Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00594/07.0BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/14/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rosário Pais
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA; APRECIAÇÃO CRÍTICA DA PROVA; RECURSO EM MATÉRIA DE FACTO; ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO; FORÇA PROBATÓRIA DO RIT;
FATURAS; SIMULAÇÃO; ÓNUS DA PROVA; DEDUÇÃO INDEVIDA DE IVA;
Sumário:I - O exame crítico da prova consiste na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro.

II - Apenas a total e absoluta ausência de fundamentação de facto afeta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada.

III – Pese embora se aceite que a mera transcrição integral e acrítica do relatório da inspeção tributária não constitua, por regra, a forma adequada de selecionar a matéria de facto, a matéria de facto fixada no ponto 6 da decisão recorrida está longe desta censura pois que, na parte em que se socorreu do Relatório para os factos provados, o Tribunal a quo procedeu à selecção dos segmentos relevantes, não o transcrevendo totalmente nem remetendo integralmente para o seu conteúdo, antes seleccionou e especificou, de acordo com a sua apreciação, os factos que relevavam para a decisão, transcrevendo do relatório os excertos que se mostravam estritamente necessários para a mesma.

IV - Por força do disposto nos n.º 1, alínea a), n.º 2 e n.º 4 do artigo 685.º-B, do anterior Código de Processo Civil, temporalmente aplicável, no recurso em matéria de facto constitui ónus da recorrente indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão diferente sobre os pontos da matéria de facto que entende erradamente julgados. Tratando-se de prova gravada, incumbia à recorrente, sob pena de rejeição do recurso no que se refere à matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda ou proceder à respetiva transcrição.

V - Compete à AT evidenciar a existência de factos que, segundo as máximas da experiência comum, são seriamente indiciadores de que as operações tituladas pelas faturas em crise não correspondem a transações comerciais efetivamente ocorridas, não lhe sendo exigível demonstrar a falsidade das faturas ou a existência de um conluio entre o emitente das faturas e o respetivo beneficiário.

VI - Basta à AT provar a factualidade suscetível de abalar a presunção de veracidade dos registos constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir o IVA mencionado nas faturas emitidas a seu favor) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efetivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:E., SA
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO
1.1. E., S.A., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel em 01.02.2013, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de IVA dos períodos de 0412T e de 0503T e respetivos juros compensatórios, no valor global de € 25.969,00.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«1. A argumentação expendida pelo Mº. Juiz “a quo” e a decisão proferida relativamente aos factos dados como provados e não provados padece de evidentes defeitos, não tendo existido qualquer aprofundamento na análise da questão, violando os mais elementares princípios que norteiam a função do julgador (maxime em processo fiscal), não existindo uma correcta análise da prova;
2. “A sentença judicial não pode reduzir-se a um puro silogismo lógico, não pode nem deve representar uma aplicação por assim dizer maquinal da lei geral e abstracta aos factos da causa (vd. Acórdão da R.L. de 12/10/93, CJ, Ano XVIII, T. IV), antes devendo o juiz fazer uma apreciação crítica das provas (artº 659º. nº 2, do C.P.C.), o que equivale a dizer que terá necessariamente de valorar e interpretar os factos apurados no julgamento à luz dos interesses e finalidades que o legislador quis defender, presentes nas normas jurídicas aplicáveis a cada hipótese, eivado desse sentido crítico, mandou proceder a diligências”. “E, na verdade, a prova relevante será não apenas a aduzida pelas partes, mas também e especialmente a prova que ao juiz se impõe diligenciar;
3. A sentença recorrida é nula por violação clara dos princípios basilares da defesa, do contraditório por se fundamentar em prova que não consta dos autos e à qual não foi dada à Impugnante oportunidade de pronunciar;
4. É passível de verificar que toda a motivação do Tribunal se funda única e exclusivamente nas conclusões do Relatório de Inspecção.
5. O Tribunal “a quo” deu como provados os pressupostos e conclusões do relatório, na íntegra, não respondendo ou se pronunciando sobre a matéria controvertida nos articulados e que era essencial para a decisão da causa (como sendo a questão da venda ou não de uma unidade industrial e consequentemente a sua sujeição a IVA; os pressupostos da simulação).
6. Essa obscuridade e inexistência dos factos provados, tendo em conta que é composta maioritariamente pelas transcrições de partes completas do relatório de inspecção, faz com que a sentença assuma uma configuração que leva a que sua nulidade – por não especificação dos fundamentos de facto para a decisão, não podendo o Tribunal limitar-se a proferir uma decisão jurídica de fundo com base na adesão, em bloco, à factualidade constante do RIT [arts. 125.º/1 do CPPT e 668.º/1-b) CPPT].
8. Foi atribuída força probatória plena ao relatório inspectivo e não, como devia ter sido, aos documentos juntos pela Recorrente e não impugnados pela Autoridade Tributaria, esses sim com força probatória plena face a falta de impugnação.
9. A decisão enferma, de erro de julgamento quanto à matéria de facto na medida em que o tribunal não valorizou devidamente a prova documental junta aos autos pela Recorrente, inflacionou o valor dos factos e dos juízos de valor constantes do relatório da inspecção, conferindo força probatória plena às considerações efectuadas pela inspectora tributária.
10. O ponto 5.º dos factos provados deveria apenas tê-lo sido de forma parcial pois as empresas que embora tenham ligações não são geridas pelo J. mas cada empresa pelo seu gerente designado – conforme resulta das respectivas certidões permanentes das empresas junta aos autos.
11. O ponto 6.º da matéria de facto dada como provada não é qualquer matéria de facto mas uma mera transcrição do relatório de inspecção que engloba matéria distinta.
12. Incumbia à Meritíssima Juiz “a quo” ter de forma, clara, objectiva considerar os factos provados no que respeita à suposta venda de uma unidade produtiva e por isso fora da incidência de IVA, bem como, os factos que levam a considerar estarmos diante de negócios simulados.
13. Ao ler aquele ponto 6 não se vislumbra o que se dá como provado ou não provado nem sequer o alcance da transcrição efectuada, pelo que, terá que ser tal ponto retirado dos factos provados por ali nenhum facto constar. A obscuridade de tal ponto coloca definitivamente em causa a sentença proferida, pois que, lendo-se a sua motivação e o direito aplicado concluir-se-á que só recorrendo a este ponto chegou a Meritíssima juiz à decisão proferida.
14. Os factos são factos e não podem assentar em transcrições integrais dos relatórios inspectivos, infirmando assim a sentença de nulidade nos termos do disposto no artigo 125º, nº1 do CPPT, atenta a não especificação dos fundamentos de facto da decisão, pois que, tal nulidade abrange, quer a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo nº2 do artigo 123º do CPPT, quer a falta do exame crítico das provas, previsto no artigo 659º, nº3 do CPC.
15. A formulação apresentada pela Mmo. Juiz, sob a veste de factualidade assente, só na aparência pode merecer tal designação, sendo para nós claro que, in casu, o tribunal a quo se demitiu, por completo, de discriminar os factos provados e que eram essenciais para que permitir julgar a pretensão apresentada pelo impugnante na petição inicial. Note-se, desde logo, que não vem discriminado o circunstancialismo fáctico subjacente aos negócios titulados pelas facturas, nem, por seu turno, os factos considerados para descredibilizar a contabilidade da Impugnante.
16. Consequentemente a sentença recorrida é nula nos termos do disposto no artigo 125.º do C.P.P.T..
17. Os factos dados como provados de 7.º a 13.º não relevam para a decisão da causa e apenas constavam do relatório de inspecção no que respeita às supostas correcções a fazer em sede de IRC e que a administração acabou por não fazer não sendo por isso, sequer matéria quesitada e com interesse para as liquidações de IVA que ora se discutem. Pelo que, devem os mesmos ser retirados.
18. Foram, assim incorrectamente julgado os pontos 5 e 6 da matéria de facto dada como provada, bem como, o ponto 1 dos factos não provados que deveriam merecer resposta positivas tendo em conta os depoimento das testemunhas e os documentos juntos é inequívoca a vontade de comprar e de vender das partes.
19. Dos depoimentos das testemunhas e da conjugação da na[á]lise das facturas (atendendo ao tipo de máquinas a[í]constantes e às que são necessárias para a construção de móveis) resulta e ficou demonstrado que as máquinas adquiridas àquela empresa não têm capacidade de só por si formar uma unidade autónoma e objectivamente apta ao exercício de um ramo de actividade independente. Não constituindo uma unidade autónoma estão efectivamente sujeita as regras gerais da incidência de IVA e por isso foi devidamente liquidado o mencionado IV[A], não sendo uma das situações de não sujeição nos termos do disposto no n.º4 do artigo 3.º do CIVA..
20. Acresce que, a sentença recorrida não fez uma correcta aplicação e interpretação do Direito, fazendo uma errada aplicação das regras do ónus da prova, porquanto, antes de se poder onerar a recorrente com a prova de que as facturas em causa correspondiam a transacções efectivas, era à Administração Tributária que cabia demonstrar que tais facturas diziam respeito a operações simuladas, violando assim de forma crassa as regras gerais de repartição do ónus da prova e a regra da presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, constantes nos artigo 74.º e 75.º, ambos da L.G.T.;
21. Conforme o disposto no artigo 75º. nº. 1 da L.G.T. as declarações dos contribuintes presumem-se verdadeiras e de boa fé, pelo que, nos temos do disposto no artigo 74.º, n.º1 do mesmo diploma cabe à Administração, quando pretende colocar em causa tais declarações, demonstrar os factos que são passíveis de abalar essa mesma credibilidade.
22. Assim, colocando em causa o negócio realizado pela Impugnante de compra das máquinas a “C. Lda.”, que se encontra devidamente documentado e registado na contabilidade, teria que alegar e demonstrar relativamente a este concreto negócio (e nada mais) que o mesmo é simulado por forma a aplicar o n.º 3 do artigo 19.º do C.I.V.A.
23. Como é jurisprudência pacífica, reiterada e uniforme, quando a liquidação adicional de IVA tem por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, compete à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua actuação, o que significa que embora não tenha de fazer prova plena da simulação, isto é, a prova dos pressupostos exigidos pela lei civil, tem necessariamente que demonstrar indícios claros e directos dos quais se possa extrair essa simulação, não lhe bastando meras conclusões.
24. No caso, a Administração Tributária considerou que a simulação decorre do facto de as máquinas adquiridas pela Recorrente terem sido anteriormente detidas por uma empresa com a qual a Impugnante tinha relações especiais, afigurando-se-lhe que a venda e compra do equipamento industrial teve por base outra verdade económica distinta, tendo como único objectivo impossibilitar a satisfação de créditos tributários devidos, não alegando o que quer que seja quanto à falte de vontade das partes em realizar o negocio.
25. O facto é que a empresa que teve no negócio supostamente simulado, pelo menos à data, nenhumas d[í]vidas possuía de relevo, não podendo por isso ao realizar o negócio ter qualquer intuito de fugir com património e lesar credores!
26. São empresas sérias e bem consideradas no mercado à data dos factos, sendo prova disso o facto de nenhum dos “afamados” credores lesados ter impugnado qualquer um dos negócios realizados (e como diz a Administração lesivos para aqueles credores), sendo que nem a própria Administração Tributária usou dessa faculdade, o que poderia ter feito, se assim entendia.
27. Pelo que tal argumento demonstrativo da falta de vontade de vender e comprar e possível objectivo de enganar terceiros cai largamente por “terra”.
28. Ao não apontar factos concretos e objectivos que permitam concluir pela falta de vontade das partes em realizar o negócio de compra e venda que originou a emissão das facturas e apenas partindo de uma “historia” criada com recurso à analise do percurso de cinco empresas distintas para encontrar indícios de simulação, é manifestamente demonstrativo de que a Administração Tributaria não carreou para o processo inspectivo nem para o processo de impugnação elementos suficientes para abalar a credibilidade das declarações da Impugnante em sede contabilística.
29. Ora, não tendo a Administração Tributaria feito tal prova, não elidindo, assim, a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da Recorrente, não tem esta que provar a veracidade dos negócios realizados e consequente­mente têm obrigatoriamente que ser anuladas as liquidações efectuadas por não ser possível a aplicação do disposto no n.º3 do artigo 19.º do C.I.V.A;
30. Por outro lado, a Recorrente sempre teria demonstrado claramente que tinha o intuito de adquirir aquelas máquinas, pois por todas as testemunhas arroladas e ouvidas foi dito que a Recorrente queria iniciar a produção dos seus próprios moveis para não ficar tão dependente de terceiros e que para tanto (tendo em conta que as máquinas adquiridas e objecto dos autos eram insuficiente para a produção de tais moveis) comprou de forma gradual diversa maquinaria a diversas entidades (pois que da analise do imobilizado da empresa a Autoridade Tributária poderia ter, desde logo, concluído que mais de 80% do parque industrial da Recorrente fora adquirido a outras empresas como à C., N., F., M.) e só um ano quase passado destas aquisição esteve em condições de iniciar a sua própria produção de moveis.
31. A Administração Tributária e o Tribunal Recorrido considerou que a simulação decorre do facto de as máquinas adquiridas pela Recorrente ter sido adquiridas a uma entidade com a qual tem relações especiais e que essas máquinas eram anteriormente detidas por outras empresas com que a vendedora tinha relações especiais, afigurando-se-lhe que a venda e compra de todo este equipamento industrial, teve por base outra verdade económica distinta, tendo como único objectivo impossibilitar a satisfação de créditos tributários devidos não pela vendedora (que só devia à data cerda de mil euros) nem pela compradora mas por outras empresas de quem supostamente teriam advindo as máquinas, pelo que, justifica-se liquidação adicional respeitante a deduções indevidas. Esquecendo-se que nem todas as máquinas que foram vendidas à Recorrente foram algum dia detidas ou propriedade das afamadas empresa “J.” ou “J. – empresário em nome individual” pois que, como podia verificar da contabilidade da “C. Lda” cerca de 50% foram adquiridas a entidades externas, pelo que, nunca poderiam algum dia vir a responder pelas dividas de empresas ou empresários a quem nunca pertenceram.
32. A empresa vendedora não tinha dívidas relevantes à Autoridade Tributaria, pelo que, objectivamente falece qualquer intuito de defraudar ou ocultar património com a simulação de uma venda. Nenhum interesse tinha.
33. Aliás, ainda que as relações entre as empresas fossem de tal forma fraudulentas haveria sim que averiguar o valor dos preços praticados entre elas e verificar se estavam a agir quanto a isso dentro dos parâmetros normais do mercado, pois que, não é ilegal ou esta vedado a aquisição de mercadoria ou maquinaria entre empresas.
34. Desta forma, não se vislumbra como pôde o Tribunal e a Administração concluir pela falta de vontade das partes em vender e comprar e muito menos ainda onde está o intuito de enganar terceiros;
35. Assim, atenta a falta de pressupostos processuais no que respeita à figura da simulação prevista no artigo 240.º do C.C., ter-se-á inequivocamente que concluir demonstrada a veracidade dos negócios realizados entre as partes, não podendo ser efectuadas quaisquer correcções em sede de IVA à Recorrente por não existir elemento essencial para aplicação do disposto no nº. 3 do artigo 19.º do C.I.V.A. – simulação.
Assim, revogando a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue o recurso totalmente procedente, anulando as liquidações de IVA efectuadas por não aplicação do disposto no nº. 3 do artigo 19.º do C.I.V.A., V. Excias., como sempre, farão
Justiça!»

1.3. A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer com o seguinte teor:
«Entendemos que a pretensão da recorrente deve improceder na totalidade não sendo valida toda a argumentação expendida nas suas alegações de recurso constantes de fls 350 e seguintes.
A sentença posta em causa – cfr fls 306 e seguintes – fez uma correcta apreciação e valoração da prova constante dos autos e bem como fez uma correcta interpretação dos preceitos legais que a fundamentam, não sendo passível de qualquer critica ou reparo.
A mesma não padece dos vícios que lhe são apontados nas conclusões das alegações. Decidiu-se correcta e legalmente ao julgar a presente impugnação improcedente, mantendo-se as liquidações impugnadas.
O MP perfilha dos doutos argumentos expendidos na decisão recorrida.
Razão pela qual se entende que deve ser negado provimento ao presente recurso, com manutenção na ordem jurídica da decisão recorrida.».
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Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
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Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade, bem como de erros de julgamento de facto e de direito.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Dos factos provados com base nos elementos de prova documental existentes nos autos e no depoimento das testemunhas, com relevância para a decisão da causa:
1.º – A ora impugnante foi sujeita a acção inspectiva realizada em cumprimento à ordem de serviço 01200605165 – cf. fls.27 do Processo Administrativo (PA) apenso aos autos, correspondente ao relatório de inspecção tributária.
2.º – A acção de inspecção foi iniciada em 02.11.2006 e, concluída com o envio da nota de diligência, para a sede da firma, através do ofício 31433 de 10.04.2007 – cf. fls.27 do PA apenso aos autos, correspondente ao relatório de inspecção tributária.
3.º – O procedimento inspectivo teve como motivação o apuramento de possíveis relações especiais inter empresas e respectivas implicações fiscais, nomeadamente com as firmas “J., Lda.”, “C., S.A.” e “C., Lda.” – cf. fls.27 do PA apenso aos autos, correspondente ao relatório de inspecção tributária.
4.º – Tratou-se de uma acção parcial, que teve como âmbito de análise o IRC e IVA, para os anos de 2004 e 2005 e IVA para o ano de 2006 – cf. fls.27 do PA apenso aos autos, correspondente ao relatório de inspecção tributária.
5.º – A ora impugnante está inserida num “grupo empresarial”, que visa a produção e comercialização de mobiliário, com nome comercial “E.”, todo ele gerido de facto por J. – NIF (…) – cf. fls.28 do PA apenso aos autos, correspondente ao relatório de inspecção tributária.
6.º – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável:
Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)
“... Logo após a sua constituição, a actividade da firma confinou-se à compra de móveis à “J., Lda.” – (…)”, empresa pertencente ao mesmo núcleo empresarial, e posterior venda no mercado nacional e intracomunitário.
A “E.”, em 0ut2004, e logo após o início da sua actividade, adquire à firma “C., Lda. – NIPC (…)”, empresa também pertencente ao mesmo grupo, equipamento industrial que havia sido adquirido ás firmas “J.” e “J.”, na qualidade de empresário em nome individual.
Estes mesmos equipamentos. Que nunca deixaram de ser utilizados pela “J.” foram de imediato cedidos à exploração, por via de celebração de contratos de aluguer, lavrados entre a “E.” e a “J.”, a qual exerceu a actividade de produção, partilhando as mesmas instalações, com a “E.” até AGO2005.
Subjacente à aquisição dos referidos equipamentos foram emitidas facturas pela “C., Lda”, com liquidação de IVA no valor de 23.902,00€.
Sendo o objecto social da “C., Lda.”, o aluguer de equipamento, verifica-se que com estas operações – a transmissão de uma parte significativa do seu activo imobilizado, ficou impossibilitada de exercer de uma forma plena a actividade para a qual foi constituída, dando a possibilidade do exercício dessa actividade à “E.” adquirente desse equipamento.
Assim sendo, estas operações estariam fora do âmbito de incidência do IVA nos termos do n.º4 do art.3º do CIVA.
(...)
Em termos financeiros esta operação é relevada, contabilisticamente, através da conta “Caixa” das entidades envolvidas, originando uma rotura no seu saldo na “E.”, para cuja regularização foi deliberado em assembleia geral de 15/12/2004, a realização de prestações suplementares, no montante de 260.000,00 €, na proporção da participação de cada accionista.
Não havendo quaisquer evidências da efectiva realização destas prestações suplementares, foi notificado, em 22JAN2007, o administrador único da firma à data desta ocorrência, J., a provar de forma clara e inequívoca, que as “prestações suplementares” declaradas, deram entrada na firma, apresentando documentação adequada.
Em resposta à notificação foi assumido pelo referido administrador que as entradas contabilizadas como tal, não foram mais que empréstimos dos accionistas, em função das necessidades pontuais da tesouraria.
Através do ofício n.º23418/0505 de 15/03/2007, foi notificado o accionista da firma, C., a identificar e documentar os meios financeiros utilizados no pagamento das prestações suplementares, no montante de 156.000,00€, bem como justificar a capacidade financeira para fazer face a esse incremento patrimonial, situação não possível de aferir pelos rendimentos declarados nas declarações de IRS do ano e anos anteriores. Nada foi referido quanto ao conteúdo da notificação.
Em face do exposto, importa tecer as seguintes considerações:
– Em termos contabilísticos a inclusão de prestações acessórias no capital próprio ou no passivo deve atender “à substância e à realidade financeira e não apenas à forma legal da operação”.
– A terem ocorrido as entradas de caixa a título de empréstimo por parte dos accionistas, tal como foi referido, estas deviam ter sido contabilizadas e reflectidas numa conta de accionistas (25...) – conta de passivo, equivalendo estas conclusões dos accionistas, a um instrumento financeiro e não de capital próprio. Esta situação não se verificou, tanto mais que não estão relevados nas contas de caixa/bancos, quaisquer movimentos financeiros que validem esta afirmação.
– Estando estes “empréstimos” titulados indevidamente como prestações suplementares, nada é referido quanto ao montante de entregas efectivas por parte de cada um dos accionistas, uma vez que a distribuição da verba de 260.000,00 €, teve como princípio a dispersão do capital social, corno forma de cumprir os formalismos definidos no Código das Sociedades Comerciais, para as prestações suplementares.
Concluímos assim, face à precariedade da contabilidade destas prestações suplementares, às explicações dadas e à ausência de capacidade financeira dos accionistas para fazer face às mesmas, que estas não passam de um mero artifício contabilístico/financeiro, para justificar a transferência de equipamentos entre empresas relacionadas, originando o “esvaziamento” da “C.”, no que diz respeito ao seu objecto social.
Assim, conforme o explanado e concluído na informação anexa, estamos em presença de negócios simulados, tal como estão definidos no art. 240º do Código Civil, que ocorreram com o objectivo dos sujeitos passivos “J., Lda.” e J. – empresário em nome individual, proprietários originários dos bens e que nunca deixaram de controlar, frustrarem a possibilidade de cobrança de créditos do Estado.
Assim sendo, o IVA liquidado, nas facturas subjacentes a estes negócios, pela “C., Lda.”, não poderá ser deduzido pela “E.”, nos termos do n.º3 do art.19º do CIVA.
Conclusão:
Conjugando,
– a indevida liquidação do IVA, nos termos do n.º4 do art.3º do CIVA, e o seu não pagamento que impossibilita a dedução nos termos da alínea a) do n.º1 do art.19º do CIVA
– e a impossibilidade de dedução nos termos do n.º3 do art.19º do CIVA, resulta IVA indevidamente deduzido, no montante de 23.902,00€, conforme a seguir se indica:
Declaração periódica Campo Valor declarado Val. a corrigir Val.corrigido
0412T 20 27.388,50€ 22.106,50€ 5.282,00€
0505T 20 7.896,53€ 1.795,50€ 6.101,03€
Total 23.902,00€
– cf. fls.28 a 31 do PA apenso aos autos, correspondente ao relatório de inspecção tributária.
7.º – […] eliminado
8.º – […] eliminado
9.º – […] eliminado
10.º – […] eliminado
11.º – […] eliminado
12.º – […] eliminado
13.º – […] eliminado
14.º – A ora impugnante foi notificada nos termos do art.60º da Lei Geral Tributária, do projecto de relatório da inspecção tributária, através do ofício n.º31895/0505 de 11ABR2007, por forma a exercer o seu direito de audição prévia – cf. fls.34 do PA apenso aos autos, correspondente ao relatório de inspecção tributária.
15.º – Em 24.04.2007, deu entrada nos Serviços de Inspecção, uma exposição da ora impugnante, por forma a exercer o seu direito de audição prévia.
16.º – Os Serviços de inspecção tributária, consideraram que os argumentos apresentados pelo sujeito passivo, no exercício do seu direito de audição prévia, não alteram os fundamentos apresentados no projecto de relatório – cf. fls.36 do PA apenso aos autos, correspondente ao relatório de inspecção tributária.
17.º – O termo do prazo de pagamento voluntário ocorreu em 31 de Julho de 2007.
18.º – A presente impugnação judicial foi deduzida em 29 de Outubro de 2007.
19.º – A ora impugnante arrancou com a vertente produtiva em finais do ano de 2005 – cf. depoimento de S. e A..
Com relevância para a decisão a proferir, o Tribunal julga não provado:
1.º – As máquinas constantes das facturas emitidas pela “C.”, foram efectivamente vendidas por essa empresa à impugnante.
***
Motivação:
O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque – art.74º, n.º1, da Lei Geral Tributária (LGT).
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita – art.516º do Código de Processo Civil (CPC).
No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e que não foram objecto de impugnação, assim como, em parte dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cf. artigos 74º e 76º n.º1 da LGT e artigos 362º e seguintes do Código Civil), bem como, nos depoimentos prestados pelas testemunhas apresentadas pela impugnante.
A matéria de facto não provada resultou da insuficiência da prova.
Sendo factos alegados pela impugnante, recaía sobre ela o respectivo ónus da prova, cf. resulta do disposto no art.74º, n.º1, da LGT.
Os documentos juntos só por si não são suficientes para comprovar que a empresa emitente das facturas desconsideradas pela administração tributária (AT) efectivamente vendeu à impugnante as máquinas que delas constam.
No caso em apreço, a AT no relatório de inspecção tributária, que aqui se dá por reproduzido, demonstrou de forma coerente e sustentada a existência de fortes indícios de que as máquinas constantes das facturas emitidas por “C., Lda.”, registadas na contabilidade da impugnante e desconsideradas pelos serviços de inspecção tributária não foram efectivamente vendidas pelas emitentes à impugnante.
Estas constatações do relatório de inspecção tributária (RIT), cujo teor aqui se dá por reproduzido, são ainda corroboradas pela informação anexa ao RIT, do qual faz parte integrante.
Em síntese, a ora impugnante está inserida num “grupo empresarial”, que visa a produção e comercialização de mobiliário, com nome comercial “E.”, todo ele gerido de facto por J. – NIF (…).
Após a sua constituição, a actividade da ora impugnante confinou-se à compra de móveis à “J., Lda.” – (…)”, empresa pertencente ao mesmo núcleo empresarial, e posterior venda no mercado nacional e intracomunitário.
A impugnante, em Out2004, e logo após o início da sua actividade, adquire à firma “C., Lda.”, NIPC (…)”, empresa também pertencente ao mesmo grupo, equipamento industrial que havia sido adquirido ás firmas “J.” e “J.”, na qualidade de empresário em nome individual.
Estes mesmos equipamentos. Que nunca deixaram de ser utilizados pela “J.” foram de imediato cedidos à exploração, por via de celebração de contratos de aluguer, lavrados entre a “E.” e a “J.”, a qual exerceu a actividade de produção, partilhando as mesmas instalações, com a “E.” até AGO2005.
Subjacente à aquisição dos referidos equipamentos foram emitidas facturas pela “C., Lda”, com liquidação de IVA no valor de 23.902,00€.
Sendo o objecto social da “C., Lda.”, o aluguer de equipamento, os Serviços de inspecção tributária, constataram que, com estas operações – a transmissão de uma parte significativa do seu activo imobilizado, ficou impossibilitada de exercer de uma forma plena a actividade para a qual foi constituída, dando a possibilidade do exercício dessa actividade à “E.” adquirente desse equipamento.
Assim sendo, estas operações estariam fora do âmbito de incidência do IVA nos termos do n.º4 do art.3º do CIVA.
Em termos financeiros esta operação é relevada, contabilisticamente, através da conta “Caixa” das entidades envolvidas, originando uma rotura no saldo na “E.”, para cuja regularização foi deliberado em assembleia geral de 15/12/2004, a realização de prestações suplementares, no montante de 260.000,00 €, na proporção da participação de cada accionista.
Não havendo quaisquer evidências da efectiva realização destas prestações suplementares, foi notificado, em 22JAN2007, o administrador único da firma à data desta ocorrência, J., para provar de forma clara e inequívoca, que as “prestações suplementares” declaradas, deram entrada na firma, apresentando documentação adequada.
Em resposta à notificação foi assumido pelo referido administrador que as entradas contabilizadas como tal, não foram mais que empréstimos dos accionistas, em função das necessidades pontuais da tesouraria.
Através do ofício n.º23418/0505 de 15/03/2007, foi notificado o accionista da firma, Luís C., a identificar e documentar os meios financeiros utilizados no pagamento das prestações suplementares, no montante de 156.000,00€, bem como justificar a capacidade financeira para fazer face a esse incremento patrimonial, situação não possível de aferir pelos rendimentos declarados nas declarações de IRS do ano e anos anteriores. Nada foi referido quanto ao conteúdo da notificação.
Estas incongruências e a suspeita da falta de materialidade da operação de aquisição das máquinas são reforçadas pelas relações especiais existentes entre os diversos sujeitos passivos referidos e os seus administradores e gerentes, que estão relacionados por relações familiares e interesses económicos e patrimoniais decorrentes da detenção de participações sociais nas diversas empresas.
Todos estes factos, sustentados em provas documentais, provas objectivas e credíveis, revelam de forma coerente e consistente a existência de fortes indícios que substancialmente não foi realizada qualquer venda de máquinas das referidas empresas à impugnante.
Esta prova é susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita da impugnante e dos respectivos documentos de suporte – art.75º da LGT.
Cabia então ao sujeito passivo (impugnante) provar que as operações económicas constantes das facturas correspondiam a transacções reais.
A impugnante para provar que as máquinas constantes das facturas desconsideradas pelos serviços de inspecção tributária foram efectivamente compradas por si e vendidas pela emitente das facturas juntou prova documental e testemunhal.
A prova documental (facturas e cheques) só por si não é bastante para comprovar que efectivamente venderam à impugnante as máquinas que constam das facturas emitidas por elas.
A materialidade das transacções em causa nestes autos podia ainda ser comprovada por prova testemunhal.
Porém a prova testemunhal também não se revelou suficientemente consistente para convencer o Tribunal da materialidade do negócio subjacente à emissão das facturas desconsideradas pela administração tributária.
Estes depoimentos não revelaram, em concreto, qualquer informação relevante dos contornos dos negócios subjacentes à aquisição das máquinas constantes das facturas em causa nestes autos, não contribuindo minimamente para esclarecer o tribunal se a empresa emitente das facturas vendeu ou não efectivamente as referidas máquinas à impugnante.
Esta falta de consistência da prova testemunhal é ainda reforçada pela restante prova carreada para os autos, que a infirma.
Não pode sequer falar-se em alguma dúvida. Mas mesmo que se suscitasse alguma dúvida, não bastava à impugnante criar a dúvida sobre os factos em que assenta o seu direito, uma vez que aqui não tem aplicação o art.100º do CPPT.
A impugnante tinha que provar os factos em que funda o seu direito. Ou seja, tinha de provar que as máquinas que constavam das facturas em causa nestes autos foram efectivamente fornecidas pela empresa emitente das facturas e compradas por si.
Mas como se disse a prova produzida não foi suficientemente consistente para julgar provado que as máquinas constantes das facturas emitidas por “Costa & Costa, Lda.”, foram efectivamente vendidas por elas.
Na falta de produção de prova bastante, tais factos têm de ser julgados contra a impugnante, sobre quem recaía o respectivo ónus da prova – arts.74º, n.º1, da LGT e 516º do CPC.
Quanto ao demais, os referidos depoimentos não foram valorados pelo Tribunal, porquanto do seu conteúdo não resultaram suficientemente demonstrados quaisquer outros factos relevantes para a decisão a proferir nos autos.».

3.2. Erros de julgamento de facto
Na perspetiva da Recorrente, o ponto 5 da factualidade provada deve ser alterado, «pois embora as empresas […] tenham ligações não são geridas pelo J. mas cada empresa pelo seu gerente designado – conforme resulta das respectivas certidões permanentes das empresas junta aos autos».
Ora, naquele ponto 5, refere-se que «A ora impugnante está inserida num “grupo empresarial”, que visa a produção e comercialização de mobiliário, com nome comercial “E.”, todo ele gerido de facto por J. (…)». Assim, por um lado, o vertido neste ponto em nada contradiz o que poderá resultar das certidões do registo comercial das referidas empresas (designadamente, que cada uma delas tem designado outro gerente de direito); por outro lado, a Recorrente não coloca em causa que o mencionado J., não sendo embora o “gerente de direito” das sociedades do grupo empresarial em referência, seja o respetivo “gerente de facto”.
Nesta conformidade, nenhuma retificação se impõe fazer ao ponto 5 dos factos provados.
*
Já no que respeita ao ponto 6 dos factos provados, sustenta a Recorrente que «não é qualquer matéria de facto mas uma mera transcrição do relatório de inspecção que engloba matéria distinta».
Pese embora se aceite que a mera transcrição integral e acrítica do relatório da inspeção tributária não constitua, por regra, a forma adequada de selecionar a matéria de facto, a matéria de facto fixada neste ponto 6 da decisão recorrida está longe desta censura pois que, na parte em que se socorreu do Relatório para os factos provados, o Tribunal a quo procedeu à selecção dos segmentos relevantes, não o transcrevendo totalmente nem remetendo integralmente para o seu conteúdo, antes seleccionou e especificou, de acordo com a sua apreciação, os factos que relevavam para a decisão, transcrevendo do relatório os excertos que se mostravam estritamente necessários para a mesma.
Assim e porque entendemos adequado o excerto do Relatório da inepeção tributária selecionado e transcrito no ponto 6 dos factos provados, nada importa alterar neste segmento.
*
Quanto aos factos 7.º a 13.º, temos de reconhecer razão à Recorrente pois, efectivamente, não respeitam à correção que originou as liquidações aqui em crise, devendo os mesmos ser expurgados dos autos, por inúteis à boa decisão da causa, o que já se mostra feito, no local próprio.
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Por último, entende a Recorrente que o ponto 1 dos factos não provados merece resposta positiva tendo em conta os depoimentos das testemunhas e os documentos juntos, dos quais resulta inequívoca a vontade de comprar e de vender das partes.
O artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil, vigente à data da apresentação das alegações de recurso, dispunha, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto“, do seguinte modo:
1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
4 - Quando a gravação da audiência for efectuada através de meio que não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores.
Olhando para as alegações de recurso e respetivas conclusões, constatamos que a Recorrente não observou o rigoroso ónus que lhe é imposto pela parte final do n.º 2 e pelo n.º 4 do transcrito normativo. Isto é, pese embora alegue que o Tribunal não valorou o que foi amplamente referido pelas testemunhas André Oliveira Souto e Sónia Silva, não indicou com exactidão as passagens da gravação em que se funda, nem procedeu à respectiva transcrição.
Assim sendo, importa rejeitar o recurso nesta parte, em obediência ao comando contido no corpo do n.º 1, parte final, do artigo 685.º-B, do antigo CPC.

3.3. Do erros de julgamento de Direito

3.3.1. Das nulidades da sentença
3.3.1.1. A Recorrente começa por imputar à sentença o vício de nulidade por falta de apreciação crítica da prova.
Vejamos:
Como já decidiu esta secção, nos acórdãos de 25.05.2016, proc. 00724/04.3BEVIS, e de 13.05.2021, proc. 011/61/04.5BEVIS:
«O dever de fundamentação tem assento constitucional (art. 205º/1 da Constituição), e constitui mesmo uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP anotada, II, 527).
O cumprimento do dever de fundamentação/motivação da sentença contribui «…para a sua eficácia, pela via da persuasão dos respectivos destinatários e da comunidade jurídica em geral, (ii) consinta às partes e aos tribunais de recurso, fazer reexame do processo lógico ou racional subjacente à decisão, e (iii) constitua um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere), nessa medida se configurando como garantia do respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões (Ac. do TRE n.º 368/12.6GBLLE.E1 de 13-05-2014 (Relator: ANTÓNIO CLEMENTE LIMA)
Seguindo Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, II, 2011, pp. 357 e segs. «Relativamente à matéria de facto, esta nulidade abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo n.º 2 do art.º 123º do CPPT, como a falta do exame crítico das provas, previsto no n.º 3 do art. 659º do CPC. Como vem entendendo uniformemente o STA só se verifica tal nulidade quando ocorra falta absoluta de fundamentação…» (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra n.º 151/10.3GBPBL.C1 de 29-06-2011 Relator: JORGE DIAS Sumário: 1.- O exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo; 2.- Assim a exigência normativa do exame crítico das provas torna insuficiente a referência àquilo em que o tribunal se baseou, tornando-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do tribunal).
Como se cumpre.
Como também refere Jorge Lopes de Sousa (In CPPT, II, 2011, pp. 321 e 322), o cumprimento do dever de fundamentação segue determinado paradigma.
«A fundamentação da sentença, no que concerne à fixação da matéria de facto, é exigida pelo n.° 2 do art. 123. do CPPT. Essa fundamentação deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro. A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção.
Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional.
Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto.
Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Mas, quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária» (sublinhado nosso).
Procedendo ao exame crítico da prova, o juiz deve esclarecer quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma. Deve indicar os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (Miguel Teixeira de Sousa in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 348).
E no caso de haver elementos probatórios divergentes, deve explicar (fundamentar) as razões porque deu prevalência a uns sobre os outros.
O exame crítico da prova não precisa de ser exaustivo. Nem se conhecem fórmulas seguras para a sua explicitação que necessariamente variará em função, designadamente, do maior ou menor poder de síntese do julgador e da sua capacidade para articular os depoimentos e restantes meios de prova, retirando deles o que de relevante e essencial levou à sua convicção.
Mas algumas notas constituem orientação segura.
Assim, salienta Miguel Teixeira de Sousa, (op. cit pág. 348). “ a fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente por cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostrarem inconclusivos e terminar com referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção…”
Importante é que, tendo presente o dever de fundamentação e os objectivos que a mesma visa alcançar, o julgador se empenhe na sua explicitação e não se escude em fórmulas vazias destituídas de qualquer densidade que nada dizem e por isso nada fundamentam.
Através da fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente.
(…)».
A falta de exame crítico da prova configura uma causa de nulidade da sentença, porquanto a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC e no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, mas também a falta de exame crítico da prova, requisito igualmente exigido no artigo 607.º, n.º 4, do CPC (cfr.Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág. 358; ac.S.T.A-2ª.Secção, 12/2/2003, rec.1850/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/11/2015, proc.8773/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2015, proc.6439/13).
A fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, quando a mesma se mostre necessária, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro.
Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo também revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa.
Sucede que, como vem sendo uniformemente entendido, a nulidade em causa apenas opera quando a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade.
Descendo ao caso em análise, temos que a sentença recorrida, contém motivação e procedeu ao exame crítico da prova. Com efeito, referiu as razões pelas quais não valorizou a prova testemunal produzida nos autos [(…) a prova testemunhal também não se revelou suficientemente consistente para convencer o Tribunal da materialidade do negócio subjacente à emissão das facturas desconsideradas pela administração tributária.//Estes depoimentos não revelaram, em concreto, qualquer informação relevante dos contornos dos negócios subjacentes à aquisição das máquinas constantes das facturas em causa nestes autos, não contribuindo minimamente para esclarecer o tribunal se a empresa emitente das facturas vendeu ou não efectivamente as referidas máquinas à impugnante.//Esta falta de consistência da prova testemunhal é ainda reforçada pela restante prova carreada para os autos, que a infirma.]. E, no que concerne à prova documental apresentada pela Recorrente (faturas emitidas em nome da J. 2), a Meritíssima Juíza a quo considerou que «Os documentos juntos só por si não são suficientes para comprovar que a empresa emitente das facturas desconsideradas pela administração tributária (AT) efectivamente vendeu à impugnante as máquinas que delas constam.».
Concluímos, pois, que, bem ou mal, a sentença recorrida contém apreciação crítica da prova produzida, não enfermando da nulidade agora analisada.

3.3.1.2. Mais sustenta a Recorrente que a sentença em crise padece de nulidade «por se fundamentar em prova que não consta dos autos e à qual não foi dada à impugnante a oportunudade de pronunciar». Sucede que, lidas as suas alegações de recurso, em lado algum se deteta a qualquer alegação compatível com tal vício, pelo que não o apreciaremos.

3.3.1.3. Uma outra nulidade apontada à sentença consiste na falta de especificação dos fundamentos de facto para a decisão, entendendo a Recorrente que o Tribunal não pode «limitar-se a proferir uma decisão jurídica de fundo com base na adesão, em bloco, à factualidade constante do RIT».
Preceitua o artigo 125.º, n.º 1 do CPPT que «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.».
No mesmo sentido estabelece o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, ao estatuir que «É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão; (…)».
Contudo, vem sendo uniformemente entendido que apenas a total e absoluta ausência de fundamentação de facto afeta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada - cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139/140 e Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, pág. 687.
No caso vertente, da sentença recorrida consta a fundamentação de facto já supra transcrita e que, para não nos tornarmos fastidiosos, nos escusamos de aqui repetir. Ora, como facilmente se alcança do teor daquela fundamentação de facto, encontra-se ali discriminada a factualidade provada da não provada, bem como está revelada da motivação da Meritíssima Juíza a quo para assim julgar.
Deste modo, verificando-se que na situação em análise a sentença não é totalmente omissa quanto aos respetivos fundamentos de facto, pois que não só elenca a factualidade julgada provada como também indica a respetiva motivação, tem que improceder a arguição desta nulidade.
Mas, mesmo que não fosse de considerar que a factualidade relevante para a sentença recorrida consta do seu segmento “III – Dos Factos”, dúvidas não subsistem em como consta do segmento “IV – DO DIREITO”.
Note-se que, neste último, se refere que: «A AT, não diz no seu relatório que, a actividade prosseguida é a de produção de imóveis. //O que diz, é que, com a aquisição desse equipamento que de imediato cedeu à exploração à “J.”, a impugnante continuou, o exercício da actividade da cedente (C., Lda.).//Ora, sendo o objecto social da “C., Lda.”, o aluguer de equipamento, verifica-se que com a transmissão titulada nas facturas de uma parte significativa do seu activo imobilizado, ficou esta impossibilitada de exercer de forma plena a actividade para a qual foi constituída, tendo inclusive sido cessada oficiosamente com data de 31 de Janeiro de 2005, tendo dado a possibilidade dessa mesma actividade à aqui impugnante.».
Sendo estes os factos que subjazem à decisão recorrida, é inquestionável que os mesmos dela constam e, ainda que imperfeitamente, se encontram na mesma especificados.
Improcedem, assim, todos os fundamentos de nulidade da sentença recorrida.

3.3.2. Do ónus da prova a cargo da AT
Antes do mais, importa salientar que estão em causa nestes autos liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, emitidas pela AT considerando que as transações em causa não ocorreram efetivamente e cujos valores foram determinados na sequência de uma ação inspetiva destinada a apurar possíveis relações especiais inter empresas e respetivas implicações fiscais, nomeadamente com as firmas “J., Lda”, “C., SA”e “C., Lda”. Tais empresas eram geridas de facto por uma única pessoa, como se apurou na ação inspetiva e ficou consignado no ponto 5 dos factos provados.
Como vem sendo entendido, «(…) o ónus da prova se reparte, em processo onde o contribuinte impugne a actuação da AT, desconsiderando operações consubstanciadas em determinadas facturas existentes na escrita daquele, no sentido de caber a esta (AT) a prova dos pressupostos da sua actuação e àquele (contribuinte) a prova de que as questionadas operações tiveram, efectivamente, lugar. Ou, numa outra formulação, obtendo a AT indícios sérios e credíveis de que determinada operação comercial titulada por uma factura não é real, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade dessa transacção (neste sentido, Ac. TCAN de 24-01-2008, Proc. nº 02887/04 - VISEU, www.dgsi.pt ).
De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.» - cfr. acórdão deste TCAN de 25/01/2018, proc. 02318/06.0BEPRT.
Em conformidade com o entendimento acolhido no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 16.03.2016, rec. 0587/15:
«(…) como decidido no Acórdão do Pleno desta Secção do STA do passado dia 17 de Fevereiro, recurso n.º 591/15, (…):
(…) quando seja a Administração Fiscal a praticar um acto, designadamente, um acto tributário de liquidação, fundado na existência de determinado facto tributário, por hipótese não revelado pela escrita do contribuinte, não deixa de ser ela a ter que provar tal existência, pressuposto da sua actuação. É isto corolário do princípio da legalidade administrativa, de acordo com o qual a Administração só pode agir se isso lhe permitir a lei, e não pode fazê-lo contra ela. Os pressupostos da sua actuação são, pois, factos constitutivos do seu direito a agir, cuja prova lhe compete, por isso que é o agente.
Porém, no caso vertente, a Administração Fiscal não actuou baseada na existência de qualquer facto tributário, nomeadamente, liquidando o correspondente imposto. Antes, obstou ao exercício, por parte da recorrente, do seu direito à dedução do IVA constante das facturas em causa, baseada no entendimento de que, face aos indícios recolhidos, não se teriam, realmente, realizado as operações comerciais que tais facturas, supostamente, titulavam.
Como assim, o caso, aqui, é diverso, também para os efeitos de saber a quem cabe provar a ocorrência dos factos em que assenta o direito à dedução: é a recorrente quem se arroga um direito que pretende exercer - o direito à dedução do IVA -, que não é reconhecido pela Administração Fiscal.
Destarte, não é a Administração que afirma um facto positivo com consequências tributárias - é o contribuinte que invoca o seu direito à dedução do IVA pago a montante. Por isso, é ele quem deve provar a verificação dos pressupostos em que assenta tal direito.
Conforme se diz no recente - 17 de Abril de 2002 - acórdão deste mesmo Tribunal, proferido no recurso n° 26635, “da conjugação das normas dos art.s 82° n° 1 e 19° do CIVA resulta, assim, que não caberá à administração o ónus de prova da inexistência dos factos tributários cujo imposto considerou fundamentadamente deduzido ilegalmente por parte do contribuinte, mas que caberá ao próprio contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários em que fundou a dedução que declarou. Digamos (...) que (...) à administração cabe o ónus de prova da verificação dos requisitos estabelecidos no art. 82° n° 1 do CIVA para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas, mas já não a existência dos factos contra ela afirmados pelo contribuinte, traduzidos na existência dos factos tributários e sua expressão quantitativa. Os requisitos legalmente estabelecidos para que seja permitida a dedução do imposto pago a montante não constituem, nesta óptica, também requisitos que estejam legalmente previstos enquanto requisitos de legitimação da actuação da administração. Relativamente a esta matéria, a lei basta-se com um juízo administrativo de adequação entre os factos e valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida, e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei”.
Neste aresto faz-se, aliás, uma exaustiva análise da questão do ónus probatório na matéria, concluindo-se, lapidarmente, no seu sumário, que “quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do art. 82° n° 1 do CIVA e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19° do CIVA”.».
Também a nosso ver é esta a interpretação legal que resulta do disposto nos apontados normativos (nº 3 do art. 19º e no nº 1 do art. 82º, do CIVA, art. 74º da LGT e 240º do CCivil), bem como no art. 36º (renumeração actual) do CIVA, sendo que igualmente não se vislumbram razões que levem a conclusão diversa, sendo que a própria argumentação da recorrida (nas respectivas contra-alegações) acaba, no essencial, por apelar a uma interpretação do nº 3 do art. 19º do CIVA no sentido de que a AT deveria ter identificado, nas relações da Recorrida com os seus fornecedores, quer o intuito e o acordo simulatórios, quer o “animus nocendi” em desfavor do Estado.
E volvendo, então, à concreta situação dos autos, há, portanto, que concluir que a AT, para proceder a correcções decorrentes da não aceitação da dedução do IVA mencionado nas facturas relativamente às quais considerou que as transacções nelas mencionadas não correspondem à realidade, não tinha de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. Antes lhe bastando provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.» (FIM DE CITAÇÃO).».
Assim, compete à AT evidenciar a existência de factos que, segundo as máximas da experiência comum, são seriamente indiciadores de que as operações tituladas pelas faturas não correspondem a transações comerciais efetivamente ocorridas, não lhe sendo exigível demonstrar a falsidade das faturas ou a existência de um conluio entre o emitente das faturas e o respetivo beneficiário. A prova exigível à AT é, portanto, a da existência de “indícios fundados” (objetivos, sólidos e consistentes) que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais, não se lhe impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que refletem – cfr. neste mesmo sentido, o ac. do TCAS de 11/10/2018, proc. 1594/09.0BELRA.
A analise do cumprimento do ónus probatório a cargo da AT terá que ser por referência ao Relatório da Inspeção Tributária, parcialmente transcrito no ponto 6 dos factos provados, tendo presente que, de conformidade com o disposto no artigo 76.º, n.º 1, da LGT, as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei.
A força probatória das informações oficiais da AT encontra-se, pois, especialmente regulada, em termos em tudo idênticos aos previstos para os documentos autênticos (cfr. artigo 370.º do Código Civil).
Como na anotação 3 ao referido artigo 76.º referem Diogo Leite Campos e outros, «Relativamente a factos a […] força probatória [das informações oficiais] existe quanto aos afirmados como sendo praticados pela administração tributária ou com base na percepção dos seus órgãos ou agentes, ou factos determinados a partir dessa percepção com base em critérios objectivos. // No que concerne aos factos afirmados com base em juízos formulados pela administração tributária a partir dos factos materiais apurados que não sejam determinados com base em critérios objectivos não existe aquela especial força probatória, valendo as informações como elementos sujeitos à livre apreciação da entidade competente para a decisão.// É este o regime geral previsto para a força probatória dos documentos autênticos (art. 371.º, n.º 1, do CC), aqui já estendido aos factos determinados segundo critérios objectivos, e não seria congruente com a opção legislativa e ele subjacente, a atribuição de um estatuto probatório privilegiado às informações prestadas pela administração tributária, que nem sequer está funcionalmente colocada no procedimento tributário numa situação de alheamento em relação ao sentido da decisão, que é uma garantia de isenção da prestação de informações.» (cfr. Lei Geral Tributária anotada e comentada, encontro da escrita editora, 4.ª edição 2012, pág. 670 e 671; no mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, volume II, 6.ª edição, 2011, áreas Editores, pág. 261, anotação 5).
Contudo, «Para terem a força probatória referida, as informações oficiais têm de ser fundamentadas e basearem-se em critérios objectivos (…)» - cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, volume II, 6.ª edição, 2011, áreas Editores, pág. 261, anotação 11.
Assim, conforme resulta do acórdão do TCAS n.º 02800/08 de 13-04-2010, «2. O relatório da acção inspectiva é um documento autêntico, com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei, no que concerne às circunstâncias objectivas, nele atestadas, com base na percepção directa do seu autor.».
No caso, a AT verteu no relatório inspetivo, para além de outros, os seguintes factos objetivos:
- por alterações sucessivas, a denominação da firma passou a ser “E.” e o seu objeto social foi alargado, passando a incluir, entre outros, o aluguer de edifícios e equipamentos,
- o objeto social da “C., Lda” era o aluguer de equipamentos;
- com a venda à Recorrente do equipamento que havia adquirido às firmas “J.” e “J.”, a “C., Lda” ficou impedida de exercer de forma plena a atividade para a qual foi constituída, dando a possibilidade do exercício dessa atividade à Recorrente.
Perante estes factos, concluiu a AT que a transação em causa não era sujeita a IVA, à luz do n.º 4, do artigo 3.º do CIVA, em virtude de a parte do património transmitida permitir à Recorrente o exercício da atividade até então exercida pela vendedora “C., Lda”, de aluguer de equipamento. Aliás, refere-se mesmo no RIT que «Estes mesmos equipamentos, que nunca deixaram de ser utilizados pela “J.” foram de imediato cedidos à exploração, por via de celebração de contratos de aluguer, lavrados entre a “E.” e a “J.” (…).», o que confirma a dita continuação da atividade da “C., Lda”por banda da Recorrente.
Mais constam do RIT os seguintes factos objetivos:
- a relevação financeira da operação através da conta “Caixa”originou uma rotura no seu saldo na “E.”, supostamente regularizada através de prestações suplementares, que foram contabilizadas, mas nunca foi demonstrada a sua efetiva realização, apesar de a AT haver solicitado a correspondente prova.
- não há evidências de as prestações suplementares terem sido efectuadas através de empréstimos por partes dos acionistas, nem estes evidenciam capacidade financeira para realizar as prestações suplementares.
Em face do valor probatório do RIT, já supra referido, tal factualidade deve ter-se por assente, uma vez que a Recorrente não produziu prova que contrarie a presunção de autenticidade de que tal documento (RIT) frui, nem demonstrou a respetiva falsidade, nos termos do artigo 370.º, n.º 1 e 2 do Código Civil.
Assim sendo, não sobram dúvidas em como a AT fez prova de que, por um lado, a operação em causa não estava sujeita a IVA e, por outro lado, de que não foi demonstrado o respetivo suporte financeiro, tudo levando a crer que este, efetivamente, não existiu, dada a falta de capacidade financeira, quer da sociedade quer dos respetivos sócios, para o efeito. E este constitui, a qualquer luz e segundo as máximas da experiência comum, um indício sério e seguro de que as operações em causa só tiveram lugar “no papel”e não se realizaram efetivamente.

3.2.4. Do ónus da prova da Recorrente
Em suma, tendo a AT provado factualidade suscetível de abalar a presunção de veracidade dos registos constantes da escrita da Recorrente e dos respetivos documentos de suporte, passou então a competir a esta o ónus de provar os factos integradores do direito a que se arroga (o de exercer o direito de deduzir o IVA mencionado nas faturas emitidas a seu favor) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, que as operações se realizaram efetivamente e se verificam todos os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.
Incumbia, por isso, à Recorrente o ónus de demonstrar que, não obstante a prova realizada pela AT, as ditas operações tiveram lugar e as transmissões dos bens ocorreram tal como espelhado nas faturas que as titulam. Tal prova podia ser feita, in casu, tanto através de documentos que, sem margem para dúvidas, demonstrem os fluxos financeiros da compradora para a vendedora, bem como através de prova testemunhal que complementasse os documentos ou de declarações de parte que, também em complemento da prova documental, esclarecesse exatos contornos de tais negócios.
Constata-se, porém, que a Recorrente não logrou realizar tal prova, inobservando, assim, o ónus a seu cargo.
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Pese embora tenha sido reconhecida razão à Recorrente no que tange à eliminação dos pontos 7 a 13 da factualidade provada, o certo é que tal em nada contende com o sentido da decisão recorrida nem com o desfecho deste recurso. Assim sendo, o presente recurso improcede na totalidade, devendo ser mantida a sentença na parte recorrida, com a presente fundamentação.

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a sentença na parte recorrida, com a presente fundamentação.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Porto, 14 de outubro de 2021

Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Cristina da Nova - 2.ª Adjunta