Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00098/11.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/07/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS; TRABALHOS A MAIS
Sumário:São considerados trabalhos a mais aqueles, cuja espécie ou quantidade, se destinem à realização da mesma empreitada e se tenham tornado necessários na sequência de uma circunstância imprevista à realização da obra.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia
Recorrido 1:L... – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
POVT (Programa Temático de Valorização do Território) representado pela Autoridade de Gestão do programa Operacional Sustentabilidade, Eficiência no Uso de Recursos (PO SEUR) e o contra-interessado Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia vêm interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 9 de Junho de 2015, que julgou procedente a acção interposta por L... – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, tendo como contra-interessado Instituto Financeiro para o Desenvolvimento Regional IP, e onde era solicitado que devia:
“a – ser declarado nulo ou anulado o ato impugnado;
b – ser a entidade recorrida condenada a praticar o ato devido, isto é, considerar como totalmente elegíveis as despesas integrantes do 12.º pedido de pagamento.“
Em alegações o recorrente Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia concluiu assim:
A) Vem o presente recurso interposto da sentença notificada ao ora recorrente por ofício de 26.06.2015, com fundamento em omissão de pronúncia sobre contestação do ora recorrente, o que constitui violação do princípio do contraditório (cfr. art.º 3.º CPC ex vi art.º 1.º do CPTA), e à luz do disposto na alínea d), do n.º 1, do art.º 615.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, inquina o decisório em recurso de nulidade;

Bem como,

B) Erro de julgamento quanto a matéria de facto e de direito, por considerar verificada a existência de «trabalhos a mais», nos termos do nº 1 do art 26º do DL 59/99, de 2.3, quando a «matéria assente» na sentença contraria manifestamente essa conclusão, nomeadamente que:

- «os trabalhos relacionados com a construção da estacaria e estabilização da base da plataforma podiam ser tecnicamente separáveis da empreitada» (vd. ponto 48 da sentença recorrida);

- « A Autora, antes da outorga da Empreitada (de construção civil e instalações técnicas da plataforma da L... Ermesinde/Valongo), cujo contrato foi celebrado em 10 de outubro de 2006, sabia da existência de lixiviados, da profundidade do firme geotécnico entre os 15 m e 39 m, e da existência de camada de detritos heterogénea e não consolidada (em termos geotécnicos) com 9 a 12 m de espessura» (vd. ponto 49 da sentença recorrida).

- «Os mesmos [trabalhos) não eram estritamente necessários ao acabamento da obra» (vd. ponto 63 da sentença recorrida).

- «Resultou provado que a Autora sabia que existia um embargo sobre o aterro de Crestins ainda antes do lançamento do concurso para encerramento do Aterro de Ermesinde e que a obra em causa (empreitada de construção civil e instalações técnicas da plataforma de triagem da L... Ermesinde/Valongo) constituiu uma fase subsequente a uma anterior empreitada de conceção/construção….» (vd.pag.37 da sentença recorrida);

- «Resultou também provado que os trabalhos relacionados com a construção da estacaria e estabilização da base da plataforma podiam ser tecnicamente separáveis da empreitada» (vd. pag. 39 da sentença recorrida).

C) Com efeito, embora o aresto em recurso reconheça que a Autora conhecia diversos factos que vieram a reflectir-se na obra, como reconhece igualmente a existência de trabalhos que poderiam ser tecnicamente separados da empreitada;

D) Conclui, ainda assim, pela verificação dos pressupostos do n.º1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, aceitando a bondade do juízo de “imprevisibilidade” desses trabalhos tal como defendido pela A., conclusão que vai contra a “matéria assente” que se deixou transcrita.

E) A pág. 42 da sentença recorrida resulta igualmente provado que «... à data do lançamento do processo concursal ainda não estava devidamente resolvida a tutela sobre os terrenos a poente do Aterro (terrenos que não eram nem são propriedade da L..., mas sim do Município de Matosinhos) devido à construção do viaduto da VRI sobre o rio Leça».

F) Quer o Município da Maia, quer o Município de Matosinhos, integram o lote de AA na presente ação, donde, como donos da obra, e simultaneamente, AA do embargo causa do atraso e do aumento do volume de resíduos, não podiam desconhecer as consequências de tal medida, na obra dos autos;

G) Sendo certo ainda que, a despesa com trabalhos a mais só poderá ser considerada despesa elegível no âmbito do FCII Ambiente se for inequivocamente demonstrada pelo beneficiário a sua total imprevisibilidade, por razões não imputáveis ao dono da obra, o que se tem por demonstrado não ser o caso;

H) Posto o que, se apresenta a sentença em recurso eivada de erro de julgamento sobre matéria de facto, e de direito, razão pela qual deve a mesma ser revogada, nos termos apontados com fundamento em violação dos arts. 3º, 608º nº 2, 615º nº 1 als. c) e d) do CPC, «ex vi» art. 1º do CPTA.

Em alegações o recorrente POVT (Programa Temático de Valorização do Território) representado pela Autoridade de Gestão do programa Operacional Sustentabilidade, Eficiência no Uso de Recursos (PO SEUR) concluiu assim:

A) A L... – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, apresentou em juízo uma Ação Administrativa Especial (AEE) através da qual impugnou o Despacho da Autoridade de Gestão do POVT, de 30 de Setembro de 2010, requerendo que seja declarado anulado ou nulo o ato de decisão do Réu POVT que aplicou uma correção financeira de 25% ao montante das despesas elegíveis apresentadas para cofinanciamento ao Fundo de Coesão no âmbito da candidatura designada “Projecto de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos da L... – Central de Valorização Orgânica” – Projecto – FC 2002/PT/16/C/002”.

B) A aplicação pelo POVT de uma correção financeira de 25% sobre o montante das despesas elegíveis apresentadas pela L... no âmbito da supra designada candidatura refere-se aos contratos adicionais celebrados nas seguintes empreitadas:

- Empreitada de Encerramento, Selagem e Recuperação Paisagística do Aterro de Ermesinde;

- Empreitada de Construção Civil e Instalações Técnicas da Plataforma de Triagem da L...;

- Empreitada de Concepção, Construção de Encerramento, Selagem e Recuperação do Aterro Sanitário de Matosinhos.

C) O POVT aplicou a referida correção financeira por entender que os trabalhos constantes dos adicionais aos contratos principais das referidas empreitadas não reuniam todos os requisitos legalmente exigidos, em especial, o requisito da imprevisibilidade, previstos no artigo 26º do Decreto-Lei nº 59/99 de 2 de Março, aplicável à data daqueles contratos.

D) Nos termos do artigo 26º de Decreto-lei nº 59/99, de 2 de Março – diploma ao abrigo do qual tais trabalhos foram executados – a realização de trabalhos a mais numa empreitada só é legalmente possível quando, uma vez verificadas determinadas das condições, os trabalhos se destinem à realização da mesma empreitada e se tenham tornado necessários na sequência de uma circunstância imprevista.

E) Circunstância imprevista é aquela circunstância que um decisor normal, colocado na posição de real decisor, não podia nem devia ter previsto e é algo inesperado que surge e que um agente, normalmente, diligente não estava em condições de prever antes do lançamento do procedimento.

F) “Circunstância imprevista não pode ser, pura e simplesmente, circunstância «não prevista», acepção que a simples etimologia ainda poderia consentir mas que a semântica de todo não recomenda, acrescentando que os “trabalhos a mais” são um «remédio» para algo que o legislador não vê com bons olhos mas que tolera dentro de apertados limites, de resto progressivamente mais severos”. Bold nosso. Cfr. Acórdão TC nº 8/2004, proferido no âmbito de um recurso ordinário no Proc. nº 113/2003.

G) A factualidade dada como provada, não permite concluir que o requisito da imprevisibilidade está presente nos motivos que conduziram à realização de todos os trabalhos constantes dos adicionais aos contratos principais das três empreitadas supra referidas e, por isso, eles não são, nem podem ser, entendidos como verdadeiros “trabalhos a mais”, pois a imprevisibilidade é um requisito essencial dos mesmos.

H) Mesmo quando a imprevisibilidade está prevista nos trabalhos constantes dos respetivos adicionais torna-se necessário que tais trabalhos sejam necessários ao acabamento da empreitada, o que manifestamente não aconteceu pois as soluções técnicas inicialmente previstas funcionariam seguramente.

I) Os trabalhos em causa constantes dos contratos adicionais aos contratos principais das três empreitadas “sub iudice” não resultaram de circunstâncias imprevistas pois as circunstâncias que se alegaram como geradoras dos trabalhos a mais, eram, umas do seu conhecimento prévio anterior – como aconteceu Empreitada de Encerramento, Selagem e Recuperação Paisagística do Aterro de Ermesinde - no que respeita ao embargo do Aterro da Maia/Crestins para onde seriam depositados os resíduos daquele Aterro.

J) Outras, foram meras opções técnicas tomadas durante o decurso da empreitada decorrentes de uma conduta da entidade adjudicante – como aconteceu nos trabalhos da Empreitada de Construção Civil e Instalações Técnicas da Plataforma de Triagem da L...,

K) Outras ainda, – como no caso da Empreitada de Concepção, Construção de Encerramento, Selagem e Recuperação do Aterro Sanitário de Matosinhos - porque foram trabalhos cuja realização deveria ter sido prevista pela entidade adjudicante atendendo aos condicionalismos invocados e mesmo relativamente a alguns desses trabalhos seria necessário que fossem essenciais ao acabamento da empreitada, o que manifestamente não aconteceu pois as soluções técnicas inicialmente previstas funcionariam seguramente.

L) Assim, impunha-se que o douto Acórdão recorrido tivesse ponderado tal factualidade e aplicando os factos à lei, tivesse decidido diversamente dadas as ilegalidades dos trabalhos constantes dos contratos adicionais das empreitadas principais, por violação do nº 1 do artigo 26º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2/3, aplicável à data dos citados contratos.

M) O princípio da concorrência é um dos princípios basilares da contratação pública e o ajuste direto é uma exceção à regra que deve ser aceite em situações muito casuísticas.

N) O critério da economicidade e da onerosidade, não é nenhum critério que esteja na génese do requisito da imprevisibilidade dos trabalhos a mais, pelo que, não poderá também invocado para legitimar tais trabalhos.

O) Faltando o requisito da imprevisibilidade, a Autoridade de Gestão esteve bem na aplicação de uma correção financeira de 25% ao montante das despesas elegíveis apresentadas para cofinanciamento ao Fundo de Coesão no âmbito da candidatura designada “Projecto de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos da L... – Central de Valorização Orgânica” – Projecto – FC 2002/PT/16/C/002”.

P) O douto acórdão recorrido, violou, por deficiente interpretação, o artigo 26º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2/3, subsumindo erradamente os factos ao direito aplicável.

O Recorrido notificado para o efeito, contra-alegou, tendo concluído:
1.ª – Só as conclusões da recorrente tiradas sob as alíneas G), H), I), J) e K) poderiam ter interesse para a decisão de mérito;
2.ª – A alegação contida na alínea G) não permite, por falta de explicitação das premissas de facto, aferir da razoabilidade da conclusão;
3.ª – O mesmo sucede com o texto da alínea H) que, por si só, não tem a virtualidade de mostrar os fundamentos em que assenta o que, aí, defende a recorrente;
4.º - Ainda o mesmo sucede com o texto da alínea I) em que não se apontam os fundamentos de facto que permitam suportar a afirmação aí contida;
5.ª – O texto da alínea J) configura um mero juízo de valor e não uma conclusão ou síntese, do que a recorrente tenha alegado;
6.ª – O teor da alínea K), do mesmo modo, contém afirmações não fundamentadas nem concretizadas;
7.ª – Por isso que, entende a recorrida, salvo sempre o devido respeito, que improcedem todas as pretensas conclusões da recorrente, designadamente, as tiradas sob as alíneas L), O) e P).

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorre erro de julgamento por o Tribunal a quo ter entendido que não ocorria

2– FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – DE FACTO
Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:
1 - A L... apresentou ao POVT, no âmbito do Fundo de Coesão, uma candidatura a co-financiamento para o designado “Projecto de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos da L... – Central de Valorização Orgânica”, Projecto – FC 2002/PT/16/C/ 002, candidatura que mereceu aprovação.

2 - No decurso do processo, o POVT, após a análise do 12.º pedido de pagamento no âmbito de tal candidatura, notificou a L..., para, nos termos do disposto nos artigos 100.º e 101.º do Código do Procedimento Administrativo, se pronunciar sobre o seu projecto de decisão nos termos da qual se previa a aplicação de uma correcção financeira de 25% sobre o montante das despesas apresentadas para co-financiamento das despesas de 3 contratos adicionais, de “trabalhos a mais” aos seguintes contratos principais de empreitada de obras públicas:
Ø Encerramento, Selagem e Recuperação Paisagística do Aterro de Ermesinde – Trabalhos a Mais;
Ø Empreitada de Construção Civil e Instalações Técnicas da Plataforma de Triagem da L... – Trabalhos a Mais; e
Ø Encerramento, Selagem e Recuperação Paisagística do Aterro de Matosinhos – Trabalhos a Mais.

3 - Tal correcção financeira de 25% determinaria, no que se refere ao referido 12.º Pedido de Pagamento, a dedução do montante total de despesa, apresentada para co-financiamento, de € 869.199,45 (oitocentos e sessenta e nove mil cento e noventa e nove euros e quarenta e cinco cêntimos) (319.647,83 + 549.551,62).

4 - A L..., oportunamente, pronunciou-se contra tal projecto de decisão, pronúncia que foi desatendida pela Autoridade de Gestão do POVT.

5 - Através do Ofício Ref.ª S 002124 11-10*10 foi a A. notificada do acto da Autoridade de Gestão do POVT (Programa Operacional de Valorização do Território) de 30.09.2010 que aqui se considera integralmente reproduzido e que determinou a aplicação de uma correcção financeira de 25% sobre o montante das despesas apresentadas para co-financiamento nos três contratos supra identificados, no âmbito do projecto denominado “FUNDO DE COESÃO – FC 2002/PT/ 16/C/PE/002 – Projecto de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos Urbanos da L... – Central de Valorização Orgânica”.

6 - A L... é uma Associação de Municípios, constituída por escritura pública, que associa os Municípios de Espinho, de Gondomar, da Maia, de Matosinhos, do Porto, da Póvoa do Varzim, de Valongo e de Vila do Conde, que serve um milhão de habitantes, tratando e valorizando os resíduos sólidos produzidos na região.

7 - O Tribunal de Contas concedeu Visto aos Contratos Adicionais referidos em 2 supra, da matéria de facto assente.

8 - A L... lançou, no ano de 2001, um Concurso Público Internacional para o Encerramento, Selagem e Recuperação Paisagística do Aterro de Ermesinde.

9 - Em 5 de Setembro de 2003, celebrou com a C... – Compañia Española de Servicios Publicos Auxiliares, S.A. um contrato de empreitada de obras públicas para o “Encerramento, Selagem e Recuperação Paisagística do Aterro de Ermesinde”.

10 - O intervalo de tempo que medeia entre a última versão do projecto posta a concurso e a outorga do contrato de empreitada é de 32 meses, período durante o qual o aterro esteve sempre em funcionamento.

11 - O Aterro de Ermesinde continuou em exploração para além da data de abertura do procedimento concursal, na medida que não exista naquele momento temporal qualquer alternativa ambientalmente sustentável para a deposição dos resíduos urbanos provenientes dos munícipes dos oito Municípios associados (perto de um milhão de pessoas, correspondente aos habitantes dos Municípios do Porto, Valongo, Maia, Espinho, Gondomar, Vila do Conde, Matosinhos e Póvoa de Varzim).

12 - O projecto inicial partia do pressuposto que a obra de Encerramento e Selagem do Aterro se iria executar baseado numa morfologia inicial, com um determinado volume de resíduos e umas pendentes de taludes definidas, que determinavam uma técnica de impermeabilização adequada para estes parâmetros (volumes, pendentes de taludes, áreas).

13 - O Aterro veio a apresentar um volume de resíduos superior ao previsto, numa área mais reduzida, traduzindo-se em pendentes dos taludes bastante mais inclinados, pelo que não era realizável a solução técnica inicialmente prevista para a sua impermeabilização e selagem.

14 - À data do lançamento do Concurso (final de 2001), a L... já se encontrava a desenvolver um Processo concursal para a construção de um novo Aterro Sanitário na Maia, o qual iria “substituir” o Aterro de Ermesinde.

15 - A construção do novo Aterro sofreu um atraso de, praticamente, dois anos em virtude da obra ter sido embargada pelo Município da Maia.

16 - E, por isso, houve a necessidade de manutenção em funcionamento do Aterro de Ermesinde por mais tempo do que previsto.

17 - O Município da Maia emitiu um parecer desfavorável a construção do aterro da Maia (Crestins), aterro esse para onde era previsto serem encaminhados os resíduos, anteriormente colocados no Aterro de Ermesinde.

18 - A Autora sabia que existia um embargo sobre o aterro de Crestins ainda antes do lançamento do concurso para encerramento do Aterro de Ermesinde.

19 - A obra em causa [empreitada de construção civil e instalações técnicas da plataforma de triagem da L..., Ermesinde/Valongo] constituiu uma fase subsequente a uma anterior empreitada de concepção/construção, cujo contrato veio a ser resolvido devido à falência da empreiteira (E... – Empresa de Construções e Obras Públicas AO, SA).

20 - Em 2001/2002, a L... desencadeou um procedimento concursal [empreitada de construção civil e instalações técnicas da plataforma de triagem da L..., Ermesinde/Valongo], que foi adjudicada à E..., na modalidade concepção/construção, para a execução de uma plataforma de triagem de materiais oriundos de ecocentros, nos terrenos adjacentes (a noroeste) da antiga unidade de compostagem.

21 - Nesse local e no início da exploração como vazadouro, haviam sido depositados resíduos sólidos urbanos que, posteriormente, foram recobertos com terras e outros materiais de cobertura e o espaço passou a ser utilizado para as funções mais diversas.

22 - Devido ao conhecimento dessa realidade, a empreiteira supra referida [E...] promoveu um primeiro Estudo de Reconhecimento Geotécnico, cujas conclusões apontavam para:
- existência de uma camada de brita e aterro com cerca de 2 metros de espessura à superfície;
- existência de uma camada de resíduos sólidos urbanos com espessura da ordem dos 4 a 5 metros; e
- finalmente, um “bed rock” constituído por rocha fragmentada e solo duro a partir daí, ou seja, uma fundação a cerca de 10 metros de profundidade.

23 - No entanto, no âmbito do mesmo contrato [com a E...] de concepção/construção, gerou-se a dúvida sobre a espessura efectiva da camada de resíduos, pelo que houve lugar à execução de poços de sondagem, realizados por retroescavadora, tendo-se constatado que: a) a espessura e características da camada superficial correspondiam aos resultados obtidos na primeira sondagem; e b) no que concerne à espessura da massa de resíduos, esta era variável, mas ultrapassava claramente as espessuras referenciadas na primeira sondagem (não se obteve maiores profundidades pelo facto do braço da retroescavadora não permitir alcance superior).

24 - Face aos resultados obtidos, a empreiteira [E...] promoveu novo “Estudo de Reconhecimento Geotécnico”, cujas conclusões indicavam que: a) se mantinha a informação relativa à espessura e características da camada superficial; b)a espessura da massa de resíduos se revelou como variável mas, em todos os casos, superior às indicações da primeira sondagem, tendo-se mesmo detectado uma situação em que o “bed-rock” atingia os 40 metros de profundidade; e c) a execução das fundações deveria ser realizada através de estacas.

25 - Perante tais conclusões, no âmbito da mesma empreitada de concepção /construção, a empreiteira [E...] apresentou um novo Projecto de fundações, de autoria da empresa especializada em fundações especiais, conveniente e adaptado aos resultados da segunda sondagem.

26 - Após a execução de uma pequena parte da empreitada, houve lugar à resolução do contrato devido à falência da empreiteira [E...], ficando a L... na posse quer dos dados das sondagens realizadas quer do projecto de fundações.

27 - Por isso, com o lançamento de novo processo concursal [cuja adjudicatária é a ABB], a L... optou por um concurso com Projecto de Execução próprio, tendo sido adoptado o projecto de fundações por estacas anteriormente referido [efectuado pela E...], sendo que para efeito de concurso foi considerada uma altura média de 25 metros por estaca, valor este a corrigir aquando da realização efectiva das fundações.

28 - No decorrer da obra constatou-se que a camada superficial, quer em espessura quer em características, já não correspondia ao constante dos Relatórios das Sondagens, verificando-se, aquando da realização de algumas trincheiras, que o material de aterro tinha migrado para as camadas inferiores, mesclando-se com a massa de resíduos.

29 - Este fenómeno ocorreu devido ao facto de o terreno ter sido usado para armazenagem temporária de vidro e de “monstros”, com grande movimentação de máquinas e de camiões pesados, que terão exercido acções verticais e horizontais sobre a plataforma sendo que a retirada de materiais superficiais não ocorreu, tanto mais que as cotas do terreno correspondiam genericamente às situações anteriores.

30 - Por outro lado, devido, essencialmente, à infiltração de águas pluviais, a massa de resíduos, que nas sondagens aparecia como relativamente consolidada, passou a conter um mais elevado volume de águas lixiviadas, situação que resultara, essencialmente, do fenómeno descrito no ponto anterior, pois o pavimento da plataforma provisória terá ficado mais permeável.

31 - Face ao constatado em obra, o novo empreiteiro [a ABB] apresentou uma solução alternativa ao projecto de estacas, adaptado às novas situações encontradas que assentava na alteração do processo construtivo das estacas - através do encamisamento das mesmas - por não ser possível garantir a moldagem directa contra a massa de resíduos, pois esta revelava grande heterogeneidade e continha elevada quantidade de água de lixiviados; na alteração da natureza do betão para satisfazer as exigências de resistência, relativamente à agressividade do meio detectado; e na criação de uma nova caixa de base em rachão e “tout-venant” com separação do solo existente através de geotêxtil, para evitar eventuais futuras “mesclagens”.

32 - Durante a execução das fundações, verificou-se que as estacas atingiam uma profundidade média superior a 30 metros, excedendo assim o estimado em sede de concurso, verificando-se pois que o declive não era constante.

33 - O projecto de drenagem de águas pluviais posto a concurso [empreitada de construção civil e instalações técnicas da plataforma de triagem da L... Ermesinde/Valongo] estruturava-se segundo o princípio da condução directa das águas pluviais recolhidas na plataforma e descarga para o meio natural, ou seja, para a linha de água existente no limite da propriedade.

34 - Durante a execução das estacas, e por desconhecimento do traçado exacto do colector de drenagem de águas pluviais da zona onde se localizam as antigas instalações de compostagem (já que a sua construção tinha sido realizada antes dos terrenos terem chegado à propriedade da L..., mas que se sabia estar instalado a grande profundidade na massa de resíduos) foi perfurado o último troço do colector interrompendo assim o caminho de descarga para linha de água.

35 - Este incidente, apenas, foi detectado aquando da betonagem da referida estaca ao levantar-se a “camisa” pois as quantidades de betão introduzidas começaram a ser bastante superiores ao expectável, desaparecendo.

36 - Após análise detalhada da ocorrência, verificou-se o aparecimento de betão nas caixas de visita quer a montante, quer a jusante do local de intersecção sendo que o facto de se ter constituído um fenómeno de “presa” tornou inviável a utilização do colector como elemento hidráulico de descarga final.

37 - Face ao ocorrido foi desenvolvido um estudo que propunha a implementação de um “by-pass” ao colector, estabelecendo uma ligação hidráulica entre a câmara a montante e a câmara a jusante, não danificadas.

38 - Como alternativa, haveria a hipótese de se proceder à abertura de trincheira com profundidade da ordem dos 12 metros na massa de resíduos para se proceder à substituição do colector danificado, opção essa que foi abandonada por ser mais demorada e mais cara face às exigências de condições de segurança que seria necessário implementar.

39 - A infra-estrutura para o tratamento de resíduos em causa pressupõe grandes quantidades de escorrências que necessitam de ser especial e devidamente encaminhadas.

40 - O Contrato para a Concepção, Construção de Encerramento, Selagem e Recuperação Paisagística do Aterro Sanitário de Matosinhos teve a sua génese [o contrato principal] numa empreitada por série de preços.

41 - O Concurso Público para a Concepção, Construção de Encerramento, Selagem e Recuperação Paisagística do Aterro Sanitário de Matosinhos [o contrato principal] foi lançado em 2006 e a empreitada foi adjudicada visando a elaboração e conceção do projecto de execução.

42 - Por razões estranhas à actuação da L..., à data do lançamento do processo concursal ainda não estava devidamente resolvida a tutela sobre os terrenos a poente do Aterro [terrenos que não eram nem são propriedade da L..., mas sim do Município de Matosinhos], devido à construção do viaduto da VRI sobre o rio Leça, que se sobrepunha parcialmente àquelas áreas ou limitava a acção devido ao estabelecimento de zonas non aedificand.

43 - Aquando da preparação do Processo de Concurso, anterior a Março de 2006, era intenção quer da L..., quer da Câmara Municipal de Matosinhos, que o mesmo abrangesse a totalidade dos terrenos que constituíam o Aterro Sanitário de Matosinhos.

44 - Antes do encerramento do Aterro Sanitário de Matosinhos, os lixiviados aí produzidos eram conduzidos para a lagoa de lixiviados e após alguma estabilização eram lançados directamente no Rio Leça.

45 - A celebração do Contrato Adicional [empreitada de construção civil e instalações técnicas da Plataforma de Triagem da L... Ermesinde/Valongo], resultou da factualidade enunciada nos pontos 28, 29 e 30 supra, da matéria de facto assente.

46 - A canalização objecto de danos durante a obra, foi instalada durante o período anterior à L... e não ficou registo preciso quer da sua implantação/traçado quer da profundidade a que se situava.

47 - Apesar de se saber da existência de tal infra-estrutura, não era possível à L... determinar quer a sua posição exacta pois apenas se conheciam os pontos de partida (caixa a montante) e de chegada (caixa a jusante) quer se o traçado era rectilíneo (julgou-se que fosse) ou se teria sofrido movimentos laterais ou verticais devido à actividade da massa de resíduos.

48 - Os trabalhos relacionados com a construção da estacaria e estabilização da base da plataforma podiam ser tecnicamente separáveis da empreitada.

49 - A Autora, antes da outorga da Empreitada [de construção civil e instalações técnicas da plataforma da L... Ermesinde/Valongo], cujo contrato foi celebrado em 10 de Outubro de 2006, sabia da existência de lixiviados, da profundidade do firme geotécnico entre os 15 m e os 39 m e da existência de camada de detritos heterogénea e não consolidada (em termos geotécnicos) com 9 a 12 m de espessura.

50 - A celebração deste Contrato Adicional, em 12 de Agosto de 2008, respeitante à empreitada de conceção, construção de encerramento, selagem e recuperação paisagística do aterro sanitário de Matosinhos, teve na sua base, a revisão do Projecto motivada pela questão da tutela dos terrenos e da zona non aedificandi que apenas se concretizou após a consignação, e de se proceder a correcções na execução dos trabalhos devido a diferenças entre o controlo topográfico efectuado para o concurso e o início dos trabalhos, e porque a L... entendeu proceder à alteração do sistema de gestão de lixiviados previsto no Projecto.

51 - A questão da tutela dos terrenos a poente do aterro de Matosinhos [atinente à zona “non aedificandi”, devido à construção do viaduto da VRI], só veio a ser resolvida após a consignação dos trabalhos ao adjudicatário [C..., SA e AC, SA] e já na fase da execução da obra, por forma a ajustar os trabalhos à nova realidade decorrente do estabelecimento de “zonas non aedificandi”, que passaram a onerar os terrenos.

52 - Essa questão demandou a necessidade de revisão do projecto para a concepção, construção do encerramento, selagem e recuperação paisagística do aterro sanitário de Matosinhos, concebido pelos adjudicatários C..., S.A. e AC, S.A..

53 - Quanto ao viaduto da VRI, que se previa construir parcialmente sobre os terrenos do Aterro, estavam em vigor todas as condicionantes relacionados com o espaço-canal da via estruturante que impunha a reserva de uma faixa de 70 mts para cada lado da via projectada e em construção.

54 - Tal reserva só seria levantada após a estabilização definitiva do traçado da via.

55 - Tal reserva só veio a ser sobrelevada após o início da obra, ficando então estabelecida uma área “non aedificandi” de 40 metros o que condicionou, entre outros factores, o posicionamento do edifício ambiental.

56 - Com a Empreitada de Encerramento do Aterro de Matosinhos, não havendo solução de tratamento na proximidade, optou-se por uma solução equivalente à existente no Aterro Sanitário de Ermesinde – construção de 2 reservatórios de elevada capacidade (200 m3) e condução dos lixiviados para tais reservatórios onde os mesmos ficam armazenados, sendo que sempre que cheios tais reservatórios, e tal como sucede no Aterro de Ermesinde, os lixiviados seriam transferidos para um camião-cisterna que os levaria para uma ETAR municipal.

57 - Trata-se de uma solução com custos de exploração muito elevados e de longa duração – já que é de muito difícil previsão determinar quantos anos serão necessários para que os resíduos depositados em Aterro, qualquer que ele seja, deixem de lixiviar – e que por isso só é adoptada quando não há recurso alternativo.

58 - Desde cedo, porém, procurou aferir-se a possibilidade de ligar os lixiviados ao colector de águas residuais que acompanha o Rio Leça até à ETAR em Leça, que estava em fase de implementação.

59 - Mas só com a finalização de tal obra e a entrega da infra-estrutura descrita à nova concessionária das águas e esgotos do concelho de Matosinhos a partir de Janeiro de 2008 – quando o processo concursal para o encerramento e selagem do Aterro foi lançado em 2006 – se procedeu à negociação com esta entidade para a aceitação do efluente do Aterro no colector antes referido sem tratamento ou pré-tratamento prévio, situação que veio a concretizar-se.

60 - Assim, procedeu-se à alteração do sistema que passou pela eliminação dos reservatórios e a implementação de um colector de efluentes lixiviados ao longo das vias públicas existentes até o entroncar no colector do rio Leça, imediatamente a jusante da ponte sobre o rio Leça.

61 - Mostrou-se assim necessário realizar este trabalho, devido ao facto de se ter concluído a obra do colector de águas residuais que acompanha o rio Leça e ter sido possível o acordo com a Concessionária.

62 - Tais trabalhos de ligação representavam a solução que do ponto de vista ambiental e económico melhor assegurava o interesse público (na medida, até, em que é definitiva).

63 - Os mesmos não eram estritamente necessários ao acabamento da obra.

64 - A construção do viaduto da VRI sobre o rio Leça condicionou os trabalhos numa área que veio a demandar a alteração do projecto de construção.

65 - Os trabalhos que ficaram condicionados tinham interligação com restantes trabalhos de selagem, dos quais eram tecnicamente separáveis, mas que, atenta a dimensão e a área abrangida, se o fossem [em execução separada] causariam grave inconveniente à L....

66 - Tendo-se suprimido a intervenção de construção dos reservatórios de lixiviados e não se avançando para a ligação ao colector, ficar-se-ia com uma obra não acabada.

67 - Não se realizando tal intervenção, certamente se ficaria com um muito sério problema ambiental, de salubridade e de saúde pública.

68 - Antes de Maio de 2006 (altura em que procedeu ao lançamento do concurso da empreitada de encerramento e selagem do aterro de Matosinhos), a Autora não sabia da possibilidade de encaminhar os lixiviados para o colector de esgoto que acompanha o Rio Leça.

69 - O sistema de drenagem inicialmente definido, que se encontrava adjudicado [construção de 2 reservatórios e condução de lixiviados por camiões cisternas para ETAR], funcionaria seguramente.

70 - A Petição inicial que motivou estes autos foi remetida a este Tribunal por correio eletrónico em 07 de janeiro de 2011.

3 – DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
I- Na sua conclusão A) vem o recorrente Ministério do Ambiente Ordenamento do Território e Energia, sustentar que a decisão recorrida será nula, nos termos do artigo 3.º e 615º, n.º 1, al. d), do CPC, por violação do princípio do contraditório e por omissão de pronúncia uma vez que o Tribunal não se teria pronunciado sobre questões por si levantada na contestação.
Esta posição deriva do facto de no relatório da decisão recorrida não se ter feito referência à contestação apresentada pelo contra-interessado. Na verdade a fls. 735 no Acórdão recorrido refere-se: ”regularmente citados, a Ré e os identificados contra-interessados, apenas a ré POVT e o contra-interessado IFDR deduziram contestação…” Nesta sequência no relatório só se faz referência à posição da contestação destas duas partes.
Analisado todo o processado verifica-se que a contestação da contra-interessada foi notificada as partes, foi elaborado Despacho Saneador também notificado a todas as partes, incluindo o contra-interessado ora em causa, foi realizada audiência final por duas sessões com produção de prova, onde interveio este contra-interessado, que foi notificado para apresentar alegações. Ou seja, em todo o processado foi garantido o princípio do contraditório.
Não é pelo facto de no relatório da decisão final se não ter feito referência à contestação apresentada pelo Contra-interessado Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia que se pode concluir que foi violado o princípio do contraditório. O relatório faz parte do conteúdo formal da decisão, onde se referenciam sumariamente as posições das partes, mas a omissão de referência a uma dessas partes não é só por si idónea a que ocorra nulidade da sentença, até porque não está em casa qualquer matéria incluída no seu conteúdo material. De notar que o facto de se ter omitido no relatório da decisão final a referência a alguma das partes não é uma causas de nulidade referidas no artigo 615º do CPC, cuja enumeração é taxativa. Será causa de nulidade quando o juiz “deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”.
No entanto não se vê sobre que questões o Tribunal a quo deixou de se pronunciar, nem aliás o recorrente alega qualquer questão nesse sentido. Estamos perante uma irregularidade/omissão sobre um aspecto formal da decisão que não vem ter qualquer interferência na apreciação do mérito da questão.

De todo o exposto se conclui que não procede a arguição desta nulidade da decisão recorrida.

II- O recorrente Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, vem sustentar que ocorreu erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, uma vez que da matéria de facto não se pode concluir que tenham ocorrido trabalhos a mais. Ou seja, tiraram-se conclusões que entram em contradição com a matéria de facto dada como assente.
Por seu lado, quer o recorrente Ministério do Ambiente, quer o recorrente POVT, o que vêm referir, no essencial, é que as obras realizadas, e que levaram a que a Autora viesse a solicitar que fossem consideras despesas elegíveis, através de contratos adicionais celebrados em algumas empreitadas, não satisfazem um elemento essencial para que tais obras pudessem ser consideradas trabalhos a mais, a sua imprevisibilidade, que consta do artigo 26º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março.
Nos seus recursos não vem posta em causa a matéria de facto dada como provada. O que vem posto em causa é que da matéria de facto dada como provada se tenha concluído que os contratos adicionais ora em crise se possam considerar como trabalhos a mais.

Vejamos, em concreto, o que está em causa.
A L... (Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto), Autora, ora recorrida, apresentou ao POVT (Programa Operacional Temático de Valorização do Território), Réu, ora recorrente, no âmbito do Fundo de Coesão, uma candidatura a co-financiamento para o designado “Projecto de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos da L... – Central de Valorização Orgânica”.
A L... é uma Associação de Municípios que associa os Municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa do Varzim, Valongo e de Vila do Conde.
No decurso do processo de co-financiamento, após a análise do 12.º pedido de pagamento, o POVT notificou a L..., nos termos do disposto nos artigos 100.º e 101.º do Código do Procedimento Administrativo, para se pronunciar sobre o seu projecto de decisão nos termos da qual se previa a aplicação de uma correcção financeira de 25% sobre o montante das despesas apresentadas para co-financiamento das despesas de 3 contratos adicionais, de “trabalhos a mais” aos seguintes contratos principais de empreitada de obras públicas:
Ø Encerramento, Selagem e Recuperação Paisagística do Aterro de Ermesinde – Trabalhos a Mais;
Ø Empreitada de Construção Civil e Instalações Técnicas da Plataforma de Triagem da L... – Trabalhos a Mais; e
Ø Encerramento, Selagem e Recuperação Paisagística do Aterro de Matosinhos – Trabalhos a Mais.

A Autoridade de Gestão do POVT por decisão de 30-09-2010 determinou a aplicação da referida correcção financeira de 25% sobre o montante das despesas apresentadas, no âmbito do 12º pedido.
Os recorrente vêm sustentar que estes contratos adicionais não podem ser trabalhos a mais para efeitos o artigo 26º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, aplicável ao caso dos autos.
Vejamos o que a decisão recorrida refere quanto a cada um dos contratos adicionais para então podermos concluir se estamos ou não perante o que se pode considerar trabalhos a mais.
Para contextualizar a questão é de referir que o artigo 26º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, o que está em causa, refere o seguinte:

“1- Consideram-se trabalhos a mais aqueles cuja espécie ou quantidade não hajam sido previstos ou incluídos no contrato, nomeadamente no respectivo projecto, se destinem à realização da mesma empreitada, se tenham tornado necessários na sequência de uma circunstância imprevista, desde que se verifique qualquer das seguintes circunstâncias:
a) Quando esses trabalhos não possam ser técnica ou economicamente separados do contrato sem inconveniente grave para o dono de obra;
b) Quando esses trabalhos, ainda que separáveis da execução do contrato, sejam estritamente necessários ao seu acabamento.”

Assim, são considerados trabalhos a mais aqueles cuja espécie ou quantidade, se destinem à realização da mesma empreitada e se tenham tornado necessários na sequência de uma circunstância imprevista à realização da obra.
Como se refere no Acórdão deste Tribunal proc. n.º 00070/05.5BEMDL, de 06-05-2010 I. São considerados trabalhos a mais aqueles, cuja espécie ou quantidade, se destinem à realização da mesma empreitada e se tenham tornado necessários na sequência de uma circunstância imprevista à realização da obra.
III - Circunstância imprevista é aquela circunstância que um decisor normal, colocado na posição do real decisor, não podia nem devia ter previsto, donde decorre que apenas poderão ser considerados trabalhos a mais aqueles cuja necessidade fosse impossível de prever aquando do lançamento do concurso.

Vejamos agora então a situação dos autos perante cada um dos contratos adicionais.
a) Refere-se na decisão recorrida quanto ao contrato Adicional referente ao contrato de Empreitada de Concepção Construção de Encerramento Selagem e Recuperação paisagística do Aterro de Ermesinde e do referente à Empreitada de Construção Civil e Instalações Técnicas da Plataforma de Triagem da Limpor ”, o seguinte:
Ora, quanto à necessidade em torno da celebração do Contrato Adicional ao contrato de “Empreitada de Concepção, Construção de Encerramento, Selagem e Recuperação Paisagística do Aterro de Ermesinde”, como julgamos, tal resultou de alterações imprevistas em torno das condições físicas e estruturais do Aterro, que se vieram a revelar de forma diferente, por reporte às condições enunciadas no Projeto de Execução, atento, desde logo, o volume de resíduos que entretanto teve de ser depositado no solo, o que veio a gerar, consequentemente, a instabilidade dos taludes finais. Efetivamente, as condições de facto que motivaram a necessidade da realização do Contrato adicional não eram conhecidas ou passíveis de o poderem ser, antes da abertura do concurso, por um responsável normalmente diligente.
É claro que, anos volvidos, e olhando para toda a atuação que foi prosseguida pela Autora, seria possível, hoje [no futuro], pensar que seria possível inverter o curso de determinados acontecimentos. Mas esse, é um exercício que fazemos “hoje”, olhando para tràs, em que podemos identificar uma atuação, fundada nos pressupostos conhecidos, mormente, naqueles que era possível conhecer.

Nas condições de tempo e lugar, assim como, com os conhecimentos detidos pela Autora, à data em que foi aberto o procedimento concursal, não era previsível saber e conhecer, com diligência razoável, se não do que se conhecia. É certo que, sempre poderiam ter sido feitos muitos mais estudos, em ordem a avaliar as globais condições para a execução da obra, e designadamente, sobre a necessidade de prever o aumento das estacas de suporte da plataforma, e um modo diverso da sua execução. Mas esse cenário, pensado á data, também com diligência razoável, demandaria a sua não realização, por importar em custos, que à data, seriam desnecessários e sempre onerosos.

O limiar entre as “circunstâncias não previstas” e as “circunstâncias imprevisíveis”, é assim, como julgamos, muito ténue, pois que, no limite todos e quaisquer trabalhos a mais realizados numa empreitada, á partida, sempre poderão ser previstos aquando do lançamento do procedimento concursal inicial, na ótica de um “homem médio absolutamente diligente”. Mas tal impõe uma grande capacidade de abstração, e designadamente, quando contende com o conhecimento do subsolo, em saber se o mesmo foi todo sondado, ou se foram feitas amostragens. Sendo feitas amostragens, um estudo geotécnico é mais barato, e à partida pode aportar o conhecimento necessário e bastante para a execução da obra. Por outro lado, se for feito o mapeamento de todo o subsolo que será alvo de intervenção, tal implicará um custo acentuado, e que se pode revelar desnecessário para a realização da obra, e assim, menos oneroso.
E também quanto á questão da canalização que viria a ser parcialmente destruída, como resultou da instrução dos autos, trata-se de uma instalação da qual a Autora sabia da sua existência no subsolo do Aterro de Ermesinde, mas já não, do seu concreto traçado, e desta forma, sendo verosímel a possibilidade de a canalização poder ser tocada por estruturas da plataforma, a margem de possibilidade de tal não acontecer também seria muito grande, e como tal, a execução das estacas com o conhecimento factual detido pela Autora e transmitida ao empreiteiro, também teria uma grande possibilidade de nunca tocar/destruir parcialmente a canalização.
Como julgamos, o quanto determinou a necessidade de celebração do Contrato adicional atinente à “Empreitada de Concepção, Construção de Encerramento, Selagem e Recuperação Paisagística do Aterro de Ermesinde”, como resultou da factualidade dada como provada [e não provada – Cfr. alínea A) dos factos não provados], assim como o quanto determinou a necessidade de celebração do Contrato adicional atinente à “Empreitada de Construção Civil e Instalações Técnicas da Plataforma de Triagem da L...“,como resultou da factualidade dada como provada [e não provada – Cfr. alíneas C), e D) dos factos não provados], adveio da alteração dos pressupostos de facto que estiveram na base do lançamento do procedimento concursal no ano de 2001, e/ou do desconhecimento da realidade global existente no subsolo, desde logo, que aí não iriam ser depositados mais resíduos sólidos [o que assim não veio todavia a suceder], sem que a Autora o pudesse e devesse prever, ou evitar, pois que a Construção do Aterro da Maia viria a sofrer vicissitudes, e os RSU produzidos na Àrea Metropolitana do Porto, tinham de continuar a ser depositados no local para o efeito, que existia, e que era o Aterro de Ermesinde. Portanto, entre “circunstâncias não previstas”, e “circunstâncias Imprevisíveis”, neste patamar, a diferença não é de todo relevante.
E em torno da possibilidade de execução da obra [dos identificados trabalhos a mais] por outro empreiteiro, é certo que tal sempre seria possível. Mas perante a imediação de questões detetadas/surgidas no desenrolar da empreitada que estava em curso, e tratando a matéria em apreço de questões atinentes ao ambiente, era de todo conveniente que a execução dos identificados trabalhos a mais, por imprevisíveis e por ocorrência de circunstâncias não previstas, demandava que fosse prosseguida pelo mesmo empreiteiro. Efetivamente, como assim julgamos, se o não fosse, a sustação dos trabalhos para o lançamento de um novo procedimento tendente a uma adjudicação parcial, e posterior retoma dos trabalhos iniciais, implicaria, na sua globalidade considerada, um maior custo financeiro para a Autora, o que desaconselhava a sua execução técnica separada, pois que o empreiteiro inicial, nunca poderia prosseguir na construção da plataforma, sem a pré-existência das estacas de betão.
Diga-se, desde já que o assim decidido é para manter.
Aliás, é de referir que foi feita prova abundante sobre todos os factos ora em causa, de tal forma que mesmo após uma primeira audiência final foi decidido abrir novo período de produção de prova, uma vez que o colectivo tinha ficado com dúvidas sobre a matéria de facto. A prova feita foi exaustiva e encontra-se bem fundamentada, pelo que nada há a referir quanto a este aspecto.
No que se refere ao facto de se poderem considerar estes contratos adicionais como trabalhos a mais, tendo em atenção a matéria de facto dada como provada, tem de se concluir que não correu qualquer erro de direito nesta qualificação.
Iremos seguir de perto a condensação da matéria de facto dada como provada na decisão recorrida.
Em 5 de Setembro de 2003, a L..., ora recorrida, celebrou com a C... – Compañia Española de Servicios Publicos Auxiliares, S.A. um contrato de empreitada de obras públicas para o “Encerramento, Selagem e Recuperação Paisagística do Aterro de Ermesinde” [(8) os números sem qualquer outra indicação pertencem à matéria de facto dada como provada].
O intervalo de tempo que medeia entre a última versão do projecto posta a concurso e a outorga do contrato de empreitada é de 32 meses, período durante o qual o aterro esteve sempre em funcionamento (10).
O Aterro de Ermesinde continuou em exploração para além da data de abertura do procedimento concursal, na medida que não exista naquele momento temporal qualquer alternativa ambientalmente sustentável para a deposição dos resíduos urbanos provenientes dos munícipes dos oito Municípios associados (perto de um milhão de pessoas, correspondente aos habitantes dos Municípios do Porto, Valongo, Maia, Espinho, Gondomar, Vila do Conde, Matosinhos e Póvoa de Varzim) (11).
O Aterro veio a apresentar um volume de resíduos superior ao previsto, numa área mais reduzida, traduzindo-se em pendentes dos taludes bastante mais inclinados, pelo que não era realizável a solução técnica inicialmente prevista para a sua impermeabilização e selagem (12).
A construção do novo Aterro sofreu um atraso de, praticamente, dois anos em virtude da obra ter sido embargada pelo Município da Maia (15).
E, por isso, houve a necessidade de manutenção em funcionamento do Aterro de Ermesinde por mais tempo do que previsto (16).
Como vemos desta matéria de facto dada como provada, o aterro de Ermesinde teve que continuar a funcionar durante mais dois anos do que o previsto, factor este que necessariamente condicionou a obra. Um atraso tão significativo como este, assim como o período de tempo que decorreu desde a última versão do projecto e a outorga do contrato, são factores não previsíveis e que necessariamente condicionam a obra.
Por seu lado o aterro veio apresentar um volume de resíduos superior ao previsto, tendo ainda concluído, quanto a esta questão, que não era realizável a solução técnica prevista para a sua impermeabilização e selagem. Esta questão também é um problema que tem de ser considerado imprevisto, porque era algo inesperado e que um agente normalmente diligente não estava em condições de prever antes do procedimento.
Se o aterro veio a apresentar resíduos superiores ao previsto e se a solução técnica prevista para a sua impermeabilização e selagem não era realizável, estamos perante acontecimentos inesperados e que, pelo menos, não foram previstos.
Ora, as obras resultantes desta imprevisibilidade, como decorrem da mesma empreitada, podem ser considerados como trabalhos a mais.
É verdade que a Autora sabia que existia um embargo sobre o aterro de Crestins ainda antes do lançamento do concurso para encerramento do Aterro de Ermesinde (18), e que o Município da Maia emitiu um parecer desfavorável a construção do aterro da Maia (Crestins), aterro esse para onde era previsto serem encaminhados os resíduos, anteriormente colocados no Aterro de Ermesinde (17). Mas também foi dado como não provado que “previamente ao lançamento do concurso para encerramento do aterro de Ermesinde, a Autora já sabia e conhecia o teor do parecer desfavorável que havia sido emitido pela Câmara Municipal da Maia quanto ao aterro da Maia [Crestins] ” (alínea A) da matéria de facto dada como não provada).
Ou seja, a Autora sabia que existia um embargo mas desconhecia o teor do parecer desfavorável. São duas coisas diferentes razão pela qual não há contradição quanto à matéria de facto como refere o recorrente.
A questão da Autora saber do embargo nada tem a ver com o facto de o aterro ter apresentado uma valor superior de resíduos e com o facto de a solução técnica prevista para a sua impermeabilização e selagem não ser realizável, poderá ter a ver com o facto de ter ocorrido um atraso no montante de dois anos em que o aterro de Ermesinde teve de estar em funcionamento. Mas esta questão não pode ser relevada quando sabemos que o aterro foi construído no mesmo local após o termo do embargo. Por seu lado o embargo foi levantado por um dos membros do consórcio beneficiário do aterro quando os seus membros são 7 (excluindo o Município da Maia). Se o aterro esteve embargado por um dos seus membros os restantes membros não podem ficar prejudicados com tal situação. E, não há dúvidas que o projecto atrasou-se dois anos pelo que um atraso tão significativo sempre iria projectar-se nos trabalhos da empreitada.
Não vemos assim que a decisão recorrida tenha feito errada interpretação quanto a este segmento da decisão.

b) O mesmo se passa quanto à “ empreitada de Construção Civil e Instalações técnicas da plataforma de Triagem da L...”.
Encontra-se provado que a obra em causa [empreitada de construção civil e instalações técnicas da plataforma de triagem da L..., Ermesinde/Valongo] constituiu uma fase subsequente a uma anterior empreitada de concepção/construção, cujo contrato veio a ser resolvido devido à falência da empreiteira (E... – Empresa de Construções e Obras Públicas AO, SA) (19).
Nesse local e no início da exploração como vazadouro, haviam sido depositados resíduos sólidos urbanos que, posteriormente foram recobertos com terras e outros materiais de cobertura e o espaço passou a ser utilizado para as funções mais diversas (21).
Devido ao conhecimento dessa realidade, a empreiteira supra referida [E...] promoveu um primeiro Estudo de Reconhecimento Geotécnico, cujas conclusões apontavam para:
- existência de uma camada de brita e aterro com cerca de 2 metros de espessura à superfície;
- existência de uma camada de resíduos sólidos urbanos com espessura da ordem dos 4 a 5 metros; e
- finalmente, um “bed rock” constituído por rocha fragmentada e solo duro a partir daí, ou seja, uma fundação a cerca de 10 metros de profundidade(22).
No entanto, no âmbito do mesmo contrato [com a E...] de concepção/construção, gerou-se a dúvida sobre a espessura efectiva da camada de resíduos, pelo que houve lugar à execução de poços de sondagem, realizados por retroescavadora, tendo-se constatado que: a) a espessura e características da camada superficial correspondiam aos resultados obtidos na primeira sondagem; e b) no que concerne à espessura da massa de resíduos, esta era variável, mas ultrapassava claramente as espessuras referenciadas na primeira sondagem (não se obteve maiores profundidades pelo facto do braço da retroescavadora não permitir alcance superior) (23).
Face aos resultados obtidos, a empreiteira [E...] promoveu novo “Estudo de Reconhecimento Geotécnico”, cujas conclusões indicavam que: a) se mantinha a informação relativa à espessura e características da camada superficial; b)a espessura da massa de resíduos se revelou como variável mas, em todos os casos, superior às indicações da primeira sondagem, tendo-se mesmo detectado uma situação em que o “bed-rock” atingia os 40 metros de profundidade; e c) a execução das fundações deveria ser realizada através de estacas (24).
Perante tais conclusões, no âmbito da mesma empreitada de concepção /construção, a empreiteira [E...] apresentou um novo Projecto de fundações, de autoria da empresa especializada em fundações especiais, conveniente e adaptado aos resultados da segunda sondagem (25).
Após a execução de uma pequena parte da empreitada, houve lugar à resolução do contrato devido à falência da empreiteira [E...], ficando a L... na posse quer dos dados das sondagens realizadas quer do projecto de fundações (26).
No decorrer da obra constatou-se que a camada superficial, quer em espessura quer em características, já não correspondia ao constante dos Relatórios das Sondagens, verificando-se, aquando da realização de algumas trincheiras, que o material de aterro tinha migrado para as camadas inferiores, mesclando-se com a massa de resíduos (28).
Este fenómeno ocorreu devido ao facto de o terreno ter sido usado para armazenagem temporária de vidro e de “monstros”, com grande movimentação de máquinas e de camiões pesados, que terão exercido acções verticais e horizontais sobre a plataforma sendo que a retirada de materiais superficiais não ocorreu, tanto mais que as cotas do terreno correspondiam genericamente às situações anteriores (29).
Por outro lado, devido, essencialmente, à infiltração de águas pluviais, a massa de resíduos, que nas sondagens aparecia como relativamente consolidada, passou a conter um mais elevado volume de águas lixiviadas, situação que resultara, essencialmente, do fenómeno descrito no ponto anterior, pois o pavimento da plataforma provisória terá ficado mais permeável (30).
Como se verifica desta matéria de facto dada como provada, ocorreram situações imprevistas no decorrer da obra resultado de o terreno ter sido usado para armazenagem de vidros e de monstros com grande movimentação de terrenos.
Em face destas alterações da situação de facto existente, o novo empreiteiro [a ABB] apresentou uma solução alternativa ao projecto de estacas, adaptado às novas situações encontradas que assentava na alteração do processo construtivo das estacas - através do encamisamento das mesmas - por não ser possível garantir a moldagem directa contra a massa de resíduos, pois esta revelava grande heterogeneidade e continha elevada quantidade de água de lixiviados; na alteração da natureza do betão para satisfazer as exigências de resistência, relativamente à agressividade do meio detectado; e na criação de uma nova caixa de base em rachão e “tout-venant” com separação do solo existente através de geotêxtil, para evitar eventuais futuras “mesclagens” (31).
Por seu lado, durante a execução das fundações, verificou-se que as estacas atingiam uma profundidade média superior a 30 metros, excedendo assim o estimado em sede de concurso, verificando-se pois que o declive não era constante (32).
Durante a execução das estacas, e por desconhecimento do traçado exacto do colector de drenagem de águas pluviais da zona onde se localizam as antigas instalações de compostagem (já que a sua construção tinha sido realizada antes dos terrenos terem chegado à propriedade da L..., mas que se sabia estar instalado a grande profundidade na massa de resíduos) foi perfurado o último troço do colector interrompendo assim o caminho de descarga para linha de água (34).
Este incidente, apenas, foi detectado aquando da betonagem da referida estaca ao levantar-se a “camisa” pois as quantidades de betão introduzidas começaram a ser bastante superiores ao expectável, desaparecendo (35).
Após análise detalhada da ocorrência, verificou-se o aparecimento de betão nas caixas de visita quer a montante, quer a jusante do local de intersecção sendo que o facto de se ter constituído um fenómeno de “presa” tornou inviável a utilização do colector como elemento hidráulico de descarga final (36).
Face ao ocorrido foi desenvolvido um estudo que propunha a implementação de um “by-pass” ao colector, estabelecendo uma ligação hidráulica entre a câmara a montante e a câmara a jusante, não danificadas (37).
A infra-estrutura para o tratamento de resíduos em causa pressupõe grandes quantidades de escorrências que necessitam de ser especial e devidamente encaminhadas (39).
Todas estas questões de facto têm de ser consideradas imprevisíveis porque não foram contempladas no projecto inicial nem o podiam ser uma vez que se trata de matéria desconhecida.
É verdade que também se deu como provado que os trabalhos relacionados com a construção da estacaria e estabilização da base da plataforma podiam ser tecnicamente separáveis da empreitada (8).
A Autora, antes da outorga da Empreitada [de construção civil e instalações técnicas da plataforma da L... Ermesinde/Valongo], cujo contrato foi celebrado em 10 de Outubro de 2006, sabia da existência de lixiviados, da profundidade do firme geotécnico entre os 15 m e os 39 m e da existência de camada de detritos heterogénea e não consolidada (em termos geotécnicos) com 9 a 12 m de espessura (49).
No entanto, como se refere na decisão recorrida, a construção parcelar da obra por uma outra empreitada traria consequências muito mais gravosas para o ambiente e relativamente aos custos motivados pela demora de um novo processo contratual. A solução encontrada foi uma alternativa apresentada pelo novo empreiteiro. Como alternativa não se via necessidade de proceder a novo concurso, até porque se solucionava o problema resultado das situações que surgiram de forma imprevista. Outra solução iria arrastar no tempo o problema. Por seu lado não se encontra demonstrado que a solução a encontrar e resultado de um novo concurso seria melhor do que a que foi encontrada. Dito de outro modo, os recorridos baseiam a sua argumentação no facto de se poder ter feito novo concurso quanto às estacarias. No entanto não alegam nem demonstram que a solução encontrada foi mais onerosa para o erário público, a que se tem de acrescentar a rapidez da solução encontrada. Se estamos perante uma solução alternativa a realizar pelo empreiteiro que se encontra em obra, a solução é certamente mais rápida, não acarretando os inconvenientes para o meio ambiente resultado do arrastar das situações como seria o caso dos autos. Por seu lado não se encontra demonstrado que tenha sido uma solução mais onerosa. De notar que, como já frisámos, resultado das situações imprevistas surgidas é que foi proposta uma solução alternativa. A empreitada era a mesma e a solução das estacarias já se encontrava incluída. Não era possível era realizá-la da forma como planeada inicialmente. Ou seja estamos perante a solução de um problema resultado da mesma empreitada, dendo considerar-se as obras realizadas como trabalhos a mais.
Por todo o exposto também se conclui que não ocorreu qualquer erro de julgamento quanto a esta questão.

c) No que se refere ao contrato adicional relativo à empreitada de Encerramento, selagem e recuperação paisagística do Aterro de Matosinhos, refere-se na decisão recorrida:

“E quanto ao Contrato adicional atinente à empreitada de Encerramento, Selagem e Recuperação Paisagística do Aterro de Matosinhos, como resultou da factualidade dada como provada [e não provada – Cfr. Alíneas F), G) e H) dos factos não provados], o que esteve na sua base foi a questão da revisão do projeto de execução, motivada pelos problemas relativos à zona “non aedificandi“, por causa da construção do viaduto da VRI sobre o rio Leça, ao que a Autora era alheia, o que só veio a ser resolvido após a consignação dos trabalhos ao empreiteiro, e por outro lado, quanto à questão dos lixiviados, em torno da alteração do sistema inicial, de recolha em tanques para coletor que deriva no rio Leça, a solução que veio a ser adotada [do coletor], não era passível de ser conhecida pela Autora, pois que, não conhecia a esse tempo, dessa mesma possibilidade, de efetuar a ligação dos lixiviados ao coletor de águas residuais, e assim, a adaptação da execução da empreitada a essa nova realidade, só pôde ser feita no futuro, sendo económica e ambientalmente melhor.

E em torno da questão da possibilidade de execução da obra [dos identificados trabalhos a mais] por outro empreiteiro, é certo que, como já expendemos supra, tal sempre seria possível. Mas perante a imediação de questões detetadas/surgidas no desenrolar da empreitada que estava em curso, e tratando a matéria em apreço de questões atinentes ao ambiente, era de todo conveniente que a execução dos identificados trabalhos a mais, por imprevisíveis e por ocorrência de circunstâncias não previstas, demandava que fosse prosseguida pelo mesmo empreiteiro, face ás novas realidades que se foram deparando à Autora.

De maneira que, julgando que o objeto dos Contratos adicionais celebrados pela Autora, respeitam a trabalhos a mais, em conformidade com o disposto no artigo 26.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 59/99, de 02 de março, mormente, porque se tornaram necessários na sequência de circunstâncias não previstas ou circunstâncias imprevisíveis e/ou porque não podiam ser técnica ou economicamente separados do contrato principal, sem inconveniente grave para a Autora, ou, ainda que separáveis da execução do contrato, eram estritamente necessários ao seu acabamento, o pedido deduzido a final da Petição inicial deve proceder, pois que não era devido que a Ré aplicasse a correção financeira a que se reporta o ato sob impugnação.
De referir que o assim decidido também é para manter.

Encontra-se provado que: A celebração deste Contrato Adicional, em 12 de Agosto de 2008, respeitante à empreitada de concepção, construção de encerramento, selagem e recuperação paisagística do aterro sanitário de Matosinhos, teve na sua base, a revisão do Projecto motivada pela questão da tutela dos terrenos e da zona non aedificandi que apenas se concretizou após a consignação, e de se proceder a correcções na execução dos trabalhos devido a diferenças entre o controlo topográfico efectuado para o concurso e o início dos trabalhos, e porque a L... entendeu proceder à alteração do sistema de gestão de lixiviados previsto no Projecto (50).
A questão da tutela dos terrenos a poente do aterro de Matosinhos [atinente à zona “non aedificandi”, devido à construção do viaduto da VRI], só veio a ser resolvida após a consignação dos trabalhos ao adjudicatário [C..., SA e AC, SA] e já na fase da execução da obra, por forma a ajustar os trabalhos à nova realidade decorrente do estabelecimento de “zonas non aedificandi”, que passaram a onerar os terrenos (51).
Essa questão demandou a necessidade de revisão do projecto para a concepção, construção do encerramento, selagem e recuperação paisagística do aterro sanitário de Matosinhos, concebido pelos adjudicatários C..., S.A. e AC, S.A. (52).
Quanto ao viaduto da VRI, que se previa construir parcialmente sobre os terrenos do Aterro, estavam em vigor todas as condicionantes relacionados com o espaço-canal da via estruturante que impunha a reserva de uma faixa de 70 metros para cada lado da via projectada e em construção (53)

Tal reserva só seria levantada após a estabilização definitiva do traçado da via (54).
Tal reserva só veio a ser sobrelevada após o início da obra, ficando então estabelecida uma área “non aedificandi” de 40 metros o que condicionou, entre outros factores, o posicionamento do edifício ambiental (55).
Com a Empreitada de Encerramento do Aterro de Matosinhos, não havendo solução de tratamento na proximidade, optou-se por uma solução equivalente à existente no Aterro Sanitário de Ermesinde – construção de 2 reservatórios de elevada capacidade (200 m3) e condução dos lixiviados para tais reservatórios onde os mesmos ficam armazenados, sendo que sempre que cheios tais reservatórios, e tal como sucede no Aterro de Ermesinde, os lixiviados seriam transferidos para um camião-cisterna que os levaria para uma ETAR municipal (56)
Trata-se de uma solução com custos de exploração muito elevados e de longa duração – já que é de muito difícil previsão determinar quantos anos serão necessários para que os resíduos depositados em Aterro, qualquer que ele seja, deixem de lixiviar – e que por isso só é adoptada quando não há recurso alternativo (57).
Desde cedo, porém, procurou aferir-se a possibilidade de ligar os lixiviados ao colector de águas residuais que acompanha o Rio Leça até à ETAR em Leça, que estava em fase de implementação (58).
Mas só com a finalização de tal obra e a entrega da infra-estrutura descrita à nova concessionária das águas e esgotos do concelho de Matosinhos a partir de Janeiro de 2008 – quando o processo concursal para o encerramento e selagem do Aterro foi lançado em 2006 – se procedeu à negociação com esta entidade para a aceitação do efluente do Aterro no colector antes referido sem tratamento ou pré-tratamento prévio, situação que veio a concretizar-se (59).
Assim, procedeu-se à alteração do sistema que passou pela eliminação dos reservatórios e a implementação de um colector de efluentes lixiviados ao longo das vias públicas existentes até o entroncar no colector do rio Leça, imediatamente a jusante da ponte sobre o rio Leça (60).
Mostrou-se assim necessário realizar este trabalho, devido ao facto de se ter concluído a obra do colector de águas residuais que acompanha o rio Leça e ter sido possível o acordo com a Concessionária (61).
Tais trabalhos de ligação representavam a solução que do ponto de vista ambiental e económico melhor assegurava o interesse público (na medida, até, em que é definitiva) (62) apesar de que os mesmos não eram estritamente necessários ao acabamento da obra (63).
Desta matéria de facto dada como provada não há dúvidas que estamos perante matéria que não se encontrava prevista na empreitada e que por isso mesmo se tem de se considerar como imprevista. Isto quanto à questão da tutela dos terrenos, que só veio a ser resolvida após a consignação dos trabalhos, quer quanto à questão da resolução dos lixiviados.
A solução encontrada foi a melhor em questões do ponto de vista ambiental e a que melhor assegurou o interesse público apesar de as obras não serem estritamente essências ao acabamento da mesma. Mas se as obras realizadas foram as que deram melhor resposta quer aos problemas ambientais quer ao de interesse público não há dúvidas que as mesmas teriam de ser realizadas, pelo que nesta análise não ocorreu qualquer erro de julgamento.
De referir ainda que a construção do viaduto da VRI sobre o rio Leça condicionou os trabalhos numa área que veio a demandar a alteração do projecto de construção (64).
Os trabalhos que ficaram condicionados tinham interligação com os restantes trabalhos de selagem, dos quais eram tecnicamente separáveis, mas que, atenta a dimensão e a área abrangida, se o fossem [em execução separada] causariam grave inconveniente à L... (65).
Tendo-se suprimido a intervenção de construção dos reservatórios de lixiviados e não se avançando para a ligação ao colector, ficar-se-ia com uma obra não acabada (66).
Não se realizando tal intervenção, certamente se ficaria com um muito sério problema ambiental, de salubridade e de saúde pública (67).
Antes de Maio de 2006 (altura em que procedeu ao lançamento do concurso da empreitada de encerramento e selagem do aterro de Matosinhos), a Autora não sabia da possibilidade de encaminhar os lixiviados para o colector de esgoto que acompanha o Rio Leça (68).
Também estas questões nos levam a concluir que as obras têm que ser consideradas como imprevisíveis. Na verdade se a construção do viaduto da VRI condicionou os trabalhos e alteração do projecto é porque tais trabalhos não foram nem eram previsíveis. De notar ainda que a não intervenção na questão dos lixiviados, ficar-se-ia com uma construção não acabada e com um sério problema de ambiente e de saúde pública.
De todo o exposto se conclui, como na decisão recorrida, que o objecto dos contratos adicionais respeitam a trabalhos a mais, em conformidade com o disposto no artigo 26º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março. Foram trabalhos realizados, e esta questão não vem posta em causa. Tendo sido este o entendimento seguido pela decisão recorrida tem de se concluir que não podem proceder as conclusões do recorrente, não merecendo esta a censura que lhe é assacada e, em consequência, nega-se provimento ao recurso jurisdicional interposto.

3 – DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida

Custas pelos recorrentes
Notifique.

Porto 7 de Outubro de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco