Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00920/09.7BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/21/2011
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:José Augusto Araújo Veloso
Descritores:NOTIFICAÇÃO POR CARTA COM A/R
ÓNUS DE COMUNICAR ALTERAÇÃO DE DOMICÍLIO
Sumário:I. A notificação por carta registada com aviso de recepção considera-se perfeita desde que dirigida ao domicílio do notificando, ainda que o aviso não tenha sido assinado por este, e considera-se feita no dia em que foi assinado o aviso de recepção;
II. É o interessado que tem o ónus de alterar a residência que forneceu no processo administrativo, e não a entidade administrativa que, perante eventual notícia de alteração da sua morada, deve investigar sobre a mesma para efeitos notificativos.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:06/21/2011
Recorrente:L...
Recorrido 1:Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Negar provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
L… - residente em…, Châtelaine, Suiça – vem interpor recurso jurisdicional da decisão judicial proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] de Aveiro – em 27.12.2010 – que absolveu da instância o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras [SEF] com base na intempestividade da acção – esta decisão judicial configura saneador/sentença proferido no âmbito de acção administrativa especial em que a ora recorrente demanda o SEF pedindo ao TAF que anule o despacho de 21.07.07, do Chefe da Delegação de Espinho do SEF, que lhe indeferiu pedido de emissão de cartão de residência de familiar de cidadão da União Europeia, pedido por ela efectuado ao abrigo do artigo 15º nº1 da Lei nº37/2006 de 09.08.
Conclui assim as suas alegações:
1- No caso, a única questão a apurar é saber se, tal como considerou o TAF na sentença recorrida, a autora foi ou não notificada do despacho objecto desta acção;
2- O TAF considera que a notificação foi efectuada para a residência que a autora indicou, e que a mesma foi recebida pelo seu marido, e que, portanto, a notificação foi bem efectuada e consumou-se em 04.08.2008, pelo que o prazo para a interposição da acção terminou em Novembro de 2008, sendo que a acção foi interposta em 10.12.2009;
3- É verdade o que sustenta a douta sentença recorrida, no entanto, a mesma não valida o facto de a recorrente se encontrar a residir na Suiça, como igualmente declarou no âmbito do processo administrativo, pelo que a entidade administrativa, sabia bem, e nem podia desconhecer, que a notificação não ia chegar ao conhecimento da autora;
4- Tanto mais que as declarações prestadas pelo seu marido contribuíram para a decisão impugnada, o que quer significar que não possuía interesse na defesa da posição da autora, sua mulher;
5- No caso, o fundamental era proporcionar à autora todas as condições de defesa da sua posição, o que não sucedeu;
6- Se resulta dos autos que a autora se encontra a residir na Suiça, e que o seu marido demonstrou tentar prejudicá-la, como é possível afirmar-se que a notificação que foi recebida por este está perfeita, e em consequência considerar regularmente notificada a autora;
7- O direito constitucional ao contraditório tem que ser assegurado de uma forma eficaz, e no caso em presença não foi;
8- E não foi, não porque fosse impossível ao SEF conseguir obter a morada da autora na Suiça, mas sim, por desprezo completo pelos direitos desta;
9- Independentemente da decisão de fundo a tomar na presente acção, e mais precisamente no âmbito do competente processo administrativo, que a final até poderia ser a mesma, a verdade é que é fundamental assegurar a defesa da autora, e a ponderação da sua posição, bem como a análise dos meios de prova que possa apresentar;
10- Tudo teria sido diferente se dos autos não resultasse que a autora estava a viver na Suiça;
11- Mas demonstrado que está que, à data da notificação, a autora estava a residir na Suiça, demonstrado fica que ela nunca foi notificada da decisão que se pretende ver anulada pela presente acção;
12- Considerar sem mais perfeita a notificação efectuada para a residência em Portugal da autora, parece-nos um exagero;
13- E desde logo, pelo facto do próprio CPTA considerar prazos diferentes de interposição da acção, para residentes no território nacional e para residentes no estrangeiro;
14- Em face a isto, dúvidas não subsistem que a autora não foi notificada da decisão da entidade administrativa, em 04.08.2010, e nem nunca foi, tendo tomado conhecimento da mesma pelo facto do seu mandatário se ter deslocado às instalações do réu, em Espinho;
15- A decisão judicial recorrida viola, entre outras, as normas constantes dos artigos 58º nº2 alínea b), 59º nº1 e nº3 alínea c), 89º alínea h), do CPTA, 70º do CPA, 254º, 493º, 494º, 495º do CPC e 13º e 37º da CRP.
Termina pedindo a revogação da decisão do TAF.
O SEF contra-alegou, concluindo assim:
1- Tendo a recorrente sido notificada da douta sentença do TAF de Aveiro, objecto do presente recurso, aos 11.01.2011, e considerando o prazo de 30 dias para interposição de recurso nos termos do previsto no nº1 do artigo 144º do CPTA, este teria de ser interposto até 10.02.2011;
2- Considerando que o requerimento de recurso apenas deu entrada nesse TAF no dia 16.02.2011, de acordo com o previsto no nº6 do artigo 685º do CPC, verificada a intempestividade do recurso, deverá o mesmo ser indeferido, nos termos e para os efeitos do plasmado na alínea a) do nº2 do artigo 685º-C do CPC [aplicável ex vi do artigo 140º do CPTA];
3- Tendo a ora recorrente sido regularmente notificada da decisão final de indeferimento do seu pedido aos 04.08.2008, e intentado acção especial apenas aos 11.12.2009, esta é extemporânea por caducidade do seu direito de acção.
Termina pedindo a manutenção do decidido pelo TAF.
O Ministério Público pronunciou-se [artigo 146º nº1 do CPTA] pelo não provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
De Facto
São os seguintes os factos considerados provados na sentença requerida:
1- Em 02.07.2007, a autora fez pedido de emissão de cartão de residência de familiar de cidadão da União ao abrigo do disposto no n°1 do artigo 15° da Lei n°37/2006, de 9 de Agosto, que regula o exercício do direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União Europeia e dos membros das suas famílias no território nacional;
2- Nesse requerimento declarou como sendo a sua residência a seguinte:
- Rua da …, Santa Maria da Feira [ver folha 1 do PA];
3- Com esse requerimento anexou, entre outros documentos, atestado de residência da Freguesia de Sanfins referente a essa mesma morada [ver folha 8 do PA];
4- Em 19.11.2007 em auto de declarações a autora confirma tal residência na qual sustenta residir com o seu marido [ver folha 34 do PA];
5- Por despacho de 01.4.2008, concordando com a informação dos serviços que, atentas as diligências efectuadas, propôs o indeferimento do pedido com base nos artigos 3° n°1 e 31° da Lei nº37/06, de 09.08, foi a autora notificada para se pronunciar ao abrigo do disposto no artigo 100º e seguintes [audiência prévia] do CPA sobre essa proposta através de ofício a si dirigido e enviado para a residência declarada com aviso de recepção [ver folhas 39 e seguintes do PA];
6- O aviso de notificação foi assinado por Joaquim Pinto da Silva, seu marido, a 21.04.2008;
7- Em 28.04.2008 a requerente apresentou resposta escrita à referida a proposta de indeferimento, afirmando que não se tratava de um casamento de conveniência e que o seu marido tinha referido algumas coisas que não eram verdade, mantendo-se o seu casamento, tendo apenas emigrado para a Suíça uma vez que teve de trabalhar e arranjar meios de subsistência, não estando o marido consigo só por teimosia deste [ver folhas 47 e seguintes do PA];
8- Por despacho do Chefe da Delegação Regional de Espinho do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 21.07.2008, foi indeferido o pedido de emissão de cartão de residência de familiar de cidadão da União feito pela autora ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 15º da Lei n°37/2006 de 9 de Agosto [ver folhas 56 do PA];
9- A referida decisão foi enviada por ofício/carta de notificação registada com aviso de recepção, dirigido à autora, para a residência da Feira que foi por ela declarada no requerimento apresentado [folha 1] e por ela confirmada em auto de declarações aos 19.11.2007 [ver folha 58 do PA];
10- Aquele ofício de notificação foi entregue na morada à qual foi dirigido, tendo sido rubricado o respectivo aviso de recepção pelo marido da autora aos 04.08.2008 [ver folhas 58 e 59 do PA];
11- Em 10.12.2010 foi proposta a presente acção administrativa especial de impugnação do acto impugnado [ver folha 1 da petição inicial e registo do SITAF].
Nada mais foi dado como provado.
De Direito
I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, páginas 447 e seguintes, e Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, página 850 e 851, nota 1.

II. A autora da acção administrativa especial solicitou ao TAF a anulação do despacho que lhe indeferiu pedido de emissão de cartão de residência de familiar de cidadão da União Europeia [formulado ao abrigo do artigo 15º, nº1, da Lei nº37/2006 de 09.08] com base em erro nos pressupostos de facto. No fundo, ela defende que o seu casamento com o cidadão português Joaquim Pinto da Silva não é de mera conveniência, apenas para regularizar a sua situação documental, e que na medida em que assim entendeu o despacho impugnado se baseia em pressupostos de facto errados.
O TAF de Aveiro, em sede de saneador, considerou que a autora foi devidamente notificada do despacho que impugna em 04.08.2008, e que, como o vício que lhe imputa é indutor de mera anulabilidade, ela tinha prazo de 3 meses para intentar a acção impugnatória, sendo que o mesmo já havia decorrido em 10.12.2010, altura em que o fez.
A autora, ora como recorrente, entende que este julgamento de direito é errado, apenas na vertente em que a considera notificada do despacho impugnado em 04.08.2008 [1ª conclusão]. Ou seja, tudo o mais é por ela pacificamente aceite, quer o julgamento de facto, quanto à sua suficiência e fidelidade, quer a natureza da sanção jurídica que é tida como correspondente à eventual procedência do vício invocado, quer, ainda, a contagem do prazo de 3 meses que subjaz à decisão.
O objecto deste recurso reduz-se, pois, à apreciação do erro de julgamento de direito, que se mostra apontado à sentença recorrida apenas na vertente em que considera a ora recorrente notificada do despacho impugnado em 04.08.2008.

III. A sentença recorrida considerou a autora notificada do acto impugnado em 04.08.2008, ou seja, na data que consta do respectivo aviso de recepção, assinado pelo seu marido, e endereçado para rua …, Sanfins, Feira, e fê-lo com o seguinte fundamento:
[…]
Ora, como se sustenta, entre outros, no AC do STA de 07.07.2005 [Rº0553/05] citado pela entidade demandada [que se aproxima do caso dos autos, pois refere-se a uma notificação que foi assinada pelo cônjuge, tendo havido, à semelhança do que aqui sucede, uma notificação anterior feita em idênticos moldes, à qual, como neste caso, também a notificada respondeu] “A notificação por carta registada com aviso de recepção considera-se perfeita desde que dirigida ao domicílio do notificando, ainda que o aviso não tenha sido assinado por este, e considera-se feita no dia em que foi assinado o aviso de recepção. O conteúdo do artigo 254º do CPC aplica-se, com as necessárias aplicações, a qualquer notificação que haja de se fazer [AC de 08.07.97, Rº40134, podendo ver-se, ainda, os AC’s de 24.05.00, Rº41194 e de 13.11.03, Rº1889/02, do Supremo Tribunal de Justiça]”.
Com efeito, “Nos procedimentos administrativos a notificação postal constitui regra geral, só não sendo usada por impossibilidade ou inviabilidade, nos termos do artigo 70º do CPA" [AC STA de 08.07.97, Rº40134]. Por outro lado, "O DL nº121/76, de 11.2, dispensou mas não proibiu que as notificações postais continuassem a ser feitas através de carta com aviso de recepção, podendo, embora, sê-lo por carta registada" [AC STA de 20.05.99, Rº33171].
E assim “A circunstância de no caso presente ter havido uma notificação por carta registada com AR é irrelevante a não ser para o efeito da data da efectiva notificação, que deixa de ser a presumida para ser a real [nº3 desse diploma e AC STA de 18.11.99, Rº45247].
Ora, se é assim, e se nos termos desse nº3 [artigo 254º CPC] as notificações enviadas aos seus destinatários se presumem efectuadas em determinado dia [que, havendo AR, é o aí assinalado], é irrelevante a identidade da pessoa que a receba. Por outras palavras, se a notificação tivesse sido remetida para a residência do recorrente por registo postal simples - o único que era exigível no caso - a notificação tinha que dar-se como efectuada no terceiro dia útil posterior à remessa, independentemente da identidade da pessoa que tivesse recebido a carta que a continha. Não se vê que pelo facto da sua identidade ser conhecida introduza qualquer elemento de distorção nesse procedimento de notificação, para além de não poder falar-se já em data presumida da notificação, por ser conhecida a data efectiva.
Sobre esta matéria, o STA tem-se pronunciado, repetidamente, sustentando que "A notificação por carta registada com aviso de recepção considera-se perfeita desde que dirigida ao domicílio do notificando, ainda que o aviso não tenha sido assinado por este, e considera-se feita no dia em que foi assinado o aviso de recepção. O conteúdo do artigo 254º do CPC aplica-se, com as necessárias aplicações, a qualquer notificação que haja de fazer-se" [AC de 08.07.97, Rº40134, podendo ver-se, ainda, os AC’s de 24.05.00, Rº41194 e de 13.11.03, Rº1889/02].
Neste contexto, e descendo ao caso em apreço, assiste razão à entidade demandada no que respeita à extemporaneidade da presente impugnação.
De facto, e em síntese, à luz das considerações atrás referidas e do disposto nos artigos 70º CPA e 254º CPC, terá que considerar-se como válida a notificação assinada pelo marido da autora, e assim há muito ultrapassado o prazo para a impugnação do acto sub judice. Aliás, era desconhecido dos autos o paradeiro da autora na Suíça, não tendo ela o cuidado de o fornecer quando efectuou a sua pronúncia prévia, mantendo como local de notificação o que havia declarado no requerimento inicial, tendo pois que se considerar que este foi o domicilio por si escolhido para receber as notificações.
Para além de que a autora já havia recebido uma outra notificação – a referida no probatório para exercício de audiência prévia nos mesmos moldes [a si dirigida e assinada pelo seu marido] - e como consequência dela exerceu no procedimento administrativo a referida diligência.
[…]
Nada há a opor a esta argumentação da sentença, aliás, nem a própria recorrente verdadeiramente se lhe opõe.
Ela insiste é numa outra perspectiva, a de que o SEF sabia bem que ela estava a viver na Suiça e que o seu marido não demonstrava qualquer interesse na defesa da sua pretensão, de modo que deveria ter concluído que a notificação não ia chegar ao destino, e deveria, porque tal não lhe era impossível, diligenciar por obter a sua morada na Suiça.
Mas não tem razão.
A recorrente está a atribuir ao SEF ónus que não pode deixar de ser seu. Efectivamente, ela própria informou, e reiterou, no processo administrativo, qual a sua direcção, e manteve-a mesmo quando era já conhecido que estava a viver na Suiça.
Apesar deste dado novo, nada a impedia de continuar a eleger a morada portuguesa como sua residência, nomeadamente para efeitos notificativos. Nesse sentido ia, até, o seu comportamento anterior, já que aí tinha sido efectivamente notificada do projecto de decisão.
Era à recorrente, pois, que incumbia alterar a sua residência no processo administrativo, esse ónus era seu. E na medida em que não o fez, não poderá agora usar a sua omissão para exigir ao SEF uma actividade de investigação visando notificá-la na Suiça.
Sucumbindo esta argumentação da recorrente, permanece válida a tese defendida na sentença recorrida, segundo a qual a notificação da recorrente se operou em 04.08.2008, sendo que a mesma não viola nem o prazo de caducidade [58º nº2 alínea b) do CPTA], nem o seu modo de contagem [59º nº1 e nº3 alínea c) CPTA], nem qualquer outra norma invocada pela recorrente, e muito menos o princípio da igualdade [13º da CRP] ou o direito de expressão e informação [37º da CRP].
Deverá, assim, e sem mais, ser negado provimento ao recurso.
Decisão
Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência, negar provimento ao recurso jurisdicional, e manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente - artigos 446º do CPC, 189º do CPTA, 7º nº2 e 12º nº2 do RCP e Tabela I-B a ela anexa.
D.N.
Porto, 21.10.2011
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Ass. João Beato Oliveira Sousa