Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01091/08.1BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/10/2014
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:EMPREITADA OBRAS PÚBLICAS
Sumário:Numa empreitada para dragagem do canal de acesso e bacia de manobras do porto da Figueira da Foz, atenta a especificidade da obra resultante de se tratar de intervenção num leito com constantes alterações de cotas, era essencial que fosse realizada uma medição final expedita, logo após a finalização dos trabalhos, não podendo o dono da obra rejeitar essa medição ou pretender diferi-la, a não ser mediante a invocação de razões muito ponderosas, no caso inexistentes.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:IPTM - Instituto Portuário Transportes Marítimos
Recorrido 1:ICS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO

ICS, LDA., sociedade comercial com sede em VL, P, veio propor a presente acção administrativa comum, com processo ordinário, contra o IPTM, INSTITUTO PORTUÁRIO E DOS TRANSPORTES MARÍTIMOS, solicitando o pagamento do montante de 156.924,42 € facturado pelos trabalhos executados no âmbito da empreitada de “Dragagem de Emergência do Canal e Bacia de Manobra do Porto da Figueira da Foz”, acrescido de juros de mora vencidos no valor de 35.033,05 € e ainda juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

O TAF de Coimbra, julgada a causa, proferiu sentença culminada com a seguinte decisão:

«Nestes termos, de acordo com a fundamentação exposta, julgo a presente acção procedente, condenando o réu a pagar a quantia de 156.924,42 € à autora, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 26 de Novembro de 2006 até efectivo e integral pagamento».

Inconformado com esta decisão, o Réu veio interpor o presente recurso, formulando na respectiva alegação as seguintes CONCLUSÕES:


*
1ª - A sentença recorrida condenou o réu, aqui recorrente, a pagar à autora a quantia de € 156.924,42 (valor da factura datada de 26/10/2006, com IVA já incluído à taxa de 21%);

2ª - Bem como juros de mora vencidos e vincendos, desde aquela data até integral pagamento, pela execução da empreitada denominada “Dragagem de Emergência do Canal e Bacia de Manobra do Porto da Figueira da Foz”;

3ª - O objecto do presente recurso circunscreve-se na condenação ao pagamento à autora no que excede a quantia de € 93.910,39, bem como na condenação no pagamento dos juros de mora desde 26 de Novembro de 2006;

4ª - O Tribunal considerou que a recorrida dragou o volume de 76.288m3, resultante de uma medição unilateral efectuada por si, em 20 de Outubro de 2006, sem a intervenção, conhecimento, assistência ou convocação do dono da obra, aqui recorrente, efectuada por seus funcionários;

5ª - Tal circunstância viola frontalmente o disposto no artigo 202º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, que estabelece que as medições devem ser feitas, com a assistência do empreiteiro ou seu representante e delas lavrará auto, assinado pelos intervenientes, no qual estes poderão fazer exarar tudo o que reputaram conveniente; por outro lado,

6ª - O Tribunal desconsiderou inteiramente a medição efectuada pelo dono da obra, a única legalmente prevista, efectuada em 30 de Outubro de 2006, por uma entidade independente, a B, Ldª, que já havia efectuado o levantamento inicial, da qual resultou o volume dragado de 45.654 m3;

7ª - Desconsiderou também que tal levantamento final efectuado pela B, Ldª, apenas foi levado a cabo em 30/10/2006, dado que antes dessa data e desde 20/10/2006, as condições de tempo e a ondulação não permitiam resultados tecnicamente fiáveis.

8ª - O Tribunal desconsiderou em absoluto o depoimento da testemunha RD, sócio gerente da B, Ldª, e que levou a cabo a execução dos levantamentos mandados efectuar pelo dono da obra, a qual depôs no sentido de que foi aquela entidade e não o réu, aqui recorrente, que determinou a data da realização do levantamento final;

9ª - Que tal levantamento final só foi efectuado em 30 de Outubro de 2006, dado que entre 20/10/2006 e 29 Outubro de 2006 não havia condições para realizar um trabalho tecnicamente fiável; de resto,

10ª - Nenhum testemunho colocou em causa a validade técnica de tal levantamento final; aliás,

11ª - O próprio tribunal, no relatório da sentença refere que a realidade existente na data em que o réu procedeu ao seu levantamento podia não corresponder àquela que foi encontrada pela autora; ademais,

12ª - O Tribunal deu como provado que no dia 20 de Outubro de 2006 (data da medição levada a cabo pela autora) a ondulação era de cerca de 3,00 metros, e que entre 19 e 27 de Outubro de 2006, essa ondulação foi sempre superior a 2,00 metros; por outro lado,

13ª - O Tribunal ignorou em absoluto o depoimento da testemunha ACC, a qual depôs com segurança, credibilidade e perfeito conhecimento dos factos;

14ª - Para além de confirmar a idoneidade da entidade que executou o levantamento desencadeado pelo réu, aqui recorrente, confirmou ainda que tal trabalho foi levado a cabo sem qualquer interferência do dono da obra, o réu, aqui recorrente; e que,

15ª - O rio Mondego praticamente não transporta sedimentos, que o caudal volumoso do rio pode até ter influência contrária de varrimento da zona, que a zona das obras não era dragada há sete ou oito anos; que os volumes do caudal do rio Mondego constantes do processo foram obtidos no açude de Coimbra, a cerca de 40 quilómetros da zona dos trabalhos, que é zona de pouco assoreamento;

16ª - Finalmente, o Tribunal considerou que dos € 85994,74m3 alegadamente dragados pela autora, em apenas 10 dias, já teriam sido repostos 39.740,74m3, ou seja, cerca de metade, o que é de todo inverosímil e desconforme à realidade da vida; assim,

17ª - Para além de errada interpretação e aplicação da lei ao desconsiderar o disposto no Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, que aprovou o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, nomeadamente, seu artigo 202º, aplicável ao caso dos autos, a sentença recorrida cometeu erro de julgamento ao considerar provados os quesitos, dando como provados o artigo 1 e não provados os artigos 2, 3 e 6 da base instrutória; assim,

18ª - Devem ser dados como provados os quesitos 2, 3 e 6 e como não provado o quesito 1, de modo a conformar tais respostas ao conteúdo dos depoimentos realmente relevantes prestados pelas testemunhas ouvidas sobre a matéria daqueles quesitos; e, a final

19ª - Revogando-se a sentença recorrida e substituída por outra que condena o réu, aqui recorrente, tão só ao pagamento da quantia de € 93.910,39 (já incluído IVA à taxa de 21%);

20ª - Por outro lado, quanto aos juros de mora, manifestamente, o réu, ora recorrente não está constituído em mora, dado que a dívida não á líquida nem exigível; de facto,

21ª - É ao dono da obra, nos termos do artigo 207º do Decreto-Lei nº 59/99, de 02 de Março, que cabe a liquidação da dívida e, uma vez deduzidas reclamações, há que aguardar o respectivo julgamento;

22ª - Já quanto aos confessados €93.910,39, o réu, aqui recorrente, ofereceu o respectivo pagamento por diversas vezes, o que foi recusado pela autora;

23ª - Também aqui a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente o artigo 207º do Decreto-Lei nº 59/99, de 02 de Março, bem como dos artigos 804º e 806º do Código Civil, pelo que nessa parte a sentença também deve ser revogada e substituída por outra que absolva o réu do pagamento dos juros de mora peticionados, assim se fazendo completa e inteira Justiça.


*
Contra-alegando a Autora, ora Recorrida, formulou as seguintes CONCLUSÕES:

*
1ª - Vem o recorrente colocar em crise a douta sentença proferida defendendo, ao contrário da prova produzida em julgamento, que a recorrida só dragou 45.654 m3, em vez dos 76.288 m3 que efectivamente foram dragados, entende que só deve pagar a quantia de € 93.910,39 quando o montante correspondente ao volume dragado é de € 156.924,42.

2ª - Afirma que a medição final efectuada pela recorrida, a 20 de Outubro de 2006, o foi sem a intervenção do recorrente e que a medição, por si encomendada e paga, à firma B é que apresenta valores fiáveis.

3ª - Porém, esta medição só foi realizada a 30 de Outubro de 2006, ou seja, 11 dias após a medição da recorrida, já que a medição da recorrida foi efectuada no dia seguinte ao termo da execução da dragagem.

4ª - Os onze dias de diferença entre as duas medições, são de extrema importância, porquanto o Outono e o Inverno de 2006 foram particularmente rigorosos, com quantidades de precipitação anormalmente elevadas, com as consequentes cheias e o correspondente aumento exponencial dos caudais do Mondego e dos seus afluentes, designadamente o Rio Pranto.

5ª - A prova produzida nos autos em causa, deixou inequivocamente demonstrado que, no referido período de 11 dias, que mediou entre ambos os levantamentos, o caudal do Mondego atingiu valores exorbitantes.

6ª - Os dados idóneos do INAG revelam que, à data do levantamento da autora, ora recorrida, o caudal do Mondego, medido no açude de Coimbra, era de cerca de 640 a 650 m3/s e, a partir do dia 21 de Outubro, o caudal começa a subir, chegando a atingir, durante vários dias, valores de 9.000 a 10.000 m3/s, 15 vezes superior ao valor normal!

7ª - Acresce que as medições do INAG, são tomadas em Coimbra, e até à Figueira da Foz, ao Rio Mondego se juntam outros afluentes, nomeadamente o Rio Pranto que representa cerca de 25% do caudal total que chega à zona objecto da dragagem, portanto, os valores do caudal são ainda superiores às medições em Coimbra.

8ª - Nesse período de onze dias, verificou-se uma situação muito anormal, que não ocorre com frequência e existe uma relação entre o volume de caudal e o assoreamento, aliado à instabilidade característica dos solos arenosos existentes no leito da zona dragada, o que, justifica a necessidade de dragagens periódicas.

9ª - Acrescem as características intrínsecas do local dragado, onde existem duas bacias de manobra (poços mais fundos que o restante leito) em solo arenoso, instável e sujeito às correntes, que tendem a uniformizar o leito, “tapando” as referidas bacias, i.e., os sedimentos da restante área vão depositar-se nestas zonas mais baixas.

10ª - Os caudais dos rios são dinâmicos, logo, nos fundos existe um constante movimento de partículas, assim, as dragagens têm especificidades muito próprias, designadamente, as medições têm que ser efectuadas imediatamente antes e imediatamente após os trabalhos serem executados, e não 11 dias depois como fez o recorrente.

11ª - Com caudais pequenos existem pequenas variações na sedimentação, mas com caudais elevados, verificam-se grandes aumentos na sedimentação de partículas que são arrastadas ao longo do curso do rio.

12ª - Quando a secção do rio é estreita há um aumento da velocidade da água, arrastando as partículas, porém, quando a secção alarga, como na zona em que foi feita a dragagem, a velocidade de escoamento das águas diminui, aumentando a sedimentação.

13ª - É a instabilidade do leito, que impõe a necessidade de dragagens periódicas naquele canal (foi referido em julgamento que foi feita outra dragagem naquele local há seis meses atrás) e determina, como decorre do caderno de encargos, que este tipo de trabalhos não beneficie de qualquer garantia.

14ª - A cláusula sétima do contrato de execução da empreitada refere: “Dado tratar-se de uma intervenção num leito com constantes alterações de cotas não se estabelece um prazo de garantia da obra” (Sublinhado e negrito nosso).

15ª - Todos estes factores contribuíram para a diferença de valores obtidos em ambas as medições, porém, deve ainda considerar-se que a medição da recorrida foi feita em perfis transversais, conforme o caderno de encargos, ao passo que, a medição encomendada pelo recorrente, foi feita em fiadas longitudinais e com um espaçamento superior, o que potencia a possibilidade de ocorrência de imprecisões na medição.

16ª - Quanto á ondulação é de realçar que os valores apresentados pelo recorrente foram retirados de um sítio da Internet que faz a recolha desses dados numa área muito vasta, entre a Figueira da Foz e a Nazaré e são recolhidos em bóias que estão off-shore a distâncias da costa superiores a 10 Km.

17ª - Assim, os valores de ondulação não são medidos na costa, mas são obtidos por estimativa nas áreas e às distâncias atrás referidas e, ao largo da costa portuguesa, é normal ter ondulações de 3 metros.

18ª - Nenhum representante do recorrente esteve presente no dia da medição da recorrida para puder avaliar se existia ou não ondulação, limita-se a especular com base nos dados retirados da Internet.

19ª - Ficou provado que esta ondulação só se verifica no mar, porque as barras evitam que a ondulação se transmita às águas do rio e alguma ondulação que exista é na boca da barra e não no canal.

20ª - No canal, a ondulação do mar só tem algum reflexo, e pequeno, quando está do quadrante Sul e de Oeste, sendo que, o habitual é que se verifique do quadrante Norte e de Noroeste para Norte, (isto acontecia a 20 de Outubro, aquando da medição da recorrida), ou seja, praticamente não existia ondulação no canal e as condições eram boas para se fazer a medição em causa.

21ª - Também relativamente às marés, ficou provado que, á data da medição da recorrida, os valores registados na “régua” existente para o efeito, eram inferiores a 10 cm, o que não tem qualquer efeito nas medições.

22ª - Pelo exposto, facilmente se compreende que a medição da autora, ora recorrida, é fiável e não merece qualquer reparo.

23ª - A medição do recorrente, genericamente não é posta em causa, porém, enferma de um grave erro, i.e., o momento da sua realização, 11 dias depois da obra executada, com todas as circunstâncias já supra explicitadas.

24ª - A zona dragada mede cerca de 1.200 por 140 metros lineares, correspondente a 168.000 m2, sendo a diferença de medições feitas pela autora e pelo réu de cerca de 30.000 m3 (76.288 - 45.654), se dividirmos este valor pela área em causa, temos como resultado uma sedimentação de cerca de 0,18 m3 por m2, o que facilmente acontece com as condições que ocorreram no período de 11 dias.

25ª - O contrato refere no nº 2 da sua Cláusula Quarta que o pagamento será efectuado de acordo com os autos de medição dos trabalhos executados e que o empreiteiro deverá fornecer um levantamento geral antes do início das dragagens, um levantamento geral final após a dragagem, o cálculo do volume e relatórios de cargas das dragas.

26ª - Portanto, a autora tem total legitimidade para reivindicar o pagamento, com base nos seus levantamentos, e em nenhum ponto do contrato ou do caderno de encargos, se refere que os levantamentos têm que ter a intervenção do IPTM.

27ª – De acordo também com o caderno de encargos, foram apresentados relatórios de carga diários, onde constam os volumes dragados medidos no porão de carga da draga, que foram recebidos pessoalmente pelo Sr. Eng.º C, e que nunca pôs em causa os valores neles referidos.

28ª - De resto, esses relatórios indicam até que foi dragado um valor superior em cerca de 9.000 m3 ao que foi facturado porque, mesmo durante as operações de dragagem, se verificavam assoreamentos.

29ª - A dívida é líquida e exigível desde a data de vencimento da factura emitida pela autora, ou seja, desde 25 de Novembro de 2006 e quando o recorrente ofereceu o pagamento de € 77.611,89 acrescidos de IVA, este pagamento seria liberatório, motivo que levou à sua recusa por parte da ora recorrida.

30ª - Esta oferta foi feita nas reuniões de conciliação havidas a 21 de Outubro e a 18 de Novembro de 2008, dois anos após a data de vencimento da factura e ainda assim o IPTM se recusou a pagar qualquer quantia a título de juros.

31ª - O Tribunal a quo julgou com rigor e segurança, analisou devidamente os documentos constantes dos autos e solicitou esclarecimentos detalhados e rigorosos às testemunhas ouvidas assim, decidiu bem, com base em toda a prova produzida num meritório trabalho de apuramento da verdade.

Termos em que, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser negado provimento ao Recurso apresentado, mantendo-se assim, a Sentença Recorrida por ser a que cumpre com a verdade e a JUSTIÇA!

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O MP foi notificado nos termos do artigo 146º/1 CPTA.
*
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença foram assentes os seguintes factos:

1. A autora dedica-se à construção, obras públicas, aluguer de máquinas e dragas, fornecimento de britas e asfaltos.

2. Por carta datada de 17 de Agosto 2006, acompanhada da memória descritiva, mapa de quantidade de trabalhos e quadro de medições, a autora foi convidada pelo réu a apresentar, até dia 23 de Agosto, as condições de preço e prazo de execução para a empreitada de “Dragagem de Emergência do Canal e Bacia de Manobra do Porto da Figueira da Foz” - cfr. documento nº 1 junto com a petição inicial (fls. 8 a 15), cujo teor aqui se dá por reproduzido.

3. A autora apresentou a sua proposta - cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial (fls. 16), cujo teor aqui se dá por reproduzido - a qual veio merecer aceitação.

4. As partes celebraram em 5 de Setembro de 2006 o contrato que constitui documento nº 3 junto com a petição inicial (fls. 17 a 21), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5. Os trabalhos foram consignados em 7 de Setembro de 2006 - cfr. Auto de Consignação de Trabalhos que constitui documento nº 4 junto com a petição inicial (fls. 22), cujo teor aqui se dá por reproduzido.

6. A autora procedeu à execução dos trabalhos contratados, os quais cumpriu nos vinte e oito dias úteis seguintes, dando cumprimento ao previamente estabelecido.

7. A autora emitiu em 26 de Outubro de 2006 a factura que constitui fls. 26 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, no valor de 156.924,42 €, referente a um volume dragado de 76.288,00 m3.

8. O réu rejeitou e devolveu à autora a referida factura, através do seu ofício nº 926, de 13 de Dezembro de 2006 - cfr. documento nº 3 junto com a contestação (fls. 50 e seguintes dos autos), cujo teor aqui se dá por reproduzido.

9. A autora dirigiu ao réu, em 20 de Dezembro de 2006, a missiva que constitui fls. 143 a 157 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

10. Correu no Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes processo de conciliação extrajudicial, a pedido da autora (cfr. fls. 29), do qual resultou em 18 de Novembro de 2008 a Acta de Não Conciliação que constitui fls. 28 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

11. A autora dragou um volume total de 85.994,74 m3.

12. No dia 20 de Outubro de 2006 a ondulação era de cerca de 3,00m.

13. Entre os dias19 e 27 de Outubro de 2006, essa ondulação foi sempre superior a 2 metros.

14. O réu mandou também efectuar um levantamento hidrográfico final, que foi realizado em 30 de Outubro de 2006.

15. Em sede de conciliação extrajudicial o réu prontificou-se a pagar à autora a quantia de € 77.611,890, acrescida de IVA, o que foi recusado.

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DE DIREITO
Questões a decidir

Na 3ª conclusão o Recorrente circunscreve o objecto do presente recurso à condenação a pagar à Autora o excedente à quantia que reconhece em dívida de € 93.910,39, bem como à condenação ao pagamento dos juros de mora.

As tarefas deste Tribunal “ad quem” consistem em verificar, ponderando as razões sintetizadas nas conclusões do Recorrente, se o TAF incorreu nalgum erro de julgamento que afecte a decisão condenatória nos aspectos supra referidos, e previamente, se incorreu no erro de julgamento da matéria de facto que o mesmo Recorrente aduz nas 8ª a 18ª conclusões.

Logicamente tem prioridade o estabelecimento da matéria de facto.

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Impugnação do julgamento em matéria de facto
Os quesitos impugnados têm a seguinte redacção (entre parênteses as respostas):

1º A autora dragou um volume total de 85.994,74 m3?

(Provado)

2º Ou apenas 45.654 m3?

(Não provado)

3º Na data em que a autora elaborou, sem a intervenção do réu, o levantamento final da obra (20 de outubro de 2006) – cfr. fls. 24 dos autos - as condições de tempo e ondulação não permitiam resultados tecnicamente fiáveis?

(Não provado)

6º O réu mandou também efectuar um levantamento hidrográfico final, que foi realizado em 30 de Outubro de 2006 – cfr. fls. 44 e seguintes dos autos – logo que as condições de tempo e ondulação permitiram um trabalho tecnicamente fiável?

(Provado apenas que o réu mandou também efectuar um levantamento hidrográfico final, que foi realizado em 30 de Outubro de 2006)

Relativamente às medições ou “levantamentos” para determinação dos trabalhos efectuados surgem duas ordens de questões completamente distintas:

- A questão de facto relativa à idoneidade técnica das operações de medição levadas a cabo e à fiabilidade dos seus resultados.

- E a questão de direito relativa à relevância contratual e jurídica de tais medições.

São questões que não devem ser misturadas.

Escutada atentamente a prova testemunhal produzida constata-se o seguinte:

Quesito 1º da base instrutória:

Este quesito a que corresponde o item 11 da matéria de facto assente na sentença foi certeiramente considerado provado, pelos fundamentos que o TAF apontou, em suma, por os depoimentos das testemunhas da Autora nesse sentido, já de si convincentes, terem sido corroborados pela testemunha “AC, na altura responsável pela gestão técnica do Réu, que admitiu ter recebido diariamente os relatórios de porão entregues por JC, e que deles resultava um volume total dragado de cerca de 86.000 m2 (embora refira que esses relatórios sejam meramente indicativos, uma vez que nos termos do contrato - memória descritiva do projecto - o volume dragado é medido por perfil, através de levantamentos inicial e final”).

Mas há que fazer um esclarecimento.

Nos termos do contrato, a expressão “volume dragado” não se refere ao total dos materiais movimentados e deslocados pela draga, mas sim ao volume “medido por perfil através dos levantamentos inicial e final” a que se refere o ponto 3 da Memória Descritiva, que aponta, se bem se entende, para o volume útil da dragagem que resulta da comparação entre os perfis inicial e final e traduz, portanto, o efectivo rebaixamento da cota do leito do rio alcançado com os trabalhos.

Assim os mencionados “relatórios de porão”, só por si, não teriam virtualidade para demonstrar se o contrato teria sido integralmente executado.

No entanto, os documentos de fls. 23-25 (documentos 5, 6 e 7 juntos com a PI) referem-se a cotas e a “perfis” e, conjugados com a prova testemunhal permitem realmente fundar a prova deste quesito.

Quesitos 2º e 6º:

O Recorrente tem parcialmente razão. Desde logo, os depoimentos das testemunhas RD e AC são credíveis, gerando a convicção de fidedignidade da medição de 45.654 m3 obtida pela firma “B, Lda” realizada no dia 30-10-2006.

Por outro lado, nenhum elemento documental ou prova testemunhal coloca minimamente em causa a validade técnica desta medição, ou “levantamento final”.

Porém “o seu resultado não foi considerado” pelo Tribunal a quo, não obstante este “admitir que as medições ordenadas pelo réu também podem corresponder ao que se encontrou no local nas datas em que foram efectuadas”, tendo em conta que “foram realizadas 11 dias após o fim dos trabalhos medidos”.

Tudo indica que o TAF procedeu assim por entender que esta medição efectuada pela “B, Lda” sob incumbência do Recorrente, independentemente da sua fiabilidade, atento o momento da sua realização ficava destituído de relevância para a decisão do litígio.

Ora, com o devido respeito, incorreu assim em erro manifesto no julgamento, porquanto os factos da base instrutória devem ser considerados provados ou não provados de acordo com a prova produzida e não de acordo com uma visão antecipada sobre a sua relevância no desfecho do litígio.

Diga-se que não há qualquer incompatibilidade em sede de facto entre as medições efectivadas pela Autora e pelo Réu, uma vez que foram realizadas em datas diferentes, entre as quais intermediaram circunstâncias susceptíveis de reforçar a natural instabilidade do leito do rio.

Mas, sobretudo, por a medição referida neste quesito ser um facto essencial da tese do Réu que não poderia ser liminarmente descartado como inútil.

Por outro lado o conteúdo deste quesito limita-se a ser a expressão numérica do resultado do levantamento hidrográfico referido no quesito 6º, pelo que há vantagem numa resposta conjunta a estes quesitos.

Finalmente, o TAF andou bem em não considerar provado o segmento do quesito 6º - “logo que as condições de tempo e ondulação permitiram um trabalho tecnicamente fiável” - uma vez que no fundo se trata de mera reedição da questão colocada no quesito 3º.

Quesito 3º

Afigura-se que foi acertada e bem fundamentada a convicção do TAF na resposta a este quesito, nos seguintes termos:

«Mais, o réu não conseguiu demonstrar que, por força da ondulação verificada na costa, na zona da Figueira da Foz (cfr. pontos 4 e 5 do probatório e documento de fls. 47 e seguintes), o canal não apresentava condições propícias à medição antes de dia 30 de Outubro, por um lado, e que a medição operada pela autora em 20 de Outubro não é fiável, por outro, já que se apurou que a ondulação na costa tem diferentes comportamentos no canal, consoante o quadrante da sua proveniência (o que foi corroborado por RD, que baseou a sua posição nos registos obtidos através do site Windguru, que mede ou prevê por estimativa as ondas na costa entre o Cabo Mondego e a Nazaré), e nenhuma das testemunhas apresentadas pelo réu esteve no local para verificar in loco as condições de ondulação no canal naqueles dias. Por sua vez, FAM e JCN referiram que no canal a variação altimétrica da água era, naquele dia em que se realizou o levantamento final, de cerca de 10 centímetros, sendo certo que, tendo em conta a reduzida dimensão (6 metros) da embarcação utilizada para proceder ao levantamento, não se afigura verosímil que a mesma suportasse uma ondulação de 3 metros dentro do canal, ou que os funcionários da autora procedesse, de forma temerária, à medição naquelas condições».

Por outro lado, há que refutar a alegação do Recorrente no sentido de que “o Tribunal desconsiderou em absoluto o depoimento prestado pela testemunha ACC”.

Com isto – e no intuito de desvalorizar a fiabilidade do “levantamento final” feito pela Autora em 20-10-2006 - alega o Recorrente que não seria possível um assoreamento do Mondego na zona intervencionada, em apenas 10 dias, da magnitude representada pela diferença de resultados dos levantamentos feitos pelo Autora e pela “B, Lda” (39.740 m3).

No entanto, o depoimento desta testemunha, embora tendencialmente credível até por a matéria ser da sua especialidade técnica, revelou-se demasiado genérico, hipotético e até por vezes indeciso, utilizando frequentemente expressões como “em certas condições” (que não discrimina) ou “pode ter” (referindo-se a determinado efeito da corrente), ou limitando-se a minimizar as medições hidrográficas do caudal do Mondego por serem feitas em Coimbra, a cerca de 40 Km do local da execução da empreitada.

Ora, a verdade é que a violência das cheias e inundações de 2006 no Mondego, cujo auge ocorreu exactamente no período de tempo situado entre os referidos levantamentos feitos pela Autora e pela “B, Lda”, são de conhecimento geral, bastando para o efeito consultar a internet.

Por outro lado, as medidas do caudal do rio foram feitas nos locais que o INAG considerou propícios para o efeito e os resultados obtidos em Coimbra são tendencialmente extrapoláveis para jusante (onde entroncam aliás mais alguns afluentes importantes (como o Arunca e o Pranto), sendo certo que a pluviosidade excessiva, as cheias e as inundações se estenderam por toda a bacia hidrográfica do Mondego.

Ainda, provavelmente os sedimentos provenientes da erosão fluvial irão depositar-se nos locais onde a inclinação se reduz, as margens alargam e a velocidade da corrente diminui, supostamente no tramo final do rio.

Finalmente, há que ter em conta que o canal onde foi executada a empreitada não tem um fundo liso, mas apresenta depressões (bacias de manobras), provavelmente mais propícias para sedimentação de detritos, lodos e areias transportadas pelo caudal excepcionalmente volumoso do Mondego naqueles dias.

E o Tribunal não pode fugir deste tipo de considerações algo genéricas porque na realidade não existe documentação técnica nem prova testemunhal que permita obter informação mais exacta, nomeadamente sobre o volume do assoreamento que adveio naqueles 10 dias de cheias e inundações na zona da execução da empreitada.

Assim, considerando parcialmente procedentes as conclusões do Recorrente, altera-se a resposta aos quesitos 2º e 6º que passa a ser a seguinte:

Quesito 2º

- Provado em conjugação com o quesito 6º.

Quesito 6º

- Provado que o réu mandou também efectuar um levantamento hidrográfico final, que foi realizado em 30 de Outubro de 2006, do qual resultou que o volume dragado, por referência à diferença de perfis com o levantamento inicial, se cifrava em 45.654 m3.

ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Perante isto há que alterar pertinentemente a matéria de facto assente, passando o facto 14 a ter a seguinte redacção:

14. O Réu mandou também efectuar um levantamento hidrográfico final, que foi realizado em 30 de Outubro de 2006, do qual resultou que o volume dragado, por referência à diferença de perfis relativamente ao levantamento inicial, se cifrava em 45.654 m3.

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Impugnação do julgamento de direito
O Recorrente questiona a atendibilidade do auto elaborado pela Autora, ou seja, a sua relevância jurídica em termos contratuais e perante o artigo 202º do DL 59/99, de 2 de Março.

Lê-se sobre isto na sentença em crise:

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«B) Quanto à atendibilidade do auto elaborado pela autora sem a participação do réu:
De acordo com o nº 2 do artigo 202º do RJEOP, as medições devem ser feitas no local da obra com a assistência do empreiteiro ou seu representante, e delas se lavrará auto.

No caso concreto, do julgamento resultou que a “fiscalização” da obra consistiu, neste caso, na ordem de elaboração, por parte do réu, de levantamentos inicial e final por terceiro (B, Lda. – RD), para verificar os levantamentos apresentados pela autora. Segundo o responsável pela fiscalização, entre os dois levantamentos não houve qualquer controlo por parte do réu, apesar de confirmar que recebia da autora relatórios diários de dragagem (que desvalorizou, face ao tipo de medição definido no projecto) – cfr. resposta à base instrutória.

Portanto, não existia medição nos termos exigidos pelo nº 2 do artigo 202º do RJEOP.

Sendo esta situação anormal, será justo fazer recair as consequências negativas deste facto na autora?

Parece-nos que não.

Contudo, no caso concreto, sem discutir a quem é imputável a culpa pelo sucedido, a verdade é que o inadimplemento por parte do réu não deixa de encontrar fundamento no incumprimento da lei e do contrato.

E, segundo o acórdão do STA de 11 de Março de 2010 (in www.dgsi.pt):

Na génese da responsabilidade civil contratual está, como é bom de ver, o incumprimento ilícito e injustificado de estipulações contratuais a que os contraentes se obrigaram por mútuo acordo, e que, por via desse incumprimento, um dos contraentes tenha sido lesado nos seus direitos ou interesses legítimos, gerando a obrigação de ser indemnizado pelo contraente incumpridor.

Mas, a verdade é que resulta dos autos que a autora realizou os trabalhos contratados. Pelo que, a eventual desconformidade do método de medição não deverá constituir obstáculo para a exigência do pagamento.

Com efeito, as razões que levaram à imposição das medições em conjunto não podem deixar de probatórias.

E, resultando dos autos que a autora cumpriu o contrato (cfr. levantamentos de fls. 23 e fls. 24), o réu deverá pagar à autora a quantia reclamada pela dragagem por esta efectuada (156.924,42 €).»

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Perante os contornos concretos do caso afigura-se que o TAF se orientou na linha correcta e decidiu bem.
Na cláusula 7ª do Contrato estipula-se: «Dado tratar-se de uma intervenção num leito com constantes alterações de cotas não se estabelece um prazo de garantia da obra».

A expressão “constantes alterações de cotas” diz que a instabilidade é a situação normal neste tipo de obras, e retrata bem a sua especificidade.

Instabilidade que não seria tão problemática se os trabalhos fossem medidos e pagos pelo volume dos materiais extraídos e movimentados pela draga, bastando nessa hipótese conferir as cargas e descargas efectuadas.

Mas não é assim. Trata-se antes de uma intervenção que exige rebaixar o leito do rio segundo determinadas cotas e perfis, variáveis, em zonas previamente programadas, o que torna excepcionalmente relevante o factor tempo da medição dos trabalhos.

Esta excepcionalidade torna inaplicável ao caso a periodicidade mensal da medição prevista no artigo 202º do DL 59/99, de 2 de Março, sendo razoável considerar vinculativo o levantamento geral final a realizar pelo empreiteiro após a dragagem, referido no ponto 5, c) da Memória Descritiva, a não ser que o Réu se pudesse escudar em motivos muito fortes, que se verificou não existirem, para rejeitar ou diferir o levantamento realizado pela Autora.

De outro modo seria transferir para o empreiteiro um risco desproporcionado, a acrescer ao que já decorria da instabilidade normal do leito do rio, bastando imaginar o que sucederia se o período de cheias surgisse durante a execução da empreitada.

Assim, confirma-se o decidido a este respeito.

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Quanto aos juros de mora
Refere-se na sentença:

«C) Finalmente, no que respeita a juros de mora.

Dos autos resulta que a autora emitiu a factura constante de fls. 28, com vencimento em 25 de Novembro de 2006.

Sobre esta matéria regem os artigos 804º e seguintes do Código Civil, segundo os quais, o devedor constitui-se em mora por força da interpelação, e na medida em que a prestação a cuja observância a entidade estava adstrita tem a natureza de obrigação pecuniária, os juros vencem-se a partir da constituição em mora (nº 1 do artigo 806º do Código Civil); e os juros de mora são calculados à taxa legal, e contados desde o término do prazo para o pagamento.

Contrapõe o réu que a obrigação era ilíquida. Porém, não tem razão. A obrigação era certa e determinada, e resulta da factura em causa. A pretensa incerteza da dívida apenas ao réu é imputável.

Por outro lado, o facto de o réu ter oferecido o pagamento da quantia de € 77.611,890, acrescida de IVA, em sede de conciliação extrajudicial e este ter sido recusado também não releva, já que este seria um pagamento liberatório, que a autora legitimamente recusou, e não um pagamento parcial da dívida.

Assim, sobre a importância de156.924,42 € são devidos juros de mora à taxa legal, desde 26 de Novembro de 2006 até efectivo e integral pagamento.»

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Também nesta matéria de juros o TAF decidiu correctamente, uma vez que, como se apurou, não existia no caso justificação para o Réu recusar a medição dos trabalhos efectuada pelo empreiteiro, nem para devolver a factura que lhe foi enviada pela Autora.
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DECISÃO

Pelo exposto acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 10 de Outubro de 2014

Ass.: João Beato Sousa

Ass.: Fernanda Brandão

Ass.: Hélder Vieira