Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00124/03-Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/15/2013
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA; DATA DE CONCLUSÃO DO PRÉDIO; MODELO 129; FORÇA PROBATÓRIA
Sumário:I. O artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do Código da Contribuição Autárquica consagra a presunção legal de que as obras de edificação do prédio urbano a que se reporta a declaração para inscrição na matriz estão concluídas na data da sua apresentação;
II. E do artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária resulta a presunção de que a data de conclusão das obras de edificação aposta na declaração para inscrição na matriz é verdadeira;
III. Ambas as presunções são ilidíveis, por contenderem com a norma de incidência do imposto correspondente – artigo 73.º da Lei Geral Tributária;
IV. Não ilide tal presunção o sujeito passivo que não identifica concretamente as obras de edificação que, à data da apresentação daquela declaração, ainda faltava executar. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:V..., Lda
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
1.1. V..., Comércio e Indústria de Construção Civil, Lda., n.i.f. 5…, com sede em Zona Industrial de V…, Lote 6…., Quarteira, Loulé, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a presente impugnação judicial.

Recurso esse que foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, que rematou com as seguintes conclusões:

a) É incorrecto, dizer-se que não seria credível que a testemunha tenha apresentado o Modelo 129 dando o prédio por concluído e que tivesse vindo agora dizer que o não estaria por faltar concluir paredes interiores, portas e elevadores e isto uma vez que tal não conclusão, em particular na vertente de falta de acabamento de paredes interiores, separação entre divisões, portas e elevadores, não resultou apenas do depoimento da testemunha H…, depoimento esse em rotações de 004 a 632 do lado A da cassete que contém o registo da prova
b) A recorrente já desde a fase procedimental que vinha a sustentar e a juntar documentos que demonstravam todas as intervenções que o prédio em causa após 1998 ainda carecia-
c) Todo o processo administrativo (vulgo PAT) e com as intervenções da aqui recorrente no mesmo que atestam o supra sustentado, deverá estar junto aos autos por força do artigo 110º, nº4 do CPPT sob pena de não o estando, o que a aqui recorrente desconhece de todo porque nunca lhe foi notificada tal junção, ocorrer deficit instrutório que afecta a validade da decisão.
d) Aqueles documentos, a estarem juntos aos autos, não foram impugnados pela Fazenda Pública pelo que o deles constante se terá de haver como provado uma vez que sendo documentos particulares a consequência para a sua não impugnação é essa nos termos dos artigos 374º, nº 1 e 376º, nº1 do Código Civil e também porque a Fazenda Pública não provou, e tão pouco arguiu, a falsidade dos documentos – artigo 376º, nº 1 in fine do CPC.
e) Assente, no entender da recorrente, que tais factos terão que se ter como provados facilmente se chega à conclusão que o prédio não se encontrava acabado na data da apresentação do Modelo 129 sendo, assim, o depoimento de H..., um mero complemento de tais documentos.
f) Dos documentos juntos pela aqui recorrente resulta axiomático, quer pelos valores de obras envolvidos quer pelas zonas de intervenção no prédio, que o mesmo não se podia considerar acabado, nem um uso precário do mesmo sendo possível.
g) O dito pela testemunha H... em rotações de 004 a 632 do lado A da cassete não foi só que o modelo 129 foi apresentado para que se pudesse fazer de imediato a escritura da propriedade horizontal, o que a testemunha afirmou é que sem tal apresentação a escritura nunca poderia ser feita e como existiam promitentes compradores que pretendiam ter em seu poder um documento de cariz oficial que atestasse, com um mínimo de certeza, o que iriam comprar, e não servindo as plantas para tal uma vez que estas eram documentos elaborados pela própria recorrente, a solução encontrada foi apresentar o Modelo 129.
h) O alegado na P.I. não se encontra em contradição com o referido pela testemunha H..., apenas tendo precisado esta, com maior conhecimento de causa uma vez que foi ela quem apresentou o Modelo 129, as razões porque o fez.
i) Ora, a explicação da testemunha não é contraditória com o alegado na P.I. antes sendo meramente complementar.
j) O artigo 10º do CCA tem de ser lido em harmonia com o artigo 11º do mesmo Código, em concreto para o que aqui interessa com a alínea b) do seu número 1.
k) Este último estabelece uma presunção, presunção essa que, de acordo com o artigo 73º da LGT, admite sempre prova em contrário.
l) E essa prova foi efectuada quer documental quer testemunhalmente.
m) Contra isto não colhe o que já se viu escrito no sentido de que a apresentação do Modelo 129 torna imediatamente existente uma dada realidade física como sendo um prédio e nos termos naquele descrito pois que tal seria transformar aquilo que a lei considera como sendo uma presunção elidível em algo inilidível e artigo 9º, nos 2 e 3 do Código Civil não permite tal.
n) Até pode a recorrente aceitar, como posição de princípio, que o facto de não existir licença de utilização não quer significar que o prédio não se encontre concluído isto até porque o conceito de prédio quer no então CCA quer no actual CIMI é mais amplo do que aquele vertido na lei civil.
o) Só que in casu a inexistência de licença de utilização não foi o único meio de prova e tão pouco o único argumento em que a recorrente se baseou para sustentar a sua posição uma vez que o mesmo é meramente complementar de outros e com os mesmos devendo ser apreciados conjuntamente e não de forma estanque.
p) Ora, entendidas as coisas deste modo, como seria a correcta, então resulta notório que as intervenções sofridas pelo prédio após 1998 conjugadas com a ausência de licença de utilização em 2003 levam a concluir que não existia no ano de 1998 qualquer prédio para efeitos de submissão a tributação em Contribuição Autárquica.
q) Violou a sentença os artigos 10º, nº 1 a) e 11º, nº 1 b) do CCA, 13º do CPPT, 73º e 99º da LGT, 374º, nº 1, 376, nº 1 e 9º, nºs 2 e 3 do CC assim como fez uma errónea interpretação da matéria de facto devendo, em consequência de tal, ser aditado ao probatório fixado que as fracções do prédio inscrito na matriz sob o artigo U – 4467 não se encontravam concluídos de modo a permitirem qualquer utilização no ano de 1998.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso ser declarado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a sentença que assim não entendeu substituindo-se a mesma por uma decisão que dê provimento á pretensão da recorrente com a anulação do acto tributário de liquidação de Contribuição Autárquica colocado em crise, tudo o mais com as consequências legais.»

1.2. Não houve contra-alegações.
1.3. Neste Tribunal, o Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer cuja parte final, pelo seu relevo, aqui se transcreve também:

«Tem-se entendido – de harmonia com a jurisprudência tirada de vários acórdãos do TCASul – que a declaração para inscrição na matriz tem carácter confessório e está consubstanciada em documento autêntico e, por isso, irretratável até porque não arguida a falsidade do documento em que se baseou, não sendo possível considerar a prova testemunhal susceptível de afastar a confissão contida no documento elaborado pelo próprio impugnante – nesse sentido os acórdãos do TCASul de 27.06.2006, recurso n.º 01219/06, de 7.03.2006, recurso 00371/03 e de 5.07.2005.

Revertendo para o presente caso a doutrina exarada nos mencionados arestos, temos que foi a própria Recorrente a apresentar o Modelo 129, referente ao prédio em questão, declarado como data de conclusão das obras a de 25.02.1998.

E o sentido decisório adoptado, quer nos citados arestos do TCASul, quer nos presentes autos, está em conformidade com o que vem regulado no Código Civil acerca do valor probatório dos documentos autênticos, no que concerne aos factos nele contidos, no sentido de que relativamente a tais factos é inadmissível a prova testemunhal – cf. art.s 369.º, 370.º, 375 e 393 nº2, todos do Código Civil.

Portanto, em conclusão, o sentido decisório da matéria de facto assente nos presentes autos, bem como a subsunção jurídica da mesma ao direito aplicável, mostram-se correctos, impondo-se a confirmação da sentença recorrida».

1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
1.5. A questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto ao não dar como provado que as frações do prédio inscrito na matriz sob o artigo U-4467 não se encontravam concluídas de modo a permitirem qualquer utilização no ano de 1998. Relacionada com esta está o imputado erro ao interpretar-se o artigo 11.º do Código da Contribuição Autárquica como consagrando uma presunção inilidível.
2. Fundamentação de Facto
2.1. Na sentença recorrida, consignou-se o seguinte quanto a factos provados:

«Com interesse para a decisão da causa resulta apurada a seguinte factualidade:

a) Na sequência da liquidação de Contribuição Autárquica relativa ao ano de 2002, efectuada pelo Serviço de Finanças de Matosinhos-2, a impugnante apresentou em 21/07/2004, uma reclamação graciosa que incidiu sobre os prédios inscritos na matriz predial urbana das freguesias de S. Mamede de Infesta e Leça do Bailio, sob os artigos 4… e 4… (cf. processo de reclamação graciosa apenso aos autos).---
b) A reclamação supra mencionada veio a ser indeferida por despacho de 30/09/2003, notificado à impugnante pelo ofício nº 15252, de 17/10/2003, recebido em 22/10/2003 (cf. doc. de fls. 65 a 67v. do processo de reclamação graciosa).---
c) A impugnante deduziu a presente impugnação limitada apenas à CA respeitante às fracções do art. U-… (cf. fls. 2 dos autos).---
d) A impugnante apresentou em 26/02/1998, através da sua Representante Legal D. Maria H..., o Modelo 129, declarando no quadro 10 como data de conclusão das obras o dia 25/02/1998 (cf. fls. 55 a 59 do PA).---
e) Na sequência da apresentação do Modelo 129, o prédio foi alvo de avaliação nos termos do disposto no art. 278º do CCPIIA, tendo-lhe sido fixado o valor patrimonial de €3.366.885,80.---
f) Inconformada com a avaliação referida em e) a impugnante, em 24/01/2000, veio requerer uma segunda avaliação ao valor patrimonial fixado para o prédio baseando o seu pedido “no facto de o tipo de construção, área bruta e localização não serem de molde a suportar aquele valor. Mais acresce que o referido processo de avaliação está a ter como ponto de referência a propriedade total quando deveria considerar apenas o prédio constituído em propriedade horizontal, nos termos da declaração mod. 129 em tempo apresentada, tanto mais que se protestou juntar a respetiva escritura de constituição de PH, o que só ainda não foi feito por atrasos administrativos ao nível da competente Conservatória do Registo Predial, mas que irá ser efectuada em Fevereiro próximo (…)” (cf. doc. de fls. 60 dos autos).---
g) A certidão emitida pelo Município de Matosinhos onde se diz que: “o prédio designado por Lote três, do Monte da M…, na freguesia de Leça do Balio, encontra-se licenciado, não lhe tendo sido, até à data, emitida licença de utilização. Certifico ainda que segundo o requerente, o referido prédio encontra-se inscrito na matriz sob o artigo U-…” (cf. doc. de flçs. 8 dos autos).
h) Os balancetes e extractos da conta de 1998, 1999, 2000, 2001 e 2002, onde constam referências ao Lote 3 do Monte da M… (cf. doc. de fls. 5 a 18 dos autos).---

2.2. Na mesma sentença recorrida, deixou-se consignado quanto a factos não provados:

«Não resultaram provados outros factos com interesse para a decisão.---

O depoimento da única testemunha apresentada não firmou a convicção do tribunal no que concerne à data da conclusão das obras no prédio em apreço.---

Efectivamente, não é crível que a testemunha tenha, aquando da apresentação do Modelo 129, no ano de 1998, declarado que o prédio estava concluído e venha agora dizer que afinal não estava, pois faltavam concluir paredes interiores, portas e elevadores.

Por outra banda, alegou a testemunha que apresentou o Modelo 129 em 1998, porque a impugnante precisava de fazer a escritura ad propriedade horizontal, sendo aquele documento exigido, mas acabou por dizer que a escritura de propriedade horizontal só foi realizada em 2000/2001, o que vem a contrariar a pressa para apresentar a declaração Modelo 129.---

Acresce referir que a tese expendida pela testemunha não coincide em nada com o alegado na petição inicial onde é dito que aquele Modelo 129 “foi apresentado de forma manifestamente errónea por uma funcionária da impugnante que devia saber de tal mas na realidade o ignorava, talvez até por algum ‘desnorte’ organizacional”».---

2.3. A Recorrente não se conforma com o julgamento da matéria de facto pelo tribunal recorrido, na parte em que deu como não provado o alegado quanto «à data da conclusão das obras do prédio em apreço».

E não se conforma, em primeiro lugar, porque juntou ao processo administrativo documentos que demonstravam todas as intervenções de que o prédio em causa ainda carecia. E esses documentos não foram impugnados pela Fazenda Pública, pelo que têm força probatória plena.

E não se conforma, em segundo lugar, porque a testemunha explicou que o Modelo 129 foi apresentado porque existiam promitentes-compradores que pretendiam ter em seu poder um documento de cariz oficial que atestasse, com um mínimo de certeza, o que iriam comprar.

E, em terceiro lugar, porque – ao contrário do que refere a sentença recorrida, o seu depoimento não é contraditório com o alegado na petição inicial. E, ainda que o fosse, não obstaria a que o tribunal relevasse a explicação dada, à luz do princípio da investigação.

E, em quarto lugar, porque o artigo 11.º, n.º 1, do Código da Contribuição Autárquica não consagra mais do que uma presunção elidível, não sendo o Modelo 129 suscetível, por si só de tornar imediatamente existente uma dada realidade física como sendo um prédio.

E, em quinto e último lugar, porque as intervenções sofridas pelo prédio após 1998, conjugadas com a ausência de licença de utilização em 2003, levam a concluir que não existia no ano de 1998 qualquer prédio para efeitos de submissão a contribuição autárquica.

A questão a decidir é, por isso a de saber se o tribunal recorrido devia ter dado como provado o alegado no artigo 8.º da douta petição inicial e segundo o qual «o prédio em causa não se encontrava concluído no período a que se reporta a tributação e nem agora ainda se encontra concluído».

A resposta é negativa. O tribunal não devia levar aos factos provados que o prédio não se encontrava concluído, desde logo porque a questão de saber se o prédio se encontra ou não concluído não encerra um mero julgamento de facto, visto que não prescinde da indagação do que se deva entender por conclusão do prédio para efeitos de determinada norma.

A questão de facto seria aqui a de saber em que estado é que a obra se encontrava na data da apresentação do Modelo 129, o que estava feito e o que faltava fazer. Factos que, acrescente-se desde já, seriam essenciais à pretensão da ora Recorrente, visto que seriam os que permitiriam concretizar, especificar e densificar os elementos da previsão normativa em que se funda a sua pretensão (cfr. Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 200). E que, não tendo sido oportunamente alegados, o tribunal também não pode oficiosamente considerar, ainda que tivessem sido veiculados pela testemunha – artigo 264.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 13.º, n.º1, parte final, do Código de Procedimento e de Processo Tributário («…relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer».).

E esses factos não foram alegados nem na impugnação judicial, nem na reclamação graciosa. Não foram sequer alegados por remissão para os documentos a que aludem os artigos 10.º («Balancetes e Extractos de Conta de Produtos e Trabalhos em Curso») e 13.º (Certidão emitida pela Câmara Municipal de Matosinhos de que se junta cópia a fls. 8 dos autos), que também não referem em lado nenhum os trabalhos que faltava executar ou acabar nas obras que ali são identificadas.

Esses factos só foram verdadeiramente alegados no próprio recurso, especificando-se no ponto 5 das doutas alegações respetivas que tal não conclusão derivava em particular da falta de acabamento de paredes interiores, separação entre divisões, portas e elevadores. Especificação com que o tribunal recorrido não pôde contar, porque não fazia parte do objeto inicial da impugnação.

Mesmo que assim não fosse entendido, a prova realizada também não foi suficiente para dar como provado que a obra ainda não estava concluída. Vejamos porquê, começando pelo depoimento testemunhal.

A primeira nota vai para as qualificações da testemunha. Para prova de que a obra não se encontrava concluída, a Recorrente não indicou nenhum profissional com competências na área de construção civil ou que estivesse de algum modo ligado à execução ou medição da obra. E não seria por falta de pessoa qualificada para tal, porque opera nessa área. Em vez disso, apresentou em tribunal uma funcionária de escritório cuja conexão com os factos relatados resultava de ter sido quem apresentou o Modelo 129.

Pode até aceitar-se que não é preciso ser engenheiro de construção civil para ver que uma obra não está concluída (dependendo, naturalmente, do seu estado de execução e da sua complexidade técnica). Mas a natureza da informação em causa impõe então que quem venha a tribunal demonstre ter a capacidade de fazer essa avaliação e ter tido a oportunidade para tal.

Ora, a testemunha não demonstrou nem uma coisa nem outra. Quanto questionada sobre se o prédio estava concluído, respondeu que «não, faltava muita coisa em termos de acabamentos: paredes interiores, portas, desde as divisões, pronto, praticamente, elevadores, coisas assim do género». O que não permite perceber se as paredes, as portas, e os elevadores não existiam (o que parece muito pouco provável na fase de acabamentos) ou se faltava alguma demão de pintura ou verniz nas paredes interiores ou nas portas ou alguma peça necessária ao funcionamento do elevador.

E quando chamada a dizer qual a sua razão de ciência, respondeu que tem conhecimento «de ver a obra». Mas nunca referiu quando é que viu a obra e em que circunstâncias ali se deslocou. E se a viu do exterior ou se circulou no seu interior e se tal lhe a permitiu fazer uma avaliação global do seu estado de execução e identificar – sem que tal lhe fosse, por sua vez, referido ou explicado – o que faltava executar.

Finalmente, e tendo sido quem apresentou o Modelo 129, onde foi aposto – no quadro 10 e no lugar destinado à indicação da data da conclusão das obras – o dia 1998.02.25, importava também que a testemunha explicasse porque foi ali declarado à administração tributária um facto que agora afirma não ser verdadeiro.

Ora a testemunha veio referir que o Modelo 129 foi apresentado porque a Recorrente necessitava de fazer a escritura de propriedade horizontal. Aparentemente, porque da realização dessa escritura dependeria a celebração do contrato-promessa por parte de alguns potenciais compradores.

No entanto, e como muito bem refere a M.mª Juiz a quo, a escritura de propriedade horizontal só terá sido realizada dois ou três anos depois, o que contraria a urgência na apresentação do Modelo 129. Por outro lado, não foi indicado nenhum promitente comprador que tivesse exigido a constituição da propriedade horizontal como condição para a celebração do contrato promessa respetivo e nenhum contrato que tivesse sido celebrado ou não o tivesse sido por causa dela ou da sua falta. O que inviabiliza totalmente a verificação desse facto e a eventual confirmação externa de tal exigência.

Analisemos agora a prova documental (para que remetiam os artigos 10.º e 13.º da douta petição inicial).

Os primeiros documentos são os balancetes apresentados no procedimento de reclamação graciosa e que constam do apenso respetivo. Deles resulta, na essência, que a Recorrente vem registando a obra sita no «Monte das M….» na conta 35, relativa a produtos e trabalhos em curso. E que essa conta tem tido movimento pelo menos até 2002.

Daqui não resulta, porém, que a obra referente ao prédio descrito no Modelo 129 não esteja concluída. Resulta apenas que determinados lotes da obra sita no «Monte das M...» são escriturados na contabilidade da Recorrente como obras em curso. O tribunal não conseguiu sequer confirmar se o prédio inscrito na matriz sob o artigo U-4467 corresponde ao lote 3, sublinhado a tinta fluorescente no balancete, porque os documentos não o dizem e a testemunha ouvida também não pôde esclarecer nada a este respeito, tendo logo adiantado que desses documentos não sabia nada.

O segundo documento é a tal certidão emitida pela Câmara Municipal de Matosinhos de que se junta cópia a fls. 8 dos autos. Data de 2003.10.30 e nela se atesta que «o prédio designado por Lote 3, do Monte da M…» ainda não tinha, à data, licença de utilização.

Como é óbvio, desse documento não resulta que o Lote 3 não tivesse sido dado como concluído em 1998. Significa apenas que a Câmara não reconheceu a sua conclusão até 2003, tivesse ou não sido requerida a emissão da licença respetiva.

Mas o mais importante é que resulta desse documento que o identificado lote 3 não é, afinal o prédio inscrito na matriz sob o artigo U-4467, mas o inscrito na matriz sob o artigo U-4790. Bem se viu que a Recorrente anunciou, na parte final da douta petição inicial, que o Modelo 129 indica a proveniência do prédio como sendo o artigo U-4790. O que, não constituindo prova do facto respetivo, poderia justificar diligências adicionais com vista à sua confirmação. Analisado, porém, o documento respetivo, nomeadamente o quadro 8 do mesmo, não encontramos tal referência. Nem aí nem em qualquer outro documento. E mais nenhuma prova foi oferecida que permita fazer essa conexão.

Analisemos, agora, as principais objeções apresentadas pela Recorrente nas doutas alegações de recurso (e que não devam considerar-se já analisadas no que se disse nas alíneas anteriores).

O tribunal confirma que o processo administrativo se encontra apensado aos autos, mas não que os documentos ali apresentados demonstrem todas as intervenções de que o prédio em causa após 1998 ainda carecia. Como acima se referiu, nem os «Balancetes e Extractos de Conta de Produtos e Trabalhos em Curso» descrevem essas intervenções nem o tribunal pôde confirmar que o prédio em causa corresponde ao lote 3 ali designado.

De qualquer modo, e ao contrário do que alega a Recorrente, a falta de impugnação do seu teor por parte da Fazenda Pública não permitiria considera-lo verdadeiro, ao abrigo dos artigos 374.º e 376.º ambos do Código Civil. É que a Fazenda Pública não tem o ónus de contestação dos factos alegados pelo impugnante, diretamente ou por remissão para documentos, como decorre do artigo 110.º, n.º 6, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. O que resulta o facto de não servir um interesse próprio, mas um interesse público e indisponível, relativamente ao qual também não é admissível a confissão – artigo 353.º, n.º 1, do Código Civil.

Quanto à questão de saber se o tribunal poderia ou não relevar a explicação apresentada pela testemunha para a apresentação do Modelo 129, apesar de não coincidir com o alegado pela própria Recorrente na petição inicial, desde já respondemos que sim, uma vez que estamos perante factos instrumentais.

Mas a questão não está em saber se a explicação pode ser considerada pelo tribunal: está em saber se essa explicação merece o acolhimento do tribunal. O que passaria, no caso, por explicar também a que se deveu a pressa na apresentação do Modelo 129 se a escritura da constituição da propriedade horizontal, que iria viabilizar, só foi celebrada anos depois. E por fornecer dados objetivos e suscetíveis de externa confirmação que pudessem corroborar essa explicação. E nada disso foi feito.

Pelo que o recurso não merece provimento, no que ao erro no julgamento de facto respeita.

3. Fundamentação de Direito

Vejamos, agora o erro na interpretação do artigo 11.º do Código da Contribuição Autárquica.

Este tribunal concorda, desde já, que este dispositivo legal não consagra mais do que uma presunção legal de que à data da apresentação da declaração para inscrição na matriz o prédio respetivo já se encontra concluído. Não apenas porque isso resulta do teor literal dessa norma, mas também porque o seu n.º 2 permite que seja fixada outra data, se o indicarem outros elementos de que a administração tributária disponha e que devam relevar.

Concorda também que se trata de uma presunção ilidível, tanto mais que a data da conclusão dos prédios releva para a incidência do imposto e o artigo 73.º da Lei Geral Tributária – que a Recorrente, e muito bem, vem desde sempre citando – não permite que sobre as normas de incidência tributária vigorem presunções inilidíveis.

A verdade, porém, é que nada do que a M.mª Juiz a quo disse na douta sentença recorrida diverge de tal entendimento. Decorre claramente do seu teor que o tribunal recorrido nunca pretendeu que a Recorrente não poderia ilidir tal presunção, mas tão só que não foi capaz de o fazer, por não ter apresentado prova convincente de que à data da apresentação do Modelo 129 o prédio ainda não se encontrava concluído.

E tal julgamento não merece censura, como decorre do ponto 2.3. supra, para o qual agora se remete.

Acrescente-se agora que a administração tributária não teria do seu lado apenas a presunção que resultava da data de apresentação da declaração para a inscrição na matriz e a que alude o artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do Código da Contribuição Autárquica. Tinha também do seu lado a presunção de verdade da declaração contida no quadro 10 desse documento e onde lhe era expressamente anunciado que as obras, no que àquele prédio respeitava, tinham sido concluídas em 1998.02.25 – artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.

E contra tal presunção não bastava avançar com dados da escrita que não se conciliassem com tal declaração. Necessário seria também que alegasse e demonstrasse porque é que esses elementos da escrita merecem maior credibilidade do que aquela declaração. O que passaria, de um lado, por uma explicação cabal e consistente das razões que a levaram a faltar à verdade nessa declaração e, de outro lado, do fornecimento de elementos de suporte que conferissem credibilidade aos valores lançados no balancete e nas contas correntes.

Em vez de uma explicação cabal e consistente para o facto de ter declarado uma data de conclusão das obras diferente de que agora pretende seja aceite, a Recorrente ficou-se por uma referência vaga e inefável a algum desnorte que viveu no período em causa (cfr. artigo 9.º da douta petição inicial). Que coroou com um testemunho titubeante e não sustentado sobre uma alegada necessidade de fazer uma escritura de propriedade horizontal, que não tinha conexão aparente com a data da apresentação da referida declaração nem vinha acompanhada de outros dados que a permitissem estabelecer.

E em vez de se apresentar em tribunal com dados concretos e objetivos sobre o estado da obra e o que faltava ainda fazer, a Recorrente remeteu-nos para valores lançados a crédito e a débito numa conta corrente, aspirando a que o tribunal se bastasse com representações contabilísticas dos factos que só ela poderia conhecer em primeira mão e gerindo a informação disponibilizada como se beneficiasse ela própria de alguma presunção a esse respeito. Que agora, em alegações de recurso, pretendeu validar remetendo o tribunal para o dever de investigação da verdade material, mas olvidando que o poder-dever do tribunal se circunscreve aos factos concretamente alegados e não suplanta nem pode subverter o ónus respetivo.

Pelo que o recurso não merece provimento.

4. Conclusões
4.1. O artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do Código da Contribuição Autárquica consagra a presunção legal de que as obras de edificação do prédio urbano a que se reporta a declaração para inscrição na matriz estão concluídas na data da sua apresentação;
4.2. E do artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária resulta a presunção de que a data de conclusão das obras de edificação aposta na declaração para inscrição na matriz é verdadeira;
4.3. Ambas as presunções são ilidíveis, por contenderem com a norma de incidência do imposto correspondente – artigo 73.º da Lei Geral Tributária;
4.4. Não ilide tal presunção o sujeito passivo que não identifica concretamente as obras de edificação que, à data da apresentação daquela declaração, ainda faltava executar.
5. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 15 de Fevereiro de 2013

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves

Ass. Pedro Marques