Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00015/16.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/02/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE NORMA
Sumário:1. O art. 147.º n.º 6, do Código de Procedimento e de Processo Tributário não se aplica às providências cautelares de suspensão de eficácia de normas tributárias inseridas em regulamentos emitidas por entidades concessionárias de serviço público.
2. Às providências cautelares de suspensão de eficácia de normas tributárias inseridas em regulamentos emitidas por entidades concessionárias de serviço público aplicam-se as regras constantes dos arts 112.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo critérios da concessão da providência o “periculum in mora” e o “fumus boni iuris” ou a “aparência de bom direito” (art. 120.º, n.º 1).
3. Não incorre em erro de julgamento o tribunal que julga verificado o “periculum in mora”, se da factualidade provada resulta que a aplicação do tarifário previsto na norma cuja suspensão de eficácia se requer importa ou a alienação da sua clientela ou a assunção de prejuízos de difícil reparação.
4. Não incorre em erro de julgamento o tribunal que julga verificado o “fumus boni iuris”, se a norma regulamentar cuja suspensão de eficácia se requer se apoia em disposição legal que permite à concessionária fixar “taxa de estacionamento de viaturas” e da apreciação perfunctória dos fundamentos da providência resulta que o tributo em causa não tem enquadramento nessa disposição legal.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ana - Aeroportos de Portugal, S.A.
Recorrido 1:L..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

A…, S.A., CF 5…, com sede no Edifício…, Lisboa, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a providência cautelar de suspensão de eficácia de norma instaurada por L…, Lda., CF 5…, com sede na Avenida…, Porto, ao abrigo dos art. 112.º e seguintes e 130.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

A) O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal a quo que suspendeu a eficácia do “Tarifário Curbsides do Aeroporto do Porto”, na parte referente ao valor a pagar por entrada sucessiva e com efeitos circunscritos à requerente;

B) A sentença recorrida errou ao dar por provados praticamente todos os factos e números alegados pela Recorrida para sustentar o alegado periculum in mora, ignorando o facto de os mesmos não virem estribados em qualquer elemento de prova objetivo e se basearem em pressupostos que a prova testemunhal produzida no processo profusamente demonstrou serem falsos, para além de não ter dado por provados factos relevantes para a defesa da Recorrente e cuja prova resultou do processo;

C) Foram incorretamente dados por provados os Factos 10), 13), 14), 15), 16), 19) e 20) constantes da matéria de facto assente na sentença recorrida, porque tais factos não resultaram dos depoimentos testemunhais ou dos documentos constantes do processo;

D) Relativamente ao Facto 10), aquilo que adveio do depoimento da testemunha M... e deve ser dado por indiciariamente provado é que:

(i) “Até à data da propositura do processo cautelar [05.01.2016], a Recorrida explorava dois parques explorava dois parques de estacionamento junto do Aeroporto do Porto, um descoberto com capacidade máxima para 450 viaturas e outro coberto com capacidade para 80 viaturas”

(ii) “Entretanto, a Recorrida alterou a capacidade do parque descoberto, tendo-a reduzido para cerca de 270 lugares”.

E) Relativamente ao Facto 13), o que foi indiciariamente provado a partir do depoimento da testemunha M… é não o afirmado na sentença recorrida mas sim que:

(i) “O serviço de transporte é efetuado por duas carrinhas marca ‘Mercedes’, com capacidade para 9 pessoas, gratuitamente”.

F) O Facto 14) consubstancia uma afirmação puramente conclusiva e valorativa decorrente do juízo subjetivo da testemunha M… que, por não ter conteúdo factual, não pode constar da matéria de facto assente;

G) Juízos conclusivos e valorativos deste tipo relevam apenas na medida dos elementos objetivos ou objetiváveis que os suportem, sendo apenas esses elementos, se provados, e não a afirmação conclusiva feita com base neles, que podem constar da matéria de facto;

H) Acresce que este juízo não é suportado mas antes contrariado pelos factos objetivos resultantes dos autos, como sejam a curta distância das instalações da Recorrida ao aeroporto do Porto e o facto de existirem outros parques de estacionamento à mesma distância do aeroporto que não prestam serviço de transfer;

I) O Facto 15) foi alegado pela Recorrida no artigo 61.º do r.i, mas ficou totalmente por provar, pois o depoimento de M... (ao qual paradoxalmente o Tribunal a quo recorreu para dar por provados estes factos) revelou a falência dos pressupostos em que assentou o cálculo ao pretenso número de 103 transfers por dia no ano de 2014 e a falta de fiabilidade do método utilizado para o seu apuramento;

J) Resultou do depoimento de M... que este número consiste numa estimativa dos transfers de ida e volta entre o aeroporto e os parques de estacionamento da Recorrida que foi construída, não a partir da contagem direta do número de transfers num dado período, mas sim a partir de uma série de pressupostos, a saber (i) o número de veículos entrados por dia nos parques da Recorrida ao longo de 3 ou 4 meses de serviço, (ii) a capacidade das carrinhas e (iii) a presunção de que cada viatura entrada nos parques da Recorrida carece sempre de um transfer para ir e outro para voltar do aeroporto;

K) Este facto pois mais não é do que um juízo totalmente dependente e sem autonomia face aos seus factos-pressuposto, pelo que deveriam ter sido estes factos-pressuposto, e não o juízo feito com base neles, a constar da matéria de facto assente, contanto que provados;

L) Sendo que se verifica, no mínimo, uma séria dúvida quanto à veracidade destes factos-pressuposto, estando indiciariamente demonstrada a falsidade de alguns deles;

M) Assim, quanto ao número de veículos entrados nos parques da Recorrida, a prova feita limitou-se a uma afirmação da testemunha M... em como ao longo de um período de 3 ou 4 meses entraram entre 50 e 60 viaturas por dia (número que é cerca de metade daquele que havia sido apresentado pela Recorrida – 106), não tendo sido juntos quaisquer documentos ou registos que comprovem um efetivo número de veículos estacionados nos parques de estacionamento da Recorrida;

N) Além disso, fica ainda por demonstrar quais os 3 ou 4 meses incluídos na amostra, facto que deixa sérias dúvidas quanto à representatividade dos dados recolhidos e, assim, sobre a fiabilidade da extrapolação que foi feita pela Recorrida para o cálculo do valor anual de veículos estacionados em 2014 nos seus parques, na medida em que o tráfego aeroportuário é exponencialmente superior em alguns meses do ano face a outros, sendo mesmo de questionar a necessidade de a Recorrida se ter socorrido de amostras de 3 ou 4 meses quando teria ao seu dispor os dados reais sobre a sua atividade;

O) Por outro lado, como resultou do depoimento de M..., estas contas só estariam certas se (i) todos os passageiros utilizassem o serviço de transfer, o que a testemunha reconheceu não ser verdade, e ainda (ii) se para cada viatura fossem necessários dois transfers, distintos dos utilizados para transportar os passageiros das restantes viaturas, o que dificilmente se compadece com o facto de as carrinhas terem uma lotação de 9 lugares, podendo levar passageiros de dois ou três veículos diferentes, e está em contradição com o facto de as contas apresentadas inicialmente pela Recorrida apontarem para uma média de cerca de um transfer por viatura (o que, a ser verdade, se traduziria numa redução praticamente a metade do número de transfers estimados pela Recorrida e consequentemente nos valores dos prejuízos apontados pela mesma);

P) O Facto 16) não resulta provado do Doc. n.º 4 junto com o r.i. nem de qualquer outro documento, ao que acresce que, como decorreu do depoimento de P..., a faturação apresentada não inclui o IVA, pelo que se trata não de faturação bruta mas de faturação líquida de IVA;

Q) A segunda parte do Facto 19 (em como o facto de os passeios estarem partidos e estreitos “forçaria” os utentes a usar a via pública) é opinativa e valorativa, não tendo substrato factual, sendo ainda de acrescentar que, como foi esclarecido pela testemunha Cláudia..., existe uma outra zona pedonal que permite o acesso entre as instalações da Recorrida e o aeroporto. Assim, facto deve ser alterado por forma a fazer-se constar que:

(i) “Os passeios existentes entre o percurso entre as instalações da requerente e os Curbsides encontram-se partidos e são estreitos, existindo uma outra zona pedonal de ligação aos Curbsides situada no alinhamento das instalações da Recorrida”.

R) O Facto 20) também não foi provado por testemunhas, em concreto pela testemunha P..., para além de que para provar este facto a Recorrida deveria ter junto aos autos a sua Informação Empresarial Simplificada (IES) de 2014, o que não fez;

S) Devem ainda ser acrescentados à matéria de facto assente os seguintes factos, que resultaram indiciariamente provados nos autos e são indiscutivelmente relevantes para a análise do suposto periculum in mora:

viii. “O parque de estacionamento descoberto da Recorrida (aquele que tinha 450 lugares) situa-se a cerca de 200 metros do aeroporto do Porto, situando-se o parque coberto (que tinha 80 lugares) a cerca de 600 metros do aeroporto” [Motivação: este facto resulta provado do depoimento da testemunha M...];

(i) “A distância do parque descoberto da Recorrida ao aeroporto do Porto é percorrível a pé em 5 minutos” [Motivação: este facto resulta provado do depoimento da testemunha M...];

(ii) “Existem outros parques de estacionamento próximos do aeroporto que não oferecem ou prestam o serviço de transfer” [Motivação: este facto resulta provado dos depoimentos das testemunhas M... e C…, resultando ainda do próprio site da empresa Parking…];

(iii) “Há clientes dos parques de estacionamento da Recorrida que não utilizam o serviço de transfer por ela prestado” [Motivação: este facto resulta provado dos depoimentos das testemunhas M..., C... e Cláudia...];

(iv) “As entradas sucessivas, para efeitos do pagamento da taxa devida por entrada sucessiva, contam-se separadamente por curbside (de partidas e de chegadas) e por matrícula” [Motivação: este facto resulta provado do tarifário impugnado, junto como Doc. n.º 2 anexo ao r.i., e dos depoimentos de M... e C...];

(v) “O valor da taxa inclui IVA a 23%, parcela que não representa um custo líquido para a Recorrida” [Motivação: este facto advém dos depoimentos das testemunhas M... e C... e ainda das faturas juntas a fls. 231 do processo físico, sendo mais relevante ainda para os autos porquanto a Recorrida apresentou o valor da sua faturação excluído de IVA e o custo da taxa com IVA, assim empolando artificialmente em 23% os pretensos prejuízos sofridos com a taxa];

(vi) “Houve um acréscimo do número de passageiros do Aeroporto do Porto desde 2014 até à atualidade com reflexos no aumento de clientes do negócio de estacionamento” [Motivação: o aumento da passageiros do aeroporto já foi considerado provado pelo Tribunal a quo na pág. 17 da sentença, por ser público e notório, o que se aceita, devendo porém ser incluído na matéria de facto assente. O facto de este aumento se ter traduzido no aumento de clientes do negócio de estacionamento decorre do depoimento de M...].

T) A Recorrida falhou ainda em provar três factos cujo ónus da prova era seu e que seriam essenciais para analisar a verdadeira repercussão do tarifário impugnado na sua atividade e, assim, o suposto periculum in mora;

U) Primeiro, não provou o efeito real da taxa por entradas sucessivas, quando esteve vigente, entre outubro de 2015 e janeiro de 2016 (cfr. Facto 9) na sua atividade, preferindo recorrer a contas hipotéticas baseadas nos dados de 2014, quando resulta do depoimento de M... que esses dados reais existiam e que a empresa teve inclusivamente um resultado líquido positivo no ano de 2015;

V) Segundo, a Recorrida não provou que se mantêm na presente data os dados essenciais da sua atividade em 2014, que serviram de pressuposto às contas apresentadas para demonstrar o prejuízo com a taxa, decorrendo da prova feita no processo que pelo menos alguns pressupostos essenciais sofreram alterações sensíveis (lotação dos parques, acréscimo de passageiros do aeroporto e introdução do serviço de vallet parking);

W) Terceiro, a Recorrida não provou, nem aliás se preocupou minimamente com isso, que a taxa por entradas sucessivas não seria repercutível, pelo menos em parte, nos preços cobrados a clientes de forma economicamente viável (resultou do depoimento de M... que não foi feita qualquer análise económico-financeira desta possibilidade), sendo que sem esta análise fica objetivamente impedida a formulação de qualquer conclusão no sentido de que a taxa conduz à insustentabilidade da atividade da Recorrida;

X) Da análise da factualidade provada e não provada conclui-se que a Recorrida (i) não provou que o serviço de transfer se torna inviável com o tarifário impugnado, (ii) nem que o serviço de transfer é condição sine qua non para a viabilidade da sua atividade, os dois factos que teria cumulativamente de provar para ver reconhecido um nexo de causalidade necessária entre o tarifário impugnado e a suposta subsistência da sua atividade e, consequentemente, o periculum in mora;

Y) Não provou que o serviço de transfer se torna inviável pois, em vez de recorrer a dados reais sobre a sua atividade e o efeito da taxa, recorreu a dados estimados e hipotéticos, baseados em pressupostos que se pôs em crise, e empolou artificialmente o valor que suportaria com a taxa, seja assumindo pressupostos completamente irrealistas para o n.º de transfers realizados, seja ignorando o número real de isenções que teria, seja calculando o custo com a taxa pelo seu valor bruto e comparando-o com a sua faturação calculada de acordo com o seu valor líquido, o que inquina totalmente as contas apresentadas;

Z) Sendo que resulta dos elementos objetivos existentes no processo que mesmo que o serviço de transfer se tornasse inviável, o que se equaciona sem conceder, porque não resulta provado, tal não conduziria à insubsistência da Recorrida, seja porque os seus parques de estacionamento se situam uma distância de 5 minutos a pé do aeroporto, facilmente percorrível, tornando fungível o serviço de transfer, seja porque pode recorrer ao serviço vallet, sem pagamento de taxa por entradas sucessivas, seja porque outras empresas e parques de estacionamento junto ao aeroporto não prestam o serviço de transfer sem que a sua atividade seja posta em causa;

AA) Mesmo que a sentença recorrida tivesse julgado bem de facto, o que se admite sem conceder, ainda assim não poderia ter concluído pela verificação do periculum in mora, já que, por não ter sido provada a factualidade referida nas conclusões S) a V) supra, não poderia a sentença recorrida ter concluído que encontra provado “o fundado receio de uma lesão irreparável” na Recorrida, como exige o n.º 6 do artigo 147.º do CPPT;

BB) Os danos suscetíveis de serem causados pelo tarifário impugnado são danos pecuniários, que se prestam a uma mensuração rigorosa, exata, pelo que serão sempre facilmente restituíveis à Recorrida em caso de ganho do processo principal, pelo que inexiste periculum in mora, especialmente com a especial exigência do regime previsto no CPPT;

CC) O Tribunal a quo errou ainda de direito ao concluir pela existência de fumus boni iuris, ainda que não seja percetível a razão pela qual a sentença recorrida recorreu aos requisitos da tutela cautelar previstos no artigo 120.º do CPTA, quando inexiste no CPPT qualquer lacuna que justifique recorrer-se subsidiariamente ao regime do CPTA;

DD) Ainda que seja possível conceder a tutela cautelar ao abrigo dos requisitos do artigo 120.º do CPTA, não se mostraria preenchido o necessário fumus boni iuris, na medida em que, ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo, resulta, pelo menos indiciariamente, da prova produzida e da análise da legislação aplicável que o tarifário impugnado encontra previsão e é respeitador das normas legais aplicáveis;

EE) A taxa por entradas sucessivas não é uma taxa devida pela mera passagem ou paragem de veículos mas pelo seu estacionamento nos curbsides do aeroporto do Porto, estacionamento este que a taxa permite (pelo tempo que for necessário) e que tipicamente ocorrerá numa deslocação ao curbside, mesmo que o conceito seja entendido na aceção que tem no Código da Estrada;

FF) Esta taxa não cobrará nunca a mera passagem de veículos, na medida em que só no domínio da imaginação a hipótese da mera passagem de veículos nos curbsides se coloca, pois é evidente que ninguém entrará nas barreiras físicas do curbside se não tiver interesse em largar ou tomar alguém;

GG) O acesso ao curbside envolve paradigmaticamente a largada ou tomada de passageiros e bagagens, com as inerentes operações, que normalmente envolvem a imobilização do veículo por um período mais ou menos curto e o abandono, ainda que momentâneo, dos comandos do veículo, pelo que, mesmo que o conceito de estacionamento na economia das taxas aeroportuárias seja interpretado à luz do Código da Estrada (o que se contesta, visto que as taxas aeroportuárias são taxas devidas pela utilização do domínio público e para a relevância desta utilização é indiferente que o condutor abandone ou não os comandos), existirá na situação típica de acesso ao curbside um ato de estacionamento;

HH) Está por conseguinte em causa uma taxa de estacionamento, legitimamente criada, ao abrigo do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 254/2012, e definida, a partir de um determinado número de entradas diárias (2), num montante fixo, que retribui a vantagem obtida com o uso do espaço aeroportuário e tem um intuito desincentivador do deu uso excessivo;

II) Ao contrário do que concluiu o Tribunal a quo, o acesso ao terminal através de transfers privados não promove o descongestionamento, antes promove a deslocação ao aeroporto através de meio rodoviário de passageiros que, de outra forma, porventura o fariam de outro meio;

JJ) As empresas que se dedicam à atividade comercial de transporte de pessoas promovem o acesso rodoviário ao aeroporto e com isso geram um congestionamento acrescido, fruto dos sucessivos acessos a este espaço, ao mesmo tempo que obtêm uma inegável vantagem do uso deste domínio público (eloquentemente demonstrada por a totalidade da clientela da Recorrida provir do espaço aeroportuário), sendo justo e adequado que este uso ordinário especial ou extraordinário do domínio público tenha como contrapartida o pagamento de uma taxa, como aquela que foi criada pelo tarifário impugnado.

KK) Por esta razão, não se verifica outrossim o fumus bonis iuris.

Nestes termos:

Deve, com o douto suprimento de V. Exas., ser julgado totalmente procedente o presente recurso, por provado, sendo consequentemente a sentença recorrida anulada e substituída por outra que julgue improcedente o pedido cautelar formulado pela Recorrida.»

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais concluiu pela manutenção do decidido.

O Exmo. Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo [cf. art. 36.º, n.º 2 do CPTA e art. 657º, nº 4 do CPC].

Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as de saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento de facto e em erro de julgamento de direito na apreciação do periculum in mora e do fumus bonis iuris.


2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

2.1.1. O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma:

Factos Provados:

1. A Requerida é concessionária do Serviço Público aeroportuária – documento 1) junto com petição inicial;

2. O objeto da concessão abrange as atividades e serviços aeroportuários prestados no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, situado em Pedras Rubras, concelho da Maia – cfr. fls. 30 do processo físico;

3. A Requerida aprovou o “Regulamento de Funcionamento e Utilização dos Parques de Estacionamento e da Zonas Dedicadas à Largada e Tomada de Utentes nos Aeroportos da A…, SA”, o qual se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls. 98 a 113 do processo físico;

4. O identificado Regulamento entrou em vigor a 1 de Maio de 2015 e veio estabelecer e definir as condições exigidas para o acesso e permanência nas áreas adjacentes aos Curbsides – cfr. fls. 98 a 113 do processo físico;

5. Nos termos do artigo 7º do Regulamento “o acesso e utilização dos Parques de Estacionamento pelos Utentes estão sujeitos ao pagamento de taxa de Estacionamento ao abrigo do artigo 40º do Decreto-Lei nº 254/2012, de 28 de Novembro” – cfr. fls. 101 do processo físico;

6. A Requerida aprovou o “Tarifário Curbsides Aeroporto do Porto”, cobrando as tarifas nele previstas, a partir de 20 de Outubro – Documento 2 junto com petição inicial;

7. “Curbsides” são as zonas adjacentes às áreas públicas de partida e de chegada de passageiros da aerogare, onde param os veículos que tomam e largam os passageiros que se dirigem ao aeroporto ou dele procedem – prova testemunhal;

8. No Tarifário referido em 6) cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido, estão previstas duas tarifas: uma delas é devida pela permanência de viaturas na área de Curbside e outra pelo número de entradas sucessivas diárias nesse mesmo local, sendo aplicáveis cumulativamente – cfr. fls. 97 do processo físico e prova testemunhal;

9. A tarifa pelo número de entradas sucessivas foi cobrada entre o período de Outubro de 2015 a Janeiro de 2016, estando suspensa a aguardar parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados – Prova testemunhal;

10. A requerente explora dois parques de estacionamento junto do Aeroporto do Porto, um descoberto com capacidade máxima para 450 viaturas e outro coberto com capacidade para 80 viaturas – prova testemunhal;

11. Um dos serviços prestados pela Requerente é o serviço de transfer, gratuito, entre o parque de estacionamento e o Aeroporto – prova testemunhal;

12. A requerente transporta passageiros dos seus parques de estacionamento para as zonas de partida e de chegada do aeroporto do Porto, os designados Curbsides - prova testemunhal;

13. O serviço de transporte é efetuado por duas carrinhas marca “Mercedes”, com capacidade para 6 pessoas, gratuitamente – prova testemunhal;

14. Se os clientes da Requerente tivessem ou de fazer a pé o percurso entre o estacionamento e o aeroporto e vice-versa ou de contratarem um transporte para o efeito, o estacionamento nas instalações da Requerente perderiam interesse – prova testemunhal;

15. No ano de 2014 a requerente, na prestação de serviço de “transfer”, acedeu ao Curbside, em média 103 vezes por dia – prova testemunhal;

16. O volume de faturação bruta da requerente no ano de 2014 foi de € 519.798,00 – documento 4) junto com petição inicial;

17. A requerida celebrou com os Taxistas que acedem aos Curbsides uma avença, não estando sujeitos ao Tarifário Cubside – prova testemunhal;

Mais se provou que:

18. No dia 30 de Março de 2016, a viatura com matrícula …PO… foi sujeita a taxa de Curbside no “Curbside chegadas”, ao pagamento de € 3,46 por passagem às 11.58 (terceira passagem), ao pagamento de €18.50 por passagem às 12.03 (quarta passagem), ao pagamento de € 48,50 por passagem às 12.13 – cfr. fls. 231 do processo físico;

19. Os passeios existentes entre o percurso entre as instalações da requerente e os Curbsides encontram-se partidos e são estreitos, forçando os utentes usar a via pública – prova testemunhal;

20. A Requerente apresentou um lucro no ano de 2014 de cerca de € 30.000,00 – prova testemunhal;

Factos não provados

Não resultaram provados mais factos, nomeadamente, não se considerou provado, nomeadamente, não resultou provado que seja propósito da A… que o valor a pagar por entrada sucessiva não seja individualmente considerado (acrescendo apenas o montante de € 15.00) mas sim acumuladamente (ou seja somando a cada passagem o valor pago por passagem anterior.

Motivação da decisão de facto

A convicção do tribunal formou-se com base na conjugação da seguinte prova:

Livre apreciação e segundo as regras da experiência do depoimento das testemunhas:

Testemunhas da Requerente:

- M..., trabalhador da requerente desde 2010, responsável pelos serviço administrativo, o qual descreveu a atividade da mesma de forma escorreita e sem contradições o que contribuiu para que o Tribunal fixa-se os factos supra descritos como provados.

Descreveu a forma como a requerente desenvolve a sua atividade e respetivas instalações e articulação com a área de Curbsides e que se os clientes da Requerente tivessem ou de fazer a pé o percurso entre o estacionamento e o aeroporto e vice-versa ou de contratarem um transporte para o efeito, o estacionamento nas instalações da Requerente perderiam interesse

Confirmou que cada uma das carrinhas fazia entre a 50 a 60 passagens por dia nos Curbsides e que foram tentadas avenças com os parques de estacionamento mas sem sucesso e que apesar de terem tentado usar as viaturas dos próprios clientes para os fazer transportar até ao aeroporto, os mesmos não se sentiam confortáveis com tal solução, além de que aumentaria o tráfico nos “Curbsides”, cuja intensidade as taxas por passagem pretenderiam combater.

A honestidade do seu depoimento ficou mais reforçada face às questões colocadas pelo Ilustre Mandatário da requerida quando respondeu pela afirmativa que os cálculos constante do articulado 61 não se encontravam corretos, pois no mesmo não se tinha prestado atenção à circunstância das isenções serem referentes a cada um dos Curbsides e a Requerente ter dois carros e não apenas um.

- P…, contabilista na agência de contabilidade responsável pela contabilidade da requerente, com um discurso escorreito e directo, confirmou os valores constantes de fls. 124 e 125 que são referente ao Balancete Razão Financeira referente ao ano de 2014 e ao período entre janeiro e Setembro de 2015.

Mais referiu que a Requerente apresentou um lucro no ano de 2014 de cerca de € 30.000,00.

Testemunhas da Requerida:

- C..., economista funcionário da Ré nas instalações do Aeroporto da Portela, em Lisboa, igualmente, com discurso sem aparente reservas descreveu a forma de funcionamento da tarifa e quais os objetivos perseguidos pela mesmas, tendo referido que a situação era caótica em momento prévio à instalação do equipamento através da qual é taxada o estacionamento e a passagem.

Referiu que os taxistas não estão sujeitos ao pagamento da tarifa de passagem, tendo sido celebrado uma avença com os mesmos, não concretizando em que termos em que tal acordo foi celebrado.

Cláudia..., responsável pelos parques de estacionamento no aeroporto do Porto, apresentou inicialmente um depoimento que se considerou aparentemente seguro alicerçado no exercício das suas funções.

Porém, face à contradição verificada entre o seu depoimento e a anterior testemunha C…, foi solicitado pelo Ilustre Mandatário da Requerente a acareação entre a testemunha Cláudia… e C….

Da acareação entre as testemunhas indicadas pela Requerida resultou a descredibilização do depoimento prestado por Cláudia.... Na verdade, em plena acareação referiu expressamente que tinha contactado os seus serviços e que estes referiram que cada passagem seria tributada por € 15,00 e não de forma acumulada.

Ora, sendo tal testemunha responsável pelos parques de estacionamento do aeroporto e tendo sido o seu depoimento tão categórico face às “faturas” constantes de fls. 97 em sentido contrário, torna-se evidente face a tal discrepância de “conhecimentos” que o seu depoimento se mostrou pouco credível, uma vez que se ajustou após contacto com os serviços da requerida, à posição da Requerida.

Acresce que apesar de o Tribunal até poder aceitar que o entendimento da Requerida é apenas “taxar” cada entrada subsequente à terceira, com a taxa de € 15,00, a verdade é que as faturas constantes das referidas fls. 97, revelam uma situação completamente diferente daquela que surgiu no seguimento do contacto das testemunhas com os serviços da requerida.

Na realidade, o que resulta das referidas faturas, atendendo à matrícula do veículo, data e hora nelas inscritas, é que se reportam à tarifação por entrada no “Curbside” e que nas mesmas constam valores acumulados. A tal conclusão se chega, forçosamente, mediante a visualização da quantia referente a IVA constante das faturas, a qual não se mostra constante (caso fosse sempre aplicado o valor de € 15,00) mas sim crescente, em função da acumulação de valores por passagem.

Porém, uma vez que o depoimento da testemunha C... se mostrou seguro quanto a tal matéria e sem contradições, considerou este Tribunal que deveria fazer constar expressamente como facto não provado que seja propósito da A… que o valor a pagar por entrada sucessiva não seja individualmente considerado (acrescendo apenas o montante de € 15.00 após a terceira passagem) mas sim acumuladamente (ou seja somando a cada passagem o valor pago por passagem anterior.

Análise da prova documental constante de fls. 24 a 125, 231, todas do processo físico.

Os demais factos constantes dos articulados foram considerados como não provados dada a ausência de prova quanto aos mesmos.».

2.2. O direito

O objecto do presente recurso é a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a providência cautelar de suspensão de eficácia de norma (Tarifário Curbsides do Aeroporto do Porto) instaurada pela sociedade L…, Lda.

A Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida, argumentando, no essencial, que esta incorreu em erro de julgamento de facto e de direito quanto à verificação dos pressupostos para a concessão da requerida providência.
2.2.1. Assim, a primeira questão que cumpre apreciar é a do invocado erro de julgamento de facto imputado à decisão recorrida [conclusões A) a Z)].

Sustenta a Recorrente que (i) foram incorrectamente dados como provados os factos constantes dos pontos 10), 13), 14), 15), 16), 19) e 20) do probatório [conclusão C)]; (ii) devem ser acrescentados à matéria de facto um conjunto de factos que resultam indiciariamente provados nos autos e são indiscutivelmente relevantes para a análise do suposto periculum in mora [conclusão S)]; (iii) a Recorrida falhou em provar três factos cujo ónus de prova era seu e que seriam essenciais para analisar a verdadeira repercussão do tarifário impugnado na sua atividade [conclusão T)].

Foram incorrectamente dados como provados os factos constantes dos pontos 10), 13), 14), 15), 16), 19) e 20) da matéria de facto assente na sentença recorrida, porque, segundo a Recorrente, os depoimentos das testemunhas em que se baseia a sua prova não confirmam o seu teor, ou porque não foram juntos documentos essenciais para a sua prova ou ainda porque encerram matéria conclusiva e não foram provados os seus factos-pressupostos.

Foram indevidamente desconsiderados factos que deviam ser dados como provados, porque, no entendimento da Recorrente, relevam para aferir da essencialidade do serviço de “transfer” para o negócio da Recorrida ou do impacto dos encargos com as taxas de entrada devidas por esse serviço nos seus resultados anuais. E, consequentemente, do perigo que a eliminação desse serviço ou a alternativa assunção desse custo representa para a sobrevivência do negócio.

E foi indevidamente desconsiderado, na óptica da Recorrente, que cabia à Recorrida alegar e provar factos que não alegou e provou e que seriam essenciais, como a natureza deficitária da exploração no período em que vigorou a taxa, a manutenção em 2015 dos pressupostos da exploração de 2014 e a inviabilidade comercial de repercutir ao cliente os custos das taxas.

Todavia, a eventual desconsideração de factos que não foram alegados e sobre os quais não foi produzida prova nunca poderia traduzir-se num erro de julgamento de facto, porque o juiz só pode considerar nesse julgamento os factos que a parte alegou e os factos sobre os quais foi produzida prova, como resulta, desde logo, do disposto no art. 5.º do CPC, subsidiariamente aplicável.

Assim, nunca se poderia dizer com a Recorrente [conclusão AA), que sucede sequencialmente a alegação deste vício] que a sentença recorrida não “tivesse julgado bem de facto”, nesta parte.

Por conseguinte, o recurso do julgamento de facto nunca poderia proceder com este argumento.

Restam-nos, assim, as duas outras questões de facto: (i) a de saber se foram incorrectamente julgados os factos dados como provados sob os pontos 10), 13), 14), 15), 16), 19) e 20) no ponto III da sentença recorrida e (ii) se foram indevidamente desconsiderados factos que deviam ser dados como provados.

Quanto ao erro de julgamento na prova dos factos constantes dos pontos 10) e 13), resulta instantaneamente da audição do registo magnético da prova que a Recorrente tem razão. Pelo que, a final, se procederá à alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto respectiva, ao abrigo do art. 662.º, n.º 1, do CPC.

Quanto ao erro de julgamento na prova do facto sob o ponto 14), a Recorrente começa por dizer que contém uma afirmação puramente conclusiva e valorativa, sem qualquer suporte factual e de conteúdo impreciso. Acrescenta depois que os factos objectivos resultantes dos depoimentos das testemunhas apontam no sentido contrário (os clientes da Recorrida não perderiam o interesse no estacionamento sem a prestação do serviço de “transfer” porque o parque de estacionamento com maior capacidade se situa a apenas 200 metros do aeroporto do Porto e existem outros parques de estacionamento na mesma área e que não oferecem esse serviço).

Está, assim, em causa saber se o interesse contratual dos potenciais clientes da Recorrida é um facto susceptível de ser levado à matéria de facto assente e, em caso afirmativo, se deveria ser levado ao acervo dos factos provados.

À primeira questão responde-se afirmativamente. Os estados anímicos ou psíquicos (factos internos) relativos à vontade (como a intenção do sujeito) são factos susceptíveis de prova [neste sentido, entre outros, Miguel Teixeira de Sousa, in As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, Lex 1995, p. 196], incluindo os que respeitam à vontade hipotética ou conjectural dos sujeitos [neste sentido, Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1993, p. 194]. O que sucede é que, pela sua própria natureza, estes factos não podem ser provados directamente, senão através de um conjunto mais ou menos alargado de inferências e com apelo a regras da experiência. Ou seja, a prova destes factos faz-se através de factos externos que, pela sua natureza típica e através de dedução lógica, indiciem o facto interno.

No caso, o estado subjectivo de potenciais clientes da Recorrida (o interesse em contratar) caso tivessem que fazer a pé o percurso entre o estacionamento e o aeroporto é mesmo um facto essencial à pretensão da Recorrida, uma vez que nele apoia a conclusão de que a aplicação do tarifário inviabilizaria a sobrevivência económica da empresa. Facto este que, por sua vez, se apoia num conjunto de factos instrumentais sumariamente alegados nos artigos 53.º e 54.º do requerimento inicial, como o facto de os parques de estacionamento da requerente se acharem situados fora do aeroporto e o facto de a deslocação a pé para o aeroporto ser menos cómoda do que a deslocação em serviço contratado a outrem ser mais cara do que o estacionamento dentro do aeroporto.

À segunda questão responde-se também afirmativamente. Não propriamente porque os factos-índice alegados pela Recorrida (e que são incontroversos) sejam suficientes para o deduzir, uma vez que o estacionamento fora do aeroporto não perderia necessariamente o interesse para quem valorizasse mais a economia no custo do estacionamento do que a comodidade. Mas porque lhe devem ser acrescentados outros que resultam da instrução da causa e que podem ser conhecidos pelo tribunal, uma vez que, no actual regime jurídico-processual, “o tribunal pode considerar tanto os factos instrumentais alegados pelas partes como quaisquer outros que venham a resultar da instrução e julgamento da ação” [Miguel Teixeira de Sousa, Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, in Scientia Iuridica, Tomo LXII, 2013, n.º 332, p. 398].

Na verdade, a primeira testemunha referiu que o interesse contratual dos clientes da Requerente (ora Recorrida) derivava da prestação do serviço de “transfer” porque nos primeiros 10 anos não tinham este serviço e o negócio não tinha grande sucesso (acrescentando mesmo que quando o implementaram em 2010, o negócio mudou do dia para a noite); porque nos primeiros 10 anos a própria testemunha era o único funcionário e agora são 36 funcionários nos dois parques, entre os que arrumam os carros, os que lavam os carros, os que transportam os clientes, e os que recebem os clientes na aerogare. E neste raciocínio (que se deixa consignado nos termos e para os efeitos do art. 607.º, n.º 4, do CPC) não se detecta nenhum vício lógico porque, se efectivamente há um antes e um depois da implementação desse serviço é porque o impulso do negócio assenta também e principalmente na prestação desse serviço.

A Recorrente contrapõe a esta conclusão outros factos-índice como o facto de o parque de estacionamento com maior capacidade se situar a apenas 200 metros do aeroporto e o facto de existirem outros parques de estacionamento que não oferecem o serviço sem que a sua actividade seja posta em causa. Mas estes factos não chegam para infirmar o valor probatório do supra indicado. É sabido que o estabelecimento se caracteriza por uma certa organização e factores produtivos com valor de implantação no mercado. A oferta de um determinado serviço pode ser o factor diferenciador no mercado e o decisivo para captar um nicho de clientela que valoriza esse serviço a módicos custos. E o histórico da empresa a que acima se fez referência sugere isso mesmo.

Não se verifica, por isso, o erro de julgamento na prova da factualidade vertida no ponto 14) do probatório.

Quanto ao erro de julgamento na prova do facto constante do ponto 15), a Recorrente começa por dizer que se trata de um facto conclusivo a inferir a partir de factos-pressuposto (como o facto de, no período considerado, terem entrado 50 ou 60 viaturas por dia nos parques da Recorrida, todos os passageiros utilizarem o serviço de “transfer” e cada viatura exigir dois “transfers”) e que, por assim ser, não deveria constar da matéria de facto.

No entanto, deste raciocínio não deriva que um determinado facto não possa ser objecto de prova porque, em última análise, todos os factos podem ser subdivididos ou decompostos nas suas proposições descritivas. Um facto não é conclusivo porque subentende um conjunto de proposições de facto mas porque apela a juízos de valor ou a conceitos de direito. E a questão de saber qual o número médio de vezes, por dia, que os veículos da Recorrida acederam ao “curbside” do aeroporto não apela nem a uma coisa nem a outra.

Decorre, no entanto, do depoimento da primeira testemunha que à afirmação deste facto estiveram subjacentes os pressupostos indicados pela Recorrente, pelo que fica a questão de saber se estes factos-pressuposto resultam provados e se, por conseguinte, este facto devia ou não ser dado como provado.

Ora, a Recorrente considera que o depoimento da primeira testemunha não é suficiente para dar como provado o primeiro facto-pressuposto (que no período considerado entraram 50 ou 60 viaturas por dia nos parques da Recorrida) porque assenta numa amostra de três ou quatro meses e porque não é representativa, visto que não foram apresentados registos escritos que permitam fazer o apuramento completo do número de viaturas entradas nos parques ao longo do ano e porque não se diz se a amostra diz respeito a meses de Verão ou de Inverno.

E a Recorrente considera que o depoimento da mesma testemunha não é suficiente para dar como provado o segundo facto-pressuposto (que todos os passageiros utilizam o serviço de “transfer”) porque há situações em que a Recorrida recolhe ou entrega a viatura dos seus clientes no “curbside” e há situações em que os clientes da Recorrida se deslocam a pé para o aeroporto.

Finalmente, a Recorrente considera que o depoimento da mesma testemunha não é suficiente para dar como provado o terceiro facto-pressuposto (que cada viatura exige dois “transfers”) porque um mesmo “transfer” pode transportar passageiros de várias viaturas.

Ora, não se nos afigura que uma amostra de três ou quatro meses num período de doze meses não seja representativa. Só assim seria se, efectivamente, o tráfego aeroportuário fosse (como alega) “exponencialmente superior” nos meses de Verão e a amostra tivesse sido obtida exclusivamente nesses meses ou exclusivamente obtida nos meses de Inverno. Nenhum destes factos pode ser agora confirmado e parece que o objectivo da Recorrente nem é esse, mas o de lançar a dúvida sobre a credibilidade do depoimento sem o demonstrar.

Tão pouco nos parece que os registos de entradas das viaturas sejam também o único meio adequado de prova do facto correspondente ou que o recurso a outros meios de prova deva ser desvalorizado pela mera razão de que existem ou podem existir esses registos. Desde logo, porque qualquer meio de prova serve para provar qualquer facto quando a lei não dispuser de outro modo [referindo-se, a este propósito, de um princípio da equivalência ou da substituição mútua - Miguel Teixeira de Sousa in As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, Lex 1995, p. 197]. Depois, porque a natureza urgente e cautelar deste processo pode justificar a substituição de meios de prova mais seguros mas mais demorados, como o levantamento e análise dos registos de entrada de um ano inteiro, por outros meios de prova que, não permitindo embora uma abordagem sistemática, sejam igualmente credíveis. Ademais, a credibilidade da testemunha em causa não sai abalada, mas antes reforçada, ao indicar sem subterfúgios os pressupostos em que assentaram os números alegados no artigo 61.º do requerimento inicial e ao reconhecer, a instâncias do ilustre mandatário da Recorrente, que existe um número residual de clientes (menos de 1%) que não utiliza o serviço de “transfer” (32m50ss da primeira gravação) e que existe agora (mas em 2014 não era muito usual) um serviço de recolha e entrega de viatura na aerogare, que é um serviço pré-marcado e mais caro e que, de qualquer modo, representa 2 ou 3 viaturas por dia (33m40ss da primeira gravação).

Sendo que deste segmento do depoimento resulta que, efectivamente, há situações em que a Recorrida recolhe ou entrega a viatura dos seus clientes no “curbside” e há situações em que os clientes da Recorrida se deslocam a pé para o aeroporto. Mas são casos residuais e, quanto à recolha dos veículos no “curbside”, uma tendência que não se manifestava em 2014, até porque era um serviço pré-marcado e mais caro. São, por isso, excepções que, pela sua expressão quantitativa, não chegam para infirmar os valores médios indicados pela Recorrida.

Mais relevante será a questão de saber se eram necessários dois “transfers” por veículo estacionado, tendo em conta que cada carrinha tinha nove (9) lugares disponíveis. Não estando alegado que cada cliente tinha direito à utilização privativa da carrinha é de admitir, à luz das regras da experiência, que a rentabilização do serviço fosse maximizada quando ocorresse a chegada de vários clientes em simultâneo.

Assim sendo, decide-se alterar a resposta a este facto, dando apenas como provado que “No ano de 2014 a Requerente, na prestação do serviço de “transfer”, acedia diariamente aos “curbsides” e um número variável de vezes, que poderia ascender a 103 vezes por dia”.

Quanto ao erro de julgamento na prova do facto contido no ponto 16), a Recorrente entende que este facto não devia ser dado como provado porque não é confirmado nem pelo documento n.º 4 nem pelo depoimento da segunda testemunha.

Na verdade, o que resulta do documento n.º 4 dado como reproduzido no artigo 58.º do requerimento inicial é que o volume de negócios ascendeu em 2014 a € 531.241,34. E a segunda testemunha confirmou que se trata de valores líquidos de IVA. O Meretíssimo Juiz a quo deu como provado, não o que a Recorrida alegou por remissão para aquele documento e que a segunda testemunha confirmou, mas o que a Recorrida extrapolou do conteúdo daquele documento na parte final daquele artigo 58.º e a prova não confirma. Nada obsta, no entanto, a que se dê como provado precisamente o que tinha sido alegado no primeiro segmento do artigo, corrigindo o ponto 16) em conformidade.

É certo que a Recorrente se insurge contra isso, defendendo que a Recorrida deveria ter junto a Informação Empresarial Simplificada (IES), mas sem razão, porquanto (i) o que a IES prova é o cumprimento de determinados deveres declarativos da Recorrida perante a administração tributária; (ii) o valor probatório reforçado do conteúdo deste documento, quando seja apresentado nos termos da lei fiscal, opera nas relações entre estas duas entidades; (iii) pressupõe a sua conformidade com os documentos contabilísticos e seus documentos justificativos, que são os primeiros instrumentos de verificação e confirmação dos dados da IES.

Nada obsta, por isso, que o facto seja dado como provado tendo por base documentos extraídos da contabilidade, ademais confirmados pelo contabilista em depoimento cuja credibilidade não foi posta em causa.

Este raciocínio aplica-se também à prova do facto contido no ponto 20) do probatório, que deve ser corrigido em conformidade com o depoimento da segunda testemunha, segundo o qual os lucros da sociedade em 2014 ascenderiam a cerca de € 50.000,00, aproximadamente. Sendo que esta afirmação confere com o teor do doc. n.º 4 junto com a petição inicial.

Resta o facto vertido no ponto 19), que não foi alegado e que tem uma manifesta natureza instrumental (a sua função seria a de ajudar a demonstrar que o estacionamento fora do aeroporto é menos cómodo). No entendimento deste Tribunal, os factos instrumentais que não tenham sido alegados não devem ser levados à resposta à matéria de facto mas integrar, quando muito, a fundamentação dos que tenham sido alegados nos termos do n.º 4 do art. 607.º doCPC, pelo que o facto contido neste ponto 19) deve ser eliminado do acervo dos factos provados.

Assim sendo, a resposta à matéria de facto passará, na parte impugnada, a ter a seguinte redação:

10. A requerente explora dois parques de estacionamento junto do Aeroporto do Porto, um descoberto com capacidade máxima para 270 viaturas e outro coberto com capacidade para 80 viaturas;

11. (…)

12. (…)

13. O serviço de transporte é efectuado por duas carrinhas marca “Mercedes”, com capacidade para 9 pessoas, gratuitamente;

14. Se os clientes da Requerente tivessem ou de fazer a pé o percurso entre o estacionamento e o aeroporto e vice-versa ou de contratarem um transporte para o efeito, o estacionamento nas instalações da Requerente perderiam interesse;

15. No ano de 2014 a requerente, na prestação de serviço de “transfer acedia diariamente aos “curbsides” e um número variável de vezes, que poderia ascender a 103 vezes por dia;

16. O volume de faturação da requerente no ano de 2014, líquida de IVA, foi de € 531.241,34;

17. (…)

18. (…)

19. -----

20. A Requerente apresentou um lucro no ano de 2014 de cerca de € 50.000,00.

A última questão a decidir quanto ao erro no julgamento de facto é a de saber se foram indevidamente desconsiderados factos que deviam ser dados como provados [conclusão S)] por serem relevantes para a causa e por resultarem da instrução da causa. Trata-se de um conjunto de factos que não foram alegados por nenhuma das partes como a distância entre os parques da Recorrida e o aeroporto, o tempo que demora a percorre-la a pé, a existência de outros parques que não oferecem o serviço de “transfer”, a existência de clientes da Recorrida que não utilizam o serviço de “transfer”, o facto de existirem dois “curbsides” e cada um deles efectuar a sua contagem de entradas sucessivas, o facto de a taxa incluir IVA e o facto de ter existido um acréscimo do número de passageiros do aeroporto desde 2014.

Na verdade, decorre do art. 5.º, n.º 2, do CPC que os factos complementares e concretizadores e os factos instrumentais não têm que ser alegados nos articulados, podendo ser adquiridos para o processo quer através da sua posterior alegação quer através da instrução.

No entanto, os primeiros só podem ser adquiridos para o processo se forem complemento e concretização de outros que as partes tenham alegado. E parece seguro que os segundos só podem ser adquiridos para o processo se forem instrumento de prova de factos principais que tenham sido adquiridos para o processo. Quer dizer, os primeiros só podem ser considerados pelas partes ou pelo tribunal se estiver estabelecida a sua conexão com factos essenciais alegados nos articulados. E os segundos só podem ser considerados pelo tribunal se puder ser estabelecida a sua função instrumental face a outros que tenham sido alegados ou, pelo menos, considerados pelas partes.

No entanto, a Recorrente defende a inclusão oficiosa daqueles factos sem estabelecer nenhuma relação com factos principais que tenha inserido no seu próprio articulado ou invocado em acto posterior.

Por outro lado, os supra designados factos complementares e concretizadores só podem ser adquiridos para o processo se as partes tiverem sobre eles a possibilidade de se pronunciar [cf. art. 5.º, n.º 2, alínea b), parte final, do CPC]. O que significa que não podem ser obtidos a partir da instrução da causa pelo menos quando não lhes suceder um momento processual de discussão da causa, porque é aí que as partes têm a possibilidade de sobre eles se pronunciar.

Isto significa que os factos complementares e concretizadores não podem ser adquiridos para o processo cautelar com base na instrução da causa, visto que não comporta nenhuma fase subsequente onde as partes tenham a oportunidade de sobre eles se pronunciarem. E, na verdade, a Recorrente não alega também que tenha existido algum momento processual em que a sua inclusão tenha sido discutida ou sequer referenciada.

Tudo indica, de resto, que a generalidade destes factos não apresenta conexão alguma com outros que a Recorrente tenha alegado mas com factos que foram alegados pela Recorrida, esgotando-se a sua utilidade na infirmação destes últimos. E, a ser assim, parece óbvio que a questão de facto não é a de saber se devem ser aditados aos factos provados mas se os que foram inseridos no rol dos factos provados o poderiam ou deveriam ter sido face ao que resultou da instrução da causa. E sobre estes já o Tribunal se pronunciou, na parte que constitui o objecto do recurso.

Improcede, pois, também por aqui este fundamento do recurso.

2.2.2. Estabelecidos os pressupostos de facto em que deveria assentar a decisão em primeira instância, a questão que se então se coloca é a de saber se deles derivaria o erro de julgamento na subsunção os factos ao direito, isto é, se estes factos seriam ou não suficientes para concluir pela verificação em concreto dos pressupostos da providência.

Só que, na antecâmara da discussão desta questão, a Recorrente coloca também a questão de saber quais são os pressupostos da concessão de uma providência cautelar em contencioso tributário e, concretamente, se são ou não aplicáveis aqui os critérios de decisão a que alude o art. 120.º do CPTA.

Questão que a Recorrente resolve pela negativa, socorrendo-se de uma citação do acórdão deste TCAN de 15/2/2013, Processo 02052/11.9BEBBR, e defendendo que dele deriva o entendimento maioritário da jurisprudência de que não é viável, em contencioso tributário, a aplicação daquele dispositivo porque o Código de Procedimento e de Processo Tributário dispõe de norma especial: o n.º 6 do seu art. 147.º.

No entanto, e como a Recorrente bem sabe, essa citação não representa o entendimento plasmado no acórdão mas, por sua vez, a citação de um segmento da doutrina que, de resto, também admite expressamente “a possibilidade de adopção de medidas cautelares fora dos casos previstos neste n.º 6 do art. 147.º, com fundamento directo no art. 268.º, n.º 4, da CRP, pois trata-se de uma norma que, ao definir o âmbito do direito fundamental à tutela judicial efectiva, é directamente aplicável” (assim, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume II, Áreas Editora, 6.ª edição 2011, p. 596).

Entendimento que sai reforçado quando, como é o caso, se trata de uma providência cautelar de suspensão da eficácia de normas emitidas pela concessionária de um serviço público. É que, por um lado, as providências cautelares previstas no art. 147.º, n.º 6, do CPPT parecem pressupor que a lesão irreparável seja causada por uma actuação concreta, sendo que, no caso, a lesão não deriva de nenhum acto concreto de tributação, mas da aprovação de um regulamento; por outro lado, as providências cautelares previstas naquele artigo pressupõem que a lesão irreparável seja causada pela administração tributária, sendo que, no caso, a lesão não é imputada a nenhum órgão da administração tributária, mas a uma concessionária de serviço público aeroportuário. E, como é sabido, as entidades privadas a quem é concedido um serviço público não perdem a natureza de entidades privadas que colaboram com a administração pública.

Assumindo que o art. 147.º, n.º 6, do CPPT não podia ter aqui aplicação e que não pode deixar de admitir-se, abstractamente e à luz do direito à tutela judicial efectiva consagrado na Constituição, o direito à tutela cautelar contra os actos das entidades concessionárias do serviço público que lesem os direitos e interesses de particulares e que mereçam a tutela do direito, tanto basta para concluir pela aplicabilidade ao caso das disposições aplicáveis à providência cautelar de suspensão de eficácia de normas prevista nos arts. 112.º e seguintes do CPTA ao abrigo do art. 2.º do CPPT. De resto, precisamente o meio processual escolhido pela Requerente da providência, como resulta logo da leitura do intróito do requerimento inicial.

Assim sendo, os critérios da atribuição da providência são os que estão previstos no art. 120.º do CPTA, ou seja, o “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção e prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal” (o periculum in mora) e a probabilidade de que “a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente” (o fumus boni iuris ou a aparência de bom direito).

Quanto ao periculum in mora, a doutrina tem afirmado a necessidade de se traduzir (i) num receio (os prejuízos ainda não se concretizaram, porque senão não há nada a recear); (ii) objectivamente fundado (o receio deve estar apoiado em factos idóneos a prever o prejuízo, isto é, factos que permitam antever a probabilidade da sua ocorrência, não sendo admissíveis receios subjetivos, fundados em hipóteses meramente eventuais ou conjecturais e que não permitam razoavelmente prever a sua produção); (iii) e concreto (os prejuízos devem ser concretizados e deles derivar a impossibilidade ou a dificuldade de reconstituição in natura - e não por equivalente pecuniário – da situação que existiria se a legalidade tivesse sido respeitada); (iv) de demora (os prejuízos devem derivar da normal demora do processo principal porque são esses que a providência visa evitar).

Quanto ao fumus boni iuris, afirma-se a necessidade de se traduzir (i) numa aparência (não se exige que o juiz confirme a existência do direito que a providência visa acautelar, porque deixaria então de ser um “direito aparente”) (ii) de que é bom (exige-se mais do que despistar o non mali iuris, isto é, a manifesta improcedência desse direito) (iii) o seu direito (exige-se que o juiz proceda ao que a doutrina designa por summario cognitio, isto é, a uma “apreciação perfunctória sobre a razoabilidade e consistência dos fundamentos aduzidos para fundar a pretensão do requerente” - assim Ana Gouveia Martins, in A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo, Coimbra Editora 2005, p. 43 -, mas também, e se bem vemos, que a razoabilidade e consistência do seu direito resiste à investida dos fundamentos da contraparte, no sentido de que deve ser mais provável que o direito esteja do lado do requerente, isto é, que subsiste uma dúvida séria quanto à legalidade do acto).

Assim definidos e caracterizados os pressupostos de que dependeria a concessão da presente providência, passemos à sua aplicação ao caso sub judice.

a) Quanto ao periculum in mora

A Recorrida tinha alegado nos artigos 45.º e seguintes do requerimento inicial um conjunto de factos de que derivava o fundado receio de que a normal demora do processo principal lhe causava prejuízos irreversíveis ou de difícil reversão.

Por um lado, o interesse dos seus clientes assentava na conjugação do serviço de “parking” fora do aeroporto com o serviço de “transfer” gratuito de e para os “curbsides” do aeroporto (o que significa que o serviço só seria competitivo comercialmente e a Recorrida só conseguiria manter a sua posição no mercado local de fornecimento destes serviços se continuasse a assegurar as duas componentes do serviço).

Por outro lado, a prestação desse serviço de “transfer” gratuito de e para os “curbsides” do aeroporto torna-se impossível financeiramente se for aplicado o “Tarifário Curbsides Aeroporto do Porto”, “uma vez que toda a receita que este é capaz de gerar é consumida pela despesa que representaria o pagamento da tarifa de passagem” (artigo 62.º do requerimento inicial), “O que significa, desde logo, com o encerramento da empresa, a extinção dos seus actuais 33 postos de trabalho” (art. 63.º).

E em tal alegação não se vislumbra nenhuma fragilidade porque, se efectivamente a prestação daquele serviço garante a clientela e a aplicação do tarifário inviabiliza a prestação daquele serviço, então a aplicação do tarifário inviabiliza também a captação da sua clientela e, por essa via, a sobrevivência da empresa. Sendo que o encerramento da empresa é, notoriamente, um prejuízo irreparável para os direitos ou interesses que visa assegurar na ação principal.

Ora, ficou provado, por um lado, que, os clientes da Recorrida perderiam o interesse em estacionar os seus veículos nas instalações desta se tivessem de fazer a pé o percurso entre o estacionamento e o aeroporto ou contratar elas próprias um transporte para o efeito. O que significa que a posição de mercado da Recorrida assenta efectivamente na conjugação o serviço de “parking” fora do aeroporto com o serviço de “transfer” gratuito de e para o aeroporto.

E ficou provado, por outro lado, que o serviço de “transfer” da Recorrida obriga a aceder aos “curbsides” um número variável de vezes, que poderia ascender a 103 vezes por dia. E tendo em conta que a Recorrida tem duas carrinhas de nove (9) lugares que utiliza para a prestação deste serviço, é notório que a aplicação do “Tarifário Curbsides Aeroporto do Porto” a obrigaria a assumir custos muito superiores aos do seu volume de facturação anual. Bastará ponderar, para assim concluir, que mesmo 21 acessos diários aos “curbsides” (cerca de 20% dos 103 acessos) a obrigariam a assumir um custo mínimo diário de € 149 [admitindo que os oito primeiros acessos são gratuitos (2 por carrinha e por “curbside”), os quatro seguintes são a (€ 3,50 x 4 =) € 14 e os restantes nove a (€ 15,00 x 9 =) € 135, temos que € 14 + € 135 = € 149] o que corresponde a um custo anual de € 54.385,00, que é superior ao lucro de € 50.000,00 que obteve em 2014.

Ou seja, o tarifário imposto pela Recorrente inviabiliza financeiramente o modelo de negócio da Recorrida e isso põe em risco a sobrevivência da empresa, tendo em conta que a sua posição e mercado assenta nesse modelo de negócio. E a diferença entre os custos a assumir com o tarifário e o lucro anual expectável é tão acentuada, que é de admitir como muito provável que mesmo o prazo normal de duração da ação principal seria suficiente para desencadear esse resultado.

Pelo que vimos de dizer se conclui que se encontra demonstrado in casu o periculum in mora.

b) Quanto ao fumus boni iuris

A Recorrida defendia, nos artigos 18.º e seguintes do requerimento inicial, que os poderes atribuídos à Recorrente no diploma que regula a concessão do serviço público aeroportuário (Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28/11) não incluem o poder de criar taxas ou tarifas e que as tarifas devidas pela passagem ou paragem de veículos não cabem nos tipos de taxas previstos nos arts. 24.º e seguintes daquele diploma, pelo se trata de uma taxa criada ao arrepio do princípio da legalidade tributária.

A Recorrente contrapunha que a diferença entre paragem e estacionamento de veículos que releva para efeitos do Código da Estrada não releva para efeitos da fixação da taxa de estacionamento de viaturas a que alude o art. 40.º do citado diploma, porque em ambos os casos existe idêntica ocupação do domínio público aeroportuário e em ambos os casos se justifica desincentivar o uso excessivo do domínio público aeroportuário.

Das posições assumidas pelas partes decorre que nenhuma delas questiona que o poder tributário da concessionária do serviço público aeroportuário não inclui o de criar taxas que não estejam previstas na lei geral da concessão de serviço público aeroportuário e que, no caso, a tributação do acesso e utilização dos “curbsides” se apoia no art. 40.º da lei geral da concessão, ou seja, é configurada como uma “taxa de estacionamento de viaturas” para efeitos deste artigo. O que é também confirmado, se bem vemos, pelo art. 7.º, n.º 2, do Regulamento de funcionamento e utilização dos parques de estacionamento e das zonas dedicadas à largada e tomada de utentes nos Aeroportos da A…, SA (Regulamento n.º 276/2015, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 27/5/2015, p. 13610).

A questão que resta é, por isso, a de saber se a fixação de uma taxa por entradas sucessivas nos “curbsides” de partidas e chegadas tem enquadramento na taxa tipificada naquele art. 40.º. E o que divide as partes é, no essencial, saber se o conceito de “estacionamento de viaturas” para efeitos daquele dispositivo legal é o que vigora no Código da Estrada.

Ora, numa análise perfunctória da questão, que é a que importa fazer para efeitos da presente providência, os indicadores disponíveis apontam todos para uma resposta afirmativa. Em primeiro lugar, porque a lei geral da concessão não contém um conceito autónomo de estacionamento (e o lugar próprio para o fazer seria o art. 2.º). Em segundo lugar, porque quando a lei tributária utiliza termos próprios de outros ramos de direito e não lhes atribui um significado próprio, esses termos devem ser interpretados com o sentido que aí têm (cf. art. 11.º, n.º 2, da LGT).

Ademais, é este também o conceito de estacionamento para efeitos do próprio “Regulamento de funcionamento e utilização dos parques de estacionamento e das zonas dedicadas à largada e tomada de utentes nos Aeroportos da A…, SA”. Com efeito, a alínea f) do art. 1.º, considera estacionamento a imobilização do veículo que não constitua paragem e que não seja motivada pelas circunstâncias próprias da circulação. Ou seja, precisamente a definição que consta do artigo 48.º, n.º 2, do Código da Estrada. Atente-se também no art. 11.º do mesmo Regulamento, que remete expressamente para o conceito de paragem ou estacionamento abusivos, conforme ao estabelecido no Código da Estrada. O que vale por dizer que é a própria Recorrente a confirmar ali uma interpretação que agora pretende afastar.

Contrapõe então a Recorrente que o estacionamento será mesmo a situação normal de quem acede ao “curbside”, porque o “transfer” de e para o aeroporto implica normalmente que o condutor saia do seu lugar e abandone os comandos para auxiliar nessa operação. Mas para além de essa observação ter como pressuposto que a Recorrida não tem nesses locais alguém para executar essa tarefa, a verdade é que nem é essa a questão: a questão é que existe um tarifário que é devido por entrada sucessiva e independentemente de essa entrada implicar paragem ou estacionamento.

Resta referir que, ao contrário do que também alega a Recorrente, não é evidente que o acesso aos “curbsides” por entidades que se dedicam à atividade comercial de transporte de pessoas de e para o aeroporto gere um congestionamento acrescido desses acessos. Em bom rigor (e apelando ao senso comum) pode até admitir-se que essas entidades podem até contribuir para o descongestionamento, porque: (i) os estacionamentos fora do perímetro do aeroporto desviam o trânsito privado do espaço do aeroporto; (ii) os acessos aos “curbsides” em carrinhas dessas entidades podem substituir com vantagem os acessos por veículos privados, visto que têm mais lugares do que a generalidade destes veículos; (iii) o acesso profissionalizado por pessoas que conhecem o espaço e pretendem fornecer um serviço célere e eficaz, pode diminuir a permanência nos “curbsides” e ajudar a disciplinar os fluxos de passageiros nesses espaços.

Ademais, o alegado pela Recorrente [cf. a p. 343 dos autos - p. 37 das alegações do recurso – e a conclusão JJ)] parece indicar que a verdadeira finalidade da tributação dos acessos pode mesmo não ser, no que respeita às entidades que se dedicam à actividade comercial de transporte de pessoas de e para os aeroportos, a de moderar o acesso aos “curbsides”, mas sim tirar partido da vantagem especial que obtém pelo facto de se encontrarem nas proximidades do aeroporto e de assim poderem fornecer, com vantagem económica, um serviço de “transfer” gratuito. E isto indica que pode não existir, de facto, uma conexão entre a taxa e a utilização privada de um bem do domínio público, mas uma conexão entre a taxa e o exercício de actividades fora do aeroporto e nas imediações deste. E a consequente intenção de captar a capacidade destas entidades contribuírem para a rentabilização da concessão. E de simultaneamente, moderar a vantagem relativa desta exploração face à exploração pela própria Recorrente dos estacionamentos dentro do aeroporto.

Ora, se admitirmos que o que diferencia as taxas de outras modalidades dos tributos não são apenas os seus elementos estruturais (o pressuposto em que assentam), mas também os seus elementos teleológicos (a finalidade a que se dirigem) e que não basta à caracterização de um tributo como taxa que ele tenha como pressuposto a utilização privativa de um bem do domínio público, importando também que ele tenha como finalidade compensar essa utilização, a eventual conclusão de que a verdadeira finalidade do tributo não é a de compensar a ocupação do espaço do “curbside” levantará um problema conceptual na qualificação deste tributo, pois indicará então que não deva sequer ser qualificado como taxa. E um tributo que não possa ser qualificado como taxa nunca poderá ter enquadramento no tipo de taxa caracterizado no art. 40.º da Lei da concessão.

Pelo que vimos de dizer se conclui que o tribunal recorrido não errou ao considerar também verificado este segundo requisito.

Por último, a Recorrente não questiona a ponderação dos interesses efectuada pelo tribunal a quo, o qual entendeu que “não se mostra que os danos resultantes da procedência da acção sejam superiores àqueles resultantes da sua recusa”.

Em suma: não se verificam os erros de julgamento imputados à sentença recorrida, que assim é de manter na ordem jurídica, improcedendo, consequentemente, o presente recurso.

3. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 2 de Fevereiro de 2017

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Ana Patrocínio

Ass. Ana Paula Santos