Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01309/05.2BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/11/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:IRC, CUSTOS NÃO DOCUMENTADOS
Sumário:1- Nos termos do artigo 23º do CIRC, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que não serão dedutíveis os que não se encontrem documentados na contabilidade do contribuinte.

2- São dois os requisitos para que os custos ou perdas das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal: (i) que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que (ii) sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.

3- Os custos relativos a diversas despesas suportadas por documentos internos, as chamadas “saídas de caixa” com a menção de “almoços” ou “deslocações” não podem ser considerados como custos por não estarem devidamente documentados e não obedecerem aos requisitos do art. 42º, nº1, al. g) e art. 23º, ambos do CIRC.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Clínica (...), Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1 – RELATÓRIO

Clínica (...), Lda., melhor identificada nos autos, inconformada com a sentença proferida no TAF de Viseu, que julgou improcedente a impugnação judicial intentada contra as liquidações de IRC e juros compensatórios do ano de 2001, deduziu o presente recurso, formulando para tanto as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:
1) É princípio estruturante do processo judicial tributário o Principio do Inquisitório pleno, previsto nos artigos 13° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 99° da Lei Geral Tributária, pelo que o processo judicial tributário não é um processo de partes.

2) Nos termos do qual a Meritíssima Juiz a quo deveria ter ordenado as diligências necessárias para a descoberta da verdade material, não lhe bastando afirmar no princípio da página 6 da Douta Sentença recorrida que: "Com efeito, e embora não se coloque em causa que os serviços e despesas mencionadas nos documentos em causa, possam ter sido prestados, a verdade é que as despesas inerentes aos mesmos, não se encontram devidamente comprovadas".

3) Deste modo, haverá que concluir que, caberia à Administração Tributária alegar e provar, facto a facto, em que consistiu a conclusão de que teriam ocorrido os factos tributários, no caso, as correções em sede de IRC, no valor global de 33.331,93 €.

4) E essa prova teria de ser cabal e desprovida de incertezas, pois em matéria tão delicada, não poderia a julgadora, a Meritíssima Juiz a quo bastar-se com um mero juízo de probabilidade da existência dos factos tributários, o que ela própria colocou em dúvida, ao afirmar que os serviços e as despesas em causa possam ter sido prestados.

5) É que a incerteza sobre os factos tributários, teria e terá, necessariamente de resolver-se a favor da impugnante, ora recorrente, não só por aplicação das regras gerais sobre a repartição do ónus da prova (artigo 74°, n° 1 da L.G.T.), mas também porque hoje em dia o brocardo "in dubio contra fiscum", exprime um princípio estruturante do processo judicial tributário.

6) Pelo que, assim sendo, a decisão recorrida viola o disposto no artigo 100°, n° 1 Código de Procedimento e de Processo Tributário, designadamente, porque competia à Administração Tributária e ao Tribunal a quo (artigos 13° do C.P.P.T. e 99° da L.G.T.), demonstrar a existência dos factos tributários, bem como a sua quantificação, o que não foi feito e isto, porque o processo judicial tributário, como se referiu, não é um processo de partes.

7) Ao proceder à determinação do imposto por via da acção direta, numa situação em que só lhe era permitido o apuramento através de métodos indiretos, a Administração Tributária preteriu formalidade legal essencial do processo de liquidação, o qual conduz à sua anulação.

8) Por outro lado, como se verifica da Nota Demonstrativa da liquidação junto à petição inicial, em Doc. N° 1, a matéria colectável declarada de 3.410,14 C, foi corrigida para o valor de 36.741,52 €.

9) Quer isto dizer que, no exercício de 2001, existe um afastamento da matéria colectável superior a 30%, ou seja, no caso 90,71 %, ou seja: 33.331,38 € : 36.741,50 € = 90,71 %, pelo que, nos termos do artigo 87°, n° 1, alínea c) da Lei Geral Tributária, a Administração Tributária teria necessariamente de proceder à avaliação indireta da matéria tributável, facultando ao contribuinte o pedido de revisão, nos termos do artigo 91° da Lei Geral Tributária.

10) Apesar da prescrição da dívida tributária não constituir fundamento da impugnação judicial, porque não respeita à legalidade do acto de liquidação mas, antes, à sua eficácia, deve conhecer-se dela, mesmo oficiosamente, enquanto pressuposto da decisão sobre a utilidade do prosseguimento da lide.

11) Ora, estamos em Abril de 2016, e nos termos do Regime da Lei Geral Tributária anterior à entrada em vigor da Lei N° 53­-A/2006, em 01-01-2007, a prescrição da dívida tributária interrompeu-se com a impugnação judicial apresentada em 30 de Setembro de2005, no Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, com entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em 13-10­-2005.

12) Mas o efeito interruptivo derivado da dedução da impugnação judicial em 30-09-2005, cessou porque o processo esteve parado durante mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, somando-se, neste caso, o tempo decorrido até á data da apresentação da impugnação judicial ao termo daquele prazo de mais um ano.

13) E porque a lei, ao tempo aplicável, não previa interrupções sucessivas da prescrição, deve somar-se todo o tempo que decorre após o período de um ano do processo parado com o período que tiver decorrido até à data da apresentação da impugnação judicial.

14) E tendo, nos termos expostos, sido ultrapassado o prazo de prescrição de 8 anos, está-se face a uma situação em que a liquidação impugnada no valor de 32.647,82 €, com referência ao ano de 2001, acaba por ser atingida por via da dívida tributária estar prescrita, sendo, assim, patente a inutilidade da lide em sede de impugnação judicial, pois estamos nesta data em Abril de 2016.

15) Foram violados os artigos 8°, n°2, 48°, n° 1, 55°, 58°, 77º, n° 1 e 2, 99°, n° 1; da L.G.T., artigo 100°, n° 1 e 13° do C.P.P.T., artigo 23°, n° 1 do Código do IRC e ainda artigo 104°, n° 2 da C.R.P.

Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V. Exas., entende a recorrente que deverá o presente Recurso ser julgado provado e procedente, e, em consequência, seja proferida DECISÃO que revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegal a liquidação de IRC, objecto dos autos, e ainda se declare a prescrição do imposto do ano de 2001, a bem da JUSTIÇA.”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Exmo. Procurador-geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa dos vistos dos Exm.ºs Senhores Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
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2- DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, a analisar se a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de (i) erro de julgamento na desconsideração de custos não documentados e no recurso a métodos directos e se ocorre (ii) a prescrição da dívida.
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3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

FACTOS PROVADOS:
1) A Impugnante, "Clínica (...), Lda.", é uma sociedade por quotas, constituída a 21 de Março de 1997, com capital social de € 86.292,01 (oitenta e seis mil e duzentos e noventa e dois euros e um cêntimos) - cfr. fls. 4 do Processo Administrativo;
2) A impugnante estava coletada em IRC, pelo exercício de "Actividades de prática clínica em ambulatório", CAE 085120 - cfr. fls. 4 do Processo Administrativo;
3) A Impugnante presta serviços de consulta de diversas especialidades médicas, fisioterapia, enfermagem e análises clínicas - cfr. fls. 4 do Processo Administrativo;
4) No exercício da sua atividade a clínica emite as faturas/recibo aos clientes e posteriormente os médicos passam um recibo à clínica relativo às consultas por si efetuadas, ficando a clínica com uma percentagem de 20% sobre o valor dos serviços — cfr. fls. 4 vs. do Processo Administrativo;
5) A contabilidade da Impugnante registava despesas suportadas por documentos internos denominados saídas de caixa" — cfr. fls. 6 do Processo Administrativo;
6) Os documentos que servem de suporte às despesas/custos suportados, referidos em 5., não foram apresentados em sede de inspeção tributária — cfr. fls. 6, ponto 111.2, do Processo Administrativo;
7) Estas despesas, não documentadas, foram tributadas autonomamente, nos termos do disposto art.8 1° do CIRC — cfr. fls. 7 do Processo Administrativo;
8) - Com data de 22 de Março de 2005, foi a impugnante notificada na pessoa de J., para, esclarecer, até ao dia 30.03.2005, a que se referem as despesas identificadas a fls. 74, 75, 76,77,78, 80 verso e 82verso, cfr. fls. 74 a 78 e fls. 80 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
9) - No seguimento da notificação referida em 8), foi prestada a seguinte informação:
"(...)Cabe-nos informar e salvaguardar que o facto de não se ter conseguido identificar e localizar, na contabilidade desta Clinica (...), Lda., os respetivos documentos de suporte destes pagamentos, não significa que os prestadores de serviços em causa não os tenham emitido,(...» cfr. fls. 78 a 80 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
10 - Dão-se aqui por reproduzidos os documentos juntos aos autos de fls. 88 (verso) e 89 com o título "saídas de caixa".
11 - Dão-se aqui por reproduzidos os documentos de fls. 89 (verso) e 90 com a designação de "almoços".
12 - Dão-se aqui por reproduzidos os documento juntos de fls. 90 (verso) a 96 e 97 (verso) a 143 (verso), com o título de “saídas de caixa”.
13 – Com data de 10 de Maio de 2005 foi remetido ofício em nome da impugnante para exercer o seu direito de audição, cfr. fls. 546 do PA e que aqui se dá por reproduzida.
14 – A impugnante exerceu o seu direito de audição nos termos constantes de fls. 550 a 552 do PA e que aqui se dão por reproduzidas.
15 – A petição inicial deu entrado no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em 13.10.2005, cfr. fls.3 destes autos.
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da matéria dada como assente, no teor dos documentos acima identificados e não impugnados e nos factos alegados e igualmente não impugnados.
Não se relevou o depoimento das duas testemunhas, porquanto e no que se refere à testemunha, J. (inspetor tributário), o mesmo se limitou a confirmar o que havia exarado no relatório por si elaborado.
Quanto à segunda testemunha, C., rececionista da impugnante, igualmente não se deu qualquer relevo, porquanto a mesma não tem um conhecimento direto dos factos, pois apenas foi trabalhar para a impugnante em 2004/2005, sendo que os factos em discussão nos presentes autos se reportam ao ano de 2001.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevância para a presente decisão, inexistem.”.
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ADITAMENTO OFICIOSO À MATÉRIA DE FACTO

Ao abrigo do artigo art.º 662.º, nº 1 do Código do Processo Civil (CPC), e por se mostrar essencial, adita-se à factualidade apurada os seguintes pontos que seguem a ordem numérica da factualidade:
16. O teor da lista das despesas indevidamente documentadas relativas ao ano de 2001 da Clinica (...), Lda., no montante total de €33.331,93 (cfr. fls. 145v a 147 dos autos).

Estabilizada a factualidade, avancemos para o conhecimento do mérito do recurso.
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4 – O DIREITO

Apreciemos, agora, o recurso que nos vem dirigido.

Está em causa a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial intentada contra a liquidação de IRC do ano de 2001.

A Recorrente suscitou como questão nova a apreciação da prescrição da dívida, pelo que, de imediato, sobre ela nos pronunciaremos.

Da prescrição


Antes de mais, importa realçar que a Recorrente só em sede recursiva levanta tal questão, nunca antes suscitada, nem conhecida. Importa, assim saber se a prescrição pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal de recurso.

Adiante-se que a sede própria para invocar a prescrição da obrigação tributária, quando esta não seja oficiosamente conhecida – como deve ser, nos termos do art. 175º do CPPT – é a execução fiscal, onde o executado pode argui-la, ou mediante requerimento endereçado ao órgão de execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial da eventual decisão desfavorável, nos termos do disposto no art. 276º do CPPT ou, se estiver em tempo, mediante oposição à execução fiscal (art. 203º, nº 1, al. d) do CPPT) Neste sentido cfr. Acd. do TCAN de 11/03/2010, processo 0274/04Viseu.

No que tange à apreciação da matéria da prescrição suscitada pela primeira vez em sede recursiva, já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Norte no douto Acórdão de 16.10.2014, lavrado in proc. nº 01490/06.3BEVIS, que por adesão à sua fundamentação parcialmente se transcreve: (…) em relação à prescrição, a questão apenas é suscitada no âmbito do presente recurso, sendo ainda de notar que, embora se trate de matéria de conhecimento oficioso, a sua apreciação depende de existirem os necessários elementos para o efeito, não se colocando qualquer questão de nulidade da sentença.
Com este pano de fundo, é ponto assente que a questão da prescrição nunca tinha sido antes suscitada nos autos, razão porque - notoriamente - não foi neles apreciada, ou seja, a sentença recorrida não conheceu da questão da prescrição dessas dívidas porque tal matéria nunca foi suscitada ou peticionada nos autos.
Ora, o artigo 684º nº 2 do Código de Processo Civil (actual art. 635º nº 2) estabelece que o âmbito do recurso é externamente delimitado pelo âmbito material da própria decisão recorrida, o que é visto como uma importante limitação ao objecto do recurso, na medida em que implica que, em regra, o recurso só pode incidir sobre questões que tenham sido ou devessem ter sido apreciadas pelo tribunal recorrido.
Compreendem-se perfeitamente as razões porque o sistema foi assim arquitectado, pois que a diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os tribunais superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil - Novo Regime, segunda edição, rev. e act, pág. 94).
É certo que o tribunal tem o dever de se pronunciar sobre questões do conhecimento oficioso - cfr. artigo 660º nº 2, segunda parte, do Código de Processo Civil (actual art. 608º nº 2), sendo que a prescrição é uma questão do conhecimento oficioso - artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Mas são distintas a questão que o tribunal de recurso aprecia incidentalmente no âmbito dos seus poderes oficiosos e a questão de conhecimento oficioso que o recorrente levanta no recurso contra a decisão recorrida.
No primeiro caso, o tribunal de recurso consulta os elementos do processo e extrai oficiosamente uma conclusão (em primeira mão), que poderá até extinguir o recurso e impedir, na prática, o conhecimento do seu objecto.
No segundo caso, o tribunal de recurso verifica - ao conhecer do objecto do recurso - se a questão poderia ter sido oficiosamente apreciada pelo tribunal recorrido (designadamente porque a prescrição já teria então ocorrido) e se, por isso, o tribunal recorrido omitiu o dever respectivo, o que poderá conduzir à procedência do recurso e, se for o caso, ao conhecimento dessa questão, em substituição do tribunal recorrido.
No primeiro caso, a prescrição não faz parte do âmbito do recurso e é apreciada no âmbito dos poderes oficiosos do tribunal de recurso (em primeiro grau).
No segundo caso, a prescrição é questão central do recurso e a segunda instância verifica se a prescrição deveria ter sido apreciada no âmbito dos poderes oficiosos do tribunal recorrido (em segundo grau).
O caso dos autos não se enquadra em nenhuma dessas hipóteses, na medida em que o recorrente nunca alegou que a questão deveria ter sido apreciada pelo tribunal recorrido e que tal apreciação deveria ter conduzido a decisão diversa em primeira instância.
Ora, para além de o pedido em apreço não ter correspondência na matéria alegada, nem fundamentação que o sustente, sendo um pedido infundado e sem sentido, pois que a decisão recorrida apreciou todos os vícios que a ora Recorrente alegou em sede de petição inicial, importa ainda destacar que, a ser assim, o âmbito do recurso extravasa o âmbito da decisão recorrida: ao pretender-se que o tribunal de recurso conheça da prescrição sem limitação ao âmbito possível do conhecimento da mesma questão pelo tribunal recorrido está-se a pretender integrar no objecto do recurso matéria que não fazia (nem podia fazer) parte do objecto da decisão recorrida.
Assim sendo, o recurso é ilegal, nesta parte. (…)»

Mais recentemente, se pronunciou o STA, no Acórdão de 22.01.2020 lavrado no Recurso nº 0571/06BEPRT (0662/18), no sentido de que, “Com efeito, como tem sido sublinhado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo ¯ quer no acórdão de 11 de Março de 2009 (proc. 0659/08), referido na sentença recorrida, quer, mais recentemente, no acórdão de 4 de Julho de 2018 (proc. 01433/17), ¯ “só pode conhecer-se da prescrição da obrigação tributária, em impugnação judicial, incidentalmente, como eventual causa de inutilidade superveniente da lide, se o processo disponibilizar, sem necessidade de averiguação, todos os elementos factuais necessários”. Como se explica nos mencionados arestos deste Supremo Tribunal “a prescrição não constitui fundamento de impugnação judicial da liquidação, por este processo visar apreciar a legalidade do acto de liquidação e a prescrição não ter a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação”. Aqueles acórdãos acrescentam ainda que, apesar disso, a prescrição pode ser conhecida no processo de impugnação, “incidentalmente, para se determinar se existe interesse em conhecer das causas de invalidade apontadas ao acto de liquidação”, uma vez que, verificada a prescrição, esta constituirá “causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide”; mas não – repete-se – motivo de anulação da liquidação.
E precisamente por não ser motivo de anulação da liquidação (mas apenas um pressuposto da utilidade do conhecimento das causas de invalidade alegadas na impugnação) é que o Supremo Tribunal Administrativo tem sancionado o entendimento de que não haverá, neste caso, que diligenciar para conhecer se estão ou não verificados os pressupostos da prescrição; haverá apenas que conhecer deles se todos os elementos constarem do processo. O que, como vimos, não sucedida neste caso e, pelas razões que acabámos de aduzir, não era também legalmente exigível ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, contrariamente ao que afirma o Recorrente, que o mesmo diligenciasse para obter essas informações.”.

In casu impõe-se apurar se este Tribunal de recurso tem todos os elementos necessários para conhecer da prescrição que vem agora invocada.

Pela leitura atenta de todo o processo se denota que não existem nos autos elementos que objectivamente apontem para a verificação da prescrição, dado que a confirmação de tal estaria dependente do apuramento de diversa factualidade relevante, que não é possível detectar com os elementos disponíveis nos autos, tanto mais que, desconhece este tribunal do eventual estado do processo executivo que certamente foi instaurado para cobrança da dívida, isto porque o mesmo não se encontra apenso a estes autos, assim sendo, nada existe nos autos que nos permita tomar conhecimento da alegada prescrição.

Efectivamente, uma vez que o processo não chegou a este Tribunal acompanhado de qualquer processo executivo e de outras informações que, em concreto, se revelam necessárias para a contagem do prazo prescricional, deste não se pode conhecer.

Finalmente, sempre se dirá, que esta análise em nada prejudica a Recorrente, que sempre poderá suscitar esta questão junto do órgão de execução fiscal, requerendo que este declare a prescrição da divida tributária, com a possibilidade de deduzir reclamação para o tribunal, nos termos do art. 276.º do CPPT, da eventual decisão de indeferimento.

Destarte, perfilhando o entendimento propugnado nos supracitados arestos, não tomaremos conhecimento do recurso jurisdicional interposto neste domínio.

Do erro de julgamento na desconsideração de custos não documentados e no recurso a métodos directos

Começa a Recorrente por alegar que a MMª Juiz do Tribunal a quo deveria ter ordenado as diligências necessárias para descoberta da verdade material, não bastando alegar que “"Com efeito, e embora não se coloque em causa que os serviços e despesas mencionadas nos documentos em causa possam ter sido prestados, a verdade é que as despesas inerentes aos mesmos, não se encontram devidamente comprovadas" (conclusão 2 do recurso).

Depois, diz que compete à AT alegar e provar, facto a facto, em que consistiu a conclusão de que teriam ocorrido os factos tributários, no caso, as correcções em sede de IRC, no valor de €33.331,93 (conclusão 3 do recurso), e essa prova teria de ser cabal e desprovida de incertezas, pois a incerteza terá que ser resolvida a seu favor, não só por aplicação das regras gerais sobre a repartição do ónus da prova (art. 74º, nº 1 da LGT), mas também pelo princípio “in dúbio contra fiscum” (conclusões 3 a 5 do recurso).

Por fim, alega que a sentença recorrida viola o art. 100º, nº 1 do CPP, uma vez que competia à AT e ao Tribunal a quo demonstrar a existência dos factos tributários, bem como a sua quantificação, o que não foi feito. Ao proceder à determinação do imposto por via da acção directa, numa situação em que só lhe era permitido o apuramento pelos métodos indirectos, a AT preteriu uma formalidade legal essencial do processo de liquidação e impediu a Recorrente de socorrer-se do pedido de revisão, nos termos do artigo 91º da LGT (conclusões 6 a 9 do recurso).

Vejamos.
Nos presentes autos a AT, em sede inspectiva, apurou a existência de diversas despesas suportadas por documentos internos “saídas de caixa” tendo solicitado à Recorrente esclarecimentos ao que aquela informou que (…) o facto de não ter conseguido identificar e localizar, na contabilidade desta Clinica (...), Lda., os respectivos documentos de suporte destes pagamentos, não significa que os prestadores de serviços em causa não os tenham emitido (…)”.

A AT também apurou a existência de despesas com deslocações desacompanhadas dos mapas que pudessem permitir o controlo da realização das mesmas.

Perante tal circunstancialismo, a AT desconsiderou como custos as despesas constantes da contabilidade da Recorrente que não se mostravam documentadas, em virtude de não obedecerem aos requisitos do artigo 42º, nº 1, al. g) e artigo 23º, ambos do CIRC, considerando que, para o exercício de 2001, o resultado tributável seria acrescido de €33.221,55.

A sentença recorrida confirmou a desconsideração destes custos e manteve as liquidações impugnadas, apresentando, para esse efeito, o seguinte discurso fundamentador “No que respeita às obrigações contabilísticas das empresas, estabelece o art. 115° n.°8 do CIRC que "na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte: a)todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário; b) as operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos".
Conforme resulta do probatório, as despesas lançadas na contabilidade da Impugnante, suportadas por documentos internos com a designação de "saídas de caixa", não se encontram tituladas por documentos que as demonstrem.
Embora a impugnante tenha sido devidamente notificada em sede de procedimento inspetivo para juntar documentos que sustentem esses documentos de saídas de caixa, não o fez, tendo um dos responsáveis da sociedade informado não ter sido possível identificar e localizar, na contabilidade da Clinica (...), Lda., os respetivos documentos de suporte desses pagamentos.
Com efeito, e embora não se coloque em causa que os serviços e despesas mencionados nos documentos em causa, possam ter sido prestados, a verdade, é que as despesas inerentes aos mesmos, não se encontram devidamente comprovadas.
Vejamos o que se encontra fixado no art. 42° do CIRC, relativamente à questão dos encargos não dedutíveis para efeitos fiscais - n.°1. g) - "não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados corno custos ou perdas do exercício: (...) os encargos não devidamente documentados".
No seguimento desta norma, atentemos no disposto no art. 81° n.°1 do mesmo diploma, relativamente às taxas de tributação autónoma: "As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como custo nos termos do art. 23º ".
Assim, considerando que o Sujeito Passivo não apresentou os documentos que servem de demonstração das despesas lançadas na sua contabilidade como "saídas de caixa", obrigação legal que sobre si impendia, bem andou a Administração Tributária desconsiderando-as como custos e observando o disposto no art. 42° e 81º n.°1 do CIRC, fazendo-as cair na tributação autónoma reservada a despesas, ou encargos, não devidamente documentados, não havendo qualquer razão legal, para fazer uso de aplicação dos métodos indiretos como pretende a impugnante.
Pelo que improcede e no que concerne a esta matéria, a pretensão da impugnante”.

É, pois, com este discurso fundamentador que a Recorrente não se conforma. E não se conforma por entender que a MMª Juiz do Tribunal a quo deveria ter ordenado diligências necessárias para a descoberta da verdade e, por outro lado, que caberia à AT alegar e provar, facto a facto, em que consistiu a conclusão de que teriam ocorrido os factos tributários, no caso, as correcções em sede de IRC, no valor de €33.331,93.

Vejamos.
O art. 23º do CIRC (Segundo a redacção vigente à data dos factos tributários.) estabelece, no seu nº 1, que se consideram “custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente…

Por sua vez, segundo o art. 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não são dedutíveis para efeito da determinação do lucro tributável, “os encargos não devidamente documentados”.

São assim dois os requisitos para que os custos ou perdas das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal: (i) que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que (ii) sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.

In casu, a Recorrente parece olvidar que na análise que foi feita à sua contabilidade se detectou o lançamento de várias quantias suportadas apenas em meras “saídas de caixa” ou identificadas como “deslocações”, sem que se tenha observado o formalismo legal, pois que tais custos não se mostram devidamente documentados - art. 42º, nº 1, al. g) do CIRC.

A AT, em sede inspectiva, provou que os custos lançados pela Recorrente na contabilidade não se mostravam documentados, tais custos estão individualmente identificados em lista que consta dos autos (cfr. ponto 16 da factualidade), sendo certo que a AT solicitou à Recorrente a devida prova mediante a apresentação dos documentos para o efeito. Sucede que, a Recorrente não exibiu qualquer prova, no entanto, e tal como resulta do art. 74º, nº 1 da LGT, incumbia-lhe a prova da documentação de tais despesas e custos, o que não logrou concretizar. É ónus da Recorrente a prova de que tais custos estão documentados, sabido que é, que não são dedutíveis os custos que não se encontrem documentados.
A Recorrente alega que a MMª Juiz do Tribunal a quo deveria ter ordenado diligências necessárias para a descoberta da verdade, sem contudo dizer que concretas diligências deveriam ser encetadas, e que concretos factos deveriam ser apurados, notório é que recai sobre o contribuinte o ónus de comprovar o respectivo custo, como lhe impõe o art. 23º do CIRC, sendo certo que teve a oportunidade de o fazer e não o fez.

Por outra banda, alegou, ainda, que caberia à AT alegar e provar, facto a facto, em que consistiu a conclusão de que teriam ocorrido os factos tributários, no caso, as correcções em sede de IRC, no montante de €33.331,93

Ora, não assiste razão à Recorrente porque a Administração Fiscal identifica, individualizando (cfr. ponto 16 do probatório), os custos que desconsiderou sem deixar de admitir que a Recorrente incorreu nos custos, todavia não aceita a sua relevância fiscal tanto assim que, na parte decisória, e no âmbito do seu poder de correcção, procedeu à sua efectiva correcção, por entender, repete-se, que os mesmos não estavam devidamente documentados, tal como é exigido pela alínea g) do nº1 do art. 42º do CIRC, preceito segundo o qual para o efeito de determinação do lucro tributável só relevam “os encargos devidamente documentados”.
Neste mesmo sentido conclui o Acórdão do STA de 27/10/1999 disponível in: www.dgsi.pt. , dizendo que “os documentos não emitidos na forma legal não podem ser dedutíveis para a determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 41º nº 1 alínea h) do CIRC.”

Sendo que a doutrina que se extrai do Acórdão vai no sentido de que se o custo não está devidamente documentado, o mesmo não pode ser considerado ainda que, como no caso em apreço, não haja dúvidas sobre a sua efectiva verificação.

Ainda, acerca dos custos documentados e não documentados, e em situação em tudo igual a dos presentes autos, pois que se trata da análise dos custos não documentados de natureza similar e da mesma sociedade, mas em relação ao exercício de 2002, já se pronunciou este TCAN em douto acórdão proferido em 25/06/2015, no âmbito do processo nº 1310/05.6BEVIS-Aveiro, dizendo que:” “(…) entendem-se como custos documentados aqueles que estão documentados de acordo com as exigências da lei fiscal.
Com efeito, é pressuposto comum a várias normas fiscais a regra de que os custos devem estar devidamente documentados. Não apenas documentados, mas devidamente documentados. Tal resulta, entre outros, do CIRC (Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente... (art. 2.3º/l); Não são dedutíveis os encargos não devidamente documentados. (42°/1, g); A contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo (17º/3); Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos (115º/3, a) e da LGT: os órgãos competentes da AT para apurar a situação tributária dos contribuintes podem examinar todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária (art. 63°/l, b) LGT); presunção de veracidade dos apuramentos inscritos na contabilidade quando estiver organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal e a paralela cessação de presunção de veracidade quando a escrita revelar omissões, erros e inexactidões (art. 75º/1, 2.a) LGT).
Os não documentados são os custos contabilizados sem qualquer suporte contabilístico (por exemplo, a saída em numerário de caixa sem qualquer documento justificativo ou de suporte).
Já as despesas indevidamente documentadas são aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permitam identificar os beneficiários e a natureza da operação (cfr. ac. do TCAS n.º 04690/11 de 07-02-2012 Relator: JOAQUIM CONDESSO).
As despesas indevidamente documentadas poderão resultar de documentos externos ou internos. Os documentos externos são as facturas ou recibos, (aos quais falte algum elemento) emitido pelo fornecedor ou prestador; enquanto os documentos internos terão de conter os elementos essenciais da operação que titulam por forma a possibilitar à AT quer o controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, quer da respectiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços, o que não ocorre se os documentos internos não identificam de forma adequada as pessoas singulares que prestaram os serviços, nem se encontram assinados quaisquer recibos que atestem quem e quanto recebeu. (Ac. do TCAS n.º 06468/13 de 23-04-2015- Relator: CRISTINA FLORA)
Mas como a Jurisprudência tem entendido, de forma praticamente pacífica, que a documentação do custo constitui uma formalidade probatória, admite-se que o encargo possa ser provado por qualquer meio (cfr. Ac. do TCAN n.º 02390/05.0BEPRT de 14-07­2014 Relator: Pedro Nuno Pinto Vergueiro)
Com a devida vénia se transcreve parte deste douto ac. do S.T.A. de 05-07-2012, porque o seu conteúdo nos parece deveras esclarecedor não só quanto à documentação dos custos, mas também quanto ao sacrifício probatório exigível. "... O art. 23° do C1RC (Segundo a redacção vigente à data dos factos tributários.) estabelece, no seu n° 1, que se consideram "custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente...
Por sua vez, segundo o art. 42°, n° 1, alínea g), do CIRC não são dedutíveis para efeito da determinação do lucro tributável, "os encargos não devidamente documentados".
(…)
São assim dois os requisitos para que os custos ou perdas das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal: que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.
No caso em apreço, está apenas em causa a verificação dos requisitos formais exigidos para a comprovação dos custos e cuja violação implica a sanção da indedutibilidade sobre o rendimento.
As exigências formais compreendem a vertente interna e a externa. Os documentos internos são elaborados na empresa, normalmente para uso exclusivo interno (folhas de férias e as notas de lançamento). Os documentos externos são aqueles que provêm ou se destinam ao exterior, como as facturas, recibos e notas de débito) e são estes que normalmente cabem no conceito de "documentos justificativos", que acompanham todo e qualquer gasto.
Segundo ANTONIO MOURA PORTUGAL (A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 189.), "Na perspectiva dos interesses fiscais, as exigências formais de documentação encontram a sua razão de ser numa dúplice justificação: por um lado, na necessidade de comprovar a efectivação do custo, a sua existência por outro lado, para se aferir a natureza de despesa e respectiva comprovação da indispensabilidade do custo face à actividade do sujeito passivo.
(…)
Portanto, é claro que para efeitos de IRC a justificação do custo corresponde a uma formalidade probatória. A sua falta pode ser suprida por qualquer outro meio de prova.
Porém, e entrando já na terceira questão em análise relativa à amplitude do encargo probatório sobre o onerado, é de notar que não está em causa apenas a documentação da despesa - essa é a primeira questão, digamos assim. Para além disso é também necessário saber se essas despesas eram necessárias para a realização dos proveitos, para poderem ser elegíveis como custos para efeitos fiscais (art. 23° do CIRC), o que constitui encargo probatório da Impugnante/Recorrente.
Ora a amplitude do seu ónus probatório não pode ser inferior à que resultaria de um custo devidamente documentado, impondo-se por isso, demonstrar claramente as principais características da transacção, incluindo a sua natureza, o destinatário e a respectiva descrição.
(cfr. Ac. do TCAN n.º 02390/05.OBEPRT de 14-07-2014 Relator: Pedro Nuno Pinto Vergueiro III) As exigências .formais em sede de comprovação de custos visam propiciar à Administração Fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que, como ficou dito, à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro, e não se tratando de uma prática isolada, mas de uma prática reiterada e que envolve vários agentes económicos, com e sem contabilidade organizada, aceitar tais notas como documento idóneo a comprovar os respectivos custos, seria fazer tábua rasa da obrigação que impende sobre a recorrente quanto as exigências de contabilidade organizada e, ao mesmo tempo, convidar a ficarem fora do sistema fiscal, múltiplos agentes económicos.
IV) Embora se entenda que, na ausência de documento externo, que comprove o custo em causa, tem de ser admitida a prova da realização do custo por qualquer meio, desde que adequado a demonstrar as principais características da transacção, o que implica a clara definição das operações em causa e a produção da necessária prova no sentido de ultrapassar a dificuldade apontada relacionada com a falta de documento externo, comprovando o respectivo custo, ou seja, em função da posição assumida pela AT, foram desconsideradas um conjunto de operações que a ora Recorrida necessariamente teria de demonstrar uma a uma, por forma a habilitar a proferir a afirmação vertida na decisão recorrida, a qual nas condições actuais, não tem suporte no respectivo probatório.
Assim, pretendendo a Impugnante fazer prova dos custos e da sua indispensabilidade para a realização dos proveitos, cabia-lhe alegar - e provar -, por cada documento de caixa emitido, a natureza da despesa, porque foi realizada e a quem, concretamente, foi paga.
Dizer-se que as despesas foram pagas pela Clínica a serviços especializados, médicos, dentistas, enfermeiros, lavagem de roupa etc. é manter a verba despendida não aceite como custo (€ 2083,03) numa penumbra igual à que já resulta do mapa elaborado pela AT - o mesmo é dizer dos documentos de onde foi extraído o seu conteúdo-, nada de relevante esclarecendo concretamente sobre a sua natureza, realização e fornecedor dos bens ou serviços a quem a despesa foi paga.
E não se pode dizer que estes elementos sejam irrelevantes ou de somenos importância, porque é na sua presença que se pode confirmar a realização do custo e a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos, por um lado, e por outro para que junto dos beneficiários da despesa se possa averiguar a contabilização do respectivo proveito.
Ora, se tal procedimento probatório vago, conclusivo e incompleto, fosse admissível equivaleria a «... fazer tábua rasa da obrigação que impende sobre a recorrente quanto às exigências de contabilidade organizada e, ao mesmo tempo, convidar a ficarem fora do sistema fiscal, múltiplos agentes económicos», como se diz no ac. do STA n.º 0658/11 de 05-07-2012.
Evidentemente que a lei não permite a «exclusão» de nenhum contribuinte do sistema fiscal, nem isso pode ser admitido pela via judicial através de algum «facilitismo» probatório.
Tudo isto para concluir, a final, que embora seja inegável que a Impugnante/Recorrente tem o direito de provar os custos em que incorreu por outros meios que não apenas os chamados «documentos externos» (…), deveria ter alegado factos compatíveis com tal desígnio probatório.
Não o fazendo, e uma vez que o conteúdo do artigo 22° (e os restantes) da douta petição inicial não contém factos concretos (e relevantes) compatíveis com o dever de alegação, sobre eles não se admite prova.
(…)
Porém, o facto de ser conhecido o beneficiário (e não é em todos os casos que isso acontece) nada sabemos sobre a natureza e o «porquê» da despesa. Por exemplo, pegando na terceira despesa cuja descrição é "Deslocações - Paula": mesmo admitindo que se sabe quem é Paula, ficamos sem saber que tipo de deslocações foram feitas, para onde, em que dias e para fazer o quê.
Quer dizer, mesmo que se conheça o beneficiário da despesa, permanecem incógnitas a natureza e a sua relevância para a realização dos proveitos.”

Volvendo in casu, temos que as despesas indevidamente documentadas referidas no RIT, que constam individualizadas em lista que consta do RIT, mas também do presentes autos, perfazendo um total de €33.321,93, não foram, e bem, aceites como custo art. 42°, al. g) do CIRC, redacção vigente ao tempo.

Analisando tal lista facilmente se compreende o motivo da desconsideração, pois ali são apenas mencionados, por ex: “almoços”, “Deslocações” ou “deslocações A.” ou “Almoços D.”, o que no seguimento do Acórdão supra transcrito não é suficiente para documentar as despesas.

Assim, em total adesão ao Acórdão proferido neste TCAN, que acima se reproduziu nas partes mais impressivas, atento o disposto no art. 8º, nº 3 do Código Civil, visando uma interpretação e aplicação uniforme do direito, resta-nos concluir que no que concerne aos custos desconsiderados o recurso mostra-se votado ao insucesso.

A Recorrente também questiona a aplicação do método directo, defendendo que lhe deveria ser aplicado o método indirecto de acordo com a previsão do artigo 87º, nº 1, al. c) da LGT, que nesse pressuposto a AT teria que lhe facultar o pedido de revisão nos termos do art. 91º da LGT, o que não sucedeu.

Atentemos.
Nos termos do disposto no artigo 81° da LGT "A matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios da cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições LGT expressamente previstos na lei".
A avaliação indirecta é sempre subsidiária da avaliação directa e aplicam-se-lhe, sempre que possível e a lei nada disser em contrário, as regras da avaliação directa.

A avaliação indirecta só pode ter lugar nos casos referidos no artigo 87° da LGT, nomeadamente, no caso de a matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica referidos na lei (artigo 87°, alínea c) da LGT).

Na situação referida na al. c) do nº 1, do art. 87º da LGT, a razão da utilização da avaliação indirecta da matéria tributável é a existência de motivos para suspeitar que o valor que conduz a aplicação dos métodos de avaliação directa não é a matéria tributável real.

Esta situação ocorre quando a matéria tributável encontrada através dos métodos de avaliação directa (designadamente através das declarações do sujeito passivo e da sua contabilidade) se afasta significativamente, para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica.

Não é seguramente o caso sobre que nos debruçamos, pois facilmente se constata que a situação dos autos não se enquadra na previsão da aplicação dos métodos indirectos nos moldes acima mencionados.

Como bem se refere no parecer do IMMP junto do Tribunal a quo “(…) a Administração Fiscal verificou que havia irregularidades mas não detectou factos incertos, pelo que se tornou imperativo legal a avaliação com recurso a correcções técnicas”.

Em anotação ao acórdão em cima mencionado SALDANHA SANCHES, questionando se numa situação destas o contribuinte tem direito a métodos indiciários, pondera que não estando os custos devidamente documentados, “e como esta ausência constitui uma violação da alínea a) do nº 3 do artigo 98º do CIRC a Administração Fiscal reage, como a lei lhe impõe que reaja, numa perspectiva formal: se o custo não está documentado, devendo estar documentado, tal custo não pode ser considerado: mesmo que não haja dúvidas sobre a sua efectiva verificação. Essa questão material não tem aqui qualquer interesse: a lei impõe a sua não consideração como sanção destinada a evitar um comportamento que põe em causa a aplicação da lei fiscal. (…) Se a Administração fiscal aplicasse métodos indiciários teria necessariamente de seguir uma lógica material: calcularia o custo e os proveitos utilizando os elementos de que dispusesse e por isso iria, provavelmente, levar em conta esse custo no cálculo do lucro tributável (…). Considerando que a não documentação do custo não conduz a que a escrita no seu todo não mereça confiança, a Administração fiscal chega a um resultado menos favorável ao contribuinte do que, eventualmente, daqueles que provavelmente obteria recorrendo a métodos de prova indirecta. Se tivesse considerado que a tal ausência de registo constituía um indício fundado da falsidade da totalidade dos registos contabilísticos. Mas haverá uma contradição na lei na medida em que faz corresponder a um comportamento menos grave (o contribuinte poderia pura e simplesmente não ter contabilidade) uma sanção maior? Não nos parece: considerando os fins prosseguidos pela lei…”.

Destarte, o método directo de cálculo do lucro tributável encontra-se bem aplicado, falecendo razão à Recorrente nesta conclusão do recurso.

Em conclusão, soçobram todas as conclusões do recurso mostrando-se este votado ao insucesso.
*** ***

5 – DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
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Porto, 2021-03-11


Maria Celeste Oliveira
Maria do Rosário Pais
Tiago de Miranda