Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00206/16.0BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/13/2017
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Vital Lopes
Descritores:PROPINAS
OPOSIÇÃO
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
Sumário:1. As propinas são tributos com natureza de taxa.
2. A notificação da propina pode ser efectuada pelo funcionário da Universidade ao sujeito passivo no acto de inscrição no curso de licenciatura que pretende frequentar, considerando-se em tal caso uma modalidade de notificação pessoal, consentida pelo CPPT.
3. Revelando-se a notificação pessoalmente efectuada no acto de inscrição insuficiente quanto aos requisitos que dela devem constar, o S.P. pode lançar mão da faculdade prevista no n.º1 do art.º37.º do CPPT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:D...
Recorrido 1:Universidade de Coimbra
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

D..., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º 3050201601014226 contra si instaurada por dívidas de propinas do ano lectivo de 2007/2008 em que é exequente a Universidade de Coimbra.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo (fls.104).

Na sequência do despacho de admissão, o Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:
I. As propinas constituem obrigações tributárias - são taxas - por força do art.° 1.º e do n.° 2 do artº. 1°, ambos da Lei Geral Tributária (doravante LGT).
II. Nessa medida estão sujeitas, nomeadamente, aos regimes previstos na LGT, no Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT).
III. A aplicação das normas da LGT e do CPPT às propinas é aceite de forma pacífica pela doutrina e pela jurisprudência.
IV. A liquidação e cobrança das propinas, incluindo os prazos de prescrição e caducidade, estão sujeitos ao princípio da legalidade, nos termos da alínea a) do n.° 2 do art.° 8º da LGT.
V. Apesar dos institutos de ensino superior público disporem da faculdade de fixar, liquidar e cobrar as propinas devidas pelos estudantes, nos termos do preceituado na Lei n.° 62/2007, de 10 de Setembro, não têm competência para definir as regras a que devem obedecer essa liquidação e cobrança.
VI. A liquidação tributária, onde se inclui a liquidação das propinas, configurando um acto administrativo de eficácia externa está sujeita à notificação dos destinatários, na forma prevista na lei, por força do disposto no n.° 3 do art.º 268.° da CRP.
VII. A notificação da liquidação das propinas aos destinatários, está sujeita, por sua vez, ao prescrito, nomeadamente, nos n.°s 1 e 2 do artigo 36º do CPPT.
VIII. Não sendo notificada a liquidação das propinas aos devedores, nos termos definidos no CPPT, dentro do prazo de caducidade estabelecido no n.° 1 do art.° 45.° da LGT, caduca o direito à liquidação, extinguindo-se a obrigação do devedor.
IX. O decurso deste prazo, que se justifica por razões objectivas de segurança jurídica, com o intuito de gerar a definição da situação do devedor num prazo razoável, conduz à preclusão do direito de promover essa liquidação.
X. Nos tributos de obrigação única, como éo caso das propinas, verifica-se a caducidade do direito à liquidação se esta não for validamente notificada aos destinatários, dentro do prazo de quatro anos, contados a partir do final do ano lectivo em causa, data em que ocorre o facto tributário.
XI. O fundamento da falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, previsto na alínea e) do n.° 1 do art.° 204º do CPPT é utilizável nos casos em que foi efectuada uma notificação válida, nas ela não foi feita dentro do prazo de caducidade.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V.Ex.as, devem as presentes alegações ser procedentes, ser a decisão ora recorrida revogada e declarada extinta a execução fiscal em causa.
Com o que se fará a tão acostumada JUSTIÇA!».

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer em que conclui não ser subsumível a presente situação a uma eventual caducidade da liquidação prevista no art.º45.º da LGT, pelo que o recurso deve improceder.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 684.º, n.º3 e 685.º-A.º, n.º1 do CPC aplicável), a questão a resolver reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a situação dos autos não é subsumível a uma eventual caducidade do direito de liquidação, prevista no art.º45.º da Lei Geral Tributária.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:

«3. Matéria de facto
3.1. Factos Provados:
1. Corre termos no Serviço de Finanças de Coimbra 2 o processo de execução fiscal n.º 3050201601014226, que foi instaurado em 11-02-2016, contra o ora Oponente, para cobrança de dívida de propinas do ano lectivo de 2007/2008 do curso de Engenharia Informática da Universidade de Coimbra, no valor de € 630,00 e acrescido, cujo prazo limite de pagamento foi 31-05-2008 (fls. 21 a 24 dos autos);
2. O Oponente foi citado por via postal em 16-02-2016 (fls. 24 dos autos);
3. O Oponente matriculou-se em 19-09-2007, no ano lectivo de 2007/2008, na licenciatura em Engenharia Informática da Universidade de Coimbra, tendo-se inscrito em 10 cadeiras e ficado aprovado em todas (fls. 37 e 37 v.º dos autos);
4. Em 16-03-2016, deu entrada no Serviço de Finanças a presente oposição (cfr. carimbo no cabeçalho da p.i., a fls. 5 dos autos, e informação do Serviço de Finanças, de fls. 25).
3.2.Factos não Provados
Não há factos não provados com interesse para a questão a decidir.
*
A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório».

Ao abrigo do disposto no art.º662.º do CPC, adita-se à matéria assente o seguinte facto:
5. – Da certidão de dívida que serve de base à execução consta, entre o mais que se dá por reproduzido, o seguinte: «…certifica que o aluno abaixo identificado frequentou o curso de Licenciatura em Engenharia Informática, no ano lectivo de 2007/2008, e que, tendo o tributo sido liquidado no acto de inscrição de cujo montante foi notificado naquele acto bem como dos respectivos prazos para o pagamento, não efectuou o pagamento da dívida que abaixo se discrimina» (cf. fls.21 dos autos).

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Invoca o Recorrente e é esse o objecto do recurso, que não foi notificado da liquidação das propinas no prazo de caducidade.

O STA já decidiu em julgamento ampliado que as propinas devidas a ente público de ensino superior – no caso, falamos da Universidade de Coimbra – assumem a natureza jurídica de taxa, à luz da tipologia dos tributos consagrada no art.º4.º da Lei Geral Tributária – vd. Ac. de 22/04/2015, tirado no proc.º01957/13.

Resulta do disposto na alínea e) do n.º1 do art.º204.º do CPPT que a falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade constitui fundamento válido de oposição à execução fiscal.

Por outro lado, estabelece o n.º1 do art.º45.º da LGT, que «o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro».

Entendeu-se na sentença que a situação em apreço não era subsumível a uma eventual caducidade do direito de liquidação à luz do disposto naquele art.º45.º da LGT.

Para assim concluir, a sentença ponderou nos seguintes termos:
«Como resulta do pedido e da respectiva causa de pedir, a única questão posta à decisão do Tribunal é saber se a liquidação foi notificada ao Oponente dentro do prazo de caducidade, fundamento a enquadrar na al. e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Vejamos, então:
Vem o Oponente invocar que, quando foi notificado da liquidação do tributo em 17-07-2015, já há muito havia caducado o direito a tal liquidação.
A UC, por sua vez, defende que a caducidade não ocorreu, já que não há uma obrigação de notificação para pagamento, sendo as propinas devidas em datas certas, e autoliquidadas. Defende, também, que a liquidação, contendo os dados para pagamento, foi disponibilizada na plataforma informática do Oponente, cujos meios de acesso lhe foram fornecidos aquando da matrícula.
Apreciemos:
A propina, de acordo com o disposto na Lei n.º 37/2003, de 22-08, diploma que estabeleceu as bases do financiamento do ensino superior, é uma comparticipação que “consiste no pagamento pelos estudantes às instituições onde estão matriculados de uma taxa de frequência”, sendo o seu valor fixado anualmente, entre determinados limites mínimos e máximos (cfr. art.º 16.º, n.os 1 e 2), por quem tem competência para tal, e que, no caso das Universidades, pertencia “aos senados, sob proposta do reitor, excepto para as unidades orgânicas com autonomia administrativa e financeira” (cfr. art.º 17.º, al. a) 6) (artigo posteriormente revogado pelo artigo 182.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 62/2007, prevendo esta última Lei, nos seu artigos 84.º, n.º 2, al. g) e 92.º, n.º 1, al. a), sub-al. vii) que tal competência pertence agora ao Conselho Geral, igualmente sob proposta do reitor).
O Regulamento n.º 18/2004 da Universidade de Coimbra, publicado na 2.ª Série do Diário da República, n.º 92, de 19-04-2004, referente ao pagamento de propinas, prevê, designadamente, o seguinte:
1.º
Pela frequência dos cursos de licenciatura, é devida uma taxa designada por propina, fixada nos termos do n.º 2 do artigo 16.º e das alíneas a) e c) do artigo 17.º da Lei n.º 37/2003, de 22 de Agosto.
2.º
(…)
3.º
1 - Cursos de licenciatura:
a) A propina poderá ser paga de uma só vez até ao último dia de Novembro do respectivo ano lectivo ou em três prestações, vencendo-se a primeira na data acima referida e as duas restantes no último dia dos meses de Fevereiro e Maio seguintes;
b) A propina é paga directamente na tesouraria da Universidade ou das faculdades com autonomia administrativa e financeira, ou através do serviço Multibanco, devendo os serviços competentes entregar aos alunos o seu aviso de pagamento, donde constará a entidade, a referência e o valor a pagar;
c) Os alunos que não paguem a propina nos prazos estabelecidos podem ainda fazê-lo até ao acto da sua inscrição no ano lectivo seguinte, sendo a importância em dívida acrescida dos juros de mora.
2 - Cursos de pós-graduação, mestrado e doutoramento: (…)”.
Assim, de acordo com a citada Lei e Regulamento, o Senado fixa anualmente o valor das propinas, mediante proposta do Reitor da Universidade de Coimbra, propinas essas que possuem data certa para pagamento (de uma só vez no mês de Novembro ou em três prestações, a pagar em Novembro, Fevereiro e Maio), podendo ser pagas na tesouraria da Universidade “ou através do serviço Multibanco, devendo os serviços competentes entregar aos alunos o seu aviso de pagamento, donde constará a entidade, a referência e o valor a pagar”.
No caso concreto, o Oponente não referiu que não se matriculou no ano lectivo em causa, estando, ao invés, provada a sua matrícula, bem como a frequência e aproveitamento nas várias cadeiras a que se inscreveu.
Também nada consta dos autos sobre a entrega, no acto da matrícula, do aviso de pagamento de propina a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento de Propinas supra citado.
No entanto, é de considerar que, uma vez que as propinas foram fixadas em momento prévio àquele acto (permitindo o seu conhecimento e a decisão da matrícula no curso em causa), e estando definidas no Regulamento de Propinas (devidamente publicado em Diário da República), as datas de vencimento da obrigação do seu pagamento, era possível ao ora Oponente verificar previamente àquele acto o seu valor e, posteriormente, proceder ao seu atempado pagamento (de notar que, atendendo ao valor das propinas em dívida de € 630,00, é de considerar que terá sido paga, pelo menos, a primeira prestação).
Assim, porque as propinas se encontravam fixadas em momento anterior à matrícula, cabia ao ora Oponente pagar o valor da propina de uma só vez no mês de Novembro ou em três prestações nos meses supra referidos, devendo para tanto dirigir-se à tesouraria da Universidade.
É que do aludido regulamento, resulta que inexiste qualquer obrigação de notificar para pagamento das propinas (o que, de resto, também acontece com vários tipos de imposto, nomeadamente, em muitos casos de imposto do selo e no caso do IUC, cujo pagamento nas datas pré-definidas compete ao sujeito passivo), sendo estas devidas em datas certas, existindo tão só a obrigação de disponibilização de informação necessária para se proceder ao pagamento pelo serviço de multibanco.
Deste modo, em rigor, não se pode entender que exista um dever legal de notificação para pagamento das propinas, resultando antes um dever de autoliquidação por parte do aluno que as suporta. Este dever, afasta a necessidade de notificação para pagamento, pressuposto do início e cálculo do respectivo prazo de caducidade.
Assim sendo, não é subsumível a presente situação a uma eventual caducidade do direito de liquidação prevista no artigo 45.º da LGT.
Pelo que improcede o alegado vício».

Com este modo de ver não se conforma o Recorrente para quem a liquidação das propinas está sujeita a notificação dos destinatários a efectuar nos termos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º36.º do CPPT.

Cremos que não assiste razão ao Recorrente.

Conforme resulta da não impugnada certidão de dívida emitida pelo Sr. Reitor da Universidade de Coimbra que serve de base à execução, foi efectuada notificação da propina ao sujeito passivo no acto de inscrição no curso de licenciatura em Engenharia Informática.

Essa forma de notificação está prevista no art.º38.º do CPPT, estabelecendo o seu n.º5 que «as notificações serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário», dispondo o seguinte n.º6 que «às notificações pessoais aplicam-se as regras sobre a citação pessoal».

Nos termos do art.º233.º, n.º1 e 2 alínea c), do aplicável CPC/61, ex vi do art.º192.º, n.º1 do CPPT, constituía modalidade de citação pessoal o «contacto pessoal do funcionário judicial com o citando», que no caso se entende ser o funcionário que procedeu ao acto de inscrição do sujeito passivo no curso de licenciatura.

Assim, a citação assume-se como pessoal e tem-se por concretizada nessa data, necessariamente anterior à frequência do ano lectivo de 2007/2008, cumprindo salientar que a exigência de notificação não se coloca relativamente às prestações de pagamento do valor da propina, caso o interessado opte pelo seu pagamento fraccionado.

Note-se, por outro lado, que se no acto de inscrição, não foram comunicados pelo funcionário ao sujeito passivo todos os elementos que integram o acto de liquidação da propina em termos que prejudicam o exercício das suas garantias de defesa, nomeadamente de tipo impugnatório, nem os dados constantes da plataforma informática de cujo acesso o sujeito passivo é informado no acto de inscrição, o esclarecem cabalmente sobre os elementos essenciais da liquidação daquela taxa, a notificação assume-se como insuficiente, sempre podendo o notificando lançar mão da faculdade prevista no n.º1 do art.º37.º do CPPT, requerendo a notificação dos requisitos omitidos.

Considerando-se validamente efectuada a notificação da propina exequenda ao sujeito passivo no acto de inscrição no curso de licenciatura que motivou a sua liquidação, é manifesto que não procede como fundamento da oposição a invocada «falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade», prevista na alínea e) do n.º1 do art.º204.º do CPPT.

Com a presente fundamentação, nega-se provimento ao recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo do Recorrente.
Porto, 29 de Junho de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro