de actos administrativos constitutivos de direitos).
A revogação propriamente dita consiste na extinção de todos ou parte dos efeitos de um acto administrativo, provocada por um novo acto administrativo que se pratica. Mas esta distingue-se da anulação administrativa ou revogação anulatória, que o CPA designa como “revogação de actos inválidos”, cuja função é a de destruir – não apenas fazer cessar – os efeitos de uma anterior decisão administrativa inválida (rectius, anulável), sendo tal invalidade a causa determinante do acto de revogação anulatória – cfr. Mário Esteves de Oliveira e Outros in Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª Edição, Almedina, páginas 667 e seguintes.
Nesta conformidade, estando em causa liquidações adicionais, não colhem os argumentos alegados pela Recorrente no sentido de que os despachos de deferimento dos pedidos de reembolso são actos constitutivos de direitos que se mostram ilegalmente afectados por essas liquidações adicionais, conforme foi decidido em 1.ª instância. Sendo, portanto, de manter a decisão recorrida nesta parte.

Conclusões/Sumário

I - Muito embora a prescrição da obrigação tributária não constitua vício invalidante do acto de liquidação e não seja fundamento da respectiva impugnação, isso não deve impedir que o Tribunal no processo de impugnação não considere a prescrição da obrigação para concluir pela inutilidade superveniente da lide, pois que prescrita a obrigação se torna inútil a decisão sobre a legalidade do acto da liquidação.
II - As causas de inutilidade superveniente da lide são também de conhecimento oficioso em fase de recurso.
III - O dever de conhecimento oficioso dessas questões pelo tribunal ad quem pressupõe que existam nos autos os elementos necessários ao seu julgamento.
IV) Das normas contidas nos artigos 169.º, n.º 1 do CPPT e 49.º, n.º 3 da LGT decorre que a execução fica suspensa até à decisão do pleito que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda “desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido” e que o “prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de (…) impugnação ou recurso”, sendo que a suspensão da execução nos termos do artigo 169.º, nº 1 do CPPT opera-se, ope legis, por força da prestação de garantia ou efectivação da penhora que garante a totalidade da quantia exequenda e acrescido, desde que sejam utilizados os meios processuais de discussão da legalidade da dívida exequenda ali elencados, ou seja, trata-se, pois, de acto predominantemente processual em que o órgão de execução fiscal actua no âmbito do processo executivo, vinculado a um quadro normativo que regula o legal andamento do processo, e sujeito a estritas regras e princípios processuais.
V) Tal significa que, uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso.
VI) Se a garantia (bancária) foi prestada nos termos das leis tributárias vigentes à data da sua prestação, na pendência de regime prestacional - Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto e Decreto-Lei n.º 73/99, demonstrando o serviço de finanças o carácter suspensivo do processo por não prossecução para penhora, revelando, mesmo após exclusão do plano prestacional, aceitação da garantia, aliada à pendência de processo de impugnação judicial; fica suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, determinando a suspensão do prazo de prescrição.
VII) O imposto sobre o valor acrescentado (IVA) deve ser qualificado como imposto de obrigação única, e não como imposto periódico, pois incide sobre factos tributários de carácter instantâneo, reportando-se a cada um dos actos concretos praticados, não relevando, para tal qualificação, que o sujeito passivo exerça continuada ou só ocasionalmente a respectiva actividade.
VIII) Sendo o IVA um imposto de obrigação única, o período de caducidade do direito à liquidação contava-se, nos termos do artigo 33.º do Código de Processo Tributário, tendo em conta o prazo de cinco anos entre a data em que ocorreu o facto tributário e a data em que teve lugar a notificação da liquidação.
IX) A fundamentação de um acto de liquidação deve ser o esteio, o suporte, por que foi efectuada aquela concreta liquidação e não qualquer uma outra, de molde a permitir ao contribuinte apreender os concretos factos donde ela emerge e poder determinar-se pela sua aceitação ou impugná-la, se entender que a mesma se encontra eivada de qualquer um vício que a inquine de ilegal, variando, assim, a densidade fundamentadora, consoante o tipo de acto em causa e a participação ou não do mesmo no procedimento da sua formação.
X) O acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado. Porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração.
XI) Na liquidação adicional, longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida, não ocorrendo violação do disposto no artigo 140.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 e no artigo 143.º, ambos do CPA.

IV - Decisão

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e julgar parcialmente procedente a impugnação judicial, anulando-se os actos de liquidação de IVA e juros compensatórios impugnados reportados aos 1.º e 2.º trimestres do exercício de 1993.

Custas a cargo da Recorrente, na proporção de 90%, considerando a Fazenda Pública delas estar isenta – cfr. artigo 8.º, n.º 4 da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro.


Porto, 29 de Janeiro de 2015
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves