Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00362/08.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/13/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO;
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário:I - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, nos termos do disposto n.º 5 do art.º 20.º da CRP e n.º 4º, do art.º 3, do Código de Processo Civil.
II - Não tendo o tribunal a quo, notificado o Recorrente das informações oficiais e dos documentos juntos pela Administração, violou o princípio do contraditório, nos termos do disposto n.º 5 do art.º 20.º da CRP e n.º4 do art.º 3.º, do Código de Processo Civil.
III - Tendo o tribunal a quo indeferido liminarmente, os embargos considerando que estava verificada a exceção peremptória cometeu irregularidade suscetível de influir no exame ou decisão da causa, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 195.º (antigo 201.º, n.° 1 e 2, do CPC).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO-

J..., melhor identificado nos autos, intentou embargos de terceiro na sequência penhora de quinhão hereditário efetuada pelo serviço de Finanças de Gaia no processo de execução fiscal n.º3581 1999010 165125 movido contra C….

No Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto por despacho proferido em 30.10.2009, foi indeferido os embargos por intempestivos.

Decisão com que o Recorrente não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

O Recorrente formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
1. A douta sentença recorrida indeferiu liminarmente os embargos deduzidos por os considerar intempestivos (cfr. artigo 167.º, 237.º, n.º 3 do CPPT) com base na informação prestada pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 3.

2. É nosso entendimento que a decisão proferida viola o princípio do contraditório por o M. Juiz do Tribunal "a quo", para proferir o decisão recorrida, se ter fundamentado na informação e nos documentos juntos pela AT aos autos que não foram notificados ao Recorrente, pelo que a apreciação de tal extemporaneidade só poderia ser apreciada depois de o mesmo ter tido a oportunidade de sobre os mesmos se pronunciar.

3. Face ao teor da “Informação/Contestação” da AT, deduzindo considerações quanto ao mérito da acção e deduzindo um pedido expresso contra o oponente, é imprescindível a notificação de tal “Informação” e documentos ao oponente para o exercício pleno do contraditório e o entendimento contrário violaria flagrantemente o disposto nos artigos 20.º, n.º 5, 266.º, n.º 1, 2 e 268.º, n.º 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa, porquanto o direito à tutela judicial efectiva compreende a proibição da indefesa que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, que se verificará sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses.

4. O Recorrente ainda na presente data não foi notificado de tais informações, nem do teor do mencionado aviso de recepção do qual se inteirou apenas para o presente fim de arguir a nulidade, pelo que a sua arguição apenas no recurso interposto da sentença final, está em tempo, e através do meio adequado, já que tais nulidades têm o mesmo regime das ocorridas na própria decisão, que assim, demanda a nulidade dos termos posteriores praticados nos autos desde que tal falta foi cometida (artigos 201.º, 205.º, 153.º e 668.º, n.ºs 2 e 3 , todos do CPC).

5. Acresce que quer as informações prestadas quer os documentos em que se fundam, são peças das execuções fiscais instauradas contra terceiros e a notificação a que a AT se refere é uma notificação em terceira pessoa, não se tendo dado cumprimento à advertência constante do artigo 236°, n.º 1, 2, 3 e 4 e artigo 238°, ambos do C. P. Civil, nem foi enviada, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao Oponente, comunicando-lhe, nomeadamente, a identidade da pessoa em que a notificação foi realizada (artigo 241° do C. P. Civil) – como seria exigível na citação.

6. Motivos pelos quais, deverá declarar-se a invocada nulidade e revogar a decisão proferida com as demais consequências legais por violar o disposto nos artigos:
- Artigos 3.º, n.º 3, 201.º, 205.º, 153.º e 668.º, n.ºs 2 e 3, todos do Código de Processo Civil;
- Artigos 2.º, al. e), 208.º, n. 1, 237.º, n.º 3, 209.º, n.º 1, 115.º, n.º 3, 211.º, n.º 1, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
- Artigos 20.º, n.º 5, 266.º, n.º 1, 2 e 268.º, n.º 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso, e revogada a douta sentença recorrida,
COMO É DE DIREITO E DE JUSTIÇA! “

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos emitiu parecer no sentido de dever ser dado provimento ao recurso por ter sido omitido procedimento suscetível de influir no exame ou decisão final - cfr. fls. 95/96, 124 e 204.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar o invocado violação de lei nomeadamente dos artigos 3.º, n.º 3, 201.º, 205.º, 153.º e 668.º, n.ºs 2 e 3, todos do Código de Processo Civil;
- Artigos 2.º, al. e), 208.º, n. 1, 237.º, n.º 3, 209.º, n.º 1, 115.º, n.º 3, 211.º, n.º 1, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
- Artigos 20.º, n.º 5, 266.º, n.º 1, 2 e 268.º, n.º 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa.

3. FUNDAMENTOS

3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…) a) Em 03.10.2007, foi penhorado no âmbito dos autos de execução n° 3581199901016512 que corre os seus termos no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 3, o seguinte bem: “do quinhão hereditário de C… na herança aberta por óbito de A… e de A…...” (cfr. informações oficiais a fls. 3 e certidão da Conservatória do Registo Predial a fls. 34 dos presentes autos;

b) Em 08.10.2007, mediante o oficio n° 4559, datado de 2007.10.03, remetido via postal sob registo com Aviso de Recepção, foi o ora embargante notificado, no âmbito da execução fiscal referida na alínea antecedente, que se efectivou a penhora posta em crise nos presentes autos, tendo-lhe sido, nessa data, dado conhecimento da concretização da penhora para garantia da quantia exequenda (cfr. fls.7 e AR a fls. 8 dos autos);

c) Os presentes embargos foram apresentados em 23.01.2008, no órgão de execução fiscal competente (cfr. articulado inicial a fls. 11 e ss dos autos).

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos de fls.2,7, 8, e 34 dos presentes autos. (…)”

3.2 DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que, como já ficou dito, as questões suscitadas resumem-se, em suma, saber se há violação do princípio do contraditório e consequentemente violação de lei.

Nas suas alegações, a Recorrente aponta ao despacho recorrido nulidade, por inobservância de normas processuais ou princípios gerais do processo.

Decidindo.

O Recorrente na petição de embargos de terceiro alegou - ponto 7 da PI - que “só teve conhecimento da penhora e da data designada para a venda através da notificação efetuada no oficio n.º 6056, datado de 19.12. 2007 do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 3 recebida a 24 de Dezembro.”

Com a remessa dos autos ao Tribunal à quo foi prestada informação pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 3 na qual refere que o Recorrente foi notificado da penhora em 08.06.2007.

Foi junto aos autos cópia do ofício e aviso de receção assinado por Sandra Alves, em 07.10.2008.

Os autos foram de imediato remetidos ao digno magistrado do Ministério Público, o qual equacionou a questão da tempestividade dos mesmos, tendo seguido de imediato o despacho de rejeição liminar.

O n.º 5 do art.º 20.º da CRP determina que “[p]ara a defesa dos direitos, … , a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”

O art.º 3.º, n.º 3, do CPC estabelece que “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

O princípio do contraditório é um dos direitos fundamentais das partes no desenvolvimento de um processo justo e equitativo, garantindo-lhes a possibilidade de intervir em todos os seus atos, defender os seus interesses e influenciar a decisão do Tribunal.

O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, nos termos do disposto n.º 5 do art.º 20.º da CRP e n.º3 do art.º 3.º, do Código de Processo Civil.

E esta é jurisprudência do STA espelhada nos acórdãos n.ºs 0978/14 de 24.09.2014 e 63/10 de 03.03.2010.

No caso sub judice a Recorrente não foi notificada das informações e documentos juntos pela Administração Fiscal e remetidas ao tribunal.

Informação prestada pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 3 na qual refere que o Recorrente foi notificado da penhora em 08.06.2007.

Na petição a Recorrente alegava que só teve conhecimento da penhora em 24.12.2007, sendo assim facto controvertido, perante as informações, pelo que se impunha apurar a verdade material, o que conduziria à notificação da Recorrente, para conhecimento e exercer o contraditório, caso assim o entendesse.
Nos termos dos supra citados normativos o juiz deve facultar às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afetar e que ainda não tenham tido possibilidade de contraditar.

Não tendo o tribunal a quo, notificado o Recorrente das informações oficiais e dos documentos juntos pela Administração, violou o princípio do contraditório, nos termos do disposto n.º 5 do art.º 20.º da CRP e n.º3 do art.º 3.º, do Código de Processo Civil.

Ao indeferir liminarmente, os embargos considerando que estava verificada a exceção peremptória o tribunal cometeu irregularidade suscetível de influir no exame ou decisão da causa, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 195.º (antigo 201.º, n.º 1 e 2, do CPC).

Face ao decidido, fica prejudicado o conhecimento da violação dos demais normativos alegados nos termos do art.º 608.º por força do n.º 2 do art.º 663.º ambos do CPC.

Termos em que acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional e em anular o despacho recorrido, ordenando a baixa á 1ª instância para prosseguimento da ação.

E assim formulamos as seguintes conclusões/Sumário:

I- O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, nos termos do disposto n.º 5 do art.º 20.º da CRP e n.º 4º, do art.º 3, do Código de Processo Civil.

II- Não tendo o tribunal a quo, notificado o Recorrente das informações oficiais e dos documentos juntos pela Administração, violou o princípio do contraditório, nos termos do disposto n.º 5 do art.º 20.º da CRP e n.º4 do art.º 3.º, do Código de Processo Civil.

III- Tendo o tribunal a quo indeferido liminarmente, os embargos considerando que estava verificada a exceção peremptória cometeu irregularidade suscetível de influir no exame ou decisão da causa, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 195.º (antigo 201.º, n.° 1 e 2, do CPC).

4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, e, em consequência, revogar o despacho recorrido e determinar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de ser seguido os ulteriores termos se a isso nada mais obstar.


Sem custas pela Recorrente.

Porto, 13 de novembro de 2014

Ass. Paula Moura Teixeira

Ass. Cristina Flora

Ass. Ana Patrocínio