Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00265/09.2BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/17/2015
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:SUBSÍDIO. PESCA. AJUDA AO REPORTE.
Sumário:I) - A ajuda ao reporte para determinados produtos da pescas é uma das intervenções previstas no Regulamento (CE) n.º 104/2000, do Conselho, de 17 de Dezembro de 1999, a que deu execução o Regulamento (CE) n.º 2814/2000, da Comissão, de 21 de Dezembro de 2000
II) - O art.º 6º, nº 1, deste último, que prevê a instituição, pelos Estados-membros, de um sistema de controlo da ajuda, não comina uma actividade por via legislativa, que se possa ter como omissa.
III) - Não prejudica, pois, aplicação do Regulamento nº 150/2001, da Comissão, de 25 de Janeiro de 2001, que estabelece o regime sancionatório sectorial, prevendo, entre o mais, a retenção de toda a ajuda em caso de irregularidade por negligência grave, podendo ser feita reposição do já adiantado por execução da garantia prestada.
IV) – A rastreabilidade nas operações de reporte é essencial à ajuda, pois para seu benefício impõe-se que se possa aferir da reintrodução dos produtos no mercado em conformidade com as disposições em vigor em cada Estado-Membro em matéria de comercialização dos produtos destinados ao consumo humano.
V) – A responsabilidade de uma Organização de Produtores estende-se aos actos e omissões de terceiros auxiliares ou co-contratantes*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Instituto de Financiammento da Agricultura e Pescas, IP
Recorrido 1:Cooperativa de Produtores de Peixa do CL, CRL
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Cooperativa de Produtores de PCL, CRL. (R…), e Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP, I.P. – R….), interpõem recurso jurisdicional de decisão do TAF de Coimbra, que julgou parcialmente procedente acção administrativa especial intentada por aquela primeira.
O réu colocou em crise o decidido, interpondo recurso no qual formula as seguintes conclusões:

A. A Centro Litoral apresentou pedido de ajuda ao Prémio ao Reporte, campanha de 2007, para 175 lotes. A ação de fiscalização da DGPA apurou que não era possível verificar os requisitos de elegibilidade material da ajuda.

B. O fundamento do acto não residiu, assim, em não terem sido cumpridos os requisitos da ajuda mas, diversamente, na sua inverificabilidade – que o tribunal deu como provada.

C. A sanção aplicada à OP – não pagamento da totalidade da ajuda –fundou-se no n.º 4 do art. 3º do Reg. 150/2001, o qual exige a verificação de uma irregularidade causada por negligência grave na conduta da OP para aplicação da sanção nele prevista.

D. O Acórdão recorrido entendeu não subscrever o juízo jurídico de negligência grave aplicado à conduta da OP alicerçando o sentido da sua decisão no entendimento de que o artigo 6° n° 1 do Regulamento 2814/2000 impõe aos Estados legislarem, por modo a delimitar concretamente os deveres das OPs em matéria de documentação a criar, obter e manter e que esse regime legal nunca foi instituído.

E. Desta forma, concluiu que não se pode dizer que a OP tenha violado normas imperativas especificamente dirigidas ao rastreio dos produtos objeto da sua atividade de reporte.

F. Ou seja, o tribunal a quo, veio a formular o juízo de que, a falta de apresentação, culposa, por parte de OP, de documentação que ateste o cumprimento do requisitos da ajuda, associada ao facto de não existir legislação que imponha, concretamente, quais os deveres gerais em matéria documentação a criar, obter e manter levou a que o tribunal concluísse que a atuação da OP não possa ser qualificada como praticada com negligência grave.

G. As razões da discordância para com o Acórdão recorrido prendem-se, assim, unicamente com o juízo, expresso de pgs. 21 a 23 do Acórdão, de que o acto viola o artigo 3º do Regº (CE) nº 150/2001 da Comissão por falta de apreciação de elementos de culpa, dolosa ou negligente.

H. O artigo 6° n° 1 do Regulamento 2814/2000 não impõe aos Estados Membros a obrigação de instituírem «legislativamente um regime de controlo dos pedidos de ajuda, enfim de rastreabilidade dos produtos objecto de reporte em vista de um pedido de ajuda ao reporte de pescado».

I. Tal resulta, desde logo, da simples leitura do texto do Regulamento na língua inglesa onde, na parte em apreciação, se dispõe Member States shall establish a monitoring system. Ou seja, numa tradução à letra “os estados membros deverão estabelecer um sistema de monitorização”. A opção pela utilização da expressa ‘sistema’ ao invés de ‘regime’ teria sido preferível na versão portuguesa para melhor se compreender que o legislador comunitário não pretendia impor a criação de um quadro legal nacional, mas apenas a criação, por banda das autoridades administrativas nacionais, de directrizes/procedimentos que regessem a sua conduta quanto à forma, momento e selecção dos particulares a controlar.

J. O Regulamento distingue-se da Directiva por ter “carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros” (artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)). Ou seja, tem a natureza típica dos actos legislativos que se traduz nas características da generalidade e abstracção.

K. Diversamente, a Directiva “vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios”. Ou seja, diversamente dos Regulamentos, apenas vincula os Estados-Membros.

L. No caso concreto, acaso o legislador comunitário quisesse impor aos Estados a obrigação de legislarem em determinado sentido, ter-se-ia socorrido da Directiva e não do Regulamento. Com efeito, se o legislador comunitário, efectivamente, tivesse imposto aos Estados uma tal obrigação o Regulamento perderia as suas características de generalidade e abstração: (i) passaria a ser dirigido a um destinatário concreto e (ii) destinar-se-ia a regular um caso concreto. Teria, em suma, violado o art. 288º do TFUE.

M. Como em qualquer norma de direito administrativo, o legislador comunitário apenas pretendeu, com a norma do artigo 6° n° 1 do Regulamento 2814/2000, regular a conduta dos órgãos da Administração Pública impondo-lhes uma determinada obrigação. Neste caso, a de instituírem directrizes e procedimentos que regulem a sua conduta nas acções de controlo e fiscalização.

N. Diversamente do juízo formulado na decisão jurisdicional recorrida, a obrigação prescrita pelo artigo 6° n° 1 do Regulamento 2814/2000 foi cumprida com a criação das normas internas de procedimentos da DGPA.

O. A conduta da Recorrida não pode senão ser qualificada como negligência grave.

P. Concorda-se com a decisão recorrida - que nessa parte não merece censura – na parte em que julga culposa a conduta da Autora.

Q. Concretamente na parte em que ali se formula o juízo de que «à Autora incumbia de provar os pressupostos de toda a extensão do pedido de pagamento que apresentou, donde resulta que lhe é imputável não ter apresentado toda a documentação necessária à verificação a que se refere o artigo 7º n.º 1 do Regulamento vindo a ser citado [Reg. 2814/2000]».

R. Bem como, na parte em que é analisado o juízo do Réu sobre a culpa da autora, onde se fez constar «esta não ter assegurado, como se entende que lhe competia, a verificabilidade da elegibilidade de todas as operações de reporte objecto do pedido de ajuda.» Prosseguindo, «a prova dessa inverificabilidade era (no procedimento) ónus do Requerido, segundo o art. 87º 1 do CPC e as regras gerais do ónus da prova (Cf.... Artigo 342º nº 2 do CC). Até se admite que o Réu a fez no procedimento, atento o PA e os termos da proposta final de decisão, homologada no despacho em crise.»

S. É objectivo da ajuda ao reporte a estabilização de preços de mercado. Para o efeito, é retirado produto do mercado que, após determinado período de tempo em que está armazenado em condições que assegurem a sua qualidade, reintroduzido no mercado.

T. Se as duas condições de tempo (período de retirada do mercado) e qualidade (condições de armazenagem) não podem ser determinadas, estará gorado todo o objectivo da ajuda uma vez que o produto poderia ser introduzido de imediato no mercado com o inevitável reflexo na formação dos preços.

U. É, por tanto, imperativo que seja o beneficiário da ajuda a demonstrar que reúne as condições de acesso à mesma.

V. O Regulamento (CE) n.° 2814/2000 da Comissão, de 21 de Dezembro, que executa o Regulamento (CE) n.° 104/2000 do Conselho, de 17 de Dezembro de 1999, no respeitante à concessão da ajuda ao reporte para determinados produtos da pesca, estabelece as condições em que os produtos beneficiarão da ajuda ao reporte, em particular o seu artigo 3º.

W. Relativamente ao período mínimo de armazenagem, o n° 3 do artigo 6° do Regulamento (CE) n° 2814/2000 estipula que as organizações de produtores velarão pela manutenção de uma contabilidade de existências de cada categoria de produtos a contar do início da sua armazenam X. Sem verificação pela autoridade competente do Estado-Membro, a ajuda ao reporte não poderá ser paga à organização de produtores interessada, por força do disposto no artigo 7º, n.º 1, do mesmo Regulamento.

Y. Se se verifica, em sede de controlo, que as quantidades de pescado não foram quer transformadas e armazenadas quer conservadas e seguidamente reintroduzidas no mercado, em conformidade com o citado regulamento, a ajuda não pode ser paga.

Z. Na verdade, relativamente ao período mínimo de armazenagem (pelo menos cinco dias a contar da data em que a transformação dos produtos foi completada), a Autora admite que a contabilidade de existências dos produtos que colocou sob regime de reporte, em armazém “não prova o cumprimento” do referido período - o que contraria o disposto no n.º 2 do artigo 6.º do Regulamento (CE) n.º 2814/2008.

AA. Ao admitir que a contabilidade de existências não prova o cumprimento do período mínimo de armazenagem dos produtos sob reporte, facto constatado pela DGPA em sede de acção de fiscalização, a Autora vem inviabilizar, de forma objectiva, o pagamento da ajuda por parte do IFAP, atento o incumprimento deste requisito (Cf...r. o disposto no n.º 1, do artigo 7.º do Regulamento (CE) n.º 2814/2000.

BB. Consta do relatório da acção de fiscalização efectuada pela DGPA que foram detectadas irregularidades, designadamente, a falta de conformidade entre elementos apresentados pela Autora e os elementos disponibilizados pelos responsáveis dos estabelecimentos onde foram realizadas operações de transformação e de armazenagem do pescado sob regime de reporte, em especial quanto à identificação dos lotes e às quantidades envolvidas. E, no que concerne ao teor dos relatórios de armazenagem elaborados pelos funcionários do organismo competente para o controlo do primeiro nível, apurou-se não existirem documentos de suporte do conteúdo daqueles relatórios.

CC. Foram solicitados à Autora a apresentação dos comprovativos que permitissem sanar aquelas irregularidades – o que não sucedeu.

DD. Ora, de todo o exposto resulta claramente que, competia à Autora velar pela manutenção de uma contabilidade de existências para cada categoria de produtos, a contar do início da sua armazenagem, designadamente, no domínio da comprovação do período mínimo de armazenagem dos produtos sujeitos a reporte e da temperatura de conservação dos mesmos.

EE. Quanto mais não seja por ser do conhecimento da Autora que a referida contabilidade de existências deve encontrar-se disponível para verificação ulterior dos requisitos de elegibilidade do direito à ajuda nos termos da Declaração constante dos pedidos/pagamentos submetidos.

FF. Assim sendo, sustentar a não obrigação de centralização da documentação da rastreabilidade pelas organizações de produtores, ressalvado o devido respeito, é uma interpretação que carece, em absoluto, de qualquer alicerce nos textos legais aplicáveis.

GG. Por conseguinte, a conduta da Centro Litoral de, culposamente, não conservar documentação apta a demonstrar o cumprimento dos requisitos da ajuda ao reporte da sardinha, impossibilitando a verificação dos requisitos de elegibilidade material da ajuda, constitui negligência grave para o efeito da aplicação da sanção do n.º 4 do art. 3º do Reg. 150/2001

HH. No âmbito do presente recurso questiona-se a interpretação de preceitos da autoria do legislador comunitário por conseguinte, tendo em vista a boa decisão da causa e a aplicação uniforme do Direito Comunitário, é manifesto o interesse de uma pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia, em sede de reenvio prejudicial, nos termos do art. 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, no sentido do esclarecimento das seguintes questões:

1. O artigo 6° n° 1 do Regulamento 2814/2000 impõe aos Estados Membros a obrigação de legislarem, por modo a delimitar concretamente os deveres das Organização de Produtores em matéria de documentação a criar, obter e manter? Ou, por outro lado, apenas obrigam as Administrações Nacionais a instituírem directrizes e procedimentos que regulem a sua conduta nas acções de controlo e fiscalização?

2. Na ajuda ao Prémio ao Reporte, instituída pelo art. 23º do Regulamento n.º 104/2000 do Conselho de 17 de Dezembro de 1999 e regulamentada pelo Regulamento (CE) n.º 2814/2000 da Comissão de 21 de Dezembro de 2000, a impossibilidade de verificar os requisitos de elegibilidade material da ajuda, em ação de fiscalização realizada pelos Autoridades Portuguesas, por comportamento culposo da Organização de Produtores consubstanciado na não conservação de documentação apta a demonstrar o cumprimento dos requisitos da ajuda ao reporte da sardinha, constitui negligência grave para o efeito da aplicação da sanção do n.º 4 do art. 3º do Reg. 150/2001?


Contra-alegou a autora, pugnando pela improcedência das questões colocadas neste recurso.

Também a autora recorreu, ofereceu em conclusões - pedindo a revogação do Acórdão recorrido na parte impugnada e a condenação do IFAP no pagamento total do prémio de ajuda ao reporte relativo à campanha de 2007, nos termos constantes da p. i.. -, o seguinte:

1. O presente Recurso tem por objeto o Acórdão de 07.10.2014, na parte em que julgou a acção improcedente, ou seja, no respeitante ao pedido de condenação do R. IFAP, IP, no pagamento do diferencial do prémio de apoio ao reporte referente à campanha de 2007, no montante de € 154.249,03, considerando o valor total do prémio [€ 222.054,08] descontado do adiantamento [€ 67.805,05] a que se reporta a parte condenatória da sentença.

2. Para chegar à decisão impugnanda, o Tribunal fez um decisivo juízo preliminar no sentido de que não fora concluído o procedimento administrativo de ajuda ao reporte relativo à campanha de pesca de 2007 e que, considerando o tipo de procedimento administrativo referenciado nos autos, houvesse decisão material, violar-se-ia o princípio da separação de poderes.
3. Tais juízo e decisão, salvo melhor opinião, não assenta em qualquer pressuposto de facto constante dos autos e partem de uma premissa errada que não resulta do factuallsmo constante nos autos, nomeadamente do artigo 11.º da primeira contestação do R. IFAP, IP, dos artigos 43º.º a 45.º da sua segunda contestação, dos pontos 14 a 19 da matéria de fato dada como assente, de onde resulta inelutavelmente que foi concluído o procedimento administrativo com acto expresso de Indeferimento da pretensão da interessada.

4. Aliás, num outro segmento da sentença, a fls. 13 e 14, relativo à parte que foi julgada procedente, o próprio Tribunal reconhece que o procedimento administrativo findou e culminou com prática de acto de indeferimento do pedido de pagamento do prémio relativo à Campanha de 2007.

S. Não se compreende como pode o Tribunal julgar num determinado segmento com base na existência de um acto administrativo de indeferimento e posteriormente, noutro segmento decisório vir dizer que, afinal, tal acto não chegara a ser praticado.

6. A contradição entre os juízos preliminares à decisão final quanto à existência ou não de acto administrativo de indeferimento gera obscuridade e ambiguidade e poderia gerar a nulidade parcial da sentença quanto ao segmento que se impugna com o presente recurso, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, c), do CPC, não fosse poder destacar-se tal segmento decisório e, nessa medida, ser inteligível o percurso lógico percorrido pelo Tribunal.

7. Neste específico contexto, entende a recorrente que o Tribunal, ao declarar que não foi praticado acto administrativo de indeferimento da pretensão da interessada ora recorrente, cometeu erro de julgamento, impondo os factos 14 a 19 da matéria dada como assente que se considerasse que tal acto administrativo fora praticado, tal como previamente se reconhecera na própria sentença.

8. De qualquer modo, sempre o discurso fundamentante e decisório do Tribunal olvida que para que se possa lançar da acção especial para a prática de acto devido não é necessário que tenha sido praticado acto administrativo prévio, em clara violação do disposto nos artigos 66., n.º 1, e 67.º, n,º 1, a), do CPTA.

9. O processo administrativo não é hoje meramente cassatório, mas um processo de plena jurisdição, pelo que tem sempre de culminar, se procedente atenta a razão de fundo da pretensão do interessado, com uma sentença de condenaçáo à prática de um acto administrativo.

10. O Tribunal desviou-se do propósito do legislador ao prever a acção administrativa especial tendente à condenação à prática de acto devido que é a de aferir a pretensão do interessado, violando o disposto no artigo 71., n.º 1, do CPTA.

11. O Tribunal pode e deve sempre fazer, sob pena de non Iiquet, proceder a um exame externo e negativo da actividade da Administração, especialmente quando estão em causa poderes vinculados desta. Com efeito, no caso dos autos, saber se existe ou não rastreabilidade do pescado não implica a formulação de juízos valorativos próprios e exclusivos da Administração visto que não estamos perante normas que concedam poderes discricionários ou que permitam mais do que uma solução como legalmente possível (Cf...r. Artigo 71., n.º 2, do CPTA).

12. Na legislação ou regulamentação referente ao caso dos autos não se utilizam conceitos indeterminados, não há indeterminação estrutural das normas, não há propriamente juízos técnicos, estando apenas em causa verificar se o produto introduzido no mercado apresentava documentalmente um traço de rastreabilidade e de temporalidade quanto a prazos de congelação ou outros; por outro lado, saber se existiram irregularidades por falta de rastreabilidade na ordem dos 5% ou outra ordem de valores depende apenas de cálculo matemático e não de juízos técnicos e valorativos da Administração Pública.

13. Mas mesmo que a pronúncia do Tribunal pudesse afectar a reserva da função administrativa por estar em causa o exercício de poderes discricionários, ainda assim aquele teria de actuar e de decidir ao abrigo do n.º 2 do artigo 71.º do CPTA, explicitando as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido.

14. Assim, o Tribunal, atenta a matéria factual e os documentos de suporte que a ora Recorrente carreou para os autos, poderia e deveria ter apreciado materialmente a sua pretensão, ou seja, nunca poderia deixar de se pronunciar como fez ilegalmente na sentença.

15. Sucede que, por ter ilegalmente decidido a montante que não se poderia pronunciar sobre a questão da rastreabilidade, o Tribunal nem tomou qualquer decisão sobre a matéria de facto relativamente a tal matéria, especialmente a constante dos artigos 133.º a 144.º da p.i., pelo que ocorreu omissão de pronúncia no que àquela respeita, dado o seu carácter essencial para a decisão da causa.

16. A nulidade em causa é suprível, atenta a documentação junta pelo A. na sua p.i. e no requerimento de 16.11.2011, em apoio ao alegado nos artigos 133º a 144.º da p.i..

17. Os documentos em causa não foram impugnados quanto à sua genuinidade nem quanto à sua autenticidade pela R., não tendo sido produzido qualquer elemento probatório em sentido contrário à realidade por eles retratada.

18. Assim, deverá ser declarada a nulidade nesta parte da sentença assinalada e, atentos os poderes cognitivos, substitutivos e de reapreciação deste Tribunal de 2.ª instância, ser aditada à declarada na sentença a matéria factual constante dos identificados artigos 133º a 144.º da p. i.. que aqui se dão por integralmente reproduzidas, por economia de meios, dada a sua extensão.

19. Não é relevante, por não acarretar a legalidade do comportamento do Recorrido, a questão de a ora Recorrente não ter logrado juntar os documentos a que se referem os artigos 133.º a 144.º da p.i. em sede de audiência dos interessados.

20. Existe omissão legislativa por parte do Estado Português no que toca à instituição de mecanismos de controlo concreto relativos ao reporte, não se prevendo em qualquer preceito normativo que as organizações de produtores tenham de centralizar e guardar toda a documentação atinente aos requisitos da concessão do prémio de reporte.

21. A Recorrente apenas juntou aos autos normas de procedimento que constituem mero regulamento interno, logo não eficaz para destinatários que não a própria Administração Pública; ainda assim, a Recorrente juntou em sede procedimento administrativo todos os documentos ali exigidos, cumprindo todas as exigências constantes das normas de procedimentos em causa, designadamente no seu ponto 5.1..

22. O Recorrido funda a não elegibilidade da Recorrente para receber o prémio de reporte em preceitos normativos não aplicáveis ao caso dos autos, mas relativos à rastreabilidade para garantia de informação a prestar a consumidores finais que nem sequer constam das Normas de Procedimento juntas por si.

23. O Regulamento (CE) n.º 178/2002 não disciplina a rastreabilidade de géneros alimentícios para efeitos de reporte, mas para efeitos de se garantir um elevado nível de protecção da saúde humana e dos interesses dos consumidores em relação àqueles géneros; o que se visa naquele diploma é que se possa identificar a proveniência do género e de todos os operadores que o trataram, impondo-se apenas que um determinado operador possa identificar o seu fornecedor e/ou aquele a quem forneceu produtos;

24. Nunca se mencionando nesse regulamento a rastreabilidade para efeitos de controlo de prazos de congelação, de armazenagem e de introdução no mercado, como impõe a normatividade relativa ao reporte; ou seja, estamos perante outro tipo de rastreabilidade.

25. O Regulamento (CE) n.º 2065/2001 estabelece as regras respeitantes à informação do consumidor no sector dos produtos da pesca e da aquicultura, não impondo normas relativas a rastreabilidade do produto quanto ao seu prazo de congelação, de armazenagem e de introdução no mercado para efeito de ajuda ao reporte;

26. Ainda assim, o que por este regulamento é imposto em matéria de rastreio é apenas o seguinte: "As informações exigidas, relativas à denominação comercial, ao método de produção e à zona de captura, devem estar disponíveis em cada fase da comercialização da espécie em causa. Tais informações, assim como o nome científico da espécie em causa, devem ser dadas pela rotulagem ou embalagem do produto ou por qualquer outro documento comercial de acompanhamento da mercadoria, incluindo a factura", o que parece ser manifestamente inaplicável ao caso dos autos, estando a jusante destes;

27. O Decreto-Lei n.º 134/2002, de 14 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 243/2003, de 7 de Outubro é, pelo menos no conhecimento da A., o único diploma legislativo em que a ordem jurídica portuguesa estabelece regras de execução ao nível interno do Regulamento n.º 104/2000; tal diploma não visa o estabelecimento de regras para todo o domínio do Regulamento (CE) n.º 104/2000, mas apenas para o previsto no Regulamento (CE) n.º 2065/2001, ou seja, para efeito de rastreabilidade e controlo das exigências de informação ao consumidor a que está sujeita a venda a retalho dos produtos da pesca e da aquicultura; nele se prevê apenas : Artigo 5.º, n.º 1,- "Em todas as fases do circuito comercial devem os operadores poder provar, no momento da inspecção por parte das entidades fiscalizadoras, pelo menos, a proveniência imediatamente anterior"; Artigo 5.º-A - "Os operadores que procedem à introdução dos produtos no mercado nacional [ou seja, os importadores] são responsáveis por assegurar o cumprimento das exigências de informação previstas no presente diploma, bem como a conformidade dessa informação"; Artigo 5.9-B - "1 - Todos os operadores envolvidos no circuito de comercialização de pescado são obrigados a manter um registo actualizado, em suporte documental ou informático, de entradas e saídas de produtos da pesca e da aquicultura, de modo a assegurar a veracidade da informação a que se reporta o presente diploma, bem como da proveniência imediatamente anterior.".

28. Nenhuma da informação cuja rastreabilidade se visa garantir neste diploma diz respeito aos requisitos temporais de congelação, armazenagem e de introdução no mercado relativos ao reporte; com efeito, a informação prevista no diploma apenas respeita à protecção ao consumidor e só essa é que, por força dele, tem de ser rastreável.

29. Apesar de afirmar que o prémio não foi pago por não se ter encontrado documentação comprovativa das declarações da Recorrida., o Recorrente acaba por entender, apesar de nenhuma das normas que identificou o prever, que a A. tem o dever de centralizar e de disponibilizar toda a informação relativa à "rastreabilidade" para efeitos de reporte, sejam seus os documentos em causa ou sejam documentos comerciais Internos das empresas de congelação. O que é contraditório: se não tem necessidade de centralizar essa informação relativa às empresas transformadoras, terceiras, não pode a A. controlar o movimento interno destas.

30. A partir do momento em que o pescado entra no circuito da empresa transformadora, a rastreabilidade tem de ser conseguida com recurso àquela e não apenas aos meios da A., donde resulta a decisiva importância do princípio do inquisitório no presente caso, violado pelo R.

31. Aliás, como se reconhece no despacho que antecede e como resulta do processo administrativo, a DGAP procurou obter junto das entidades terceiras a Informação em falta. Se tais entidades a tivessem fornecido, o prémio seria pago; como não foi, o prémio não foi pago; falamos sempre de actividades relativamente às quais a A. não tem nem pode ter o domínio do facto.

32. Note-se que, mesmo sem os poderes de autoridade do Ministério, a A. conseguiu obter a grande maioria dos documentos em falta e juntou-os com os seus articulados aos presentes autos, o que só comprova a deficiente execução da actividade de fiscalização do Ministério redundando em prejuízo da A. que nem pôde comercializar o pescado por imposição comunitária e legal nem pôde ser compensada pelo recebimento do prémio.

33. É que a instituição de quotas e a proibição de Introduzir o pescado no mercado constitui uma restrição aos princípios constitucionais da livre iniciativa económica e ao direito de propriedade, devendo, por isso, ser interpretada restritivamente e impondo-se especiais deveres de cuidado e de fundamentação à Administração, especialmente quando agiu exercendo poderes sancionatórios.

34. Garantido pelos serviços desconcentrados do R. Ministério o controlo físico e documental da rastreabilidade para efeitos de reporte, um segundo controlo de carácter meramente documental não tem obrigatoriamente de estar centralizado nela, principalmente quando correspondem a movimentos internos de outras empresas, cabendo ao Ministério e ao R., depois de se verificar que a A. cumpriu o ponto 5.1. das Normas de Procedimentos - como efectivamente o fez -, que tais empresas detinham a informação.

35. Sendo ainda relevantíssimo o facto de as empresas de congelação e de armazenagem do pescado serem também normalmente as compradoras do mesmo, quando da introdução no circuito comercial, sendo, pois, a A. fornecedora daquelas.

36. Nessa medida, as ditas empresas passam a ser operadores sobre os quais impendem as obrigações de rastreabilidade de garantia de qualidade e de identificação do pescado a que aludem os Regulamentos acima identificados que o R. pensava ser aplicáveis à A..

37. O que significa que, num segundo controlo, tendo já sido atestado também documentalmente no primeiro controlo a "rastreabiliclade" para efeitos de reporte, os R. não podiam deixar de conhecer a localização dos documentos respectivos e de saber que a obrigação de os manter era das empresas de congelação e de armazenagem, operadoras económicas no circuito alimentar, não existindo base legal para impor à A. o ónus jurídico de os manter.

38. O Ministério e o R. têm ou não podiam deixar de ter em seu poder - caso exercessem os poderes de inquisitório e de fiscalização que detém - o lastro documental, certificado pelos funcionários da direcção regional competente, da rastreabilidade do pescado nas relações da A. com os operadores transformadores com quem directamente contratam. Da conjugação desse mostruário com os documentos emitidos ou recepcionados pela A. nas transacções directa e com os documentos exigidos pelo ponto 5.1. das Normas de Procedimento, é possível proceder ao reexame de todo o itinerário do pescado que foi sujeito a retirada.

39. As autoridades administrativas intervenientes no procedimento que culminou com a decisão do R. não quiseram, porém, investigar e inquirir matéria que integrava já a sua própria esfera jurídica.

40. Ao contrário do que afirma o R., não está em causa nos autos apenas a aferição e elegibilidade no recebimento do prémio de reporte, visto que, atento o teor do artigo 3.9 do Regulamento (CE) n.e 150/2001, de 25 de Janeiro de 2001, o acto praticado tem os contornos de verdadeira sanção, determinando-se a redução do montante da ajuda por referência a irregularidades não só em termos quantitativos mas também por análise de comportamentos subjectivos em sede de dolo ou de mera culpa.

41. O que não foi analisado no caso dos autos, nem quanto à percentagem das irregularidades nem quanto à matriz subjectiva identificada, pelo que, para além dos vícios formais indicados na p. I. e que aqui se dão por reproduzidos, acarreta para o caso concreto especiais deveres de investigação oficiosa, de respeito pelo princípio da confiança e de fundamentação do acto, considerando até, existissem irregularidades, a graduação da retenção da ajuda anual. Tal matéria foi, porém, desprezada pelo R., em clara violação dos preceitos normativos identificados.

42. Não se pode aceitar o entendimento minimalista quanto ao princípio do inquisitório e maximalista do ónus da prova pelo interessado quanto aos factos atinentes à sua pretensão. Não só por se estar perante uma sanção, invertendo-se tais ónus, mas também porque mesmo nos casos de procedimentos em que é o interessado quem os impulsiona visando a prática de acto positivo favorável, o princípio do inquisitório tem de ser solidamente exercitado e respeitado considerando os princípios gerais de respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, a sua compatibilização com o respeito pelo interesse público e a colaboração entre a Administração e os particulares

43. O que mais importante se revela no presente caso em que nenhum preceito normativo explicita e determina o concreto comportamento das organizações de produtores e/ou de terceiros colaboradores no processo de rastreio, impondo-se comportamento clarificador e seguro - que não houve- por parte da DGPA e do Recorrido.

44. O inquisitório tem a ver com os poderes (-deveres) de a Administração proceder às investigações necessárias ao conhecimento dos factos essenciais ou determinantes para a decisão, exigindo-se dela (ou imputando-lhe a responsabilidade correspondente) a descoberta e ponderação de todas as dimensões de interesses públicos e privados que se liguem com a decisão a produzir. O princípio liga-se, nesta vertente, às ideias de completude instrutória ou de máxima aquisição de (factos e) interesses, cuja inobservância pode implicar ilegalidade do acto final do procedimento, por deficit de instrução, ilegalidade cujo fundamento se encontra, desde logo no artigo 91.º, n.º 2, e nos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público - que obrigam a Administração a verificar a ocorrência dos pressupostos do acto a produzir -, bem como nas exigências inerentes ao princípio da imparcialidade.

45. A intensidade deste dever revela-se bem no facto de ele não ficar prejudicado nem relativamente aos factos que o interessado não tenha alegado para sustentação da sua posição procedimental (ver, artigo 88.º, n. 1) nem, mesmo, perante a sua eventual falta de colaboração na respectiva prova (artigo 91., n.º 2).

46. Quanto à compatibilização entre o ónus da prova a cargo dos interessados e o princípio do inquisitório, deve entender-se com Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, comentando o artigo 88.º do CPA, que o dever de prova na instrução do procedimento recai sobre o órgão administrativo competente: é esse, aliás, o entendimento do STA, para quem "só em princípio incumbe ao interessado a prova dos factos, constitutivos dos direito ou do interesse, Invocados porquanto cabe a Administração um papel dinâmico na recolha dos elementos relevantes.." (Acordão de 1811.88, in AD STA, 323). É que o princípio do inquisitório determina a obrigação, para o órgão administrativo, de proceder a todas as investigações que repute necessárias para encontrar as bases da sua decisão, não podendo, portanto, a Administração, salvo se tiver procedido a todas as diligências possíveis e razoáveis, refugiar-se na falta de cumprimento pelo interessado do ónus de prova que sobre ele impende, para dar um eventual conteúdo desfavorável à decisão, como uma espécie de sanção que indefira a pretensão do interessado, por este não ter cumprido esse seu ónus".

47. Em face do disposto no artigo 91., n.º 2, do CPA, tal solução mantém-se mesmo na falta de apresentação de provas pelo interessado ao longo do procedimento depois de interpelação para o efeito.

48. Tivessem a DGPA e o recorrido IFAP, IP, exercido os poderes de inquisitório de que dispunham numa matéria em que estes mais se fazem sentir, por ser também sancionatória, quando tinha já sido feita inspeção in loco pelo Ministério quando da congelação, assim constatando que o pescado era efectivamente retirado do mercado e destinado a congelação aí vista como regular e por existir omissão legislativa quanto às regras de controlo e de rastreabilidade, teria certamente obtido os documentos que a ora Recorrente juntou na p.i. e no requerimento de 16.11.2011.

49. Dos referidos documentos resulta cristalinamente o destino dos lotes retirados e os termos da mesma retirada, como se demonstrou na p. i. e a "rastreabilidade" ilegalmente considerada perdida por DGPA e Recorrido.

50. Da conjugação da clara violação do princípio do inquisitório pela DGPA e pelo Recorrido com os documentos juntos pela Recorrente em apoio dos artigos 133.º e ss. da p. I. resulta que não se verificou qualquer irregularidade na candidatura daquela ao prémio relativo à campanha de 2007, pelo que deve o Recorrido ser condenado no pagamento daquele, tal como peticionado na p. I.

51. Subsidiariamente, caso o Tribunal de Recurso entenda, atenta a nulidade arguida quanto à omissão de pronúncia relativa à matéria de facto respeitante aos artigos 133.º a 144.º da p.i.. ou caso se entenda que a referida matéria foi considerada não provada no Acórdão impugnado (o que apenas por mera cautela de patrocínio se alega) não obstante a prova documental junta com a p. i. e com o requerimento de 16.11.2011, sem que se tenha produzido qualquer elemento de prova em sentido contrário, que não está na posse dos elementos de facto necessários para exercer seus poderes substitutivos da decisão impugnada, deverá, ainda assim, o recurso proceder, ordenando-se a baixa do processo para produção de prova.

52. O Tribunal violou os preceitos normativos contidos nos artigos 61.º, n.º 3, 62.º, 266.º, n.ºs 1 e 2, e 268.º, n.º 4, da CRP, 23.º e 24.º do Regulamento (CE) n.º 104/2000, 3.º do Regulamento (CE) n.º 150/2001, 3º, 4º, 6.9 e 7.º do Regulamento (CE) n.º 2814/2000, 3.º, 4.º, 6.-A, 7.º, 56.º, 87.º, n.º 1, 88.º, n.º 1, 91.º, n.º 2, do CPA, 66., n.ºs 1 e 2, 67.º, n.º 1, 71.º, n.ºs 1 e 2, 95º, n.º 1, do CPTA e 615., n.9 1, d), do CPC.

Não foram oferecidas contra-alegações a este recurso.

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O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado para efeitos do art.º 146º do CPTA, nada deu em parecer.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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Os factos, que a decisão recorrida consignou como provados:
1°) - A Autora é uma cooperativa que tem por objecto social tomar as medidas próprias para assegurar a melhoria das condições de exercício de pesca, melhorar as condições de venda ou valorização dos produtos pescados pelos seus associados e, de uma forma geral tomar as medidas adequadas à melhoria do rendimento dos seus membros, designadamente: promover a aplicação de planos anuais de pesca; concentrar a oferta e regularizar os preços, intervindo neste caso ao nível da primeira venda; fixar, no estádio da primeira venda, regras comuns para venda, pelos associados, da respectiva produção, nomeadamente pela fixação de preços de retirada, pela conclusão de contratos de venda ou pela definição de regras de qualidade; constituição de stocks regularizadores, procedendo à respectiva comercialização por conta dos associados; levar a cabo acções de melhoramento em matéria de produção, descarga, colocação em venda e valorização de produtos bem como matéria de qualidade, classificação e método de controlo; gerir e desenvolver equilibradamente os fundos sociais (doc. n.° 1 da PI).
2°) - Nos termos da Declaração n.° 151/2000 da Direcção Geral das Pescas e Aquicultura (doravante DGPA), publicada no DR - II Série, n.° 115, de 18.05.2000, a Autora foi reconhecida como uma organização de produtores (OP), para efeitos dos artigos 5.° do Regulamento (CE) n.° 104/2000 de 17/12/99 e 2° do Regulamento (CE) n° 2814/2000 de 21/12.
3°) - Os sobreditos regulamentos prevêem e regulam o pagamento de ajudas ao "reporte" de pescado pelas organizações de produtores.
4°) - Trata-se de uma intervenção que consiste em retirar do mercado, transformar (não só mas também por congelamento), armazenar e reintroduzir no mesmo mercado, passado um determinado período cujo mínimo é normativamente fixado, o pescado capturado circunstancialmente em excesso pelos seus associados, de modo a sustentar os preços do pescado fresco.
5°) - Na prossecução do seu fim social a Autora dedica-se à efectuação de operações quejandas.
6°) - Dado que não tem meios próprios de congelamento e armazenamento, a Autora contrata empresas para esse efeito, vendendo-lhes o pescado transformado no final do período mínimo de armazenagem exigido naqueles diplomas para os seus associados poderem beneficiar do pagamento das ajudas.
7°) - Em 2008, relativamente à campanha de pesca de 2007, o Autor efectuou pedido de apoio ao reporte de 643 635 kg de sardinha no montante de 222 054,08 € (PA DGPA fs. 532).
8°) - Em 20/11/2007 a Autora apresentara na DGPA, para ser pago pelo Requerido, um pedido de adiantamento do pagamento da sobredita ajuda, no valor de 64 444,28 €, correspondentes a 186 795 Kg de sardinha (PA DGPA, fs. 520).
9°) - Mediante a prestação de uma garantia bancária (emitida a seu favor pela caixa de CAM do BM) no valor de 67 805,05 € - Cf.... artigo 8° do Regulamento (CE) n° 2814/2000, da Comissão - o Requerido entregou ao Autor, em 20/2/2008 o sobredito adiantamento. Fls. 519, 528 e 529 do PA DGPA.
10°) - O peso da sardinha referida em 7 supra foi calculado, pela Autora, com base na quantidade e num peso médio, dado a priori, dos cabazes da sardinha objecto de retirada, congelamento e armazenagem, operações que decorreram na presença de funcionários dos serviços regionais da DGPA, antes de 48h após a captura. Fs. 299 a 375 do PA DGPA e doc. n° 1 da contestação do Réu IFAP.
11º) - A DGPA, ao tempo dos factos acima descritos e desde 2001, para o acompanhamento e o controle dos pedidos de pagamento de ajuda ao reporte adoptara um conjunto de procedimentos gizados na Divisão de Mercados do seu Departamento da Indústria Transformadora e de Mercados, que designou "normas de procedimentos", a cópia de cuja descrição é doc. n° 1 da contestação do Réu IFAP e aqui se dá como reproduzida.
12º) - Procedendo uma fiscalização levada a cabo pela DGPA, em 26/9/2008, pelo oficio com a referência DGPA-S 10647/2008, a Autora foi notificada nos termos cuja cópia consta a fs. 689 a 696 do PA DGPA (e também no doc. 3 da PI) e que aqui se dá como reproduzida, dada a extensão da carta, transcrevendo-se apenas os seguintes excertos:
Assunto. Prémio de reporte respeitante à campanha de pesca 2007. Audiência prévia.
Nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 100° e 101° do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n° 442/91, de 15 de Novembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 6/96, de 31 de Janeiro, ficam V. Ex.as notificados pelo presente, de que constitui intenção da Direcção-Geral das Pescas e Aquicultura (DGPA) propor ao IFAP, o não pagamento do prémio de reporte relativo à campanha de pesca 2007 e, bem assim, a devolução de verbas já pagas ao mesmo título à Centro Litoral, OP, ao abrigo do disposto no n° 4 do artigo 30° do Regulamento (CE) n° 150/2001 da Comissão, de 25 de Janeiro de 2001 (que estabelece regras de execução do Regulamento (CE) n° 104/2000 do Conselho, de 17 de Dezembro de 1999) no que diz respeito ás sanções a aplicar às organizações de produtores no sector das pescas por irregularidades relativos aos mecanismos de intervenção) nos termos e pelos fundamentos seguintes:
1. Nos termos do disposto no n° 1 do artigo 6° do Regulamento (CE) n° 2814/2000 da Comissão, de 21 de Dezembro de 2000, que estabelece as regras de execução do Regulamento (CE) n° 104/2000 do Conselho, de 17 de Dezembro de 1999, no respeitante á concessão da ajuda ao reporte para determinados produtos da pesca, "os Estados-membros instituirão um regime de controlo que permita assegurar que os produtos em relação aos quais tiver sido solicitado a ajuda ao reporte têm o direito de beneficiar da mesma";
2. O sistema de controlo instituído internamente ao abrigo do transcrito normativo, tem de assegurar, de entre outras exigências que, os lotes de pescado retirados do mercado para efeitos da obtenção da ajuda ao reporte foram comprovadamente:
a) Submetidos nas 48 horas seguintes à sua retirada do mercado, a uma ou várias operações de transformação;
b) Armazenados, por um período não inferior a 5 dias a contar da data em que a transformação foi completada; e
c) Reintroduzidos no mercado, de acordo com as regras de comercialização dos produtos destinados ao consumo humano.
Assim, a organização de produtores interessada deve assegurar, junto das autoridades nacionais competentes, a rastreabilidade do pescado envolvido, ou seja, deve ter a capacidade de detectar a sua origem e de seguir o seu rasto, ao longo de todas as fases da produção, transformação e distribuição, para efeitos de apuramento da elegibilidade das respectivas quantidades.
3. Por seu lado, o n°1 do artigo 7° do citado Regulamento estabelece que, a ajuda ao reporte só será paga após a verificação pela autoridade competente, de que as quantidades em relação às quais é solicitada a ajuda, foram, quer transformadas e armazenadas, quer conservadas e seguidamente reintroduzidas no mercado, em conformidade com o mesmo regulamento;
4. Acontece que, em sede de inspecção levada a efeito pela DGPA, foi verificado através de documentos recolhidos que, nomeadamente para os lotes de sardinha que a seguir se identificam, incluídos na campanha de pesca 2007 para efeitos de pagamento de prémio de reporte apresentado por essa OP, existem contabilizações e registos incorrectos, bem como ausência de documentos, não conformidades que, nomeadamente, não permitem comprovar da rastreabilidade no sentido antes referido, e como a seguir se exemplificam.
(…)
- Mais ficam V. Ex.as notificados de que, dispõem do prazo de 10 dias úteis, contados da recepção do presente para, querendo, virem dizer por escrito o que se lhes oferecer, requerer diligências ou juntar documentos. Dentro do mesmo prazo, poderão consultar o processo, nas horas normais de expediente da DGPA, na Direcção de Serviços de Estruturas e Economia da Pesca/Divisão da Indústria Transformadora e Mercados.
13°) - A Autora apresentou na DGPA, em 20/10/2008, a sua pronúncia prévia, cujo original consta de fs. 697 a 711 do PA DGPA e cujo teor aqui se dá como reproduzido.
14°) - Sobre esta pronúncia recaiu a informação técnica n° 3853/2008 dos serviços da DGPA cujo teor, de fs . 709 a 733 do PA da DGPA, aqui se dá como reproduzido, transcrevendo apenas a proposta final de decisão a apresentar ao IFAP:
5 - PROPOSTA
- Pelo facto da Centro Litoral não ter assegurado a rastreabilidade do pescado sujeito a reporte;
- Pelo facto da Centro Litoral não ter comprovado o cumprimento de requisitos indispensáveis à elegibilidade do pescado, para efeitos da ajuda ao reporte, sobre os lotes em que recaiu a acção de fiscalização da DGPA;
- Pelo facto de se tratar de uma situação de incumprimento generalizada a todo o percurso do pescado envolvido;
- Pelo facto de ser impossível, por parte da DGPA, dar cumprimento ao previsto no artigo 7.° do Regulamento CE n.° 2814/2000, de 21 de Dezembro, quanto à verificação dos requisitos de elegibilidade ali definidos;
- Pelo facto de tal impossibilidade ser consequência de negligência grave da Centro Litoral;
- Pelo facto de se entender que as alegações apresentadas pela Centro Litoral não alteram o sentido de decisão desta Direcção-Geral expresso no oficio S/10647/2008, de 26 de Setembro, Submete-se à apreciação superior que seja proposto ao IFAP o não pagamento do prémio de reporte relativo à campanha de pesca de 2007 e, bem assim, a devolução das verbas já pagas ao mesmo título à Cooperativa de Produtores de PCL, CRL, num total de € 222.054,08 (duzentos e vinte e dois mil e cinquenta e quatro Euro e oito cêntimos), ao abrigo do disposto no n.° 4 do artigo 3.° do Regulamento (CE) n° 150/2001 da Comissão, de 25 de Janeiro, que estabelece regras de execução do Regulamento CE n.° 104/2000, de 17 de Dezembro de 1999, no que diz respeito às sanções a aplicar às organizações de produtores no sector das pescas por irregularidades relativas aos mecanismos de intervenção."
15°) - Sobre esta informação recaiu ainda o parecer da Srª Directora dos Serviços de Estruturas e Economia da Pesca, datado de 19/11/2008, cujo teor segue:
Concordo com o teor da presente informação que analisa de forma detalhada as alegações apresentadas pela Centro Litoral no âmbito da audiência prévia nos termos do CPA, referente ao relatório resultante de uma acção de controlo que incide sobre 27 dos 175 lotes que constituem um pedido de pagamento de ajuda ao reporte.
Em resultado dessa análise e, de forma muito sucinta, conclui-se o seguinte:
- Nos 27 casos analisados a Centro Litoral não comprovou o cumprimento do prazo máximo de congelação nem o período mínimo de armazenagem. Destes, em 15 situações não foram apresentados registos de entrada desses lotes nas empresas em causa. (Estão envolvidas a Cf......, a G... e Df......);
- Em 3 lotes as quantidades retiradas não correspondem as inscritas nos registos da empresa (Df......).
Nestes termos, consideramos que não há evidência de Centro Litoral ter assegurado a rastreabilidade dos lotes, e, por conseguinte o cumprimento dos requisitos indispensáveis para poder beneficiar do prémio de reporte, pelo que se considera ser de propor ao IFAP o não pagamento do prémio no valor de 222.054,08 euros relativo à campanha de 2007.
Caso seja essa a decisão superior haverá que proceder à recuperação do adiantamento já concedido, no montante de 64.444,28 euros, o qual está coberto por uma garantia bancária (n° 46352 da Caixa de CAM) que deverá ser accionada antes de 30 de Dezembro de 2008.
16°) - Sobre este parecer o Senhor Director Geral da DGPA exarou, manuscrito, em 5/12/2008, o seguinte despacho: "concordo com o proposto".
17°) - Pelo oficio com a referência "DGPA — 5/15842/2008 DE 11/12/2008" a Autora [claro erro de escrita a referência ao sujeito; como antecede, o ofício é da DGPA] remeteu ao Requerido IFAP os pedidos de pagamento e de adiantamento, a informação 3853/2008 e a garantia bancária acima referidos, mencionando o seguinte:
Nos termos do despacho do Director Geral das Pescas e Aquicultura, datado de 05.12.2008, recaído sobre a Inf.° DSE/DIM n.° 3853/2008, de 19.11.2008, propõe-se o não pagamento do prémio de reporte relativo à Campanha de Pesca de 2007 e bem assim a devolução das verbas já pagas ao mesmo título à Cooperativa de Produtores de PCL, C.R.L.
18°) - Em 18/12/2008 foi a Autora notificada da seguinte decisão de um vogal do conselho directivo do Réu, com a referência 2978/DAD/MIM/2008, cuja cópia integra folhas não numeradas do PA do IFAP:
ASSUNTO: Prémio ao Reporte
Campanha 2007 - Pedido Adiantado
Decisão de execução da garantia bancária prestada
Exm°s. Senhores,
Finda a fase de instrução no procedimento administrativo relativo ao assunto supra identificado, e com fundamento no art.° 103.° n.° 2 alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, cumpre tomar a decisão de execução da garantia bancária prestada por V. Exas, o que se faz, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. Em 20-09-2007 apresentaram V. Exas. na Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Centro (Delegação Regional de Aveiro) um pedido de pagamento adiantado relativo à Ajuda ao Reporte de Sardinha, o qual foi substituído em 22-11-2007 e definitivamente apresentado, de forma completa, em 21-12-2007. Com o referido pedido de pagamento apresentaram igualmente V. Exas., nos termos e de acordo com a legislação aplicável, a garantia bancária (GB) n.° 46352, da Caixa de CAM do BM, no valor de E 67.805,05 (sessenta e sete mil oitocentos e cinco euros e cinco cêntimos), correspondente a 105% do montante do pedido de adiantamento (E 64.444,28) em causa.
2. A 12-12-2008, veio a Direcção Geral das Pescas e Aquicultura (DGPA), após ouvir V. Exas., informar este Institutoo de que, de acordo com a acção de fiscalização efectuada, considera não ser devido o pagamento da Ajuda ao Reporte em questão (sardinha), devendo, em consequência, ser devolvida a verba adiantadamente paga por este Organismo ao abrigo do pedido apresentado por V. Exas. em 22-11-2007.
3. De acordo com a acção de fiscalização da DGPA, que recaiu sobre 27 dos 175 lotes que constituem o pedido de pagamento da ajuda ao reporte, verificaram-se as seguintes situações de incumprimento:
"a) Lotes 179/07, 180/07 e 181/07 - A Centro. Litoral não apresentou registos de entrada destes lotes nas instalações da C… e da G…, nem comprovou o cumprimento do prazo máximo de congelação e do período mínimo de armazenagem dos lotes;
b) Lotes 15/07, 19/07 e 197/07 - A Centro Litoral não apresentou registos de entrada de 4 destes lotes na G…, nem comprovou o cumprimento do prazo máximo de congelação e do período mínimo de armazenagem dos lotes;
c) Lotes 186/07, 12/07, 13/07, 18/07, 20/07, 23/07, 26/07, 27/07, 34/07 e 36/07 - A Centro Litoral não comprovou cumprimento do prazo máximo de congelação e do período mínimo de armazenagem na C…;
d) Lote 188/07 - Os registos internos de entrada de pescado na G... não identificam a recepção deste lote e a Centro Litoral não, comprovou nem a congelação nem a armazenagem do lote no estabelecimento da G...;
e) Lote 203/07 - A Centro Litoral não comprovou o cumprimento do prazo máximo de congelação e do período mínimo de armazenagem na G...;
f) Lote 04/07 - Não foram entregues documentos comprovativos da entrada, congelação e armazenagem da totalidade deste lote na G..., mas apenas de parte dele (2.655 kg), mas a Centro Litoral também não comprovou o cumprimento do prazo máximo de congelação e do período mínimo de armazenagem na G.... Quanto à restante quantidade (382,5 kg) não foram apresentados quaisquer documentos relativos à fase em que se encontrava sob regime de reporte;
g) Lote 11/07 - A Centro Litoral não comprovou o cumprimento do prazo máximo de congelação e do período mínimo de armazenagem na G...;
h) Lotes 189/07, 200/07 e 202/07 - As quantidades retiradas na lota da Figueira da Foz não correspondem às quantidades inscritas nos registos internos da DEL TAFISH. A Centro Litoral não apresentou os registos internos da Df...... respeitantes à congelação e armazenagem destes lotes;
i) Lotes 003/07, 007/07, 025/07 e 031/07 - A Centro Litoral não apresentou documentos comprovativos da entrada, congelação e armazenagem destes lotes no estabelecimento da Df....... Por outro lado, a DGPA obteve, em sede de inspecção, facturas emitidas pela R... relativas à congelação e armazenagem dos referidos lotes nas suas instalações."
Em suma, as verificações efectuadas revelam que o processo de Ajuda ao Reporte de Sardinha em questão foi conduzido de forma negligente. Por outro lado, e de acordo com a mesma Direcção Geral, as informações e declarações prestadas por V. Exas. sobre os resultados do controlo não são susceptíveis de alterar os resultados do mesmo e/ou a proposta de decisão da DGPA.
4. Pelo exposto, e sem prejuízo dos factos detectados pela DGPA e aqui sintetizados puderem vir a determinar, nos termos da legislação aplicável, a reanálise do presente processo e a aplicação de outras cominações e penalizações, determina-se desde já a execução da GB n.° 46352, da Caixa de CAM do BM no valor de € 67.805,05 (sessenta e sete mil oitocentos e cinco euros e cinco cêntimos), prestada para garantir o pedido de adiantamento apresentado em 20-09-2007 e substituído pelo pedido de 22-11-2007, com fundamento nas situações de incumprimento detectadas e de acordo com o disposto no Reg. (CE) n.° 2814/2000, da Comissão, de 21/12 e Regulamento (CE) n.° 2220/1985, da Comissão, de 22/07.
5. Por último informa-se que a referida Garantia Bancária será executada através de ofício que será de imediato emitido e enviado para a entidade garante, a Caixa de CAM do BM.
19°) - A garantia bancária vinda a referir ostentava como limite de validade o dia 31/12/2008 e foi paga pela entidade garante, que por sua vez cobrou o respectivo montante à Autora (fs. 519 do PA da DGPA).
*
As questões a decidir, de contornos mais definidos e autónomos, ou mais difusas e conexionadas, emanam das conclusões supra transcritas e têm o tratamento que se segue.
*
A apelação do réu
A matéria dos autos refere-se a ajuda ao reporte (ano de 2007), uma das intervenções previstas no Regulamento (CE) n.º 104/2000, do Conselho, de 17 de Dezembro de 1999.
Envolve aplicação do Regulamento (CE) n.º 2814/2000, da Comissão, de 21 de Dezembro de 2000, que estabelece as regras de execução do Regulamento (CE) n.º 104/2000 do Conselho no respeitante à concessão da ajuda ao reporte para determinados produtos da pesca [é de destacar o Regulamento de Execução (UE) N.º 1420/2013, da Comissão, de 17 de Dezembro de 2013, o qual, entre o mais, revoga o Regulamento (CE) n.º 2814/2000, na sequência da adopção do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece uma organização comum de mercados dos produtos da pesca e da aquicultura; este último substitui o Regulamento (CE) n.º 104/2000 (com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2014, com excepção do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 104/2000, que é aplicável até 12 de dezembro de 2014), alterando significativamente as disposições em matéria de informação dos consumidores, reconhecimento das organizações de produtores, extensão das regras, planificação da produção e da comercialização, reconhecimento das organizações interprofissionais, preços, intervenção, notificações e financiamento]; bem assim do Regulamento nº 150/2001, da Comissão, de 25 de Janeiro de 2001 (estabelece regras de execução do Regulamento (CE) n.º 104/2000 no que diz respeito às sanções a aplicar às organizações de produtores no sector das pescas por irregularidades relativas aos mecanismos de intervenção).
A aferição da necessidade de uma decisão interpretativa ou de apreciação de validade (de uma decisão prejudicial), a pertinência das questões ou do quadro factual que está na base da questão concreta, incumbe em primeira mão ao órgão jurisdicional nacional devendo o tribunal nacional justificar a necessidade objectiva de uma pronúncia do TJ para a resolução do litígio concreto (vide a jurisprudência do TJ, processos nº C-121/92, C-220/95 e C-295/95).
Este tribunal, sem dúvidas de interpretação, não vê necessidade do reenvio proposto.
Vejamos.
Conclusões A a N do recurso do réu.
Preliminarmente, em considerações iniciais feitas no Acórdão recorrido, entendeu o tribunal que “(…) a decisão de execução da garantia não pode ter outro fundamento lógico se não uma decisão de recusa ou retirada da totalidade do pagamento da ajuda ao reporte. Acresce que a decisão do IFAP não só cita em grande parte a proposta, melhor, a informação homologada para valer como proposta final da DGPA, como a assume sem restrições, ou seja, homologa-a.”.
E discorrendo sobre o que se lhe colocava decidir, entre o mais que agora não importa, teve o seguinte discurso fundamentador:

«(…)
Passando aos vícios materiais:
Todo o ciclo de retirada, transformação e venda do pescado em que se analisa o "reporte" de pescado é ordenado à comercialização para consumo humano: isso é condido sine qua non da ajuda (Cf.... artigo 4° n° 3 do Reg. 2814/2000). Portanto, aplica-se ao material "reportado" — em toda e qualquer fase do seu circuito industrial e comercial, tudo o que nos regulamentos e decreto-lei acima citados e invocados na proposta final da DGPA se dispõe em matéria de rastreabilidade do circuito dos bens alimentares destinados a consumo humano. Não se pode, assim, afirmar que ao reporte objecto do pedido de ajuda se não aplicam tais diplomas e disposições.
De qualquer modo, mesmo abstraindo daquele específico regime de rastreabilidade, à Autora, enquanto Organização de Produtores sem meios próprios de transformação e armazenamento de pescado, era e é exigível exibir a documentação que permitisse a rastreabilidade do pescado relativamente ao armazenamento e à saída do mesmo a partir das empresas transformadoras e armazenistas, sob pena de não lograr provar os pressupostos da ajuda, o que é ónus seu nos termos quer do artigo 88° n° 1 do CPA quer do em geral disposto no artigo 342° n° 1 do Código Civil.
In casu, posto que se propôs beneficiar das ajudas ao reporte sem ter meios próprios para a transformação e a armazenagem, recorrendo a terceiras empresas — valendo-se da segunda parte do n° 1 do artigo 3° do Regulamento 2814 - é lhe exigível assegurar um controlo do circuito da mercadoria, como se este em suas instalações e com meios próprios se tivesse desenvolvido2 [2 A existência, a conservação e o acesso da Autora a esses documentos e registos devia até integrar o contrato outorgado com essas terceiras empresas, de modo de garantir-lhe a disponibilidade ou o acesso aos mesmos, enquanto OP, no momento de comprovar os pressupostos do pedido de ajuda.]. A não ser assim estar-se-ia a discriminar negativa e injustificadamente as OP que, por si ou pelos seus associados, dispusessem de meios para transformar armazenar e reintroduzir os produtos no mercado.
Assim, se o já citado artigo 6° n° 2 do Reg. CE 2814/2000 lhe comete o dever de assegurar a manutenção, pelos beneficiários da ajuda, isto, é, os produtores seus associados, de uma contabilidade de existências para cada categoria de produtos, a contar do início da armazenagem, este dever de manter e poder exibir tal contabilidade não cessa só pelo facto de a armazenagem ser feita por meios e em instalações da própria organização de produtores (já não dos beneficiários seus associados), ou até contratada a terceiros. Pelo contrário: sob pena de ficar subvertido o desígnio do Legislador Europeu, aquela disposição normativa tem de ser interpretada extensivamente, no sentido de que nestes casos é a OP que tem, respectivamente, de manter essa contabilidade ou assegurar que os terceiros contratados a têm e mantêm.
É inegável que o Estado Português omitiu até agora o encargo, cometido no n° 1 do artigo 6° do Regulamento 2814, de instituir um regime de controlo que permita assegurar que os produtos em relação aos quais tiver sido solicitada a ajuda ao reporte "têm o direito" (sic) de beneficiar da mesma. As normas de procedimentos em uso na DGPA (Cf.... supra) não constituem um regulamento dotado de eficácia externa, não vinculam as OPs nem qualquer beneficiário da ajuda ao reporte, enfim, não são fonte de direito mas relações do IFAP ou do Ministério da Agricultura e Pescas com as organizações de produtores, pelo que não cumprem com aquele comando. O artigo 6° n° 1 do Regulamento impõe aos Estados legislarem, de modo a concretizarem e especificarem as obrigações acessórias das OPs em matéria de documentação a criar e ou obter e manter, enfim, de modo a que Administração e Produtores possam saber "com que linhas coser".
Contudo, os citados artigos 6° n° 2, 7° n° 1, 5° n° 2 do Regulamento, bem como o artigo 88° n° 1 do CPA e o artigo 342° 1 do CC não carecem da legislação em falta para deles resultar que à Autora incumbia de provar os pressupostos de toda a extensão do pedido de pagamento que apresentou, donde resulta que lhe é imputável não ter apresentado toda a documentação necessária à verificação a que se refere o artigo 7° n° 1 do Regulamento vindo a ser citado.
Assim e em suma: quer porque sempre aplicáveis as normas do artigo 3° ponto 15 e do artigo 18.° Regulamento (CE) n.° 178/2002 de 28 de Janeiro, do artigo 8.° do Regulamento (CE) n.° 2065/2001 de 22 de Outubro, e dos artigos 5.°-A e 5.°-B do decreto-lei n.° 134/2002 de 14 de Maio, quer porque suficientes, apesar da omissão legislativa, as supra transcritas normas europeias, no quadro, também, dos artigos 87° n° 1 do CPA e 342° n° 1 do CC, improcede a alegação de invalidade do acto impugnado por violação de Lei em virtude de terem sido aplicadas normas não aplicáveis ao cas concreto.
Quanto à alegação de erro nos pressupostos de facto por terem sido efectivamente cumpridos os requisitos da concessão da ajuda.
Transparece inequivocamente do texto da proposta final da DGPA (é dizer da informação n° 3853/2008) e do texto expresso do acto em crise que o autor deste considerou, entre outras coisas, estarem reunidos os pressupostos de facto e de direito da recusa da ajuda ainda não paga e da retirada da já adiantada por, sendo ónus do ali Requerente demostrar a existência dos requisitos legalmente exigidos para o pagamento da ajuda em toda a medida pedida, terem sido detectadas as aporias e contradições, quanto a determinados lotes, ali melhor descritas, que a Autora não supriu com a necessária documentação, o que revelaria negligência grave na condução do processo do reporte, pelo que lhe seria aplicável a sanção prevista no n° 4 do artigo 3° do regulamento 150/2001 da Comissão. Portanto o fundamento da recusa não residiu em não terem sido, historicamente, cumpridos os requisitos materiais de elegibilidade, mas sim na violação de um dever de assegurar manter a verificabilidade da ocorrência dos requisitos em toda a medida do pedido de ajuda, negligência que a proposta considerou muito grave, embora o despacho do IFAP a designe apenas por negligência.
Quer dizer, não há o erro nos pressupostos de facto porque estes não residem na não ocorrência histórica dos requisitos enunciados nos artigos 23° do Reg. (CE) n° 104/2000 do Conselho e 3° e 4° do Reg. (CE) 2814/2000 da Comissão, mas sim na inverificabilidade dessa ocorrência quanto aos lotes ali identificados.
Portanto, improcede, nos termos em que foi suscitada, a alegação de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
Passamos a apreciar alegação da falta de apreciação de elementos de culpa, dolosa ou negligente, exigida pelo teor do artigo 3° do Reg° (CE) n° 150/2001 da Comissão - norma por isso violada.
Efectivamente o acto em crise incorre numa violação daquela norma europeia, embora não exactamente nos termos alegados pela Autora (falta de factos e de um juízo sobre a culpa).
Vejamos:
Como já se disse, fundamento do acto não é a inexistência histórica dos requisitos mas a sua inverificabilidade quanto a determinados lotes inspeccionados e o facto de isso revelar negligência grave da Autora na condução do "processo de ajuda ao reporte de sardinha".
Portanto não há falta de um juízo sobre a culpa. Este incide directa e suficientemente sobre a conduta da Autora que se analisa no facto de esta não ter assegurado, como se entende que lhe competia, a verificabilidade da elegibilidade de todas as operações de reporte objecto do pedido de ajuda.
Por outro lado, a prova dessa inverificabilidade era (no procedimento) ónus do Requerido, segundo o artigo 87° 1 do CPC e as gerais regras do ónus da prova (Cf.... artigo 342° n° 2 do CC). Até se admite que o Réu a fez no procedimento, atento o PA e os termos da proposta final de decisão, homologada no despacho em crise.
Contudo, para ser punitivamente retirada a ajuda, ou negado o pagamento de toda a ajuda, exige a norma europeia invocada que essa inverificabilidade se deva a negligência grave da OP: — artigo 3° n° 4 do Reg. 150/2001.
Note.se que a contradição entre o grau de negligência considerado na proposta da DGPA e no acto do IFAP propriamente dito é apenas aparente. Posto que a proposta foi assumida pelo decisor final sem reservas ou ressalvas, a referência à condução negligente do processo, feita no acto final, por um decisor que não tem de ser jurista, só pode referir-se à negligência tal como a qualificou a proposta, isto é, grave.
Da conjugação da proposta da DGPA, integrada pela informação n° 3853/2008 supra em parte transcrita, com a decisão do IFAP resulta que o juízo de negligência grave ali feito sobre a Autora se refere à insuficiência e lacunosidade da documentação disponibilizada, constatada em 27 lotes e presumida, por isso, transversal a todo o objecto do pedido reporte. Cf... os respectivos textos acima transcritos.
Não subscreve, porém, o tribunal tal juízo de valor jurídico. Porquê?
Como já se disse, o Estado Português omitiu até agora o cumprimento do dever, cometido no n° 1 do artigo 6° do Regulamento 2814, de instituir legislativamente um regime de controlo dos pedidos de ajuda, enfim, de rastreabilidade dos produtos objecto de reporte em vista de um pedido de ajuda ao reporte de pescado.
O artigo 6° n° 1 do Regulamento impõe aos Estados legislarem, por modo a delimitar concretamente os deveres das OPs em matéria de documentação a criar, obter e manter.
Obviamente, as normas internas de procedimentos seguidas na DGPA (Cf... supra) não vinculam terceiros, não foram sequer publicadas em DR.
Como assim, não se pode dizer que a Autora tenha violado normas imperativas especificamente dirigidas ao rastreio dos produtos objecto da sua actividade de reporte.
Porventura pode censurar-se não ter ao menos procedido conforme o que em geral era seu ónus provar. Mas daí a um juízo de negligência grave, paredes meias com a intencionalidade para a ilicitude, vai um hiato que os factos mencionados na proposta e na decisão não permitem preencher.
Com efeito, apenas se pode dizer que a Autora não se soube ou não se quis munir de toda a documentação que era seu ónus exibir — em face das regras do ónus da prova no procedimento administrativo, designadamente do artigo 88° n°1 do CPA das regras gerais do ónus da prova e dos deveres gerais que para si resultavam da Legislação Europeia acima transcrita - enquanto requerente daquela concreta medida de ajuda ao reporte da sardinha na campanha de 2007.
No contexto da sobredita omissão legislativa isto não pode ser apodado de negligência grave.
Note-se depois, que, não sendo caso de negligência grave, as sanções previstas no mesmo artigo 3° vão da retenção de zero a 80% consoante a percentagem dos montantes minados de qualquer irregularidade no todo da ajuda pedida. Parece, assim, que nada obstava, antes se impunha, que o Réu tivesse em conta a percentagem do valor tido por inverificável no conjunto do pedido de ajuda, aplicando então a sanção quantitativa achada proporcional e justa nos termos dos n°s 1, 2 ou 3 do artigo 3° do Reg. CE n° 150/2001 da comissão.
Como assim, em suma, porque não estavam reunidos todos os pressupostos de aplicação do número 4 do artigo 3° do Reg. (CE) n° 150/2001 da Comissão, a decisão do IFAP aqui em crise enferma do vício material da violação daquela norma europeia e como tal haverá de ser anulada.
(…)».

Como se vê, e em síntese, considerou o tribunal que:
- existiram irregularidades;
- o accionamento da garantia constituiu uma sanção;
- mas indevidamente teve lugar, pois não pode dar-se por assente a existência de negligência grave que a poderia justificar, perante omissão legislativa que prescrevesse dos deveres em que poderia ancorar, por força do artigo 6°, n° 1, do Regulamento 2814/2000, que imporá aos Estados actividade legislativa, e porque, perante Regulamento nº 150/2001, só perante negligência grave poderia advir accionamento da garantia para efectivar a sanção.
O recurso do réu tem por central rebate que o artigo 6°, n° 1, do Regulamento 2814/2000 imponha aos Estados legislarem.
Julga-se que com razão.
Aí se determina:
Artigo 6.o
1. Os Estados-Membros instituirão um regime de controlo que permita assegurar que os produtos em relação aos quais tiver sido solicitada a ajuda ao reporte têm o direito de beneficiar da mesma.
Na versão inglesa, o estabelecimento de um “monitoring system”.
Claramente, uma injunção ao “Estado-Administrador”.
O que se pretende é que a máquina administrativa tenha capacidade de controlo sobre a ajuda, dotada segundo modelo organizatório e de funcionamento de eficácia bastante, incluindo de fiscalização.
O art.º 2º, nº 1, do Regulamento n.º 2988/95, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, estabelece que “Os controlos e as medidas e sanções administrativas são instituídos na medida em que sejam necessários para assegurar a aplicação correcta do direito comunitário. Devem ser efectivos, proporcionados e dissuasores, a fim de assegurar uma protecção adequada dos interesses financeiros das Comunidades”.
Para que assim tal desiderato seja obtido, indiferente é que a via instrumental pela qual os Estados-membros actuem, posto que o objectivo prosseguido seja alcançável no seio da Administração. “Em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais, os Estados-membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar a regularidade e a realidade das operações que envolvem os interesses financeiros das Comunidades” (art.º 8º do Regulamento n.º 2988/95), importando esse objectivo e satisfação dessa necessidade, seja qual a via usada.
Presente ainda, a este respeito, que devido à sua própria natureza e à sua função no sistema das fontes do direito da União, as disposições de um regulamento produzem, regra geral, um efeito imediato nas ordens jurídicas nacionais, sem que seja necessário que as autoridades nacionais tomem medidas de aplicação (v. acórdãos de 17 de Maio de 1972, Leonesio, 93/71, Colect., p. 93, n.º 5, e de 24 de Junho de 2004, Handlbauer, C-278/02, Colect., p. I-6171, n.º 25) ou sem que seja necessário que o legislador da União adopte regulamentações complementares.
Podem, no entanto, algumas disposições de um regulamento necessitar, para a sua execução, da adopção de medidas de aplicação (v., neste sentido, acórdão de 11 de Janeiro de 2001, Monte Arcosu, C-403/98, Colect., p. I-103, n.º 26), quer por parte dos Estados-Membros quer por parte do próprio legislador da União.
Mas resulta do artigo 2.º, n.º 4, do Regulamento n.º 2988/95 que, sob reserva da regulamentação existente da União, os procedimentos relativos à aplicação dos controlos são regidos pelo direito dos Estados-Membros.
Nem do dito artigo 6°, n° 1, do Regulamento 2814/2000, nem de outra fonte do direito da União ou do direito nacional, se descortina que a instituição de um “regime de controlo” comine a imposição de um dever de legislar.
O tribunal “a quo” lavrou em erro de julgamento ao descortinar aí uma omissão, perante a qual quedaria qualquer afirmativa de negligência grave.
Menos se compreende que retire a impossibilidade de alcançar um tal juízo, quando, afinal, tem por certo a existência de irregularidades e com toda a assertividade dá como “sempre aplicáveis as normas do artigo 3° ponto 15 e do artigo 18.° Regulamento (CE) n.° 178/2002 de 28 de Janeiro, do artigo 8.° do Regulamento (CE) n.° 2065/2001 de 22 de Outubro, e dos artigos 5.°-A e 5.°-B do decreto-lei n.° 134/2002 de 14 de Maio”.
Afinal de contas, na suposição de acervo legislativo que outras infracções - não se sabe quais (!) – pudessem ser as praticadas por negligência grave, e as com que agora somos confrontados apenas pudessem ser leves, quando a estruturação sancionatória (administrativa – realça-se) do direito da União não implica tal separação de censura de condutas por diferentes tipos objectivos.
Explicitemos.
O tribunal viu necessidade de destrinça entre o que pudesse ser negligência grave ou leve, por intervenção do Regulamento nº 150/2001, da Comissão, de 25 de Janeiro de 2001 (estabelece regras de execução do Regulamento (CE) n.º 104/2000 no que diz respeito às sanções a aplicar às organizações de produtores no sector das pescas por irregularidades relativas aos mecanismos de intervenção).
Mas, a nosso ver, sem razão.
Dispõe-se neste Regulamento nº 150/2001:
Artigo 3.º
1. Sempre que uma irregularidade envolva montantes inferiores a 5 % da ajuda anual recebida pela organização a título de um mecanismo, o Estado-Membro reterá um montante que poderá elevar-se, consoante a gravidade da infracção em termos financeiros, até 20 % do preço de intervenção aplicável às quantidades do produto em causa.
2. Sempre que uma irregularidade envolva montantes compreendidos entre 5 % e 10 % da ajuda anual recebida pela organização a título de um mecanismo, o Estado-Membro reterá um montante compreendido, consoante a gravidade da infracção em termos financeiros, entre 30 % e 50 % do preço de intervenção aplicável às quantidades do produto em causa.
3. Sempre que uma irregularidade envolva montantes superiores a 10 % da ajuda anual recebida pela organização a título de um mecanismo, o Estado-Membro reterá um montante compreendido, consoante a gravidade da infracção em termos financeiros, entre 60 % e 80 % do preço de intervenção aplicável às quantidades do produto em causa.
4. Caso se trate de uma irregularidade praticada intencionalmente ou causada por negligência grave, conforme verificado pelo Estado-Membro, este reterá toda a ajuda para a qual a organização de produtores seja elegível a título de um mecanismo relativamente à campanha de pesca em causa.
Se se comprovar uma intenção fraudulenta, o Estado-Membro não concederá a ajuda prevista ao abrigo do mecanismo para a campanha seguinte.
5. A retenção dos montantes e as outras sanções estabelecidas no presente artigo não serão consideradas sanções penais.
Artigo 4.º
1. O montante retido em conformidade com o artigo 3.º, será reembolsado ao Estado-Membro com recurso à garantia constituída pela organização de produtores ou deduzido da ajuda a receber em relação à campanha de pesca seguinte.
2. (…)
3. (…)

As consequências sancionatórias desenvolvem-se “consoante a gravidade da infracção em termos financeiros” pela retenção de uma percentagem variável do preço de intervenção aplicável às quantidades do produto em causa (art.º 3º, nºs. 1, 2 e 3), ou, perante uma irregularidade “praticada intencionalmente ou causada por negligência grave”, (conforme verificado pelo Estado-Membro), pela retenção de toda a ajuda para a qual a organização de produtores seja elegível a título de um mecanismo relativamente à campanha de pesca em causa (art.º 3º, nº 4).
Não por diferentes tipos objectivos de ilícito.
Pelo que a retenção de toda a ajuda por prática intencional ou negligência grave, é consequência que convive independentemente do grau de desvio de gravidade em termos financeiros, ainda que naturalmente a tenda a acompanhar.
No que foi o raciocínio do tribunal “a quo”, tomou como correcto, no pressuposto de não poder afirmar infracção praticada intencionalmente ou causada por negligência grave (note-se que não pelo juízo factual, mas por afirmativa de direito baseada na suposta omissão legislativa), que, então, (i) nem podia ser retido todo o montante de ajuda com recurso à garantia bancária (art.º 3º, nº 4º), (ii) e antes se tornava necessário à Administração efectuar ponderação segundo as regras de retenção de uma percentagem variável do preço de intervenção aplicável às quantidades do produto em causa, consoante a gravidade da infracção em termos financeiros (art.º 3º, nºs. 1, 2 e 3).
Não se acompanha.
Como já visto, há um erro no pressuposto de base, a suposta omissão legislativa.
Pelo que se desmorona o raciocínio que aí tem alicerce.
Conforme previsto no art.º 7º, nº 2, do Regulamento 2814/2000, o pedido de pagamento da ajuda ao reporte é apresentado às autoridades competentes do Estado-Membro pela organização de produtores interessada, o mais tardar, no prazo de quatro meses após o termo da campanha em causa.
Pode, no entanto, nos termos do art.º 8º, nº 1, do mesmo Regulamento, ser concedido um adiantamento da ajuda.
E foi isso que aconteceu: em 20/11/2007 a autora apresentou na DGPA, para ser pago pelo Requerido, um pedido de adiantamento do pagamento da sobredita ajuda, no valor de 64 444,28 €, correspondentes a 186 795 Kg de sardinha (8º) do probatório); e, em 2008, relativamente à campanha de pesca de 2007, efectuou pedido de apoio ao reporte de 643 635 kg de sardinha no montante de 222 054,08 € (8º) do probatório).
De todos os passos do procedimento resulta claro que o que se propôs e se entendeu é que deveria operar retenção de toda a ajuda e, assim, no que já houvera sido adiantado (pago, na expressão usada), tal retenção justificaria o reembolso pela garantia constituída.
O acto aqui impugnado indicou “fundamento nas situações de incumprimento detectadas e de acordo com o disposto no Reg. (CE) n.° 2814/2000, da Comissão, de 21/12 e Regulamento (CE) n.° 2220/1985, da Comissão, de 22/07” (18º) do probatório).
Este último Regulamento (CE) n.º 2220/85 fixa as regras comuns de aplicação do regime de garantias (“fixa as regras que regulam as garantias a fornecer”) para os produtos agrícolas, englobando também produtos da pesca e da aquicultura (Regulamento (CEE) n.º 3759/92) - Cf...r. art.º 1º.
No Reg. (CE) n.° 2814/2000, da Comissão, de 21/12, não encontramos o estabelecimento de sanções.
É antes o referido Regulamento nº 150/2001 que as estabelece; este Regulamento nº 150/2001 rege (regia) sectorialmente o regime em termos do estabelecimento de sanções (administrativas), de que o accionamento de garantia à luz do seu art.º 4º, nº 1, faz parte.
O já citado art.º 4º, nº 1, do Regulamento nº 150/2001, prevê o accionamento da garantia para reembolso de “montante retido” (em conformidade com o artigo 3.º, incluindo a hipótese de retenção de toda a ajuda).
O accionamento da garantia, no caso em mãos, é admissível e assim deve ser compreendido, como consequência do juízo de retenção total da ajuda, com, por esse meio, o reembolso da já adiantada, sem que para tal prejudique suposta omissão legislativa para cumprimento do art.º 6°, n° 1, do Regulamento 2814/2000.
Conclusões O. e ss. do recurso do réu.
A decisão recorrida considerou:
- In casu, posto que se propôs beneficiar das ajudas ao reporte sem ter meios próprios para a transformação e a armazenagem, recorrendo a terceiras empresas — valendo-se da segunda parte do n° 1 do artigo 3° do Regulamento 2814 - é lhe exigível assegurar um controlo do circuito da mercadoria, como se este em suas instalações e com meios próprios se tivesse desenvolvido2 [2 A existência, a conservação e o acesso da Autora a esses documentos e registos devia até integrar o contrato outorgado com essas terceiras empresas, de modo de garantir-lhe a disponibilidade ou o acesso aos mesmos, enquanto OP, no momento de comprovar os pressupostos do pedido de ajuda.]. A não ser assim estar-se-ia a discriminar negativa e injustificadamente as OP que, por si ou pelos seus associados, dispusessem de meios para transformar armazenar e reintroduzir os produtos no mercado.(…)
- incumbia de provar os pressupostos de toda a extensão do pedido de pagamento que apresentou, donde resulta que lhe é imputável não ter apresentado toda a documentação necessária à verificação a que se refere o artigo 7° n° 1 do Regulamento vindo a ser citado. (…)
- a prova dessa inverificabilidade era (no procedimento) ónus do Requerido, segundo o artigo 87° 1 do CPC e as gerais regras do ónus da prova (Cf.... artigo 342° n° 2 do CC). Até se admite que o Réu a fez no procedimento, atento o PA e os termos da proposta final de decisão, homologada no despacho em crise. (…)
- a Autora não se soube ou não se quis munir de toda a documentação que era seu ónus exibir - em face das regras do ónus da prova no procedimento administrativo, designadamente do artigo 88° n°1 do CPA das regras gerais do ónus da prova e dos deveres gerais que para si resultavam da Legislação Europeia acima transcrita - enquanto requerente daquela concreta medida de ajuda ao reporte da sardinha na campanha de 2007.”.
O recurso do réu, nesta parte, nada impugna, antes vai de encontro e alimenta sustento.
O que coloca em crise é a conclusão logo a seguir tirada, de que “No contexto da sobredita omissão legislativa isto não pode ser apodado de negligência grave.”.
Mas, já se viu, nesse pressuposto em que assenta, de apontada omissão legislativa por via do artigo 6°, n° 1, do Regulamento 2814/2000, incorreu em erro de julgamento.
Não existindo o escolho visionado, e assumindo a decisão recorrida a existência das irregularidades, a questão que se coloca é saber se hão-de ou não ter-se como praticadas com negligência grave; só assim se justificará a negação total da ajuda e o accionamento da garantia para reposição total do adiantado.
Como se escreve na decisão recorrida “Posto que a proposta foi assumida pelo decisor final sem reservas ou ressalvas, a referência à condução negligente do processo, feita no acto final, por um decisor que não tem de ser jurista, só pode referir-se à negligência tal como a qualificou a proposta, isto é, grave”.
E, efectivamente, assim o é.
Incumbe obrigação de assegurar uma contabilidade - naturalmente sã - de existências para cada categoria de produtos (art.º 6º, nº 1, Regulamento n.º 2814/2000).
É inequivocamente claro e alcançável que a ajuda ao reporte tem lugar por unidade de peso e refere-se ao peso líquido de cada produto (5º, nº 1, do Regulamento n.º 2814/2000), só sendo paga a ajuda após a verificação, pela autoridade competente do Estado-Membro em causa, de que as quantidades em relação às quais é solicitada a ajuda não excedem o limite estabelecido no n.º 3 do artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 104/2000 e foram quer transformadas e armazenadas quer conservadas e seguidamente reintroduzidas no mercado, em conformidade com o regulamento (art.º 7º, nº 1, do Regulamento n.º 2814/2000).
A dimensão das irregularidades - e só no que foi sujeito a controlo -, é de monta, mais a mais quando, para além da mera protecção do interesse financeiro, afectando a tutela que o art.º 4º, nº 3, do Regulamento n.º 2814/2000, pretende assegurar, de reintrodução dos produtos no mercado em conformidade com as disposições em vigor em cada Estado-Membro em matéria de comercialização dos produtos destinados ao consumo humano.
A apelação da autora
Aponta a autora/recorrente que o Tribunal violou os preceitos normativos contidos nos artigos 61.º, n.º 3, 62.º, 266.º, n.ºs 1 e 2, e 268.º, n.º 4, da CRP, 23.º e 24.º do Regulamento (CE) n.º 104/2000, 3.º do Regulamento (CE) n.º 150/2001, 3º, 4º, 6.9 e 7.º do Regulamento (CE) n.º 2814/2000, 3.º, 4.º, 6.-A, 7.º, 56.º, 87.º, n.º 1, 88.º, n.º 1, 91.º, n.º 2, do CPA, 66., n.ºs 1 e 2, 67.º, n.º 1, 71.º, n.ºs 1 e 2, 95º, n.º 1, do CPTA e 615., n.9 1, d), do CPC.
A impugnação jurisdicional feita pela recorrente/autora respeita ao tratamento dado pelo tribunal “a quo” no seguinte (sic) :

Sobre o pedido de condenação à prática do acto tido por devido.
Com base na alegação e na prova, que entretanto considera ter produzido nesta acção especial, de todos os pressupostos e requisitos de elegibilidade e rastreabilidade do produto respectivo, pretende a Autora que seja o Requerido aqui condenado a pagar-lhe não só o adiantamento repetido e o mais em que a garantia executada o excedeu, como também o remanescente do valor total da ajuda ao reporte da sardinha na campanha de 2007, que foi de 222 054,08 .
Vejamos:
O procedimento de pagamento de ajuda ao reporte em causa não chegou ao seu termo natural, com deferimento ou indeferimento final. E não chegou a esse fim, digamos natural, porque, procedendo uma fiscalização, foi praticado um acto sancionatório que, por absoluto - foi excluída toda a possibilidade de ajuda parcial -, prejudicou uma qualquer continuação do procedimento. Com efeito, uma vez decidido negar, punitivamente, o pagamento de qualquer ajuda ao reporte da sardinha da campanha de 2007, passou a ser inútil e sem sentido um procedimento tendente ao pagamento desse ajuda. Este como que se extinguiu por impossibilidade superveniente.
Aquela sanção vai aqui anulada não por que se tenha concluído que irregularidades não houve e que a Autora provou, no procedimento e ou nesta sede judicial, que todas as quantidades de sardinha objecto de reporte em 2007 no valor de 222 054,08 €, reuniram os requisitos legais para a ajuda, designadamente que foram congelados antes de 48h após a captura, armazenadas e mantidas à temperatura legal por pelo menos 5 dias, reintroduzidos no mercado para consumo humano e não atingiram percentagem, relativamente às colocadas à venda nesse ano, superior à enunciada no artigo 23° n° 3 do Reg. N° 104/2000, mas antes porque o artigo 3° do Reg. N° 150/2001 da Comissão, que previa a sanção das irregularidades tidas por detectadas, foi mal aplicado.
Tal anulação não inibe o Requerido de, destas feita sem o pressuposto de ter havido negligência grave, aplicar ainda à Autora a sanção quantitativa que for tida por proporcional e justa nos termos dos n°s 1 a 3 do artigo 3° do Reg. 1250/2001.
Mas, por outro lado, a mesma anulação, repristinando o status quo ante, repõe na ordem jurídica a possibilidade do prosseguimento do procedimento de pedido de ajuda ao reporte e da sua apreciação pelo Requerido, no sentido do deferimento ou do indeferimento e sem prejuízo da aplicação, ao valor eventualmente deferido da sanção que for devida nos termos do artigo 3° do Reg° (CE) 150/2001.
Nos termos do artigo 67° do CPTA a condenação à prática do acto devido pode ser pedida — quando (...) "b) tenha sido recusada a prática do acto devido". Significa isto que ao menos nas acções administrativas com este objecto é pressuposto a causa de pedir tem de ser integrada por um indeferimento prévio, pela administração, do pedido, a ale dirigido, de um acto de que o autor se julga ter direito a (ou interesse legalmente protegido em) beneficiar - esse deferimento que o Réu e Autora confundiram com a sanção de exclusão total da ajuda.
Como já vimos, em virtude do acto sancionatório ser prejudicial do deferimento, a Administração — o Réu IFAP — não chegou a proferir decisão de deferimento ou indeferimento do pedido de ajuda, fosse em parte fosse na totalidade.
Recorde-se, a este propósito, o artigo 7° n° 1 do Reg. N° 2814/2000 vindo a citar, segundo o qual a ajuda só será paga após a verificação, pela autoridade competente do Estado Membro, de que as quantidades objecto do pedido não excedem os limites legais e foram transformadas, armazenadas e reintroduzidas em conformidade com o presente regulamento.
Sem essa decisão administrativa — do indeferimento parcial ou total da ajuda – não ocorreu ainda esse facto que é integrante da causa de pedir da condenação à prática do acto devido de deferir o pedido de pagamento apresentado pela Autora relativamente à campanha da sardinha de 2007, pelo que este pedido condenatório, nestes exactos termos, tem de ser julgado improcedente.
Como assim, não pode este Tribunal sequer encetar ou valorar provas produzidas nesta acção com vista à demonstração de que hic et nunc, nesta acção judicial, estão verificáveis e verificados todos os requisitos da concessão da totalidade ou sequer de parte da ajuda pedida.
Ao fazê-lo, estar-se-ia o Tribunal a antecipar-se ao poder executivo do Requerido, bulindo com a separação de poderes.

A autora delimita objectivamente o seu recurso a esta parte, que fundamentou o decaimento parcial, “no respeitante ao pedido de condenação do R. IFAP, IP, no pagamento do diferencial do prémio de apoio ao reporte referente à campanha de 2007, no montante de € 154.249,03, considerando o valor total do prémio [€ 222.054,08] descontado do adiantamento [€ 67.805,05] a que se reporta a parte condenatória da sentença” (conclusão 1.).
Assinala alguma contradição na lógica como liga a fundamentação da decisão recorrida.
Com respeito de outra visão das coisas, julga-se que terá alguma razão.
A sanção de retenção de toda a ajuda, concomitante e contemporânea da ordem de execução da garantia, implica na lógica do procedimento um indeferimento final; outros passos não são precisos dar para chegar a tal conclusão, quando ela assumida já está; ao que definititivamente se ofereceu à autora, e justificadamente assim o percepcionou, foi que todo o seu pedido de reporte não teria satisfação.
Não pode, pois, entender-se que que o procedimento de pagamento de ajuda ao reporte em causa não chegou ao seu termo natural, com deferimento ou indeferimento final, e que a sua continuação ficou prejudicada por inutilidade, como se ficássemos sem saber se, sim ou não, qual o êxito de pretensão do pedido da ajuda, quando todo o sentido captável revela sua negação.
Recorde-se que noutro passos da mesma peça ora se escreve que “Na verdade, a decisão de execução da garantia não pode ter outro fundamento lógico se não uma decisão de recusa ou retirada da totalidade do pagamento da ajuda ao reporte”.
No que no concreto acto do réu IFAP fica em aberto - quedando-se pelo que ficou confrontado com a aproximação da caducidade da garantia prestada por adiantamento -, é, porventura, quanto ao estabelecimento de outras sanções ou efeitos que possam equacionar-se; equação hipotética cujas possibilidades não cabe agora aventurar.
Já contradição não há quando o tribunal “a quo” retoma fio condutor, confrontando-se, na deriva da omissão legislativa que supôs, e na sua óptica, com a impossibilidade de não poder afirmar a prática intencional ou negligência grave, retira que, ainda assim, assente a existência de infracções, em aberto fica a possibilidade de sancionamento nos termos de hipótese do art.º 3º, nºs. 1 a 3, do Regulamento nº 1250/2001.
Mas sem mais avançar, pelo que entendeu quanto ao estado do procedimento e separação de poderes.
Neste ponto, não pretendendo a autora/recorrente retirar qualquer nulidade de sentença (que, diga-se, é erigida em lei pela contradição de fundamentos e decisão, e não entre fundamentos), pela observação e perplexidade se fica.
Onde avança nulidade, com violação da disciplina de processo a respeito da acção de condenação à prática de acto devido, é a respeito de uma alegada omissão de pronúncia em não se ter apreciado materialmente a sua pretensão, com falta de decisão sobre a matéria de facto relativamente a tal matéria, especialmente a constante dos artigos 133.º a 144.º da p.i., nulidade que entende como suprível, atenta a documentação junta pela A. na sua p.i. e no requerimento de 16.11.2011, em apoio ao alegado nos artigos 133º a 144.º da p.i., bem assim, ainda que concordando com a suposta omissão legislativa, dirigindo crítica ao reconhecimento que o tribunal “a quo” fez quanto à existência das irregularidades, pelo que entende a propósito de ónus, tipificação e fundamento, como desenvolve ao longo das suas conclusões.
Mas sem êxito.
O tribunal não deixou de se pronunciar sobre sobre o que poderia ser condenação à prática de acto devido, equacionando a pretensão material da autora.
Pronunciou-se, entendendo que não estava em condições de dar definição, que antes haveria de passar em primeira mão pelo agir administrativo, não deixando de estabelecer vinculação.
Sem omissão de pronúncia, prejudicado maior juízo.
E quanto è existência ou não de irregularidades e o modo como o tribunal fez juízo de sua afirmação, afigura-se-nos que a autora não tem razão.
Primeiro, e como foi encarado pelo tribunal recorrido, não estão em causa normas de procedimento que constituam mero regulamento interno (o que o tribunal recorrido avançou é que não se poderia ir buscar a essas a previsão normativa das irrregularidades).
Outra questão que tem de ser abordada é das afirmadas irregularidades não permitirem a “rastreabilidade”.
Rejeita a autora que esta rastreabilidade pautada por ofensa a normas de informação ao consumidor se possa referir às operações envolvidas no reporte.
Mas sem razão.
Como se dá conta no doc. nº 3 junto com a PI (ponto 12º) do probatório) :
«(…)
1. Nos termos do disposto no nº1 do artigo 6º do Regulamento (CE) nº 2814/2000 da Comissão, de 21 de Dezembro de 2000, que estabelece as regras de execução do Regulamento (CE) nº 104/2000 do Conselho, de 17 de Dezembro de 1999, no respeitante à concessão da ajuda ao reporte para determinados produtos da pesca, “os Estados-membros instituirão um regime de controlo que permita assegurar que os produtos em relação aos quais tiver sido solicitado a ajuda ao reporte têm o direito de beneficiar da mesma”;
2. O sistema de controlo instituído internamente ao abrigo do transcrito normativo, tem de assegurar, de entre outras exigências que, os lotes de pescado retirados do mercado para efeitos de obtenção da ajuda ao reporte, foram comprovadamente :
a) Submetidos nas 48 seguintes à sua retirada do mercado, a uma ou várias operações de transformação;
b) Armazenados, por um período não inferior a 5 dias a contar da data em que a transformação foi completada; e
c) Reintroduzidos no mercado, de acordo com as regras de comercialização dos produtos destinados ao consumo humano.
Assim, a organização de produtores interessada deve assegurar, junto das autoridades nacinais competentes, a rastreabilidade do pesacado envolvido, ou seja, deve ter a capacidade de detectar a sua origem e de seguir o seu rasto, ao longo de todas as fases de produção, transformação e distribuição, para efeitos de elegibilidade das respectivas quantidades.
3. Por seu lado, o nº1 do artigo 7º do citado Regulamento estabelece que , a ajuda ao reporte só será paga após a verificação pela autoridade competente, de que as quantidades em relação às quais é solicitada a ajuda, forma quer transformadas e armazenadas, quer conservadas e seguidamente reintroduzidas no mercado, em conformidade com o mesmo regulamento;
4. Acontece que em sede de inspecção levada a efeito pela DGPA, foi verificado através de documentos recolhidos que, nomeadamente para os lotes de sardinha que a seguir se identificam, incluídos na campanha de pesca 2007 para efeitos de prémio de reporte apresentado por essa OP, existirem contabilizações e gestistos incorrectos, bem com ausência de documentos, não conformidades que, nomeadamente, não permitem comprovar da rastreabilidade no sentido antes referido, e como a seguir se identificam.
(…)»
Efectivamente o art.º 4º, nº 3, do Regulamento (CE) nº 2814/2000, determina que “A reintrodução dos produtos no mercado far-se-á em lotes homogéneos repartidos por espécie e em conformidade com as disposições em vigor em cada Estado-Membro em matéria de comercialização dos produtos destinados ao consumo humano”, cabendo então, poder aferir dessa conformidade, e o seu art.º 7º, nº 1, que «A ajuda ao reporte só será paga à organização de produtores interessada após a verificação, pela autoridade competente do Estado-Membro em causa, de que as quantidades em relação às quais é solicitada a ajuda não excedem o limite estabelecido no n.º 3 do artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 104/2000 e foram quer transformadas e armazenadas quer conservadas e seguidamente reintroduzidas no mercado, em conformidade com o presente regulamento.». [itálico nosso]
Conforme mais consta do referido doc. nº 3 junto com a PI, o controle desenvolveu-se junto da Docapesca e dos terceiros a quem a autora recorreu para as operações de reporte, com troca de documentação, visitas físicas às instalações, consulta de registos e outra documentação, verificando-se sua ausência ou discrepâncias quantitativas que aí vêm assinaladas (que até se podem compreender no encontro do que foi argumentação inicial feita nos autos pela autora que recorria para indicação das quantidades a uma medida padrão de cabaz ou de dorna, oferecendo variabilidade em função do acondicionamentomas “sibi imputet” o erro, quando a ajuda ao reporte tem lugar por unidade de peso e refere-se ao peso líquido de cada produto, conforme art.º 5º, nº 1, do Regulamento n.º 2814/2000), de forma clara, congruente, e com informação concreta e detalhada.
Fez o que se impunha em inquisitório.
E os juízos que resultaram do controlo e procedimento respeitam o que é de ónus.
Arvora a autora “desresponsabilização”, por, basicamente e em síntese, ser alheia ao que são registos e documentação das empresas terceiras, de que se serviu para as operações às quais pretende ajuda de reporte.
Essa é vã argumentação, inconciliável com o seu estatuto de OP, com o compromisso de oferecer uma garantia suficiente quanto à realização, à duração e à eficácia da sua acção (art.º 5º, nº 2, b), do Regulamento 104/2000).
Nesse sentido a jurisprudência do Tribunal de Justiça, em similares situações de recurso a auxiliares ou co-contratantes (Cf...r., p. ex., Ac. de 05-12-1985, Corman, 124/83, Recueil, p. 3777; Ac. de 24/04/2008, AOB Reuter, C-143/07, Colect., p. I-3171; Ac. de 19-12-2013, proc. nº C-500/11).
Concluindo.
Dando provimento ao recurso do réu e negando-o ao da autora (mantendo o decaimento, embora por diferente fundamentação), impõe-se a revogação da decisão recorrida, substituindo-a por outra conforme ao juízo agora feito.
*
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso do réu e negar provimento ao recurso da autora, revogando a decisão recorrida e julgando a acção totalmente improcedente.
Custas, em ambas as instâncias: pela autora.
Porto, 17 de Abril de 2015.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Rogério Martins, em substituição